Os passos apressados da criada ecoavam nos corredores vazios, imersos no silêncio denso que antecede os gritos. Mabel trocava, incessantemente, de uma mão para a outra os cinco envelopes com selo real, tentando secar as palmas nos intervalos. Não podia danificar as últimas esperanças do reino, e essa ideia não a ajudava a parar de suar.
Sem se anunciar, abriu a porta da cozinha com mais força do que planejava. Um gritinho quebrou o silêncio. Olhou ao redor, os demais criados se amontoavam debaixo da mesa de trabalho.
— Rob! - chamou, sem tempo para pedir desculpas pelo susto.
O mensageiro, que estava muito bem camuflado entre os demais, se apressou em sair do esconderijo. Era um garoto esguio e veloz, tão covarde que nunca havia perdido uma mensagem sequer, corria ao menor sinal de perigo.
— Vossa Alteza, a princesa Katherine, deseja enviar essas cartas para os reinos vizinhos. Um pedido de ajuda contra as fadas - completou a mulher.
— É melhor que ela esteja oferecendo um pagamento muito bom! - exclamou um cavalariço.
— A própria mão em casamento… E o trono de Lunadelle.
Alguns dos presentes arfaram, outros abaixaram os olhos em derrota.
— Como ela pôde prometer tal coisa, se não é a próxima na linha de sucessão? - Quem perguntava era Jill, a dona do gritinho.
A expressão de Mabel dispensava complementos verbais. “Quando a ajuda chegasse, seria”. Ela estendeu as cartas para Rob.
— Qual devo entregar primeiro? - perguntou o garoto, guardando os envelopes numa bolsa de couro que trazia junto ao corpo.
— Tente Thalendell, eles tem um Rei recém coroado. - Mabel suspirou. - Os jovens costumam ser os mais imprudentes. Agora, todos para fora!
— Não é seguro lá fora! - protestou Jill.
— É mais seguro do que este castelo será em alguns instantes.
***
Katherine descia os degraus com calma, os cabelos perolados estavam desgrenhados e olheiras profundas emolduravam seus olhos. Passava as mãos delicadas pelo cobertor de plantas que revestia as paredes de pedra. Fechou os dedos e arrancou um punhado de folhas, deixando-as cair uma a uma aos seus pés. Segurou a última entre o indicador e o polegar e a assistiu queimar. A vida se transformando em cinzas, assim como aconteceria com o castelo em que nascera e fora criada, com o lugar em que fora feliz, tivera uma família.
Deu uma última olhada nos corredores vazados, no jardim do átrio central, no trono enroscado e decorado em flores. Suspirou e colocou uma mão em cada parede. As sentiu formigarem, as luzes amareladas surgindo debaixo de seus dedos. Deu uma risada nervosa, aquela insanidade tinha começado com uma chama sua, agora o reino se acabaria da mesma forma.
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