Uma lágrima marcou a última página do livro. Mariana fechou-o, mas não o guardou de prontidão na pequena estante onde estavam suas preciosidades que tornavam o mundo um lugar menos insuportável de se viver. Essa sensação, também conhecida como ressaca literária, atingiu-a com força. Além. Muito, muito além.
A leitura foi marcada por várias contradições, posto que a princípio julgou a obra pelo título e pela sinopse, acreditando que leria mais um daqueles romances previsíveis nos quais a traição seria romantizada e a autoria demonstraria claramente que o homem era a salvação da mulher. Se assim tivesse sido, não sairia do prólogo.
Mariana se sentia residente daquele pedaço de mundo, poderia se perder por entre as tranquilas ruas de paralelepípedos, suspirar com ternura ao imaginar os outros cenários daquela história de amor e superação que recentemente havia sido adaptada para a televisão, fato que impulsionou uma nova tiragem dos livros e despertou o interesse de muitos leitores, esses ávidos para saberem se a telenovela seria fidedigna à obra ou tomaria rumos distintos.
Ler um ou dois capítulos por dia e ao mesmo tempo ser consumida pela vontade de devorar as páginas de uma vez, impasse esse que dominou Mariana por dias, mas naquele momento, os personagens eram seus melhores amigos e Soraya seria a única pessoa a compreender o dilema que aquela bela jovem vivia. Seu final feliz foi, na verdade, passos certeiros para a teia de um relacionamento tóxico, abusivo e ditado por um ser manipulador, egoísta e narcisista.
Mariana sentia falta de dizer que era ou estava triste. Àquela altura da vida facilmente se declararia indiferente. O relacionamento que as demais colegas de trabalho tanto invejavam e comentavam não passava de pura encenação porque por detrás das cortinas as invejosas que a olhavam com desdém não escutavam as palavras amargas proferidas pelo príncipe nos momentos de exaltação, tampouco as proibições, invalidações, chantagens. Aquela aliança na mão direita era a algema que a prendia a um sonho natimorto. E tão só.
Mocinhos e bandidos já estão desgastados até na ficção porque os personagens também têm suas motivações, limitações, fraquezas, sonhos e desejos, podem ser ambíguos, debochados e as características mais humanas propiciam uma identificação maior por parte do espectador. Tratando-se de vida real, todos podem alternar os papeis quando participam da história alheia, tudo depende do ponto de vista do contador.
Não fazia tanto tempo assim, Mariana confiou em Luís e deixou a casa dos pais para viver um relacionamento no qual depositou todas as expectativas de felicidade e prosperidade, crente de que havia encontrado seu príncipe que apesar de não ser garboso como os dos contos de fadas, pretendia fazê-la feliz, para ele era fácil apropriar-se desse discurso.
Se amor houvesse, recordar-se de como era no início poderia ajudar Mariana a reencontrar um motivo para insistir naquele relacionamento, entretanto, bem sabe ela que vários fatores foram preponderantes para aceitar os cortejos de Luís: crer que nunca conseguiria ninguém melhor, problemas familiares e a proximidade das trinta primaveras.
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