Foi em uma quarta-feira. Eu não tinha como saber que seria aquele o dia em que eu encontraria o primeiro amor. Talvez seja por isso que o primeiro contato com o amor seja tão arrebatador: porque não sabemos quando vai acontecer. Não temos controle sobre isso. Ele estava junto com os garotos que jogam futebol. Muito distante das histórias americanas, aqui não usamos casacos de times e não ganhamos bolsas estudantis na faculdade por aptidões. Mas o feitio do grupo de meninos que pratica esportes permanece o mesmo. São, em sua maioria, héteros, barulhentos e desfilam com uniformes dos seus times de futebol favoritos. São um grupo do qual nunca fiz parte e sempre tentei manter distância.
Ah, e esse grupo, à semelhança do americano, também tem um líder, que não necessariamente é o capitão do time, mas o capitão do bullying. Bullying do qual eu era a vítima. O rei de todos os babacas, Douglas Mello Neto. Filho dos Mello, donos de metade da cidade, obviamente. O Mello avô já havia falecido há muito, mas o Mello pai ainda estava assinando cheques e erguendo prédios. E o neto me sacaneando na escola.
Mas naquela quarta-feira felizmente Douglas não tinha ido a aula. Era o primeiro período de educação física e eu estava feliz por estar de atestado naquela semana. Quinze minutos depois de soar o sinal, surgiram na quadra Daniela e um garoto, cabelos cacheados, olhos escuros e o início de uma barbicha. Não havia novidade nenhuma que Daniela chegasse atrasada e, também, acompanhada de um garoto extremamente lindo. Mas logo percebi que ela não fazia a menor ideia de quem era aquele menino. Enquanto se aproximavam, Dani fez um sinal com a cabeça em direção ao garoto como quem diz "Quem será?". Logo atrás, a supervisora da escola apareceu e chamou o professor para um canto.
Enquanto os garotos corriam e suavam (não vou ser hipócrita ao dizer que não adorava assisti-los correndo com aqueles calções curtíssimos de jogar bola) eu lia sentado na arquibancada.
Observei Daniela entrar em jogo enquanto o garoto esperava alguma coisa acontecer. Pelo que pude ver, a turma jogava handebol. Dos jogos com bola esse era o único possível para eu jogar: não era alto suficiente para basquete – muito menos vôlei – e não envolvia coordenação motora com os pés. Mas eu estava muito bem acomodado lendo Jane Austen na arquibancada para colocar a integridade do meu pulso em risco. O professor e a supervisora conversaram com o garoto novo e, para minha infelicidade, o professor apontou direto para mim e, logo em seguida, pediu que eu descesse até onde se encontravam. Merda.
— Vocês dois. Informática.
**
Como já fui uma vez um garoto novo na escola, eu dei todas as instruções necessárias para a sobrevivência estudantil naquele colégio. Quem namorava quem, a professora mais legal, o professor mais insuportável, nunca grite no corredor de baixo, nunca corra no corredor de cima. Quais as aulas que teriam naquela manhã e nas outras.
— Como é seu nome, mesmo? — Ele perguntou.
— Edgar. E o seu?
— Caio.
— Muito prazer.
Paulo, o professor de educação física, pediu que nós fizéssemos uma pesquisa sobre as regras do handebol. Caio usava o uniforme, regata e shorts. Os braços eram fortes como o dos garotos que vão na academia. Os cabelos eram comedidos, ainda que um ou outro fio fugiam da sua linha curva. Me perguntava o motivo pelo qual ele não estava lá na quadra correndo e arremessando a pequena bola do handebol.
— Posso te fazer uma pergunta? — Ele disse.
— Pode.
— O que você fez no pulso?
— Eu caí. Fraturei. Doeu pacas.
— Ah, eu sei como é. Já fraturei o tornozelo uma vez.
Caio voltou a copiar algumas linhas em seu caderno.
— Jogando bola? — eu perguntei.
— Hm?
— Você joga futebol?
— Ah. Não sou muito fã. Mas é, foi jogando, sim.
Sabia. Enquanto ele escrevia qualquer regra em seu caderno eu o observei. Era dono de uma letra muito caprichosa e bonita. Fiquei encantado ao vê-lo escrevendo. Devo ter perdido a noção do tempo enquanto admirava Caio escrevendo porque o sinal para o segundo período soou, me tirando do transe.
Os períodos de português passaram rápido. Durante a aula logo depois das tarefas continuei a ler Orgulho e preconceito. A data para devolução era para aquele mesmo dia, então fui direto à biblioteca no intervalo.
— Jane Austen? — Caio surgiu dentre as estantes enquanto eu estava na fila para a renovação do livro.
— Oi. É. Vou precisar de mais uma semaninha.
— Do jeito que você lê não vai demorar muito.
— Como assim?
— Passou metade da aula só lendo esse livro. Nem viu que eu me sentei atrás de você.
Eu realmente não tinha visto Caio atrás de mim durante a aula. Me limitei a menear com a cabeça um sorriso sem jeito. Quando recebi o livro com a nova data Caio já havia sumido da biblioteca.
Os dois últimos períodos eram reservados a aula de Literatura com a professora Aline. Tínhamos começado os estudos sobre Romantismo.
— Essa é a professora mais legal da escola?
— É, como eu te disse.
— E ela é a professora mais legal da escola porque ela é professora de livros ou porque ela é legal mesmo?
— Bom, eu acho que quem vai decidir isso é você.
Eu já estava começando a perceber meus sentimentos correndo soltos por todo o meu corpo no final daquela manhã. Mesmo não tendo como adivinhar meu destino à minha frente, minha intuição dizia que Caio teria uma grande participação.
Todos os personagens fazem parte da mesma cidade. Alguns se conhecem, outros nem sonham da existência alheia, e alguns talvez até sejam fictícios! Cabe ao leitor tecer os fios que irão relacionar esses enredos. En savoir plus Pelas ruas de uma cidade pequena.
Merci pour la lecture!
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