Com semblante congelado, assim como o coração endurecido pelo receoso luto, contemplou em silêncio virtuoso a mulher desfalecida. Ela aparentava estar presa em um sonho eterno no qual não se libertaria, até contava cada respiração dela que soava sôfrega e extenuante — como se o simples exercício lhe exigisse muito mais que suportaria em sua frágil e debilitada condição. Quantas vezes tinha passado por isso? Foram tantas que deixou de contar, o processo era o mesmo durante todas as vezes que ela retornava. E, ainda que conhecesse bem a natureza do ciclo de reencarnações da jovem, nunca se acostumaria a perdê-la, em assistir sua morte em incontáveis épocas.
Naquele momento, desejou desfrutar mais de sua presença calorosa que irradiava um brilho inigualável, do fôlego de vida único que somente ela possuía, preencher o vazio que abriu dentro de si com a essência calma dela, mas tinha consciência de que nunca a teria totalmente. Eram capazes de viverem um curto período juntos, contudo, chega uma hora que simplesmente ela... Morre.
Como parte da maldição, por terem cometido o pecado de se apaixonarem e ela por ter escolhido o amor por ele e pelas pessoas.
Seu devaneio foi interrompido por uma reação dela, anunciando seu despertar. Os cabelos caíam descuidadamente sobre a face pálida, criando uma cortina de ondas escuras que escondiam-na parcialmente. Aprumando-se na cama, ela tirou as mechas rebeldes que invadiram seu campo de visão. Sonolenta, a jovem inclinou a cabeça para encará-lo e foi uma luta interna para não ofegar diante do que via: o horror e o medo tumultuando-se em seu âmago. Ao cruzar seus olhares, sentiu o déjà vu doloroso e segurou a ânsia de chorar — como todas as ocasiões que isso aconteceu. Os olhos dela, que o petrificou com o choque de reconhecimento na primeira vez que se conheceram nessa encarnação, estavam claros, adornados com um círculo dourado e desenhos intrincados — símbolo do selo que reteria suas lembranças. O modo intenso que ela o olhava o abalou, sabia como aquilo terminaria, mas recusou-se a acreditar — queria convencer a si mesmo que seria diferente, que nada a arrancaria de seus braços novamente.
E, por obra do destino cruel e implacável — seu inclemente inimigo —, não se comovendo com sua dor, atuou para que ela proferisse com sua voz doce e baixa, a frase que ela repetia por séculos e que representava o medo mais profundo dele personificado:
— Eu... Eu me lembro de tudo.
E então que ele soube que a perderia.
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