— Bom dia, tudo bem?
O jovem tomou um breve susto, estava em cima de uma escada e de costas para a entrada da loja e não percebeu a aproximação da mulher. Na verdade, não esperava ninguém: o lugar ainda não tinha sido oficialmente inaugurado e se encontrava numa completa desordem, com partes de móveis desmontados para todos os lados e ferramentas minando o chão.
Ele desceu e tentou ser o mais cordial possível, não apenas porque a mulher era bonita, mas sim por que seria uma ótima forma de iniciar seus negócios.
— Bom dia, desculpa; não a vi entrar.
— Sem problemas. Vai ser uma loja de móveis ou marcenaria?
— Marcenaria, móveis sob medida.
— Entendi… e são novos no bairro, não?
— Sim, sou novo aqui, trabalho sozinho. Vim de Minas com a cara e coragem tentar a sorte.
— Uai! Você é mineiro? Não parece.
— Não, sou paulista mesmo, só que não consigo ficar quieto num canto por muito tempo. Tenho parentes para tudo quanto é lado, então fico um pouco em cada lugar.
— Um marceneiro andarilho, entendi.
Ela deu um sorriso, achando graça da própria piada, depois olhou em redor. O local era apertado e tinha dúvidas quanto à possibilidade daquele negócio vingar.
— Sou corretora de imóveis e, claro, a loja não está pronta, mas se precisar de algo pequeno você conseguiria fazer?
— Claro, falta de espaço eu compenso com a qualidade do serviço.
Sorriu mais uma vez, admirada.
— Gostei da firmeza da resposta. Tem algum número para contato?
— Não, acabei perdendo meu celular nessa bagunça.
— Certo, vou falar com meu marido, assim que possível entro em contato. Seu nome?
— Brunno.
— Ok. Obrigada.
— Por nada.
A mulher saiu, saltitando com cuidado para não pisar nas ferramentas, e ele a acompanhou com o olhar por algum tempo, resmungando ao perdê-la de vista:
— Falar com o marido. Que desculpa esfarrapada para dispensar um serviço.
1
Para sua surpresa, ela pareceu às 08:00hs da manhã do dia seguinte. Ainda havia muita coisa fora de lugar, porém a maioria já estava organizada.
— Bom dia. Voltei; aliás, voltamos. Esse é meu marido.
Brunno saiu detrás de um pequeno balcão de recepção, realmente contente em vê-los. Clientes, trabalho, contas pagas. Apertaram-se as mãos e de imediato notou que quem decidia as coisas era a mulher, pois era risonha e tagarelante, enquanto ele, um sujeito mediano e de óculos arredondados, mal falava. O típico casal ela quer eu faço.
— Ah, amor. Ele disse que é de Minas e está morando aqui com alguns parentes. Você não tem tios que moram em Curitiba?
— Sim, dois tios.
— Desculpa, eu disse que vim de Minas, mas sou paulista… e não estou morando com parentes. Para ser sincero, estou ficando nos fundos da loja até me acertar e encontrar um lugar maior.
— Pronto! Está falando com a pessoa certa, meu amigo. Sou a corretora que vai mudar sua vida!
Os três deram uma risada descontraída, e Brunno sutilmente olhou para os contornos da mulher, avaliando que os jeans apertados e uma blusinha com ombros de fora realçavam a jovialidade de sua beleza. O celular do marido tocou e ele pediu licença para atender, se distanciando um pouco.
— Vamos lá, preciso de um gabinete de banheiro e um nicho…
Nos minutos seguintes, ela explicou como queria o móvel, gesticulando e fazendo questão de virar-se de costas, aproximando-se da parede e informando as posições.
— …Ele vai ficar no alto…
E ergueu-se na ponta dos pés, a polpa da bunda tornando-se visivelmente saborosa.
— Deu para entender?
— Claro, farei um rascunho.
Pegou uma folha de sulfite e o primeiro traço que fez saiu meio encurvado — reminiscências da bela bunda —, que logo foi corrigido. Com destreza finalizou o esboço e mostrou.
— Mais ou menos assim, dona… dona?
— Desculpe, Pâmela. E pode tirar o dona.
— Ok, assim, do… é Pâmela.
Ela deu uma risadinha, brincando:
— Quase engasgou com o dona, hein?! Pode ficar tranquilo, devo ter sua idade, só 26 aninhos.
— Errou por dois, tenho 24.
— Caramba, 24? e já mora e trabalha sozinho? Que coragem. Sou recém-casada, tenho um apartamento que estou mobiliando e mesmo assim vivo na casa dos meus pais. Comida de mãe não tem melhor.
— Sei lá, há parentes e parentes. Minha família se dá muito bem, vivendo uns bem longe dos outros. E prefiro assim, menos confusão.
— Mas pelo menos deve ter algum amigo ou conhecido aqui no bairro.
— Tenho nada. Vim com a cara e coragem.
— É, muita coragem mesmo.
O marido se aproximou.
— Resolveram?
Ela pegou o desenho na mesa e ambos o avaliaram enquanto conversavam, enfim concordando.
— Isso mesmo. Quando fica pronto?
— Em dois dias faço a entrega e instalação.
Pâmela se surpreendeu.
— Nossa, dois dias?! Que eficiência. Está ótimo. Mas não precisa entregar, a gente retira e instala.
Foi pago um percentual à vista em dinheiro e o restante seria na entrega e logo o casal saiu de braços dados, comentando como o novo móvel ficaria no apartamento. Brunno desabou na cadeira, soltando um longo suspiro.
— Que maravilha, pelo menos vai me livrar o aluguel.
Mesmo assim seus lábios se abriram num sorriso ao recordar da calça jeans apertando aquela bela bunda.
2
O casal andou quase cinco minutos para chegar ao carro estacionado numa vaga de supermercado.
— Então, acha que vai rolar? Não vi ele te dar uma olhadinha.
O marido fez a pergunta assim que entraram, tomando seu lugar ao volante.
— Ha-ha-ha, você é cego e ele discreto. Essa bundinha aqui faz sucesso, amore mio.
Ele sorriu marotamente.
— Convencida que só. Vamos comprar chips novos?
— Claro.
3
Era pouco mais de nove horas da noite. O casal havia chegado ao apartamento há uma hora, tomado banho e naquele momento se encontravam sentados na cama, ele numa cueca box branca e ela numa delicada lingerie rosa que acentuava a beleza do seu corpo. À volta deles, uma série de anotações arrancadas de um bloco de notas se espalhava pelo edredom, sendo sucessivamente conferidas e remarcadas. Continham nomes, episódios, cenas, comentários e thrillers criminais.
Ela lia em voz alta como se revisasse tópicos de um exercício acadêmico e ele a acompanhava:
— Celulares?
— Chips novos registrados em outros nomes. Vítima não possui celular.
— Parentes e amigos?
— Distantes e ausentes, pouco provável apresentarem queixa em menos um mês.
— Como fisgar o peixe?
— A isca tem seus truques, mas usará um veículo sinistrado adquirido num leilão.
— Teoria de Locard. Cada contato deixa seu rastro.
— O local será uma chácara nas proximidades de Mairiporã. Lugar remoto, vizinhos distantes. Cômodos específicos serão revestidos com plástico- bolha.
Prosseguiram por quase duas horas, revisando detalhes e erros cometidos pelos criminosos nas séries e documentários de TV, atentando para corrigi-los de antemão.
— A Discovery Investigation tem um verdadeiro dicionário de crimes.
— Com certeza, minha femme fatale.
Ela se aproximou e deu um beijo nele, a malícia brilhando nos olhos.
— Vou poder fazer o que quiser?
— Tudo o que tem direito.
A mulher foi se estirando na cama, espalhando as anotações pelo chão, e avançando sedutoramente para cima do marido. Abaixou-se, passando os lábios por sua barriga e descendo, estimulando-o.
— Seria excitante amarrá-lo numa cadeira, se esfregar nele… — sua voz era lasciva e o olhar malevolente — …deixá-lo de pau duro, passar a mão assim, colocar a cabeça para fora, alisar com a língua… e morder com toda força! — o marido saltou num suspiro, admirado —… vai ser delicioso sentir o sangue jorrando na minha cara, enquanto ele grita.
— Você é perversa.
— Não, não. Se for para fazer, quero que seja completo. Intenso. — Ela foi se deitando sobre ele, a voz sussurrante de uma puta carniceira. — Matar por matar não tem graça, preciso sentir o prazer de ter o controle sobre a morte e o sofrimento.
— Casei com uma vagabunda lunática.
—E você não gosta dessa vagabunda? Quer que eu sussurre no seu ouvido o que vou fazer com ele?
Ele respondeu num sussurro, os olhos revirando de prazer:
— Queeero.
— Você vai acender a churrasqueira nos fundos, perto do…
4
No dia combinado, Pâmela apareceu radiante num vestidinho florido de tecido leve e babados acima do joelho, uma maquiagem discreta ressaltando o contorno dos olhos e os cabelos loiro-escuro soltos sobre os ombros. Seu perfume adocicado estava arrasador.
Brunno sentiu o suor escorrer pela testa quando a viu entrar e engoliu em seco quando ela parou na frente do balcão e o perfume avançou contra ele, praticamente o abraçando.
— Bom dia, tudo bem?
A resposta demorou a sair, mil e uma coisas passando por sua cabeça.
— Bom dia, está… sim.
— O que foi? Parece que viu passarinho verde.
Não, uma periquita florida, pensou. Tentou disfarçar, dizendo:
— É que essa é a hora mais importante do serviço: a satisfação de ver o sorriso do cliente.
O móvel estava na frente da loja e os dois se dirigiram até lá; Pâmela caminhando tentadoramente à sua frente.
— Gostou?
Ela se reclinou um pouco, como que reparando em alguns detalhes, empinando o corpo numa posição sugestiva.
— Nossa, ficou ótimo. Parabéns… Sabe de uma coisa? Meus pais têm uma casa em Mairiporã e acho que vou fazer uma surpresa. Bem… deixa-me ver… hum… amanhã é sábado… Acho que vou passar por lá e depois voltar… Vai estar ocupado amanhã na parte da tarde? Se não, já te levo lá para ter uma ideia do que quero fazer. Já foi em Mairiporã?
— Nem sei para onde é, mas se for questão de tempo, tenho de sobra.
— Perfeito. Meu marido vai trabalhar o dia inteiro, mas acho que antes do jantar estaremos em casa.
Voltaram para os fundos da loja e Pâmela realizava o pagamento em dinheiro, quando seu celular tocou. A conversa foi breve, monossilábica.
— Desculpe, era o meu marido, pedindo para encontrar com ele, vou deixar os móveis aqui por enquanto.
— Não tem problema.
— Ah, só mais uma coisa: acho que passo amanhã às quatro, posso te pegar na avenida lá em cima?
— Claro.
— Tem uma parte com um muro enorme de um prédio em construção. Fica ali, é melhor que no ponto de ônibus.
— Pode deixar. Combinado.
5
À noite, sentados à cama, o casal revisava os preparativos.
—… Tudo certo. Pagamento em dinheiro e peguei o recibo de compra, mas deixei o móvel no local.
— Onde vai pegar ele?
— Na Avenida Castilho, perto do muro. O lugar vai ser demolido e é garantido não ter câmeras próximas.
— O que fazer com as anotações?
— Bater no liquidificador e desovar no ralo.
— Desse jeito você se tornará a rainha do crime.
— E sabe que estou gostando disso? Preliminares podem ser tão excitantes quanto o ato.
6
Num cafofo aos fundos da marcenaria, deitado num colchonete que mais parecia uma dobra de cobertores, Brunno tentava se concentrar, porém aquele vestidinho florido e a dona dele não lhe saíam da cabeça, assim como o veneno destilado em seu perfume. Não era nem feio, nem bonito, mas possuía um bom porte físico, quem sabe não poderia se arriscar?
— O diabo atenta. Por que o jardim do vizinho tem que ter tanta flor?
Como deveria estar a calcinha sob aquele vestido?, tentou imaginar e a ereção veio sem sequer perceber.
7
O Aircross preto chegou ao local combinado às 16:10hs.
— Desculpe, o atraso.
Brunno entrou e colocou a mochila de ferramentas no colo, não deixando de olhar para o exuberante par de pernas da mulher, que num vestido de algodão cinza mostrava boa parte das coxas.
— Tudo isso são ferramentas? Pode colocar lá atrás. Nem sabia que precisa de tanta coisa assim.
Ele a atendeu, colocando a mochila cuidadosamente no banco traseiro, e depois respondeu:
— Sigo aquele ditado: um homem prevenido à perda de tempo não dá ouvidos.
Os dois riram, engatilhando uma animada conversa.
8
A viagem durou quase duas horas por conta de um engarrafamento e neste intervalo a jovem prosseguiu coletando o máximo de informações possíveis.
— Encontrou o celular?
…
— Não.
…
— Teve mais algum serviço?
…
— Nenhum
…
— Seus parentes não te procuram?
…
— Não, ninguém sabe por onde eu ando.
Queria certificar-se que todos os rastros estavam sendo encobertos, deleitando-se com a perspectiva de que o infeliz se encaminhava para a morte sem nem se dar conta. Pensou num maníaco escondido num matagal, espreitando a vítima que se aproxima cada vez mais. Estaria ele tão excitado quanto ela estava agora?
9
Já escurecia quando chegaram à chácara. Um lugar bem discreto, com a entrada principal composta por tijolos vermelhos e um portão marrom que dava acesso a uma trilha gramada à esquerda e mais ao fundo à ampla casa. As residências mais próximas deveriam ficar a pelo menos uns oitocentos metros de distância.
Estava tudo às escuras, mas estendendo o olhar à lateral da construção era possível ver uma luz trêmula, parecida com a de uma fogueira ou churrasqueira.
Pâmela desceu, praguejando:
— Não era para demorar tanto, acho que nem vai dar tempo de voltar. Brunno, faz assim: segue aqui pela lateral e me encontra lá nos fundos. Vou passar por dentro de casa e acender as luzes.
10
O marido viu a aproximação do carro. Escondido atrás de uma pilastra, ouvira a esposa dar instruções a Brunno, direcionando-o à emboscada. Tudo sob controle, era hora da farra, bastava seguir o plano. O taser em sua mão faria muito bem o serviço e um saco de pano encontrado por acaso no closet seria um complemento à surpresa.
11
A esposa entrou no quarto e mesmo às escuras colocou o corpete preto e calçou as longas botas de couro. Estava eufórica, os bicos dos seios tão duros que brincou com a ideia de que eles furariam o bojo. Não saberia explicar, porém uma sensação elétrica percorria-lhe o corpo. As sutis olhadelas de Brunno durante a viagem a haviam excitado, não uma excitação comum de cunho sexual, mas algo profundo, obscuro, mórbido. Queria saborear seus gritos de dor e desespero, colocar a língua em sua órbita ocular após furar-lhe os olhos e sentir a maciez da carne destroçada. E queria mais, muito mais. O marido se encarregara de recobrir um pequeno quarto perto da área da churrasqueira e trazer as várias ferramentas compradas pela manhã, inclusive uma serra circular manual igual a que viram na marcenaria.
Imaginou o desespero do homem ao vê-la seminua, a serra ligada e aproximando-se dele.
— O filho da puta vai gritar igual um condenado.
E sua vagina umedeceu-se como num escape de urina, as pernas de contraindo num pré-orgasmo que a fez revirar os olhos.
12
A luz do pequeno quarto estava acesa, o corpo encapuzado amarrado a uma pesada cadeira ao centro. Ela entrou de supetão, surpreendida pela eficiência do marido. O capuz vermelho com furos no local dos olhos causava um contraponto no ambiente estéreo embalado no plástico-bolha, arrancando um sorriso de satisfação ao imaginar que em breve tudo ali estaria da mesma cor.
Não fez cerimônias, queria a dor, agarrou uma serra circular entre as várias ferramentas espalhadas pelo chão e se aproximou. Parecia desacordado e ela fez questão de despertá-lo com o ronco estridente ao ligar o aparelho bem perto do rosto dele. O infeliz arregalou os olhos num susto, contorcendo-se mudo na cadeira, a cabeça chacoalhando em negativa. Sua boca deveria ter sido tampada.
A mulher passou a serra na altura do ombro direito, quase o decepando num esguicho de sangue, mas tomou um baita susto quando a serra travou ao se enroscar na camiseta do homem, praticamente arrancado-a das mãos e caindo no piso.
— Merda! — gritou.
— A inexperiência pode matar, sabia?
A voz surgiu subitamente às suas costas e ao virar-se num sobressalto viu um punho fechado lhe acertando em cheio o nariz.
13
Pâmela acordou quando Brunno retirava pacientemente sua própria roupa, na verdade a roupa que ele retirara de seu marido e vestira. Com a vista fora de foco, estatelada no chão, tentou se situar, mas a cabeça latejava numa dor insuportável, fazendo-a pulsar em clarões coloridos.
Ele aproximou-se, seminu, um riso quase angelical cortando-lhe o rosto. Empunhava uma enorme ferramenta, algo como uma espécie de pistola, porém um tanto desengonçada. Sentou-se, ficando em seu campo de visão, abriu um compartimento da tal ferramenta e começou a preenchê-lo com pregos imensos. Uma pistola de pregos!, seu coração se comprimiu dentro do peito.
— As coisas nem sempre saem do jeito que se planeja, não é? Ainda mais quando não se conta com a inexperiência.
Ela tentou dizer algo, mas a boca dolorida não obedecia.
— Calma, calma. Vamos começar do jeito certo.
Pâmela foi agarrada pelo pescoço, arrastada até uma das laterais do quarto, posicionada e então firmemente pregada, os pregos perfurando seus braços e pernas e deixando-a estirada na parede. Em seguida, fez o mesmo com o marido moribundo. Ao fim, sentou-se na cadeira à frente deles. E como gritaram, horrorizados, chicotadas de dor e desespero aferroando cada centímetro de seus corpos.
— Um assassino pode se redimir, um ladrão também… mas um sádico jamais deixará seu prazer de lado, sempre procurará uma forma de satisfação.
Estava suado pelo esforço, entretanto a voz era tão calma que mais parecia estar falando a crianças num jardim de infância.
— Sempre gostei do sabor da morte, inclusive a morte lenta, angustiada, repleta de gritos e súplicas de misericórdia… Matar é inebriante, um consolo a um demônio devasso que só existe aqui dentro da mente, mas com o tempo pesa aos ombros…
— Por favor, me solte… estou perdendo muito sangue, vou morrer aqui… meu braço, meu braço. Ai!
O homem gemia numa lamúria desagradável e sem dizer uma palavra Brunno pegou a serra jogada ao chão e fez um talho horizontal em sua boca, cortando bochechas e dentes num bizarro sorriso. Voltou para a cadeira.
— Dona Pâmela? Está me ouvindo?
A mulher olhava estarrecida para o estrago feito em seu marido e em pânico voltou-se para Brunno.
— Você é uma isca deliciosa, sabia?, e merece saber algumas coisas antes da verdadeira festa começar.
Foi até sua mochila, pegou um formão largo e um martelo de madeira. Levou a cadeira para perto da mulher, sentou-se ficando à altura das canelas da dela. Apoiou o formão e começou a bater de leve, removendo uma tira de pele. E a cada pequena batida ela gritava enlouquecida, cada movimento acrescentando dores excruciantes às áreas presas aos pregos.
— O prazer que antecipa a morte é divino, então quanto mais prolongado melhor. Com aquela serra você teria me matado em minutos pela perda de sangue, desperdiçando a parte mais preciosa do processo.
Pâmela urrava e o formão e as batidas avançavam em total frenesi, deixando os ossos da canela expostos.
— Sabe qual foi o erro de vocês? Serem dois palermas. Uma por querer ensinar a missa ao vigário com uma conversinha fiada… não é de hoje que sou formado em engenharia social, putinha rabuda… e o outro por ser tão imbecil que esqueceu que óculos refletem no escuro, denunciando o elemento surpresa. Um soco e ele já apagou. Vocês tinham muito a aprender… e a má sorte é que caíram na mão de um professor que vai adorar ensinar na prática como as coisas realmente são.
14
Uma semana mais tarde, Brunno passava frente à padaria vizinha à marcenaria, quando viu a chamada no televisor ligado:
MONSTRO! MONSTRO! MONSTRO! MONSTRO!
Casal é encontrado brutalmente assassinado em sítio da região de Mairiporã. A família e vizinhos estão estarrecidos com o crime. A polícia não tem a menor ideia do que possa ter acontecido, já que não foram encontrados quaisquer rastros de sua chegada. Mistério! Nem carros, nem celulares das vítimas estavam no local. Fontes não-oficiais apontam marcar estranhas nos ossos das vítimas, uma espécie de assinatura encontrada em assassinatos ocorridos no Espírito Santo, Minas Gerais…
— Acho que é hora de desaparecer — resmungou, olhando para a entrada da loja que mal trabalhara.
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