Estaciono o carro próximo às árvores e caminho pela trilha de terra vermelha que leva direto à entrada da casa da chácara. Paro alguns metros admirando aquela porta marrom-escuro e velha. Não consigo evitar a voz de minha recém-falecida mãe em minha cabeça, Um lugar amaldiçoado, ela diz... ela sempre dizia isso, mas ignoro e procuro as chaves dentro da minha bolsa.
Está calor, e meus cabelos curtos grudam no meu rosto, afasto-os e abro a porta. O cheiro de poeira e de fuligem do fogão a lenha invadem minha narina.
Minha mãe costumava vir aqui todos os finais de semana para limpar, mas nunca permitiu que eu a acompanhasse. Agora que ela se foi, porém, sinto uma necessidade inexplicável de estar em todos os lugares que ela já esteve, de tocar em todas as coisas que ela já tocou, de eternizar em mim a presença dela mesmo agora que ela não mais está aqui.
O pôr do sol se aproxima. Eu sabia que deveria ter vindo mais cedo, mas o receio e o peso de todos os avisos da minha mãe me deixaram um pouco apreensiva. Lembro de suas últimas palavras, pouco antes de a vida ser levada de seu corpo: Júlia, aquela casa... E nada mais ela disse, nada mais diria, porque seu tempo aqui na Terra terminou.
Há uma pilha de lenha seca do lado do fogão. Faço o melhor que posso para acender essa velharia, mas o máximo que consigo é um fogo baixo e bruxuleante, além de ficar coberta de cinzas. Arrisco fazer um café, e pelo menos isso dá certo, fico um pouco mais relaxada com esse pequeno sucesso.
Por sorte, há luz elétrica, pois não sei como me sentiria em um lugar tão isolado, cercado por árvores e mato, sem ao menos isso. Me sento à mesinha de madeira, mesa que minha mãe dizia com orgulho ter sido talhada por meu pai, e tomo meu café enquanto aprecio o zumbido dos insetos e o jeito como o cômodo fica estranho sob a luz amarelada da lâmpada.
É quando tudo começa. Depois de a escuridão engolir o mundo. Eu não percebo de imediato, talvez porque o som começa muito baixo, como se mesclado ao dos insetos que cantam do lado de fora, mas o barulho de algo se partindo ao chão me faz derramar o resto do café que há em minha xícara e me levanto em um pulo, o coração na boca.
Com passos lentos, vou até a sala, acendo a luz e contemplo um prato de porcelana de enfeite quebrado em três. Três, um número divino. Me abaixo para pegar os cacos quando enfim percebo o zumbido aumentar, sinto um tremor e caio de quatro no chão, ofegante.
— O que é isso? — murmuro, olho para os lados e tento entender o que está acontecendo.
A casa não treme como em vídeos que mostram terremotos; em vez disso, ela vibra, provocando um ranger que mais parece o grito agudo de um gigante louco. Ergo-me do chão com a voz de minha mãe em meus pensamentos e me apresso para alcançar a porta, mas a sensação que tenho é de que o caminho se alonga e se estica de maneira colossal, até que as luzes se apagam. Tonta, apoio minhas mãos em meus joelhos e balanço a cabeça com os olhos fechados. Devo estar louca, talvez um efeito do luto.
Um frio percorre minha espinha. A certeza de um corpo gélido e sombrio atrás de mim faz com que eu fique ereta e prenda a respiração.
— Amaldiçoada. — Ouço minha mãe dizer. — Aquela casa...
O silêncio se faz presente, o zumbido e a vibração cessaram e a única coisa que resta é a certeza daquela presença. Viro-me devagar, trêmula e soltando o fôlego aos poucos para não fazer barulho.
É quando a vejo. Está escuro, mas sua silhueta magra e de dois metros e meio de altura é muito mais negra que seu entorno. Abro a boca para gritar, mas não consigo. A sombra cresce, e eu sinto no meu âmago que ela sugará tudo o que eu sou e depois me extinguirá.
Mãe... agora entendo o que a senhora sempre tentou me falar.
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