02 DE JUNHO DE 2025
André caminhava pelas ruas do centro de Belo Horizonte enquanto sua mente vagava em seus pensamentos. Ele escrevia mentalmente um novo capítulo de seu mais novo livro. Era um livro de aventura infanto-juvenil que seria uma sequência direta de seu antecessor, o primeiro sucesso de sua carreira. Ele estava bem empolgado com a projeção que seu trabalho vinha ganhando na mídia e no cenário nacional. Várias cópias foram vendidas e a crítica só tinha elogios.
O dia estava lindo. O céu estava em um azul bem claro, o sol reinava em todo seu brilho e calor na capital mineira. Centenas de pessoas andavam de um lado para o outro completamente concentradas em suas próprias vidas e ignoravam completamente aqueles ao seu lado. Em uma lanchonete de grandes arcos dourados, crianças satisfeitas brincavam com os brinquedos da promoção do mês. Em um dos semáforos que acabara de fechar, um malabarista jogava bolinhas para o alto em troca de algumas moedas ao fim de sua singela apresentação.
Parecia um dia comum na famosa Praça Sete de Setembro em Belo Horizonte quando André ouviu o cantar de pneus e em seguida gritos. Uma multidão começava a se aglomerar entre as avenidas Amazonas e Afonso Pena. André se aproximava para ver o que acontecia enquanto ouvia os curiosos aos burburinhos comentarem o que tinham visto. Parecia se tratar de um atropelamento.
Após se espremer entre a multidão que se aglomerava, André conseguiu chegar à frente de todos e ter uma ampla visão do acontecido. Um carro HB20 da cor prata estava com a frente um pouco amassada. A cerca de um metro, havia uma mulher de cabelos castanhos claros jogada de bruços no chão e aparentemente desmaiada. Um homem que utilizava um uniforme de uma operadora de telefonia móvel, ligava para o resgate enquanto uma senhora de cabelos brancos se preparava para virar o corpo da mulher acidentada.
- Não toca nela. - Gritou André. Ele não era nenhum médico, mas sabia que não era aconselhável tocar na vítima em caso de acidente. A senhora que pretendia virar a acidentada parou imediatamente e olhou para André. - Não pode mexer nela, precisamos esperar a ambulância.
André não sabia o motivo de estar se envolvendo com aquilo. Porém, quando deu por si, já estava afastando a multidão para dar espaço para a vítima respirar e verificando se a mesma estava consciente. Infelizmente, a vítima realmente estava apagada. Porém, ela ainda tinha pulsação.
Um grupo de pessoas começou a bater no teto do HB20 enquanto gritavam insultos. André ficou de pé e viu que dentro do carro havia uma mulher loira de olhos azuis que chorava enquanto segurava o celular com as duas mãos. Uma mulher alta e bem acima do peso, tentou abrir várias vezes a porta do carro. Felizmente, ela estava trancada.
- Ela estava no celular, por isso não viu o semáforo fechar. - Gritou um dos homens que compunha a multidão de furiosos. - Você a matou! - Gritou uma mulher. A motorista continuava trancada no carro enquanto chorava desesperadamente.
André voltou a sua atenção para mulher acidentada. Não tinha como ele lidar com a fúria das pessoas e cuidar da moça jogada no chão ao mesmo tempo. Por sorte, dois policiais apareceram no local e dispersaram a multidão de furiosos. Tudo havia acontecido em apenas alguns minutos, mas André tinha a sensação de já estar ali por cerca de uma hora.
A Ambulância chegou cerca de dez minutos depois. Quando ouviu o barulho das sirenes, André sentiu o corpo relaxar um pouco. Ele havia chegado naquela situação de maneira completamente aleatória, mas de alguma forma sentia que precisava estar ali.
Quando os paramédicos começaram a trabalhar, tanto André quanto a multidão se afastaram. Ele chegou a pensar que seu trabalho ali já estava feito e que poderia continuar o seu caminho. Mas por curiosidade, e por sentir que precisava, permaneceu ali enquanto os paramédicos montavam a maca para colocar a acidentada. Ao fundo era possível ver os policiais colhendo depoimento da loira que dirigia o carro. Algumas pessoas gritavam, diziam que a motorista estava ao celular.
A maca foi montada em questão de segundos. Em seguida, colocaram o colar cervical na mulher e prepararam para colocá-la na maca. Quando a viraram, André conseguiu ver o seu rosto e foi aí que seu coração gelou. Instintivamente ele tentou novamente se aproximar da vítima, mas foi detido por um dos paramédicos.
- Afaste-se por favor. - Disse o homem negro de olhos castanhos claros que segundos antes auxiliava os demais a colocar a mulher na maca.
- Eu a conheço. Estudei com ela. - Disse André ansioso. O paramédico olhou para ele por alguns segundos e em seguida disse:
- Então vem com a gente. - E em seguida entrou na ambulância, onde a vítima, ou melhor, Marina, amiga de adolescência de André, já estava.
André ficou todo o caminho até o hospital olhando para sua antiga amiga que ele não via há mais de uma década. Seu belo rosto estava inchado devido ao impacto e um corte profundo fazia escorrer muito sangue de sua testa. Alguns hematomas marcavam todo o seu corpo. Mas apesar disso, ela não havia mudado muito. Tinha uma aparência mais madura, mais ainda era bela.
Desceram da Ambulância assim que chegaram no hospital. Primeiro desceram dois paramédicos e em seguida a maca onde Marina estava. André desceu logo em seguida, ainda perdido sem saber direito o que fazer.
- Nós vamos entrar com ela. Vá até a recepção e passe os dados da vítima para fazer a ficha. - Disse um dos paramédicos. Em seguida alguns enfermeiros conduziram a maca de Marina para dentro do hospital e a Ambulância saiu do recinto deixando André para trás.
Ele deu uma olhada na fachada do prédio e viu que estava no famoso João XXIII. Hospital onde a maioria dos acidentados da cidade são levados. Entrou e procurou a recepção. Chegou na recepcionista, uma mulher baixa de olhos tortos e cabelos cacheados de cor acobreada, e explicou o que havia acontecido.
Suzane, a recepcionista, começou a fazer alguns questionamentos sobre Marina. Nome completo, data de nascimento, entre outros. Dados que André, de alguma maneira, ainda sabia de cor. Quando a pergunta passou a se tratar de documentos pessoais, André obviamente não sabia as respostas. “Se pelo menos o paramédico tivesse me dado a bolsa dela...” - Ele pensou.
- Qual o seu grau de parentesco coma vítima? - Indagou a Recepcionista.
- Sou... amigo. - Respondeu André.
- Ok, vou precisar dos seus documentos então. - Disse Suzane. André passou todos os dados solicitados.
Após fazer todo o cadastro, André aguardou por cerca de duas horas na recepção. Enquanto fazia isso, tentou contato com Maria, irmã mais nova de Marina, através do Direct do Instagram. Infelizmente ela não respondia, o que era um tanto óbvio. Por mais que ele tenha a conhecido pessoalmente na época que estudava com Marina, era bem provável que Maria nem se lembrasse mais dele, e não iria responder um aleatório no Instagram, ainda mais um estranho que ela não seguia. André então entrou no perfil de Marina e em seguida abriu uma das fotos do seu casamento com um homem chamado Carlos. Clicou na marcação da foto, o que o levou direto ao perfil do marido de Marina. Clicou em enviar mensagem e disse tudo que havia acontecido.
Mais uma hora havia se passado em nenhuma resposta pelo Instagram. Quanto a Marina, a única informação que tinha, era que ela fora levada a sala de cirurgia. André já pensava em ir na casa onde Marina morava na época da escola e ver se os pais dela ainda viviam lá. Assim ele deixaria a família a par do que estava acontecendo. Porém, ele não tinha certeza de que eles ainda residiam naquele endereço, e não queria sair sem ter notícias concretas sobre Marina.
Mais algumas horas se passaram e o sol já havia cedido seu lugar para a lua. André andava de um lado para o outro enquanto verificava o celular a cada cinco minutos em busca de uma resposta de Maria, ou Carlos. Olhou tanto que a bateria já estava quase no fim.
- Com licença. O senhor que veio acompanhando a senhora Marina? - Disse uma voz atrás de André. Era um homem alto de cabelos claros, cavanhaque e olhos cor de amêndoas. Ele usava jaleco branco e uma identificação que dizia Dr. Antônio.
- Sim, sou eu mesmo. - Respondeu André, ansioso.
- Ótimo, sou o Dr. Antônio. Marina teve uma séria lesão na coluna vertebral, fizemos uma cirurgia de emergência....
- Ela está bem? - Interrompeu André com ansiedade.
- Ela está estável. Mas pode ser que fique com alguma sequela e não consiga mais mover as pernas. - Disse o médico com pesar na voz.
André sentiu seu coração bater na garganta. Seus dedos gelaram na mesma hora. Ele não sabia o motivo daquela notícia o abalar tanto. Não via Marina a mais de dez anos, agora ela era praticamente uma estranha para ele. Mas ali, naquele momento, era como se estivesse novamente na época do colégio, quando eram grandes amigos.
- Posso vê-la? - Indagou André.
- Claro, me acompanhe por favor. - Disse o médico e em seguida guiou André por alguns corredores de paredes brancas até chegar em um dos quartos.
Quando entrou, viu Marina deitada na maca, vestindo uma camisola de hospital e coberta por um lençol branco até a cintura. Ela parecia dormir em um sono profundo.
- Ela está... em coma? - Perguntou André.
- Apenas dormindo, deve acordar em breve. - Respondeu o doutor.
André se aproximou e tocou as mãos de Marina. Estava quente, como ele se lembrava. Faziam exatos quinze anos que não a tocava. Conseguia ver no seu rosto que algumas marcas da idade já começavam a aparecer. Apesar disso, ele ainda conseguia ver a garota de dezesseis anos que estudava com ele há alguns anos.
- Vou deixar vocês a sós. - Disse o médico ao sair da sala.
André continuou a olhar para Marina. Por alguns minutos ele começou a se lembrar da época de escola, quando os dois, amigos inseparáveis, permaneciam juntos em todas as atividades de todas as aulas. Ficou ali segurando a mão de sua antiga amiga por mais alguns minutos enquanto relembrava dessa época. Estava perdido em suas lembranças quando sentiu a mão dela se mexer e em seguida ela começou a abrir os olhos.
André sentiu novamente o coração acelerar. Aos poucos Marina abria os olhos enquanto uma expressão confusa tomava conta de seu rosto. Quando despertou completamente, a expressão de confusão deu lugar a um belo sorriso. A covinha que André tanto conhecia, surgiu no rosto de Marina.
- André? - Disse Marina surpresa, em meio ao sorriso.
- Você ainda se lembra de mim? - Foi a única coisa que André conseguiu dizer enquanto devolvia o sorriso.
- Mas é claro que eu me lembro? O que aconteceu? Você está diferente, desde quando você usa barba? - Disse Marina.
- Você foi atropelada. Tentei entrar em contato com a Maria e com seu marido pelo Instagram, mas eles não responderam. - André explicou ignorando a pergunta da barba.
- Entrar em contato por onde? E que marido? - Indagou Marina com cara de quem não está entendendo nada.
- Instagram, eu entrei no seu perfil e achei seu marido. Mandei mensagem para ele e para Maria. Só que não responderam.
Marina não respondeu, mas seu rosto ainda era completa confusão. Parecia que ela não fazia ideia do que ele estava falando.
- Olha, eu não sei do que você está falando. Eu não faço ideia do que seja esse Insta sei lá o quê, e com certeza eu ainda não me casei com o Gustavo. Por que você parece tão... cansado? E essa barba? Desde quando você usa barba? - Marina indagou novamente.
Agora era André que estava confuso. Como Marina não sabia o que era Instagram? Apesar deles não se seguirem na rede social, André aproveitava que o perfil de Marina era aberto e sempre olhava uma foto ou outra de vez em quando. Além disso, como ela podia dizer que não era casada se ele a viu postar fotos do casamento? Por que ela ainda estava falando de Gustavo, seu primeiro namorado, ainda mais depois do que aconteceu com ele?
- Olha, acho que você ainda está confusa devido a pancada na cabeça e....
- Oh meu deus! - Exclamou Marina ao ver seu reflexo pela janela do quarto. Eu... eu estive em coma por anos não é mesmo? - Perguntou ela desesperada.
- Não, você só apagou por algumas horas. - Respondeu André sem entender nada.
- Eu não entendo... - dizia Marina tentando descer da cama para verificar melhor sua aparência no reflexo da janela. Porém, suas pernas não respondiam.
- Olha melhor você descansar, dormir um pouco...
- Eu não sinto minhas pernas. - Disse Marina com seus olhos enchendo de lágrimas. – Eu não sinto minhas pernas André. - Repetiu ela aos prantos.
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