Introdução
04:05 Ônibus da viação catarinense chegando no terminal.
Fones no ouvido, música baixa, deitado, agarrado a uma mochila num assento reclinável aparentemente confortável e apropriado para uma viajem longa. Acima da cabeça no bagageiro, no lugar de uma mala, um violão cuidadosamente posto dentro de uma capa.
Estava Apollo dormindo, quase sonhando quando uma voz forte perturbara seu silêncio:
– Estação. Vocês têm vinte minutos para o reembarque – Alertou o motorista do ônibus aos passageiros.
Carregando a mochila por um dos ombros, Apollo aproveita a parada e desce do ônibus caminhando em direção ao banheiro da rodoviária.
Poucos minutos depois, ao voltar para o ônibus, Apollo teve uma sensação estranha: Um ar gelado entrou pela janela tornando visível sua respiração, sua pele já esmaecida quase sem cor e, um arrepio por todo corpo que por alguns instantes tirou sua atenção da musica que estava ouvindo.
– Impressão minha ou aquele cara de capuz não estava ali quando eu desci? – Pensou Apollo fitando o passageiro no fundo do ônibus.
Deixando de lado a desconfiança, tomou o assento e vasculhou na mochila algo para comer.
– Como esse povo tem coragem de cobrar tanto por um salgado? – Resmungou Apollo tirando uma tapoé com sanduíche de dentro da mochila – Aham... Achei você!
Faltando pouco mais que três horas para chegar em Joinville, Apollo se viu confiante, ansioso para começar uma nova fase em sua vida, uma jornada longe dos pais.
– É chegada a hora de crescer!
Sonolento, mal conseguia manter os olhos abertos e uma repentina dor na bexiga que o forçava a se levantar.
Segurando-se e alternando as mãos nas barras de apoio andando até o fundo do ônibus já em movimento. Uma das mãos escapou, Apollo estava indo de encontro ao chão quando um braço se estendeu de um lado dos assentos puxando-o para cima.
O cara de capuz! Pensou Apollo encarando o homem de sobretudo preto.
– Obrigado... – Apollo Agradeceu discretamente e o homem encapuzado apenas assentiu movimentando a cabeça.
O espaço era muito apertado, e o balançar do ônibus passando por buracos piorava o desconforto dentro do banheiro.
Após fechar a torneira, Apollo põe uma das mãos sobre a maçaneta girando-a e puxando a porta.
– Meu... Deus! – Com o semblante visivelmente espantado, Apollo dá um passo para trás.
Tudo ao seu redor havia mudado, ou parecia estar mudando.
À medida que Apollo seguia para frente o ônibus parecia se distorcer de fora para dentro estourando todos os vidros desde as primeiras janelas da frente até às ultimas do fundo, fumaça com fogo emergia de debaixo do veículo, estilhaços de ferro derretendo caíam por toda parte.
Os passageiros em chamas se atiravam para fora do ônibus, outros se debatiam desesperadamente numa tentativa em vão de apagar as brasas ardentes.
Uma explosão suspendeu o veiculo bruscamente virando o ônibus de lado. Com o impacto, Apollo foi lançado na estrada com um grito estrondoso de pânico.
– Cala a boca idiota! Tem gente querendo dormir!
Um berro impaciente dos passageiros trouxe Apollo ao momento presente. Ao abrir os olhos viu que ainda estava sentado no banheiro.
– O que foi isso? – Um suspiro aliviado reduzindo o ritmo acelerado de seu coração. – Que sonho maluco.
07:32 Rodoviária de Joinville.
Após horas de viajem que mais pareceram dias, o ônibus estacionou na ultima parada para Apollo.
Uma multidão de pessoas que aguardavam por seus familiares ou amigos se estendia pelo amplo pátio da rodoviária.
Apollo foi abrindo caminho até chegar numa região menos ocupada, onde esperou por seu irmão.
– Dez minutos! – Saber esperar nunca foi a maior virtude de Apollo – Pablo já deveria estar aqui.
Impaciente olhando para todos os lados procurando por seu irmão, Apollo subiu em um banco aumentando seu campo de visão.
– Oh! Até que em fim – Aliviado por avistar Pablo.
Os dois irmãos se cumprimentaram, um abraço que lhes trouxe lembranças da ultima vez que o fizeram.
– Cara como você cresceu! – Disse Pablo enquanto bagunçava o cabelo do irmão.
– Cinco anos desde a última vez. – Virando o rosto para disfarçar a emoção que sentia.
Apollo e seu irmão andaram até o estacionamento atrás da rodoviária, onde Pablo havia deixado a moto.
Pablo destrancou as correntes que prendiam os dois capacetes na moto e entregou um a Apollo, que o colocou com dificuldade.
– Nossa! Não tinha um capacete menor não? –Perguntou com ironia.
– É de criança, acho que peguei por engano – Afirmou Pablo com um sorriso largo – Não me dei conta de que cinco anos faria sua testa crescer tanto.
Saindo da avenida principal entrando em uma estrada estreita de mão única. Dirigindo sempre com prudência, Pablo foi pilotando a moto pelas ruas da cidade.
Passando agora por debaixo de uma passarela que dava acesso a um enorme prédio.
– Lembra? Você adorava correr ali em cima enquanto nossos pais gritavam logo atrás pra que voltasse.
Apollo olhou o Shopping por alguns segundos antes de responder:
– Sim... Bons tempos...
– Sempre que passo por aqui, me lembro da ultima vez que vi nossa família reunida.
Apollo não respondeu perdido em suas lembranças. Decerto sentia muita falta de dias como aquele, em que sua família era completa.
Essa breve viagem foi suficiente para distraí-lo no caminho até a casa do irmão.
– Chegamos!
O som da voz de Pablo fez com que Apollo voltasse a si.
Dentro de casa Pablo abriu uma porta de um dos quartos e disse:
– Esse era meu quarto, agora é todo seu, cuide bem dele heim!
– Claro! Sempre quis ter um quarto só pra mim.
– Você deve está com fome.
– Estou sim, mas, vou estrear meu novo quarto primeiro e tirar um cochilo, mal consegui dormir durante a viagem.
–Tá certo! Você conhece bem a casa, se precisar de algo fique a vontade.
Apollo entrou no quarto, escorou o violão na parede do lado oposto à porta, jogou a mochila no canto da cama e deitou ao lado.
Capítulo 1
Eu estava dormindo até que ouvi batidas na porta.
– Acorda mano! Vem almoçar.
– Eu acabei de deitar! – Falei enquanto esfregava os olhos, ainda cheio de sono.
Levantei e caminhei desajeitado até a porta.
Pablo estava voltando para a cozinha.
– Hum! Cheirinho bom... – Dei alguns passos curtos para frente – Ainda comprando comida pronta?
– Que nada! Com o tempo eu tive que aprender a me virar. E você vai ter que fazer o mesmo se quiser sobreviver aqui.
Sentei numa cadeira me apoiando no balcão de mármore que separa a cozinha da sala.
– Você estava mesmo com sono – Disse Pablo enquanto colocava sua comida.
– Ainda tô! Por que você almoça tão cedo?
– Cedo? Quase duas horas já!
Eu estava tão cansado que parecia que só havia cochilado por alguns instantes.
Pablo pôs o prato no balcão sentando em seguida na cadeira de frente pra mim.
– Apollo. Eu vou na casa da Luana Você quer ir?
– Não. Mas gostaria de ir à praça... Você pode me levar?
Levantei e passando pra cozinha comecei a me servir.
– Sim! Ti deixo na praça, de lá vou à casa da Luana.
Depois que almocei e tomei um banho pra acordar o corpo, vesti uma calça jeans escura e uma blusa vermelha de manga comprida com gola em "v".
Pablo me levou até a praça.
– Obrigado mano! – Estendi a mão para Pablo.
– Qualquer coisa... – Ele apertou minha mão e prosseguiu – É só me ligar que te busco.
Pablo ligou a moto e seguiu para a casa da namorada.
Depois que ele saiu, entrei no parque passando pelo portão que estava aberto, dei alguns passos para frente e parei.
Era incrível! Mesmo depois de tanto tempo o lugar parecia bem preservado.
Visto da entrada. Três pontes de pedra, duas laterais e uma no meio. Davam acesso à praça central, onde há um museu e logo atrás um bosque com árvores enormes cercavam o lugar.
Um lago se estendia da esquerda à direita, passando debaixo das pontes formando um arco em torno da praça.
Caminhando pela ponte, vejo pessoas pedalando nesses barcos em forma de cisne. No campo, jovens brincando com bola, adultos conversando e outros caminhando ao ar livre.
Chegando na praça, sento em um banco de frente para um pequeno lago circular no meio da praça.
Havia uma enorme flor de lótus no meio do lago, que talvez por causa da época ainda não tenha desabrochado.
De fato um lugar encantador.
Abro a mochila e tiro uma pasta e um lápis de dentro. Olho ao meu redor mais uma vez procurando algo para desenhar.
Com a pasta no colo, ponho uma folha sobre ela e começo a esboçar.
Aos poucos formas surgiram e quando vi estava terminando de desenhar a lótus à frente. Que mesmo fechada era linda.
Estava com a pasta aberta para guardar o desenho, de repente o vento vindo de trás das arvores soprou forte arrancando algumas folhas secas e lançando ao chão minha pasta e meus desenhos.
Segui abaixado apanhando os desenhos que estavam espalhados entre as folhas no caminho perto da ponte.
Me abaixei para pegar o ultimo desenho e ao levantar me deparo com uma bela garota.
Olhos cor de mel, cabelos repicados em camadas na altura do ombro, uma jaqueta lilás cobria seu corpo da cintura pra cima, e uma calça até pouco abaixo do joelho que acompanhava bem suas curvas.
Em suas mãos alguns papeis com o lado desenhado voltado para si.
– Acho que isso pertence a você.
Parado como uma estátua. Olho em seus olhos por alguns segundos. Então ela também me olhou e sorriu.
Por um momento esqueci que estava segurando a pasta e a senti escorregar pelos dedos.
– Posso ajudar?
Meu Deus! Eu já estava sem graça só por ela me olhar de volta e sorrir. Agora está falando comigo, o que eu devo dizer?
– M-me... Ajudar? – Juro que tentei não gaguejar, mas é mais forte do que eu – Sim! Por... Favor.
Juntos nós pegamos todos os desenhos e percebi que ela olhava bem cada um antes de me devolver.
– Você desenha tão bem! – Hesitou por um instante e continuou – Parabéns Apollo você tem talento.
Como ela soube meu nome?
– Não é esse seu nome? Está escrito em seus desenhos.
– Ah! É... Apollo. Sou eu sim.
Droga! To parecendo um idiota falando. Preciso dizer algo antes que ela saia correndo. Ou devo me calar?
– Tenho que ir.
– Não!
– O que foi?
Esse "não" escapou na pior hora possível.
– Você é daqui? Não daqui do parque... Digo. Do bairro?
– Sim! – Ela sorriu outra vez de forma mais solta - Eu tenho mesmo que ir. A gente se vê Apollo.
Fiquei olhando ela partir até que meus olhos não podiam mais alcançá-la.
Depois de assistir sua partida nem quis mais desenhar. Voltei até o banco onde havia deixado minha mochila, guardei minha pasta e saí do parque.
Indo em direção ao portão, ponho a mão no bolso direito da frente da calça e pego meu celular.
18:02. Bateria fraca.
Nossa! O tempo voou. Preciso ligar pro meu irmão e avisar que já estou saindo.
Mal digitei os quatro primeiros números e o celular descarregou.
Vou ter que ir de ônibus...
Novamente coloco a mão no bolso guardando o celular, com a mão esquerda no outro bolso tiro minha carteira.
– Mas que merda! – Murmurei quando as únicas moedas saltaram da minha carteira.
Tentei com o pé pará-las a tempo, mas não consegui e elas caíram no bueiro.
– Ô sorte! – Disse em voz baixa num tom irônico e desanimado.
Bom, o jeito é ir andando.
Caminhando pelas ruas da cidade, algumas bem movimentadas e outras desertas.
– Por favor, deixe-me em paz!
Um homem já de idade implorava para que o outro homem o soltasse.
– Ei Você!
O assaltante correu entrando em outra rua. Teria ele se assustado ao me ver?
Cheguei depressa onde o velhinho estava caído e o ajudei a ficar de pé. Ele me olhava com olhos arregalados como se tivesse prestes a ser devorado por um monstro e, murmurou baixo algo que não entendi muito bem: –...Cael!
Ao ver que ele estava bem, tentei alcançar o homem que fugiu. Entrei na mesma rua que ele entrou a tempo de vê-lo seguir por um beco virando à direita.
Mas ao chegar lá. – Impossível!
Um beco sem saída, como ele teria escapado? Os muros eram muito altos para serem escalados de forma tão rápida.
– Você é um jovem muito corajoso!
Virei-me e vi o velhinho a uns metros de distância de onde eu estava.
Depois que ele falou, caiu a ficha: Nem eu acredito no que fiz. Perseguir um assaltante? Que loucura! Tive muita sorte, ele não estava armado ou o fim seria trágico.
– O senhor está bem?
– Estou sim graças a você que apareceu na hora certa.
– Na época que eu costumava vir aqui era muito difícil esse tipo de coisa acontecer.
– Muita coisa mudou de alguns anos pra cá.
O acompanhei até o ponto de táxi mais perto.
– Posso fazer algo por você jovem?
– Não precisa senhor.
Deixando o local fui caminhando pela calçada da avenida principal
Avistei um orelhão, nem lembrava mais que esse tipo de coisa existia. Uma dose de ânimo percorreu meu corpo quando consegui ligar a cobrar para meu irmão.
– Alô.
– Pablo! Sou eu. To aqui no centro ainda, meu celular descarregou.
– Você tá legal?
– Estou sim. Você está muito ocupado?
– Não! Só me diz onde você está.
Desliguei o telefone após ter explicado o local onde estava.
Quem diria que esse aparelho pré-histórico me ajudaria tanto? Só de pensar que não vou precisar ir andando pra casa, já me senti aliviado.
Não demorou muito e Pablo apareceu. Por volta das 19:15 a gente já estava em casa.
Domingo. Dia seguinte:
Estava no sofá dedilhando alguns acordes no violão...
– Olha só... – Pablo sorriu e continuou – Alguém aqui acordou inspirado.
– Ã? – Surpreso, não havia percebido que meu irmão estava perto – Musica me ajuda a relaxar... Como se eu pudesse ir pra outra dimensão.
– Hum, sei... E essa cara de bobo aí? – Pablo se aproximou do sofá e pegou uma almofada. – Te conheço. Tem algo mais nessa dimensão ou, alguém? – Ele sorriu e arremessou a almofada em mim.
Levantei o braço protegendo o rosto, a almofada bateu e caiu no chão.
– Tá bom! Eu falo – Pausa para um suspiro – Eu conheci uma garota linda no parque ontem.
– Há! Há! E qual o nome da sua musa inspiradora?
Nossa! Aí que me dei conta:
– Me esqueci de perguntar.
Depois do café.
– Okay! Eu vou avisar o Apollo. Abraço!
– Opa! Ouvi meu nome – Eu estava saindo do banheiro quando vi Pablo atender o celular.
Guardando o aparelho no bolso ele disse:
– Estava falando com Abel... O que você acha de sair hoje à noite?
– Legal cara! Aonde vamos?
Pablo pega o controle da TV que estava em cima do sofá...
– Uma volta no centro com os amigos, comemorar sua chegada – Encerrou o assunto apertando o botão vermelho do controle.
A imagem logo surgiu na tela:
– Uma explosão na rodovia que liga Santa Catarina às demais cidades da região, chamou atenção de todos nessa manhã de sábado.
Essas imagens gravadas pela câmera de segurança da estrada mostram o momento em que o motorista perdeu controle do veiculo em chamas e o ônibus tombou.
Três pessoas foram encontradas próximo ao local do acidente. Elas estavam espalhadas entre outros dois corpos completamente carbonizados. Dois Homens e uma mulher que sobreviveram estão gravemente feridos mas já foram encaminhados ao hospital.
O motorista e os demais passageiros não sobreviveram e até agora não se sabe o que poderia ter causado a explosão.
– Você veio em um desses ônibus... Por Deus chegou bem.
Na hora as imagens distorcidas de fogo e fumaça sobrecarregaram minha mente me fazendo lembrar o pesadelo que tive na viagem.
– Apollo? Ei! Apollo acorda!
Sacudindo a cabeça logo voltei a mim.
– O que foi cara? Você ta se sentindo bem?
Meu irmão me olhava com um olhar preocupado.
– Estou bem, mano! – Afirmei tentando aliviar a tensão que se formou agora a pouco
– Tudo certo pra hoje à noite?
– Sim! Com certeza.
Merci pour la lecture!
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