isaautora Isa Miranda

A busca pelo seu par é uma das metas de Anna Julia, para isso ela recorreu a sites e aplicativos de relacionamentos. No entanto, há muito mais por trás desses encontros às escuras.


Conto Impróprio para crianças menores de 13 anos.

#amor #crime #mistério
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Encontro às escuras

📷

"Os velhos olhos vermelhos enganam

Sem querer

Parecem claros, frios, distantes

Não têm nada a perder

Por que se preocupar por tão pouco?

Por que chorar se amanhã tudo muda de novo?"

– Capital Inicial – Olhos Vermelhos –


A canção favorita era cantarolada como um eco em várias ondas de rádio, em pleno verão de 2012. O calor estava a pico na cidade do Rio de Janeiro, típico daquele lugar onde já fora cantado "Rio 40°". Atualmente, a temperatura estava mais para "Rio 60°".

Ana Julia estava animada, afinal de contas, após um longo período de abstinência finalmente teria um encontro. Não que aquilo fosse ruim, ficara vários anos sozinha, mas acreditava que era o momento certo para sair e recomeçar a vida. E isto incluía encontrar alguma pessoa para ter ao seu lado. Com ajuda desses típicos sites de relacionamentos, ela buscou diversos pretendentes. Diante de tantos perfis e tantas descrições – das tentadoras às mais bizarras e cara de pau –, encontrou alguns homens que pareciam interessantes, mas pensava consigo mesma que a grande maioria eram uns idiotas.

Naquela noite, seu pretendente chamava-se Carlos Henrique. O homem era lindo, tinha um bom papo e era simpático. No inicio, Ana Julia não acreditou que Carlos fosse realmente se interessar por ela, já que era uma mulher simples e de uma beleza, digamos, comum para os padrões daquele lugar. Ela ainda tinha receios quanto àquele homem tão atraente lhe dando atenção, achava que era pura brincadeira por parte dele, então, sempre que ele queria marcar um encontro pessoalmente, inventava uma desculpa para não ir.

— Eu entendo, Carlos. Sinto muito, mas infelizmente esse período tem sido agitado para mim, não tem me sobrado tempo para sair — a mulher se esquivou.

— Quando poderei te ver pessoalmente?

— Em breve. Poderemos marcar assim que eu resolver algumas pendências do passado.

— Algum ex tem perturbado sua vida?

— Não exatamente, mas tem a ver.

Ambos sorriram e continuaram a conversar trivialidades. Apesar do receio, a mulher deleitava-se ao admirar o correspondente. Carlos era um moreno que deixava a jovem Ana Julia nas nuvens, parecia um modelo de capa de revista, forte, alto e sorriso cativante. Além disso, sabia conversar muito bem, não era o tipo de homem que se gabava de seus feitos ou se utilizava de elogios baratos para conquistar uma mulher. Parecia bom demais para ser real.

O tempo passava a esmo e, apesar da desculpa, a vida de Ana Julia era realmente agitada. Sobrava-lhe tempo apenas ao fim do dia, e ela sempre combinava de conversarem à meia noite. Prontamente o rapaz estava toda noite online naquele horário. A mulher sentia-se satisfeita pelo fato dele sempre estar disposto a dar atenção a ela quando pedia.

Carlos, por sua vez, não media esforços em agradar a difícil pretendente. Estava ali nas videoconferências elogiando de forma gentil e com voz sedutora. Cativando-a, pouco a pouco, em cada gesto e detalhe, durante os longos papos madrugada adentro.

📷

— Finalmente estamos aqui – a jovem disse, já despida, enquanto se aninhava entre os lençóis. Seus olhos brilhavam de desejo, sem desviar o olhar de seu afeto, como se temesse que sumisse. – Parece um sonho... Ainda não acredito que isso está mesmo acontecendo. – Sorriu e estendeu a mão em um convite. – Vem, estou ansiosa para te ter em meus braços.

A garota ofegou com o belo sorriso e fechou os olhos ao receber o suave afago em sua face. Aqueles simples gestos e toques eram o suficiente para elevar ainda mais seu estado de excitação. Mas aquilo era pouco. Ela queria mais, precisava de mais. Depois de tantas conversas e encontros virtuais, o que a jovem necessitava, naquele momento, era de contato físico. Imediatamente.

Ela inspirou fundo e abriu os olhos, tornando a fitar sua companhia com intensidade.

— Ficamos tanto tempo atrás de uma tela de computador que estou nervosa. Te quero tanto que não sei por onde começar.

Outro sorriso foi recebido após aquelas palavras e o coração da jovem se acelerou ao ver o alvo de seu desejo se juntar a ela na cama. A primeira carícia fez sua pele se arrepiar por completo. O corpo dela era tocado e afagado, as mãos deslizavam por toda a extensão assim como os beijos sedutores, até que os lábios chegaram a seu pescoço. Um beijo mais ousado arrepiou a pele novamente e a fez estremecer.

— Sou sua... – murmurou, entregando-se por completo.

Já passava das duas horas da manhã quando a camareira passou pelos corredores do hotel, levando um carrinho com lençóis novos para serem trocados e produtos de limpeza. Normalmente ignorava a movimentação dos clientes e tentava manter-se fora das vistas dos mesmos, mas algo naquela vez chamou sua atenção. Uma porta estava aberta no fim do corredor.

Intrigada, a mulher largou o carrinho onde estava e se aproximou pé ante pé da entrada do quarto. Ao contrário dos outros quartos ocupados, não havia som lá dentro. A camareira ficou ainda mais curiosa e resolveu espiar. Também não se via nenhuma movimentação.

Esperou um tempo seus olhos se acostumarem com a penumbra do quarto, quando ela enfim notou que havia alguém na cama. Pensou que talvez fosse melhor ir embora, mas a situação estranha a fez se preocupar. E se o cliente tivesse passado mal? Tomou coragem e se aproximou, mas a pessoa deitada não esboçou reação.

— Ei... – Ela chamou. – Você está bem?

Tocou a pessoa e notou a pele fria. Ficou ainda mais preocupada e resolveu acender a luz. Olhou para a cama e viu que o corpo ainda não havia se movido. Tornou a se aproximar e deu a volta na cama para ver melhor.

Seu grito de horror ecoou pelo lugar.

A polícia foi acionada e logo chegaram ao motel. O quarto foi isolado e os peritos começaram a processar o local do crime.

— Outra vítima, pobre mulher...

O gerente do local cooperou, mas não parecia ciente do que acontecera. Verificaram os pertences da moça e encontraram seus documentos, mas não havia nenhum registro em seu nome. Ninguém sabia ao certo de onde ela viera, ninguém vira nada e muito menos quando ela chegou.

Os policiais pediram as gravações das câmeras internas e as levaram até a delegacia, na esperança de que, daquela vez, conseguissem captar alguma coisa. Conforme o delegado temia, aquele era um padrão que estava se repetindo. Não estavam lidando com um assassino qualquer. Uma pessoa que não deixava rastros, e que, de alguma forma, conseguia sumir com toda e qualquer gravação que pudesse conter alguma pista sobre sua identidade.

O delegado reuniu os empregados e o gerente do hotel, e exigiu total sigilo sobre o caso. A polícia estava em maus lençóis, afinal, aquela já era a quarta vítima e, ao que tudo indicava, não seria a última. Se algo sobre aqueles assassinatos vazassem, a população entraria em pânico.

Após aquela breve reunião, o homem dispensou a todos. No entanto, assim que pôs os pés fora do hotel, um flash ofuscou suas vistas.

A imprensa já estava ali.

****

Um burburinho agitava um dos corredores do prédio onde Ana Julia morava.

— Estão sabendo? – uma jovem dizia à amiga, em tom de confidência.

— O que? – A outra moça, que tentava pegar as chaves de seu apartamento na bolsa, olhou a amiga vizinha, com uma expressão intrigada.

— Aconteceu mais uma morte nessa madrugada – fofocou.

— O assassino do encontro às escuras? – Balançou a cabeça, negando com leve sorriso de desprezo. – Ainda me pergunto como tem tanta gente que cai nesse tipo de armadilha.

— Deve ser carência. – A outra deu de ombros, abrindo a porta de seu apartamento.

Já era tarde da noite quando Ana Julia chegava do mercado. A mulher passava pelo corredor carregando sua sacola de compras quando ouviu a conversa por acaso. Curiosa, resolveu abordá-las.

— Aconteceu algo meninas? – Se aproximou perguntando.

— "O assassino do encontro às escuras" atacou de novo. Bizarro, não é? – A jovem empurrou a porta de seu apartamento com o quadril, carregando nas mãos suas próprias sacolas de compras.

— Pelo visto essa história vai render. – Ana Julia abriu a porta de onde morava, acenou para as jovens vizinhas e entrou em seguida.

Naquele verão, a cidade passava por um mistério macabro. O motivo? Um suposto homem, o criminoso apelidado de "assassino do encontro às escuras". Diversas pessoas, entre homens e mulheres, eram encontradas mortas em motéis ao longo de toda a região.

Os policiais tentaram abafar os casos, mas não conseguiram. A mídia descobrira o ocorrido e logo correram atrás da notícia como abelhas no mel. Sem opções senão admitir a existência dos crimes, enfim o delegado realizara uma comitiva de imprensa naquela tarde e explicara a situação.

Os burburinhos estavam em todo o lugar e as pessoas só falavam naquilo, todos divagavam sobre quem seria o misterioso assassino. Ana Julia estava preocupada, mas preferiu não se importar demasiadamente. Afinal, não poderia parar sua rotina por causa dos acontecimentos.

Todas as noites, a mulher voltava a falar com seu "amigo" pelo chat. Naquela noite, no entanto, foi diferente. Apesar do que acontecia na cidade, ela decidiu finalmente marcar o encontro com Carlos. Sempre conversavam todas as noites e ele era um homem gentil, estava fora de suspeitas.

Tomou um banho demorado, se arrumou, ligou o computador e acessou o chat. Ana Julia deu um sorriso ao ver o status do contato. Carlos Henrique, como sempre, estava online pontualmente à meia noite, bem disposto e sorridente. Conversaram por horas madrugada adentro e, quando estava perto de amanhecer, ela finalmente disse:

— Vamos nos encontrar pessoalmente, Carlos?

O homem arregalou os olhos, surpreso. Teria ouvido direito? Mal acreditava naquelas palavras. Depois de um breve momento para se recompor, ele concordou com um largo sorriso.

— Finalmente vou poder te ver pessoalmente!

— Sim, está feliz? – Ana Julia ficou sem jeito com a empolgação dele.

— Se estou feliz?! – exclamou alegremente. – Claro que estou feliz! Há meses quero ter você em meus braços e, agora que essa possibilidade está tão perto de se realizar, não vou conseguir parar de pensar em um só minuto. – Fechou os olhos e inspirou fundo, fazendo uma breve pausa enquanto apreciava o momento. – Quando?

— Amanhã.

— Ótimo. – Carlos olhou-a pela tela e continuou. – Meia noite?

Ana Julia olhou-o um tanto tensa, estranhando aquele horário.

— Nossa, por que tão tarde?

— Veja bem, esse é o nosso horário – explicou. – Sempre nos falamos exatamente a meia noite, acho que é algo místico.

Ela sorriu timidamente e ficou pensativa. Estaria sendo imprudente se marcasse com ele nesse horário? Questionava-se mentalmente até que suspirou, respondendo:

— Podemos nos ver nesse horário. Aonde nos encontraremos?

— Na Lapa. – Carlos combinou o lugar. – Saímos para dançar, beber e comer algo.

— Ótimo, amanhã à meia noite, perto do Circo Voador, nos arcos da Lapa – Ana Julia confirmou.

Assim, ambos se despediram, com a expectativa do encontro aguardado por tantos meses de conversa a finco pelo chat. Agora, só precisava firmar algo que realmente desejava: recomeçar a vida, e ao lado de um companheiro. Carlos era o escolhido e sabia que o desejo era reciproco.

Na noite seguinte, Ana Julia aguardava na porta do Circo Voador. A jovem estava vestida com um belo vestido curto e preto, de saia justa que marcava bem suas coxas marcadas. Não tinha um corpinho violão, mas, colocando a roupa certa, ficava bem atraente.

Carlos apareceu na hora marcada, à meia noite estava ali, de pé a sua frente, elegante em suas roupas igualmente negras, com um sorriso sensual de derreter qualquer coração.

O casal se olhou por alguns instantes, como quem ainda não acreditava naquele momento tão esperado. Foi Carlos que iniciou o contato, caminhou até ela e a envolveu em seus braços, tão calorosos e cheios de desejo. O beijo seguinte selou aquele encontro, beijo que os marcaria para sempre.

Ela estava feliz, radiante e nas nuvens. Ana Julia não conseguia parar de olhar para Carlos e ele retribuía aquele olhar com a mesma intensidade.

— Vamos aproveitar a nossa noite?

— Claro. – A mulher respondeu segurando a mão dele, entrelaçando os dedos. Aquela mão firme e grande, que ao segura-la fazia quase sumia a sua.

A noite foi sensacional. Dançaram na boate, beberam e comeram, foi um perfeito encontro para um jovem casal que iniciava um relacionamento. Aquele pouco e agradável tempo passado ao lado do homem tão maravilhoso só fazia a certeza de que ele era o homem perfeito aumentar.

Por volta das 4 da manhã, o inevitável aconteceu. Carlos a convidou para estenderem a noite em um motel. Ana Julia, no entanto, ainda não sabia algo deveria acontecer logo no primeiro encontro. Deveria se entregar a companheiro justo quando o conhecera pessoalmente?

Ele, como sempre sedutor e galante, não se deixou abater pela hesitação dela. Agora que finalmente tinha-a ao seu lado, não poderia deixá-la escapar com tanta facilidade. Não sem antes poder provar um pouco mais do delicioso sabor que ele tanto sonhara.

Com as palavras certas, Carlos soube estimular os pontos fracos da moça e conseguiu convencê-la a irem ao motel. Ao chegarem, subiram as escadas de mãos dadas, abriram a porta e entraram no quarto. Ali, se entreolharam, cheios de sentimentos. Saboreando cada segundo, o homem não tirava os olhos da companheira conforme ela se despia e fez o mesmo.

Agora, Carlos tinha certeza: Ana Julia seria toda sua.

****

"E, novamente, a cidade acorda com um novo assassinato. As autoridades policiais já cogitam a possibilidade se tratar de um serial killer, já que os padrão das mortes vem se repetindo. Este foi o quinto corpo, somente nesse mês, encontrado no motel, com as mesmas características no ato do assassinato.

"O que torna esse caso assustador, assim como os anteriores, é a forma como as vítimas são encontradas. Todas, sem exceção, foram degoladas. O delegado da 45º DP vem intensificando as investigações para encontrar o 'assassino do encontro às escuras', mas, até o momento, nenhuma pista que leve ao criminoso foi encontrada.

"Muito estão assustados e os policiais avisam as pessoas evitarem encontrar-se com alguém que conheceram em site de relacionamentos."


De pé, olhando aquela notícia na TV enquanto bebia um líquido rubro da taça em sua mão, caminhou para seu notebook, sentou na cadeira de frente, abriu o site de relacionamento e, em seguida, logou no chat.

"O que mais intriga nesse caso de assassinatos é a forma que as vítimas são encontradas, degoladas e secas, como se todo o sangue fosse drenado."

Ana Julia tomou mais um gole do líquido rubro e olhou a tela do computador.

— É uma pena não ter sido você, Carlos.

A jovem vampira estava decepcionada. Procurava um companheiro, aquele que pudesse suportar a transformação, para que sua eternidade não fosse mais uma completa solidão.

Não tardou a encontrar um novo perfil interessante, mais uma vítima atraída para sua armadilha mortal.

— Olá.

— Olá.

— Vamos conversar?

— Sim, como se chama?

— Ana Julia.

– Fim –


Conto de Isa Miranda
Revisão e co-autoria: Fabiana Prieto

10 de Outubro de 2020 às 14:35 1 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

Conheça o autor

Isa Miranda Escritora, designer editorial, editora de vídeos, assessora e divulga autores nacionais. Publica em plataformas digitais Wattpad e Amazon, participa de antologias e escreve para o Cyber TV. Nerd, otome e geek apaixonada pela cultura oriental. Viciada em RPG, livros, filmes, animes, séries e dramas BL asiáticos. Gêneros que escreve são dark fantasy, fantasia urbana e Boys love. A mãe de Rafael e Yasmin. Não gosta de café. Siga no Instagram @isaautora //

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Isís Marchetti Isís Marchetti
Olá, Isa! Tudo bem com você? Faço parte do Sistema de Verificação e venho lhe parabenizar pela Verificação da sua história. Eu tenho que dizer do quanto eu sofri com esse texto! Aquela coisa de que “sei o que é que está acontecendo”, “já saquei o que a autora quer” entre outros, mas para a minha completa repreensão, adivinha? NÃO ERA NADA DISSO! Foi um dos melhores plot twist que eu já li na minha vida, sem dúvidas. Eu adorei a forma com que você fez com que eu pensasse que o culpado seria Carlos, mas de repente, se mostrou ser a jovenzinha inocente, que tinha medo até de dar um passo para seguir em frente. Sério, foi incrível. Bom, a coesão e a estrutura do seu texto estão ótimas. A narrativa está muito boa e juntamente com as descrições que você passou das cenas, fez com que a história simplesmente acontecesse de uma forma fluida e sem nenhuma incompreensão. A sinopse apesar de pequena, meio que já deixa o autor esperando por uma tragédia, mas também não prepara o coração de quem vai ler, para uma grande reviravolta. Apesar de tudo estar em ordem, a faixa etária precisa ser realocada para 18 anos, para se encaixarem com as regras, então peço por gentileza para que mude. Quanto aos personagens, eu não esperava que Ana Julia fosse, de fato, uma vampira, talvez uma assassina mesmo, fria e calculista, mas vampira não, o que fez com que ela fosse mais temível ainda, de certa forma! Eu achei que super combinou com esse desfecho, haha. Quanto à gramatica, seu texto está muito bem escrito e desenvolvido, de verdade, porém tem um pequeno apontamento que acabou passando despercebido na hora da correção em: “— O que?” em vez de “— O quê?”, não é algo que interfira na compreensão então você é livre para manter assim se quiser. No geral, foi uma história que realmente me pegou desprevenida e eu adorei a ideia do enredo. Foi uma leitura maravilhosa e diferente do que estou acostumada a ler por aqui. Desejo a você sucesso e tudo de bom! Abraços.
December 12, 2020, 17:36
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