auraetheral aura etheral

Uma nova era começou, mas Namjoon e Jungkook ainda estão presos ao passado. Arrependimentos, traumas, perdas e mágoas precisam cessar, Namjoon está disposto a largar tudo, até mesmo sua alma gêmea ingrata. Só que Jungkook é insistente e lutará para o manter consigo. { NamKook Fest BR 2020 }


Fanfiction Bandas/Cantores Impróprio para crianças menores de 13 anos.

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Brand new life; único

Essa oneshot é um extra da minha fanfic Red Ring, então, contém muitos spoilers dela. Mas, caso você não se importe com isso, poderá lê-la normalmente. Postei separado, pois lá o foco é Vmin e aqui é Namkook.

Mais uma viagem em vão, ele não está por aqui também. Perguntei sobre o paradeiro dele a quem se esconde nessa região, mas nunca o viram. Acho que é hora de parar de vez, ele não vai voltar. Se nem para a irmã voltou, então não há razão para persistir nessa busca desgastante. Estou retornando para casa. Ao menos sei que ainda tenho você comigo. A única pessoa que me restou. Nos vemos depois em casa – e desligou sem esperar pela resposta.

É sempre assim, Jungkook não se importa com o que tenho a dizer. Só pensa em Jung Hoseok, só fala de Jung Hoseok, só levanta da cama e sai de casa por Jung Hoseok e ainda tem a coragem de me ligar todas as vezes que não o encontra, lamentando como se eu fosse seu porto seguro, sendo que o verdadeiro está desaparecido há três anos. É tolice pensar que ainda está vivo, era foragido. Foi um dos mais procurados depois que a Era da Engenharia Genética caiu. Como ele mesmo disse, Hoseok jamais voltou para ver a própria irmã que passou por complicações, imagine voltar por Jungkook. Era isso que queria afinal, ver o outro uma última vez já que não houve despedida. Enquanto fico aqui, com cara de idiota, ouvindo seus lamentos por ligação não rastreável e esperando que volte bem. Eu, um ainda refém do antigo sistema.

Sua "alma gêmea" abandonada.

Aquele velho mundo de genes alterados industrialmente ainda em embriões, com núcleos celulares divididos para que no futuro se completem ao encontrar sua metade "perfeita" através de sinergia, fora derrubado após a publicação do artigo de Park Jimin. Jungkook, Jung Hoseok, Min Yoongi, meu primo Seokjin e eu participamos para que tudo viesse à tona conforme o jornalista queria. Às vezes fico pensando se não deveria tê-lo ajudado mais, só que agora é tarde para todos nós. Meu primo continua confinado nos Arquivos, Min Yoongi permanece no Centro de Pesquisa e até onde sei, nenhum deles passou pelo processo de injeção nano robô. Não nos comunicamos há um pouco mais de um ano, para a segurança de todos. A última notícia que tive foi que Dawon, esposa de Seokjin e irmã de Hoseok, teve de tomar as doses de nano robôs para que sobrevivesse. A Matriz de Concepção e suas sedes fecharam, o que tornou bem complicado resolver o problema uterino dela e, principalmente, o erro que cometeram. Não sei se ainda estão bem ou foram descobertos como cúmplices da revelação. Somente fico aqui, nessa casa pacata no meio da floresta ao norte do país, ouvindo a rádio clandestina de outros fugitivos informando as manobras de sobrevivência as margens da sociedade e até sobre fuga para outros países, seja a navio, avião ou a pé.

Suspirei, olhando a hora: quatro e vinte da manhã. Aquele idiota do Jungkook foi tão longe que só chegará amanhã a essa hora ou nem isso. Não importa, eu também não devia estar acordado olhando pela janela pensando que ele poderia estar aqui ao meu lado, jogando conversa fora e esperando juntos o sol nascer pelas folhagens das árvores acinzentadas. Jungkook bem que poderia ao menos respeitar meus sentimentos. Se eu estou aqui é por ele. Sou imbecil ao ponto de ainda estar nessa droga de barraco de madeira por ser perdidamente apaixonado pela minha alma gêmea de laboratório que não fica um minutos no mesmo lugar comigo e só tem olhos para um homem morto. Arrisca a própria vida andando sem propósito por aí, podendo ser pego e me deixando aflito, considerando o pior toda vez que sai. Estou cansado de sustentar essa relação da qual ele só me usa para garantir um teto a cada mês. Como posso ter aturado isso nesses dois anos? O amor é mesmo cego. Eu não posso ficar nisso para sempre. Eu não quero morrer esperando por ele. Quero voltar a viver.



⟨ ∆ ⟩



Eram seis da manhã do dia seguinte quando o vi pela janela se aproximando. Entrou tentando não fazer barulho, mas suas botinas pesadas e a mochila roçando no casaco grosso dificultaram. Colocou a bolsa no chão e foi para a cozinha sem ao menos me notar sentado na poltrona velha no canto extremo da sala. Ele tirou as luvas, as jogou no balcão, abriu o armário de madeira e pegou uma maçã. É tão desatento que, nesse silêncio, se eu estivesse dormindo, poderia escutar o som do aquecedor no quarto. Ainda está pensando que poderá fazer o de sempre, tirar parte das camadas de roupas que usa, entrar no cômodo e se deitar ao meu lado. Essa ideia me fez rir soprado, Jungkook deu um sobressalto de susto ao finalmente me notar.

— Pensei que estivesse dormindo – disse, mastigando o pedaço de maçã que mordeu.

— Já dormi o bastante – observei-o se sentar no pequeno sofá. Seus olhos estão arregalados, os cabelos escuros um pouco bagunçados e úmidos atrás da faixa preta.

— Estou de volta – sorriu acanhado ao cumprimentar. A expressão doce nas faces pálidas, a bochechas rosadas de frio e os lábios vermelhos rachados quase me guiaram a aproximação para cuidar dele, só que dessa vez não irei cair nessa. Cuido dele a mais tempo que deveria. Estou cansado. — A sudoeste, eu soube...

— Não quero saber – o interrompi, ríspido. Jungkook piscou, perdido. — Dessa vez, te esperei para que possamos nos despedir sem que você se senta mal com isso.

— O que? – sua voz saiu sussurrada, as sobrancelhas se juntaram, confuso. — Está indo embora? Assim do nada?

— Não é do nada, você nunca esteve aqui para entender – continuei o fitando sério. — Não há o que me prenda a esse lugar. Perdi tempo demais acreditando em sua tola esperança; esperando algo de você. Eu cheguei a criar a ilusão de que um dia nós daríamos certo, mas você nunca quis isso. Prefere se agarrar a uma fantasia do que olhar na minha cara.

— Ter fé é fantasioso? – contestou, alarmado.

— Quando é evidente que Hoseok está morto, com certeza! – exclamei, gesticulando. — Três anos, Jungkook. Eu ainda trabalhava no Governo, poderia saber se fora pego. Sabe que ele não fugiria sem levar Dawon e meu primo junto. Foi morto por algum agente especial e jogaram o corpo em algum lugar ou o queimaram, sei lá. Não importa! Hoseok definitivamente está morto. Fui um idiota por deixar você ter esperança de algo diferente, eu devia ter puxado suas rédeas, mas não queria te ver mais triste do que já está. Tive que suportar tudo isso sozinho, já que a única pessoa com quem eu poderia conversar não é presente. Eu mesmo tive de me confortar em dias que imaginava o pior acontecendo com meu primo. Será que ainda está vivo? Será que descobriram a verdade, por isso nós dois continuamos sendo procurados?

— Não quero pensar nessas coisas, mas desisti de procurar por ele – Jungkook desviou do meu olhar.

— Um pouco tarde não acha? – a retórica o fez se encolher. — Esperou um cara apaixonado ser o racional entre nós. Você devia ter vergonha por ter me usado. Pisou nos meus sentimentos diversas vezes, me convenceu a me juntar a você na fuga, me fez imaginar que se importa comigo...

— E eu me importo com você, nunca disse o contrário! – ele elevou a voz, finalmente voltando a me encarar. — Seus sentimentos que são uma mentira.

— Não vou ficar aqui ouvindo isso – me levantei, irritado. É a gota d'água. — Por anos você vem com esse discurso de que me “apeguei” aos códigos de fabricação e que estou agindo conforme o sistema queria. Você não é Park Jimin para ter o mesmo direito de me chamar de “cachorrinho do governo”. Existiram almas gêmeas que realmente se amaram, independente da modificação genética, e você as conheceu! – algumas lágrimas queriam sair, porém as contive. — Dizer que meus sentimentos são uma mentira só prova o quão ingênuo é. Eu poderia ainda está lá na Central, fazendo a diferença de dentro para fora, mas não, você e seu jeitinho me convenceram a sair porque Hoseok tinha um plano grandioso. Olha onde estamos! – Jungkook estremeceu com meu tom, seu temor é nítido. — Larguei meu primo e Yoongi para ficar com você. Não é amor programado, é um sentimento real. Ao contrário do que acha que sente por Hoseok. Você não o amou, você só gostava de ver alguém lutando contra a falta de verdade na sociedade. Se apaixonou pela liberdade dele, não por ele – ele abriu a boca. — Você não é Seokjin, não o amou pelo o que era, mas pelo o que te representou. Uma escapatória para a realidade cruel demais para suas ideologias.

— Isso... – seus olhos lacrimejaram. — Não é justo.

— A vida não é justa – retruquei. Curvei-me para pegar a mochila na lateral da poltrona. — E você só a tornou pior para mim – coloquei-a nos ombros, saindo da sala.

— Namjoon – Jungkook segurou meu pulso, ainda sentado. Fiz o possível para não o fitar. Meu braço já formiga só com seu toque. — Por favor...

— O que mais quer de mim? – mordi o lábio inferior de raiva, meu coração está acelerando conforme meus sentimentos dizem para abraçá-lo. — Já fiz tudo por você, entreguei meu coração que você fez questão de esmagar. Quer continuar a me humilhar até o dia de minha morte?

— Não, jamais. Só não me deixe... – sua voz está chorosa e meu interior também.

— Você já me deixou, muito antes – soei amargo.

— E para onde você vai? Não pode andar por aí para sempre – ele me puxou levemente.

— Se você fosse presente, eu me acostumaria com a ideia de ficar aqui. Mas não posso me prender a essa solidão – soltei meu braço. Jungkook, então, agarrou meu casaco. — Ouvi no rádio sobre uma brecha na fronteira, estou indo para lá. Não me siga.

— Eu vou com você – se pôs de pé.

— Não! – fui enfático. – Não te quero mais na minha vida. Entenda de uma vez! – acabei gritando de raiva. — Se eu não morrer no meio do caminho, pelo menos me livrarei dessa marca maldita – levantei a mão, mostrando o dedo mindinho com um círculo vermelho na base — e qualquer sentimento por você.

Fui para porta ainda escutando um "Namjoon" atrás de mim. Chega. Chega. Chega! Pisei na terra úmida. Ficar nessa miséria? Eu? Já fui Auditor de Registros. Já liderei diversos agentes governamentais. Não é um fotógrafo metido a rebelde que vai atar minhas asas. Como ele pode não pensar que me privou de liberdade enquanto buscava por um espírito livre por natureza como Hoseok? Aquele idiota cretino de cabelos macios e olhos grandes. Egoísta desgraçado com um belo sorriso. Miserável sonso de voz agradável. Maldito boa lábia. Nunca mais quero ver seu lindo rosto na minha frente. Sou capaz de socá-lo até me sentir satisfeito com sua agonia de dor. Só quero atravessar essa fronteira o quanto antes e desfazer esse último resquício de uma era tenebrosa. Ou morrer tentando.

O sol ainda está nascendo entre as árvores sem cor. O ar está mais frio com a chegada do inverno, não há mais animais na floresta para a encher de sons agradáveis. O silêncio reina, indicando o quão longe foi o ser humano ao infligir na vida natural e o quão longe Jungkook acha que pode se disfarçar ao me seguir. Mais uma vez ele se prova ingênuo, entretanto, não direi nada. Mesmo que me siga, nossos caminhos irão se divergir mais cedo ou mais tarde. Eu só tenho que fingir que ele não é minha alma gêmea e que o amo. Bem simples.

Marchamos por algumas horas, com Jungkook crente que não o notei atrás de mim ou apenas aproveitando que não reclamei. Levarei pelo menos mais dois dias até me aproximar da fronteira, espero que no meio disso ele desista e vá por outra direção. Na metade do dia, parei numa árvore seca e me sentei para comer umas frutas. Minha mochila está mais concentrada em comida do que qualquer coisa. O maior objetivo de largar Jungkook, também é esquecer a vida que tive nesse país. Cresci tendo que confiar em um sistema que me condenou ao que tenho hoje, que me levou a fazer e concordar com barbaridades. Talvez eu não mereça redenção, a única pessoa que poderia me julgar não está mais aqui, no entanto, quando viva, acreditou em minha ajuda e boa-fé. Foi um grande amigo que nunca esquecerei.

Portanto, para uma vida nova – se é que terei alguma –, todas as coisas do passado precisam ficar para trás. A cabana em um lugar tranquilo que barganhei com muito custo; o aquecedor que me custou três meses sem comida decente; os talheres, ferramentas, roupas, móveis velhos, o rádio, os celulares modificados e qualquer outra coisa que me manteve vivo e permitiu as viagens caprichosas de Jungkook nesses quase dois anos, passarão de um borrão na minha mente no futuro. Não me importo de começar do zero em outro país, só quero respirar outros ares e ser livre.

De tarde foi mais uma monótona caminhada para as colinas. O clima esfria consideravelmente a essa altura. Não irei até o topo, é óbvio e cheio de armadilhas magnéticas, apesar de ser o caminho mais fácil comparado as estreitas trilhas entre as elevações. O deslizamento é um dos maiores perigos nessa estação fria, pois a neve acumulada no cume do monte vai certeiro nessas pequenas aberturas. Mas irei atravessar amanhã, escurecerá em breve. Ainda na base da colina, há uma pedra saliente criando uma falsa entrada de caverna, adequada para passar a noite. Coloquei meus poucos pertences ali e troquei de casaco para um térmico, estiquei o saco de dormi, sentindo algo estranho. Olhei para fora, cenário acinzentado silencioso. Onde está Jungkook? Seguiu seu próprio caminho e nem me dei conta? Provavelmente sim. Mas... E se ele preferiu ir para o topo? Seria burrice demais. Ele deve saber que irá anoitecer. Um incomodo cresceu em mim, preciso ver se ele não foi imprudente. Fui para fora da cobertura da pedra e quase dei de cara com o idiota. Meu susto foi tão grande que escorreguei na neve, quase indo montanha abaixo. Jungkook precisou agarrar minhas roupas e me puxar de volta para debaixo da pedra.

— O que foi aquilo? – os olhos grandes e escuros me miravam em advertência.

— Você me assustou, seu imbecil – coloquei a mão sobre o peito, sentindo a pulsação aumentar.

— Queria saber se eu ainda te seguia? – ele adentrou mais a caverna falsa, piscando inocente.

— É claro. Não quero que você apareça de surpresa quando eu estiver dormindo – falei de qualquer jeito ao me sentar, pegando minha mochila.

— Eu não ia fazer nada – respondeu, um pouco culpado. Seu olhar abaixou e eu me senti mal momentaneamente.

— Eu sei. Mas eu não quero sentir o mesmo que passei todo esse tempo com você fazendo isso quando retornava das “buscas” – peguei uma tangerina. — Já que está aqui, pode passar a noite, é mais seguro. Só que é melhor parar de me seguir.

— Não quer mesmo a minha companhia, não é? – indagou, cabisbaixo.

— Eu não sei o que é isso – refutei.

Passamos o início de noite quietos até irmos dormir, porém não cai no sono fácil. Sentei-me para encarar Jungkook dormindo sereno nesse relento. Queria aproveitar a deixa e continuar a viagem sem ele no meu encalço, ao mesmo tempo que gostaria de na manhã seguinte dizer que é melhor saímos do país juntos e tentar uma vida sem o estresse que o sistema nos causou. No fundo do meu coração, ainda sonho que ele goste de mim mesmo que um pouco. Talvez já tenha imaginado a possibilidade de me dar uma chance, porque Jungkook não é uma má pessoa, ele acaba priorizando mais umas coisas que outras. Também fui assim antes de o conhecer. Provavelmente, essa é a minha sina por todos os meus pecados. Nada como ser castigado a sofrer por amor.



⟨ ∆ ⟩



— Bom dia – seu cumprimento foi curto e hesitante.

O sol nasceu por completo, talvez seja um pouco mais de sete da manhã. Não trouxe nada que possa ser rastreado para ter uma noção das horas. Onde estamos os raios não batem, ainda está bem frio. Estudei Jungkook comendo um pepino. Meus lábios coçam para o perguntar o que fará agora. Não devo instigá-lo a achar que o quero comigo, mas também não posso deixá-lo pensar que tudo bem ficar ao meu lado. Quais seriam as palavras certas para o dispensar?

— Hyung – ele começou já me acertando em cheio. Há tempos que não me chama assim e usar isso com essa voz rouca é golpe baixo. — Não quero ficar sozinho. Sei que fiz muita besteira nesses dois anos, mas eu só queria que todos nós tivéssemos alguma esperança. Eu não queria pensar que tudo acabou – Jungkook fungou. Vi seu nariz ficar vermelho e o rosto se retorcer. O meu começou a arder o acompanhando.

— A esperança se foi com Hoseok. Acho que nem Yoongi ou Seokjin podem fazer algo – comentei, embargado.

Ele soluçou alto, lágrimas pingaram por sua roupa e no chão. Acabei por chorar silenciosamente também, afinal, partir dói. Apesar de tudo, minha vida não foi ruim. Estou abandonando muitas coisas que amo, principalmente o homem a minha frente. Jungkook ergueu a cabeça me fixando muito triste, suas irises parecem dizer algo, mas não consigo decifrar. Ele fungou novamente e engoliu saliva.

— Eu sinto muito, hyung, por não te ter contado antes – soluçou.

— Contado como se sente? Não era preciso – abanei a mão, indiferente, com algumas gotas rolando do rosto.

— Não... – fungou outra vez. — Todos os funcionários do Governo envolvidos na Era Genética anterior, incluindo os médicos, cientistas e seus familiares, foram executados para que não ocorra a mesma revolta por causa do vazamento de informação. Não foi divulgado no rádio porque ninguém se importa com funcionários do Governo, todos são considerados cúmplices na visão dos rebeldes. Eu não quis te contar para te proteger. Está sendo mais do que procurado, querem sua cabeça. Só queria que Hoseok estivesse por aí para nos ajudar, mas ele deve estar mesmo morto.

Isso... Quer dizer... Que Seokjin, Dawon e Yoongi se foram? Que nem suas posições os salvaram da limpeza interna? Eles foram executados? Não estão tendo suas falsas vidas, fingindo que aceitam o novo sistema e encobrindo qualquer rastro de colaboração com a matéria de Park Jimin? Estão mortos. Há quanto tempo? Logo após que Seokjin me falou das doses em Dawon? Um pouco depois? Ou fora apenas uma mentira para atrair os dois? E Min Yoongi que só queria ser um pediatra? Não pôde realizar seu sonho. O mundo que lutei para manter em minha mente de forma intacta, está arruinado. Meus amigos e familiares morreram. Pensei que seria doloroso deixá-los sem uma despedida, no entanto, saber agora que não existe mais vida no meu velho mundo, perfura meu coração como uma estaca de madeira bruta. Eu realmente não tenho mais nada, exceto a capacidade de respirar.

— Hyung... – Jungkook tentou falar.

— Não – levantei o dedo. Meu choro continuou, enquanto o encarava com pura raiva no rosto. — Você não tem o direito de me dizer mais nada. Já fez o bastante me mantendo como seu cativo.

Guardei minhas coisas, ele não parou de tentar se explicar, só que o ignorei. Coloquei a mochila nas costas e segui viagem sem olhar para trás. Mesmo a neve ficando mais espessa sobre o solo, meus passos são constantes. Estou sendo movido por raiva, amargura, tristeza e qualquer outro sentimento ruim que não sei descrever. Só quero ir para longe, me isolar e quem sabe morrer de solidão, minha maior companheira dos últimos anos. Ouvi pisares apressados vindo ao meu encontro, apressei o passo para a entrada da trilha.

— Será que você não entende que não te quero perto de mim? – esbravejei.

— Hyung, eu sinto muito.

— Não dou a mínima! E para de me chamar de "hyung". Não vai ganhar nada com isso. Você só me arrastou para a lama!

— Quis te proteger. Na época você iria querer ir lá falar com qualquer um e acabaria morto!

— É, eu iria fazer exatamente isso! – minha voz ecoou. — E daí? Pelo menos não seria um covarde. Iria enfrentar quem desonrou minha família. E daí que morreria? Não tenho nada a perder.

— Você tem a mim.

— Não me faça rir. Eu quero tanto te socar, mas a violência é meu último recurso. Ainda quero me preservar enquanto ainda sinto que sou humano. Só me deixe em paz! – a trilha parece não ter fim, a neve fica cada vez mais grossa, afundando meus pés.

— Não vou te deixar, hyung. Não mais. – sua voz falhou. — Me arrependo muito do que te fiz, mas não me arrependo de tê-lo tirado da mira deles. Sou muito grato por o ter em minha vida. Você merece viver por todos aqueles que não conseguiram.

— Eu? Justo eu? – voltei a chorar. É tão ridícula a tentativa dele de me fazer sentir melhor depois de me jogar uma bomba. — Você não me transmite credibilidade alguma, Jeon Jungkook. Você estilhaçou os últimos pedaços que restavam em mim. O que mais quer? O que mais tem a dizer? Se for que meus pais foram torturados até a morte, juro que acabo com a minha vida agora.

— Hyung, não diga isso...

— Você tem uma mísera noção de como estou me sentindo? Estou vazio! Não sei mais pelo o que estou chorando, se é pela minha família, meus amigos, por mim ou por você. Não sei o que esse troço no meu peito, parece ser nulo, mas incomoda tanto – diminui os passos. — O que vai acontecer agora? O que eu vou fazer? O que eu estou fazendo? O que eu sou? – ajoelhei na neve, sentindo as lágrimas quentes escorrerem por minhas bochechas geladas.

— Você é minha alma gêmea – seus braços me envolveram a cintura pela lateral.

— Não encosta em mim, seu ingrato – o empurrei, fraco.

— Namjoon – Jungkook olhou pesaroso no fundo dos meus olhos e me abraçou.

Eu quis lutar contra esse gesto de conforto sem sentido dele, mas só chorei. Há quanto tempo não sei o que é um abraço. Há quanto tempo ansiei que ele me abraçasse. Escolheu o pior momento para me dar um. Na verdade, é o pior momento para tudo que fez até agora. Estou sem forças para o impedir, só me resta aceitar o contato e chorar o quanto me for permitido.



⟨ ∆ ⟩



Terminamos a trilha bem de noite e conseguimos ver as luzes da Fronteira. É exatamente como nos mapas que memorizei no trabalho quando precisava fiscalizar a logística de algumas missões. Nada disso mudou nesses anos, o estranho é não terem considerado essa área como estratégica para fuga. Se bem que as fronteiras são fortificadas, como vamos escapar? No dia seguinte, descemos o vale. Andamos em silêncio, só falando o essencial. Ele pareceu me dar o espaço que precisava, porém nunca será o bastante. Não sei o que pensar sobre o que fez. Não sei dizer se valeu a pena. No fim, acho que vou morrer no solo desse país. Jungkook somente prolongou meu sofrimento.

Agora deve ser meio dia, estamos sentados num buraco a poucos quilômetros do limite. A oscilação da barreira deve estar em algum lugar dessa área, mas ainda não a notei. Tem patrulhas em veículos e drones nos céus, torres armadas e guardas robôs duas vezes o tamanho de um humano. Estamos ferrados. Nem nos aproximar poderemos sem que o sensor nos capte, seja do veículo ou do drone.

— Namjoon, sabe que dia é hoje? – Jungkook me pergunta do nada.

— Não faz diferença – respondi seco.

— É véspera de natal – sussurrou.

— Que legal lembrar disso agora. Acho que fui um péssimo menino para Papai Noel me dar um presente desses – mantive o olhar nos obstáculos mortais.

— Quero te dar algo.

— Hã? – girei-me para ele.

Jungkook pegou minha mão esquerda e tirou a luva, fez o mesmo com a própria e entrelaçou nossos dedos.

— Vamos tirar essa marca vermelha antes de sairmos – seus olhos brilharam diferente, o que me arrepiou.

— 'Tá de brincadeira? – ele negou. — Jungkook, olha onde a gente está. Além do mais, fez seis anos. Já acabou o prazo.

— Não quer tentar? – os orbes continuaram cintilantes me fitando em súplica.

— Não – neguei veemente. — Você está se sentindo culpado. Não quero que faça sexo comigo por pena.

— Não é pena – pareceu ofendido, sendo que eu que deveria me sentir assim.

— Não importa o que seja, não vamos fazer nada, só procurar uma forma de sair daqui ilesos – voltei minha atenção a movimentação armada.

— Não vamos nos esquecer só porque a marca sumirá com o tempo – Jungkook permaneceu segurando minha mão. Meu dedo latejou de leve com a forma que me acaricia com o dele. — Será melhor se você viver sua vida lá fora sem ter que esperar. Sinto que o sinal sairá, pois mantivemos nossas células em contato. Não somos como os casos das metades que nunca mais se viram.

— Prefiro ficar com a marca para sempre do que transar com você – disparei, me soltando de seu toque. Minha boca secou, contudo, há verdade nessa mentira.

— Namjoon... – disse, tristonho. Fiquei rapidamente me sentindo culpado. Não gosto do que estou fazendo, só que é necessário para nós dois. E ele merece também.

— Ao invés de ficar falando asneiras, devia me ajudar a encontrar a brecha – soei impaciente.

Não vamos sair tão cedo daqui. A possível oscilação somente será perceptível quando entendermos o padrão. Ficaremos dias aqui até conseguirmos bolar um plano e executá-lo com confiança. São carros e drones fazendo rondas, observadores na guarnição dia e noite. Talvez no escuro exista uma chance, mas ainda é bem arriscado. Toda a extensão da fronteira é assim, a cada quinhentos metros têm uma torre de vigilância.

— É mesmo aqui a oscilação? – Jungkook seguiu com os olhos um carro indo para o leste. — O que disseram na rádio?

— A falha está atrás da segurança. Um ponto específico que precisamos descobrir – encarei o robô na base da torre.

— Não vamos conseguir dessa forma. Devíamos voltar para a cabana e trocá-la por um veículo – sugeriu.

— Eu não vou voltar. Pode ir se quiser – o sugeri sarcasticamente.

— 'Tá falando sério? É muito perigoso, não temos com o que nos defender – ele se virou, agarrando meu casaco.

— Você pode fazer de outro jeito, mas eu continuarei aqui – permaneci, rígido.

— Está sendo imprudente! Por acaso quer morrer? – tentou sussurrar, mas ainda sair alto.

— Não seria ruim – comentei, distraído.

— NAMJOON! – me empurrou, jogando minhas costas no chão úmido. Seu rosto fechado ficou sobre o meu, a faixa preta não conseguiu segurar alguns fios de cabelo, sua testa está franzida e a boca entre aberta, curvada para baixo, bufando. Jungkook é tão lindo, mesmo assim irritado. Minhas palpitações bateram fortes em minhas costelas com essa aproximação agressiva e ecoaram no local quieto. — Quer mesmo sair do país ou só se vingar de mim?

— Minha morte seria vingança? – ri. — Que tipo de pessoa acha que sou? Morte é libertação. A consequência dela não importa para mim.

— Mas importa para mim! – ele bateu na terra. — Namjoon, você é importante para mim. Sei que fui negligente, mas isso não mudou meus sentimentos. Eles talvez não sejam como os seus para comigo, mas são reais também. Acredite em mim.

— Então, pare de tentar compensar o tempo perdido – sustentei seu olhar furioso.

— Não estou tentando compensar, só quero ajudar – a feição amenizou para compaixão.

— Não quero sua ajuda – girei a cabeça não querendo mais o encarar.

Ouvi sua respiração pesar e o ar da expiração resvalar na parte aparente de meu pescoço. Meus pelos eriçaram, porém continuei parado, esperando-o sair de cima. Não vou mais me deixar ser afetado por qualquer coisa. Esses últimos dias foram os mais próximos que tivemos em anos, fraquejar agora é perder a guerra comigo mesmo. De repente, sinto algo úmido me tocando na pele descoberta. Me arranhou e o vento brando me deu cócegas. Jungkook me beijou ali. Sentiu meu cheiro. Me fez fechar os olhos e apreciar. No entanto, logo retornei à realidade e minha ficha caiu de seu objetivo.

— Já disse que não, Jungkook – o empurrei, me sentando. — Não vamos aprofundar isso mais do que os códigos – ele só me encarou soturno e não contestou.

Passamos o resto do dia sem nos falar. Nenhum progresso sobre como sair do país e mais vontade de me afastar de Jungkook para minha própria sanidade. A temperatura está a cair consideravelmente, o que nos obrigou a dormir um ao lado do outro nos três dias que passamos no buraco. A comida que racionamos está acabando e a segurança na fronteira parece impenetrável. Cheguei a duvidar que haja falhas, entretanto, conseguimos ver a brecha de três segundos na reinicialização do loop do software dos robôs e um segundo no dos drones.

— Temos que pegar o carro indo a leste e destruir o robô nesses três segundos – Jungkook recapitulou parte do plano, dentro do saco de dormir. — Isso é loucura. Vamos morrer.

— Só se você for um péssimo motorista – pontuei, arqueando uma sobrancelha em provocação. Ele pareceu receoso antes de falar:

— Não seria melhor você dirigir?

— Você só tem mira para tirar fotos. Nunca tocou numa arma – fitei a lua entre as nuvens. Silêncio constrangedor.

— O que você fez com a arma que tocou? – sua pergunta foi murmurada e preocupada.

— Inspecionei e autorizei que fosse usada contra os rebeldes das primeiras cidades que caíram – contei, com um aperto no peito. Foi muito errado, mas não poderia negar o inevitável. Se não fosse eu, seria outra pessoa. — Não vai me poupar de fazer o trabalho sujo para conseguirmos nossa liberdade. Você não está tão disposto quanto eu de atravessar a linha e apagar qualquer memória daqui. Vou superar, mas não acho que você vá, caso faça algo contra sua moral.

— Não me importo, contanto que você fique bem – dessa vez, senti sinceridade pura e simples em sua fala.

— Não diga besteira – fechei os olhos, me preparando para dormir.

— Eu posso te amar como quer, hyung – soltou, distante.

— Sim, em outra vida – duvidei, mas meu coração disparou.

— Não me permiti isso – continuou. — Você tem razão, eu não queria ser como os outros. Queria ser como Hoseok, mas eu gosto de você, hyung. Tentei não te fazer ser um prisioneiro desse destino in vitro, só que piorei tudo – ele fez uma pausa provavelmente achando que eu falaria algo, porém fiquei quieto. — Desde que descobri que somos almas gêmeas, tudo que eu quis foi fugir. Propositalmente te evitei, mas também em momentos conflituosos, te chamei para perto. Por isso eu disse para largar o emprego e me ajudar a procurar Hoseok. Sei que nunca vai me perdoar e que não há recuperação, mas jamais me arrependerei de tê-lo salvado de pelo menos uma amarra.

— Nisso, eu posso te dar os créditos – ponderei. Escutei sua risada fraca.

— Espero que consiga realizar seu desejo de me esquecer, hyung – sua voz ainda era risonha.

— Isso não me parece um sentimento sincero – comentei, olhando sua silhueta noturna.

— Não quero que me esqueça. Gosto de saber que sou amado por alguém – suspirou. — Egoísta, eu sei.

— Sim... E não. Eu também gostaria de saber que alguém me ama. Essa é uma das idiotices que boa parte de nós humanos sentimos necessidade de ter na vida – divaguei, voltando a admirar o céu escuro.

— Saiba que, no fundo, eu te amo, Namjoon – proferiu, nitidamente, sem vergonha alguma das palavras e seus significados.

— Vou fingir que sim – e dormi, sorrindo com essa bela mentira.



⟨ ∆ ⟩



Sonhei com a primeira vez que me encontrei com Jungkook. Estávamos Seokjin, Yoongi, Hoseok, ele e eu em um esconderijo mequetrefe perto do porto. Organizávamos as etapas e evidências do sistema conforme Jimin pedira e eu achei bem estranho na época até descobrir sobre a Incompatibilidade Sanguínea através de Yoongi. Hoseok era o backup caso não houvesse tempo – e realmente não houve –, Jungkook o ajudou tendo conhecidos na mídia, meu primo além de ter ajudado a entrar nos Arquivos, também me ajudou a limpar os registros e se livrar do Diretor da base principal dos Arquivos Governamentais, Yoongi deu a prova científica. Minha atenção já tinha sido capturada pelo belo rosto de Jungkook assim que ele entrou no container. Sempre tive um fraco por rostos bonitos, mas ele foi diferente, aumentou minha adrenalina. Foi ao final da reunião improvisada, quando demos a mãos em despedida, que o sinal se mostrou. Não foi só o anel vermelho no dedo, foi pura energia e iluminação. Já havia escutado muitas histórias de como é encontrar a metade "perfeita", só que comigo foi diferente. Não me apaixonei de cara como muitos, me atraí primeiro. Os detalhes, com o tempo, que impulsionaram meus sentimentos. Ele me evitou semanas depois, porém ainda ficamos bastante tempo perto para lidar com a finalização da matéria de Jimin e a perda de duas pessoas especiais que me fizeram acreditar no amor verdadeiro.

Acordei com os olhos cheios de lágrimas de tristeza. Jungkook viu e nada disse, só pressionou os lábios um no outro, apreensivo e revelando a pinta que compartilha comigo na parte inferior. Tínhamos tudo para ser as almas gêmeas mais completas de todas, é decepcionante ver como nossos códigos são um gigantesco equívoco. Comi duas frutas e voltei a rotina de observar os guardas com seus movimentos repetitivos. Mas hoje eles terão uma noite agitada.

— Procuraremos as pedras juntos ou separados? – perguntou Jungkook.

— Separados, para ganhar tempo – ele assentiu.

As pedras são para que possamos pegar o carro e abater o motorista. Esses veículos são conduzidos por robôs, mas deixam habilitado para que um humano o use, caso precise. Levei um bom tempo para achar pedras boas o bastante para servirem de arma. Jungkook também não teve muita sorte, no entanto, as que temos podem dar para o gasto. O horário mais adequado para agirmos é ao anoitecer, onde há luz natural e, ao mesmo tempo, é preciso de iluminação artificial para auxiliar, mas que, no final, nenhuma das duas ajudam em algo para enxergar. Perto do fim da tarde, começamos a nos preparar. Ajustamos as mochilas e reservamos as pedras.

— Hyung – resmunguei qualquer coisa para ele. — Você se importaria de me abraçar?

Olhei para Jungkook me mirando, tenso. Seus olhos estão cansados e nada grandes como de costume, os ombros estão caídos e as mãos apertando as alça da bolsa. Acheguei-me, o abraçando forte. A retribuição foi imediata. Ele está nervoso, não posso negar que também estou, contudo, tenho que ser forte por nós dois. Talvez não sobrevivamos. Talvez só um de nós escape. O importante é não desistir. Nos afastamos, porém antes Jungkook depositou um breve selar em minha bochecha e sorriu, tentando transparecer confiança. Meu rosto esquentou, só que fingi indiferença.

Hora de colocarmos o plano em prática. Corremos agachados para a direção leste, a essa distância não seremos detectados pelas máquinas, porém os guardas humanos podem ver uma movimentação suspeita no meio da neve. Paramos atrás de uma árvore solitária, jogamos as pedras que escolhemos no chão e selecionamos a melhor para o primeiro golpe. Os carros acabaram de se cruzar, um deles está vindo em nossa direção.

Primeira fase do plano: ficar a vinte metros do veículo, enquanto ele não se aproxima, contamos até trinta e quatro e lançamos as pedras no robô motorista. Nem na teoria essa ideia é fácil, porém faremos acontecer, mesmo que no improviso. Trinta e dois, trinta e três... Jogamos as pedras. A de Jungkook acertou o pescoço, deixando a cabeça pendurada; minha pedra acertou a ligação com o volante, o entortando. Deu certo. Começamos a correr. O carro não parou, só diminuiu a velocidade, nada desconfiável por alguns segundos, principalmente, os que antecedem o atraso. Com os drones nessa parte do ciclo ocupados demais com o espaço aéreo, essa é nossa única chance de ter alguma vantagem. Quarenta e três. Chegamos ao carro, Jungkook chutou o ser metálico, apertei o botão de função manual e apedrejei o painel de armas. Quarenta e quatro. Metralhadora traseira livre, pulei para trás na caçamba quando o veículo girou para a direção pretendida. Segurei no apoio da enorme arma e vi uma trava no gatilho, a arranquei com outra pedra. Quarenta e seis. Fomos avistados pelas duas formiguinhas na torre. Tarde demais.

Segunda fase do plano: destruir o robô gigante na frente da barreira. Ele é o maior perigo, tem torpedos e balas do tamanho da minha mão. No entanto, como seu atraso de três segundos de reinício de ciclo que funcionam em conjunto com o escudo limítrofe, sua destruição imediata pode aumentar o atraso do campo energético em si. Manter tecnologia de ponta numa parte do país que ninguém se importa é alto demais, ainda usam o mesmo esquema de vinte anos atrás. Esse pensamento econômico não mudou desde que saí do governo. Acho que ninguém deve ter fugido por aqui, caso contrário teria mudado. Pelo visto, ninguém quer ir para o país vizinho. Preferem se arriscar em navios e aviões clandestinos que os levarão a um lugar bom e “desenvolvido” do que pisar na terra de um velho inimigo que o Governo fez questão de o demonizar por séculos.

Mirei na cavidade lateral do robô que dá abertura para as munições mais pesadas, apertei o gatilho na metade dos três segundos. Quase fui empurrado para trás com a soma da ricocheteio da arma com o vento frio da velocidade do carro que Jungkook aumenta a cada instante. Pude ver atrás do robô a falha da barreira, espaço suficiente para nós dois atravessarmos, mas a estátua de metal ainda estava lá inteira, os tiros não fazem nada. O tempo está acabando. Bolinhas caíram do céu em minha direção, o drone nos notou. Mais tiros vieram da esquerda, o outro carro também nos tem como alvo. Mais tiros de cima, a metralhadora da torre está sendo usada pelos guardas. Estamos cercados.

— Não vamos conseguir desse jeito – gritou Jungkook, uma bala quase o acertou.

O solo tremeu. O tempo acabou. Placas foras se desatando, revelando grandes armas. O robô voltou, com o visor brilhando vermelho furioso e vindo em nossa direção, pouco se importando com os tiros de deixei travados nele.

Terceira fase do plano: sobreviver improvisando.

— Vai na direção do outro carro – falei, agachado.

— 'Tá maluco?! – Jungkook se alarmou.

— Vai logo! – berrei, impaciente.

Ele obedeceu. O veículo está ficando cada vez mais sucateado, não vamos aguentar mais tempo. O jeito é fazer uma loucura mesmo. O guarda robô gigante parou de atirar e está se preparando para algo maior. Como eu temia, usará os torpedos. Não estamos tão perto do outro carro, porém não é irrelevante, ele está vindo até nós.

— Vira o carro para o grandão ali – apontei para o encouraçado — e venha aqui atrás. Vamos pular para o outro carro.

Ele nada disse, só negou com a cabeça, desacreditado com a ideia. Giramos quando o torpedo foi lançado. Jungkook veio para meu lado e juntos pulamos para nosso outro perseguidor, agora bem perto. Batemos em cheio no capô e nós seguramos nas laterais. Em nossas costas, o veículo anterior explodiu. Pedaços voaram para todo lugar, alguns nos acertaram, porém não sinto nada que não seja calor excessivo e um péssimo cheiro de fumaça. O carro balançou, vi que estilhaços atingiram o motorista robótico. Jungkook se apressou a entrar pela janela e tomar a direção, também desligou a metralhadora, me permitindo ir para trás. Caí de costas na caçamba, uma onda de dor me pinicou em pontos específicos do corpo. Acho que levei alguns tiros, mas me levantei e mirei novamente no robô gigante que está perdido para a causa da fumaça preta da explosão. Jungkook, astutamente, circulou a área em chamas e me deixou bem posicionado nas costas cheias de articulações e circuitos pouco protegidos de nosso principal alvo. Apertei o gatilho sem pensar muito. Faíscas pipocaram.

— Sai daqui! – vociferei para Jungkook.

Ele mudou o caminho, enquanto continuei a atirar. Finalmente a segunda explosão veio. Pedaços voaram para bem longe e alguns chegaram até mim. O drone no céu pareceu desnorteado, aproveitei para o abater também. Rodou do ar e caiu, gerando a terceira explosão do dia. Ainda não podemos respirar, a torre permanece de pé e tentando nos matar. Ao longe, vi outros veículos se aproximando e pontos brilhantes no céus que não são estrelas, rumando em nossa direção. Olhei para frente, estamos bem perto da barreira. Não sei quanto tempo se passou para podermos atravessar, só que, enquanto isso, rodei a mira da metralhadora para o alto da torre.

— Hyung, é a nossa chance! – exclamou Jungkook.

Olhei de novo para o campo de força. Está oscilando mais do que com seu agora destruído protetor. Ouvi um grito de cima. Abati um guarda? Do nada, uma enxurrada de tiros veio sobre nosso veículo, porém estamos a pouquíssimos metros da abertura.

— Namjoon, você ‘tá aí? Me responde!

Eu ia responder, entretanto, no mesmo instante que passamos pela fronteira, parte dela me eletrocutou. Minha boca se abriu, meus olhos vão explodir. Tudo escureceu.



⟨ ∆ ⟩



Sonhei que não tinha mais o anel vermelho em meu dedo mindinho. Estava sentado numa cadeira do lado de fora de uma cabana muito melhor que a anterior que morei. Jungkook brincava na neve com um cachorro de pelugem marrom. Estava rindo de forma tão linda, parecia feliz. Senti-me quente por dentro com a imagem. Então, peguei o livro em meu colo para ler, no entanto, ele está estranho com partes compridas, finas e quentes.

Abri os olhos de imediato. Estou sobre um teto de madeira estranha. Meu coração está acelerado. Aos poucos, meu corpo vai perdendo a dormência e começa a latejar em partes específicas. Minha mão esquerda voltou ao normal primeiro, está enfaixada e ainda com a marca vermelha no dedo. Girei para ver minha mão direita que está envolta pelas duas mãos de Jungkook, que adormece ao meu lado na cama. Seus cabelos estão curtos, sua pele hidratada e o rosto angelical do qual amo. Sorri involuntariamente. Analisei ao meu redor, é um quarto como de cabana, com armário e penteadeira. Jungkook se remexeu e abriu os olhos devagar, os arregalou sem piscar. Apertou minha mão, lágrimas rolaram de suas faces. Nunca o vi assim tão... aliviado.

— Namjoon – proferiu arrastado e me abraçou. Grunhi, sentindo dores agudas no peito. — Ah, desculpe – se afastou. — Estou tão feliz que acordou – seu semblante está iluminado. Lindo.

— Quanto tempo fiquei desacordado?

— Quase um mês – fungou. — Fiquei com medo de que não sobrevivesse aos ferimentos, mas agora está tudo bem – sorriu mais. — Vai ficar tudo bem – repetiu, estranhamente parecendo mais para se convencer do que a mim.

— O que exatamente aconteceu? Onde estamos? – olhei ao redor novamente, começando a desconfiar.

Jungkook abaixou o olhar e mudou de posição, ficando na minha frente. Tem algo errado. Antes de me responder, bateram à porta. Ele permitiu que entrasse, mesmo com a expressão pouco contente no rosto. Um homem de vestes cor mogno e corte de cabelo baixo como de Jungkook, adentrou e se curvou em angulatura perfeita.

— Kim Namjoon, vejo que está melhor. Avisarei ao Major – sua voz robotizada não me agradou. — Pedirei para que o médico o examine, antes que converse com o Major.

Acenei afirmativo, ele se limitou a curvar-se novamente e sair. Encarei Jungkook, sério.

— Pode falando.

— O Major Lee Won Gu nos encontrou quando eu estava abandonando o carro e disposto a te carregar pelo resto do caminho – sussurrou. — Ele percebeu na hora que somos refugiados do país vizinho e nos acolheu. Não tive escolha, Namjoon, contei algumas coisas para ele poder te dar o melhor tratamento.

— Você... – comecei, incrédulo. — Não devia ter feito isso.

— E te deixar morrer? – Jungkook quase elevou o tom, mas o abaixou em seguida. — Ele era nossa única chance de sobreviver, está cuidando para que se recupere rápido. Só precisará contar o que sabe do Governo enquanto ganho tempo para nós.

— Dar informações assim? Jungkook, você realmente pensou direito nisso? – murmurei com certa dificuldade.

— Sim, precisamos pagar pelo o que está fazendo. Ele te salvou e não me diga que era melhor tê-lo deixado morrer – colocou a ponta do dedo indicador sobre meu peito.

— ‘Tá, vamos pular essa e dar ênfase na parte em que eu saí do governo há dois anos – falei, exagerando na expressão facial e percebendo alguns arranhões cicatrizando no rosto.

— Não tem problema, suas informações ainda são muito importantes – garantiu, apertando mais uma vez minha mão. — E ele não precisa saber disso – piscou de um olho. — Só precisamos de tempo e fingir para as câmeras – sibilou entre os dentes, indicando com os olhos a penteadeira — que estamos dispostos a cooperar até que você consiga andar com as próprias pernas.

— Por que diz isso? – pude ver sua mente trabalhando.

— Porque não quero passar o resto da minha vida nessa cabana, estagnado – imitou meu jeito de falar, só que fofo, o que me arrancou um sorriso bobo.

— Tem um plano de fuga? – indaguei, arqueando uma sobrancelha.

— Claro. Só preciso que confie em mim – fixou as grandes e sagazes irises escuras em meus olhos.

Sinceramente depois de tudo e dada a situação atual, o que eu teria para não confiar nele? Jungkook pode ter me magoado, mas agora estamos em outro país e iniciando uma nova vida, mesmo que temporária. Disse a mim mesmo que deixaria tudo para trás assim que atravessasse a fronteira e irei deixar, exceto essa nova pessoa que Jungkook está se tornando. Talvez seja um erro não abdicar dele, mas o que tenho a perder? Ainda o amo e ele não facilita tomando atitudes ousadas por mim.

— Agora eu confio – proferi, sorrindo.

Ele riu bobo e deitou me abraçando. Senti seu coração acelerando e o meu o acompanhou. Não estamos mais no alcance do velho sistema para que sejamos diretamente influenciados pelos códigos de nossos organismos, porém ainda estamos sincronizados.

Podemos não ser o ideal, podemos não fazer bem ao outro de forma geral, só que é impossível dizer que não somos uma grande dupla que, futuramente, quando não precisarmos mais fugir de nada, quem sabe, possamos voltar a ideologia das almas gêmeas apenas entre nós e tentemos tirar os sinais vermelhos de nossos dedos. Não como obrigação, mas por amor.


27 de Setembro de 2020 às 22:03 0 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

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