A cisgeneridade chega a ser patética.
Me rastejo por seus labirintos apertados, que me sufocam, que não me cabem.
E ai de mim, se ousar dar para trás e voltar para o ponto de partida, ai de mim!
Me delimita, olhando-me de cima a baixo, um sorriso presunçoso, em seus pensamentos ocos, pressupondo que quero ser como ela.
Me puxa pelos cabelos, apertando meus folículos, assim como meu coração.
"Você é só uma garotinha querendo chamar atenção. Você é artificial. Pode injetar o que for, tirar e inserir tudo, mas continuará mulher até morrer."
E me joga para o lado, fazendo minha cabeça se chocar com a parede.
Violentado, um sorriso cínico escapava de meus lábios.
Eu sou um ser humano completo, cheio de células, sentimentos, ideias, memórias, palavras, poesias e emoções.
Mas tudo que importa, são a porra dos cromossomos, escondidos por incontáveis camadas de gordura e tecido, invisíveis à olho nu, que dita nossas relações. Transparecem e dizem mais sobre quem você é, do que você mesmo.
O que há dentro de nossas mentes é descartado, e o que sobra são os corpos, severamente controlados e facilmente desprezados.
Mas a verdade é que corpos sem cabeças não existem.
Não preenchem.
Perdem o sentido.
Corpos sem cabeça caem e padecem.
A biologia, algo tão incrível, fora transformada numa máquina de invalidação. E antes dela ser estudada, o que prevalecia eram nossas relações, o diálogo, que nos fazia entendermos uns aos outros.
Nossos olhos estão cegos.
Revejamos nossa deficiência, mudemos nossa maneira de pensar.
O próximo realmente é artificial, mas será somente ele? Ou também a forma conveniente que o mundo quer enxergar?
O que há de errado em eu ser articial?
Eu serei artificial.
Meu corpo será artificial.
Meus seios, artificiais.
Meus hormônios, artificiais.
Minha vagina, nem de homem, tampouco de mulher.
Porém também, nossos esteriótipos e conceitos, artificiais.
Nossa biologia, criada por nós mesmos, artificial.
A máscara do gênero que vestimos, totalmente artificial.
Mas por que será que só silenciam aMEUtipo de corpo, aMINHAfalsidade?
Se o que me faz um boneco de pano, remendado, porém feliz e bem comigo mesmo, eu digo e repito:
Tenho orgulho em ser artificial.
Obrigado pela leitura!
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