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Entre seu fascínio pelo desconhecido e sua falta de empatia pelos humanos, Esmeralda se vê apegada em uma humana que tentou afogar. Yasmin para ela era como uma estrela que ilumina o Céu sem ao menos notar o quanto sua existência pode afastar as sombras de um coração calejado pelo tempo. A atração era inevitável e os sentimentos imprevisíveis demais para serem controlados por um destino cruel. Uma lágrima vale bem mais do que declarações com palavras vazias.


Histoire courte Déconseillé aux moins de 13 ans.

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SINFONIA DAS ÁGUAS

As emoções são tão passageiras quanto as nuvens que são tragadas pelos ventos de um lado a outro. Poderia tentar controlar as suas emoções e seus sentimentos, e menos livre te tornaria. Apenas as mentes sonhadoras são capazes de viverem nas nuvens e somente os corajosos são capazes de suportar uma tempestade estando à deriva.

Yasmin encarou as marés com expectativas fulgentes de uma criança em êxtase ao ver o mar pela primeira vez. As ondas vinham serenamente até a costa da praia respingando na areia quente.

Seu rosto tranquilo transformou-se na expressão amarga quando se lembrou do quanto seu coração havia sido corrompido e maltratado ao ponto de comprimi-lo em seu peito. Era desajeitada e seu corpo era grande demais para caber em vestidos pequenos e apertados. Seria a última vez que sentiria tão enfadonha comparada às outras meninas.

“Eu sei que sou tão feia e suja, mas peço que me aceite, porque eu não sou capaz disso”, sussurrou.

Seu pequeno barco a esperava com um lampião já aceso. O pôr-do-Sol brilhava no horizonte se despedindo de mais uma tarde quente. Remou e remou. A luz fraca do lampião iluminado sua silhueta em meio a escuridão que a engolia aos poucos.

O anseio de chegar ao seu destino aumentou conforme não restaram mais ondas para enfrentar para seu objetivo final. Carregava uma flor atrás da orelha para que desse boa sorte. Não desistiria e nem resistiria. Seu vestido colado no seu corpo e as lágrimas silenciosas inundavam sua face.

“Senhor dos mares e das marés, eu peço que me aceite como sua. Não sou de ninguém, e por mais que me importe com meus pais e meus irmãos, ele nunca entenderiam que não posso ser quem eles pensam que sou”, soluçou.

Não era a lenda sobre as esposas que o mar pegava para si que a consolava. Desejava que fosse levada para tão longe que não se recordaria de nada que a amedrontasse ou a deixasse insegura. Queria uma nova chance de fazer tudo certo dessa vez.

A criatura a observou furiosa. O que faria um pescador no mar naquela hora? Ela os odiava. Já bastava que pescassem durante o dia, antes mesmo que amanhecesse. Por que estaria ali, afinal? Para caçá-la? Fazia tanto tempo que evitava a superfície, que não entendia como saberiam de sua existência. Os mares reagiram às suas intenções, iria afundá-lo e afogá-lo antes que ousasse tocá-la.

Os Céus se fecharam naquele instante e os trovões cortaram a visão límpida das estrelas, impedindo que brilhassem mais que eles. As gotas caíram como martírio no mar quieto transformado na ira implacável das águas.

Yasmin entregou-se no momento que a tempestade começou. Seu corpo chocou-se na água, afundando lentamente. Duas mãos estranhas a seguraram pelos ombros, e se perguntou quem seria o ser inconveniente que tentava salvá-la.

Somente percebeu seu engano quando as mãos que a cercavam apertaram seu pescoço e a puxou para o fundo do oceano[1] tão rápido que já não sabia o quão longe estava. Seus pulmões cediam a forte pressão da água, debateu-se sem saber o por que. Era o queria, não era? Abriu os olhos sem enxergar nada, e voltou a fechá-los.

Parou de se debater. Talvez o Senhor do mares realmente existisse e a havia a tomado para si. Todo o pavor, tristeza e medo desapareceram em um estalar de dedos.

Finalmente seria livre.

As mãos que a puxavam para baixo afrouxaram o aperto e não estava mais afundando. Abriu os olhos de novo vagarosamente e olhos incandescente a encaravam com a mais completa confusão. Yasmin percebeu quer o que fosse aquilo era muito maior do que parecia. Sentiu a água movendo-se a sua volta, como se ela, julgou ser “ela”, estivesse muito próxima e seu corpo fosse grande o suficiente para cercá-la ou esmagá-la se quisesse em instantes.

Encontrava-se fraca demais, tinham se passado apenas alguns segundos desde que caíra na água, mas tudo parecia durar uma eternidade. Abriu a boca em busca de ar, o que havia se mantido firme em preservá-lo mesmo que inconsciente. E adormeceu tão calmamente que o som das ondas batendo na costa como uma canção de a ninar, antes que acordasse assustada com um caranguejo que passeava pelos seu cabelos, semelhante a um despertador pontual.

Perguntou-se o que havia acontecido. O que lembrava era verdade? A memória dos olhos que a encarou de volta era algo tão forte que não poderia ter sido imaginação sua. Sentiu uma forte conexão ao olhá-los e daria tudo o que tinha para vê-los de novo. Teria sido aquela criatura que a tenha salvado? Mas por que?

Esmeralda, esse era seu nome, vagava por aqueles mares há muito tempo e era a primeira vez que um humano a olhava sem nenhum pavor. Admitiu que desistiu de afogá-la Não fazia ideia o que uma garota daquela idade estava fazendo no mar aberto com nada além dos remadores e um lampião que já estava no fim. Seria de um navio naufragado? Provavelmente, não.

A sereia observou ao longe seu corpo adormecido na praia em busca de uma resposta. E ela não acordou até que fosse de manhã. Viu que olhava em sua direção, como se soubesse que estava ali mesmo que não a enxergasse daquela distância. Havia a deixado onde lhe pareceu correto e gostou que não fosse uma das praias cheias de lixo como muitas são.

Bastava toda a poluição dos rios e mares, além dos derramamentos de óleo que sufocava e envenenava tudo o que pudesse tocar.

A vida marítima sangrava por causa dos humanos.[2]

Entendia porque suas ancestrais os atraiam e os afogavam. Eram criaturas que só pensavam em si mesmas, e eram incrivelmente hipócritas e ignorantes.

Então os dias que se seguiram, voltou àquela praia, e uma flor, a mesma que havia visto boiando no dia que tentara matar a humana, chegou até ela. Quando decidiu saber de onde vinham, viu a pequena humana as deixando nas ondas. Isso durou semanas. Era sempre antes de escurecer. Ela nunca ficava mais que alguns minutos e ia embora.

Questionou-se do por quê ela fazia aquilo. E sem perceber estava esperando que ela viesse e deixasse sua flor. Logo, em um dia de chuva, raro naquela região, ela não veio. Era óbvio que não era seguro para a humana, mas, por alguma razão sentiu falta da flor que receberia naquele dia.

Yasmin tentou em vão se comunicar com a criatura, entretanto não obteve nenhuma resposta. Sabia que era real e não desistiria. Deixou um narciso todos os dias para criatura. Começou a ir sempre no mesmo horário do dia, pois era o único que tinha disponível. Estudar e trabalhar ajudando sua mãe não era muito fácil, porém isso ajudava com a situação em casa. Começou a sair antes de anoitecer e voltar dando desculpas esfarrapadas, que ninguém acreditaria, mas todos trabalhavam o dia inteiro, então deixavam passar.

No dia que não pôde ir se sentiu imensuravelmente culpada. Ofereceu uma flor diferente para se desculpar: uma violeta. Queria conhecê-la mais e seu desejo foi levado pelas ondas em uma mensagem simples e sincera. Viu que uma cauda muito grande bateu na água. Tinha certeza que só ela era o dobro do seu tamanho. Era escura e mais semelhante com o corpo de uma cobra do que de um peixe. Especulou que seria uma sereia, contudo aquilo não parecia ser uma, não é? Isso deixou Yasmin amedrontada e fascinada ao mesmo tempo. Lembrou-se pouco de sua fisionomia. Apenas seus olhos e a sensação de estar cercada marcara sua mente,. Como seria aquela criatura sem estar na escuridão do oceano?

Esse foi primeiro contato entre as duas que fosse amigável.

Esmeralda queria saber por que aquela humana colocava aquelas flores para ela. Era para ela, não era? Sabia que sim. Dessa vez sentiu-se inspirada a corresponder àquelas mensagens. Mostrou-se para humana, e invés de recuar ou se assustar, Yasmin sorriu em sua direção.

Um vínculo, frágil e sem nenhuma cor tinha sido criado. Era singelo e cheio de desconfianças.

Ao ver a garota ir embora, a sereia decidiu segui-la[3] através da água onde a sentiu mais perto. Conseguia reconhecer sua essência em qualquer lugar depois que criou familiaridade a ela. Foi fácil encontrá-la. Localizava-se em um rio fedorento e raso. Fazia bastante tempo que tinha visto as casas humanas tão perto assim. Eram tantos odores que se sentia confusa. Queria ir embora, e mesmo assim ficou.

Um rastro de emoção que definitivamente era direcionado a ela se manifestou em seu âmago. Antes o ignorava, e cortava aquele contato. Dessa vez não foi capaz de o fazer, foi estranho ter que ir embora. Não poderia fazer nada se ela não a ouvisse cortejar.

No dia seguinte, ela lhe trouxe novamente a flor roxa e bela que encantou Esmeralda. Antes que a humana fosse embora ela cantarolou, e a guiou até os cascalhos mais afastados, soube que uma parte da garota realmente estava interessada nela e suspeitou que também sentia o mesmo.

Yasmin se viu hipnotizada pela voz mais linda e excêntrica fazer de um cantarolar uma melodia tão bela. Seguiu o som até uma área desconhecida e longe da vista de outras pessoas.

A sergipana encarou a sereia admirada. Ela tinha escamas de cobra por todo corpo, em algumas áreas de um violeta vibrante que ia ao mais profundo negro. Não tinha pele como a de humanos da cintura para cima, como a descreviam nos livros e nas séries. Não usava roupas e nem conchas para tampar os seios, na verdade, não havia mamilos para serem sexualizados e censurados. Sua calda era realmente imensa e por mais que parecesse ser escura, o azul ciano e violeta reluzia com os últimos raios de Sol.

“Foi você quem vi no outro dia?”, perguntou Yasmin ao observá-la ainda maravilhada.”

“E foi você quem havia me incomodado dias atrás”, respondeu-lhe.

Yasmin baixou a cabeça um pouco arrependida.

“Sinto muito, não foi minha intenção.”

“Nunca é”.

A sereia desceu e nadou até um ponto mais próximo de Yasmin.

“ C-Como você se chama?”, perguntou [4] a garota.

Esmeralda ultrapassou as pedras menores da praia e cercou o pequeno corpo de Yasmin como uma serpente. Avaliou suas emoções, categorizando suas intenções. Seria fácil quebrar seus ossos também. Se ousasse traí-la ao contar sobre sua existência para outros humanos, seria fácil. Principalmente um corpo rechonchudo e diminuto que nem dela. Sua era pele queimada pelo Sol e tinha um tonalidade parda que considerou um charme.

Cutucou distraidamente o seu braço com as garras e se divertiu com as ondas engraçadas que aquilo fazia. Continuou até que percebeu que a criança estava claramente constrangida.

“Eu me chamo Esmeralda. Sua carne é macia demais. Como pode ser tão macia?”

Yasmin encolheu-se na própria pele. Pensou se ela queria lhe devorar logo quando finalmente a conhecera.

“Pode me chamar de Yasmin, m-moça. Esse foi o nome que minha mãe escolheu…”, disse nervosa.

“Oh, que indelicadeza a minha, prazer em conhecê-la, Yasmin.” Percebeu o medo irradiando de ela, e riu. “ Não se preocupe, não irei devorá- la.”

Sua risada ecoou com as batidas da água nas rochas harmoniosamente, Yasmin sem perceber foi contagiada com a vontade de rir.

O Céu já estava escuro, por um momento a garota se preocupou, mas logo se deixou levar pelo momento. Esmeralda já havia a libertado e estava descansando ao seu lado, a encarando.

Sentiu-se com frio. O short que usava não esquentava muito. Passou a mão suavemente na queimadura de sua coxa. Tentava ignorar o fato que se sentia tão estranha com aquilo em seu corpo. Usava roupas normais, vivia uma vida normal, mas por que quando a olhavam pareciam enxergar apenas aquilo que queria que não reparassem?

“Por que estava à deriva naquela noite?”

“Você se lembra? Achei que fosse morrer naquele dia”, lembrou. “Sempre quis ir embora daqui. Mas não posso. Tenho nove irmãos mais novos, meus pais não deixaram que fosse para Aracaju ou para algum lugar longe. Duas irmãs fugiram e não voltaram mais para casa. Se eu sumisse notariam só que repetia as histórias das minhas irmãs, por que nunca me viram como uma filha de que se orgulhem. Não quero viver presa aqui para sempre. E por isso preferi ser levada pelo Senhor dos Mares. Ninguem lembraria de mim, sentiria minha falta ou encontraria meu corpo”, concluiu amargamente.

Esmeralda compadeceu com a situação de Yasmin. Mas não existia um senhor dos mares. Então soltou uma risada alta fora de hora.

“Sinto muito, mas não há um Senhor dos Mares.” A outra deu um sorriso debochado como se soubesse disso. “Existe a Mãe dos Mares.”

“Existe? Ela é como você?”, perguntou animada.

A maré já estava um pouco mais alta e a Lua brilhava na fase crescente. A água banhou sutilmente as escamas da sereia que passou as mãos no seu longo cabelo negro e colocando-o para trás.

“Ela não é como a mim ou a você”, silenciou por alguns instantes, ponderando o que dizer. “Nenhuma pérola possui a beleza de encantar a todos se não passar por dificuldades. Você é como elas: é única e pura. No Céu seria uma estrela solitária que não percebe o quanto sua luz ilumina a escuridão a sua volta.”

“Como você acha isso tudo se nos conhecemos um dia desses, mulher?”

“Eu sei como se sente. Tudo tem uma conexão seja aqui na terra ou no mar. A água corre em suas veias assim como corre em meu corpo. Assim como sou capaz de sentir emoções você também é. Somos seres empáticos. O que você sente, eu sinto.”

“Então você sabe como todo mundo se sente o tempo inteiro?”

“Só os que deixo se aproximar de mim.”

“Achei que odiasse humanos…”

“Não todos.” Olhou enigmaticamente com seus olhos verdes folha que se destacavam com as escamas pálidas de seu rosto.

Admirada, Yasmin demorou alguns momentos para que falasse algo.

“Você recebeu as flores que deixei?”, indagou baixinho.

“De alguma forma sempre chegavam até mim.”

“Você gostou?”

Esmeralda sorriu e entrou na água tão rápida, que a menina mal teve tempo de associar o que aconteceu.

Na manhã seguinte acordou com os gritos de um homem desesperado. Falando de uma cobra comedora de gente.

“Eu disse eu a vi ali mesmo no rio, compadre”, explicou. “Estava perto das nossas casas e era tão grande que engolia você inteiro rapidinho.”

A primeira coisa que lhe passou pela mente era Esmeralda. Seu corpo era tão grande e parecia tanto o de uma cobra que seria facilmente confundida com uma. Mas no rio? Ela vivia no oceano, não era? Ou havia outras como ela tão perto assim?

Levantar para ir para escola, fazer almoço, ir trabalhar… ocupou sua mente, e deixou de lado o que ouvira pela manhã. Estava animada em ir para praia ainda mais aquele dia. Sentia suas bochechas doerem de tanto sorrir. Sua mãe havia perguntado o por quê estava feliz e deu a desculpa que era porque seria feriado. Se fosse, por tanta alegria seria um feriado que durasse um ano inteiro de pura felicidade.

Pegou outra violeta para ela. Ficou na dúvida se deixaria as ondas levarem como sempre fez até então ou esperaria pela sereia. Escutou um cântico suave sobre o romance entre um marinheiro e uma sereia, e sobre os lobos que corriam e dançavam na lua cheia e uivavam pelo amor que sentiam. A canção era linda.

Aproximou-se sorrateiramente, sem saber que era Esmeralda quem a chamava com sua música.

Yasmin andou arrastando os pés na água para que pudesse ficar mais próxima e sentou em um dos rochedos mais baixos e planos. Cogitou novamente entregar a flor pelas águas já que a outra ainda cantava serenamente. Esmeralda veio a ela colocando o cabelo atrás de sua orelha pontuda indicando que colocasse o presente ali. A garota ficou imediatamente nervosa, suas mãos suavam um pouco frio, mas colocou a flor ainda assim roçando seus dedos levemente em seu rosto.

E se surpreendeu que ali as escamas eram tão finas que pareciam macias ao toque. Uma estranha vontade de tocá-la ainda mais para saber como seria a sensação. Distraidamente sua mão já a sentia em um gesto tão inocente e delicado, trançando até um nariz arrebitado demais para um rosto humano.

Esmeralda deixou que a tocasse. Humanos eram curiosos e impulsivos, não que os julgasse por isso. Gostou do toque e das emoções que isso causou na humana e nela mesma. Era raro que sentisse algo quando tudo naquele momento parecia vir de outra pessoa.

Quando percebeu, Yasmin retirou a mão assustada e desculpou-se com um sorriso amarelo.

“Vocês humanos são tão estranhos. Eu permito que me toque Yasmin, a sensação é boa.” disse seriamente. “Só cuidado com as presas, nem sempre eu as controlo.” completou sarcasticamente.

Yasmin recolheu suas mãos. E inesperadamente, Esmeralda repetiu o mesmo com ela, desenhando o seu rosto simples, enquanto olhava profundamente em seus olhos ao traçar o formato do seu nariz e demoradamente deixou as garras arranharem seus lábios e parou.

Yasmin tentou-se distrair, seria estranho que ela quisesse beijá-la? Não seria. Ainda assim deixaria e ela o fizesse. Virou a cabeça sentindo seu rosto quente.

“ E-xistem mais como você?”

“Depende ao que se refere como a mim. Como um ser diferente dos humanos, existem bem mais do que imagina, mas como habitante do mares e das marés, sou uma das poucas que sobraram durante os anos tão perto da superfície.”

“Você… está há muito tempo aqui?”

Esmeralda riu.

“Desde muito tempo antes de você nascer ou seu tatataravô viesse para essas terras.”

“Desculpe...”

“Por perguntar? Não me importo de te responder, Yasmin. Você atiça minha curiosidade.”

“Eu?“

“Porque você não fugiu quando me viu ou quando tentei afogá-la? Essa pergunta se tornou tão rotineira na minha mente que me fez querer saber mais sobre você.”

Yasmin abaixou a cabeça sem dar uma resposta.

“E me intriga ainda mais com suas emoções. Por que suas emoções são tão confusas para mim?”

Segurou o rosto bochechudo gentilmente, fazendo-a encarar seus os olhos verdes vibrantes. Yasmin sentiu-se encurralada, contudo sem nenhuma solução para as questões que haviam sido postas na mesa.

“Eu não sei o que dizer, E-esmeralda… Esmeralda. Eu só sou eu. Não pareço pertencer a lugar nenhum. Pelos menos desde que te conheci, tudo não parece tão incompleto.”

Uma forte oscilação de interesses e sentimentos jorraram de maneira desenfreada. Vazio, alívio, solidão, esperança… Tudo de uma vez como se não soubesse o que sentir e como sentir.

“Sou imortal até que finalmente possa voltar para os braços da minha mãe pela eternidade. Já vi tantos fins e recomeços, e eles sempre vem de uma fagulha. Uma emoção. As mudanças vêm porque precisamos que elas venham. Talvez não seja eu que cause todo esse alvoroço, e sim o que represento para você. Há um motivo para estar aqui e eu estou pronta para descobrir. E você?”, disse ao se afastar por alguns minutos, deixando claro que voltaria.

Ela refletiu com o que a sereia disse, mas por mais que entendesse o que ela tinha dito, com certeza era ela quem causava os batimentos descompassados do seu coração. Havia se dado conta há alguns meses de como se sentia, e por mais que não tolerasse isso, não era capaz de deter sua intensidade. O que teria de tão ruim se apaixonar pela primeira vez por alguém inalcançável?

Esmeralda voltou segurando elegantemente uma flor branca em suas mãos que Yasmin não recordou o nome.

“Eu agradeço por todas as flores que me deu. Aniversários são importantes para os humanos, não que seja o meu, é apenas um dia especial para mim. Você sabe sobre como a lua influencia as marés e aos seres deste planeta?

“Ouvi sobre isso em algum lugar.”

“A influência da Lua em alguém como a mim é bem mais intenso. Podemos ser como deusas na lua cheia, mas incrivelmente frágeis e ferozes algumas vezes. Uma lua em específico. A Lua Negra ela é especial. É a época que presenteamos quem amamos. Sentimos tão intensamente ao ponto de afogar com nossos sentimentos. E por isso damos algo especial para como um amuleto para que não sejamos capaz de machucar esta pessoa. Yasmin...” Brincou com o lírio por entre seus dedos.“ Você é importante para mim pelo mesmo motivo que observo as estrelas todas as noites. Não quero te machucar.”

Esmeralda colocou o lírio da mesma forma que Yasmin havia colocado nela. Deixou seu rosto próximo do dela, aproveitando sua respiração tão quente. Encostou seus lábios frios em sua testa. Acariciando com o polegar o seu rosto, desejou ela para si. Sabia que ela também a queria e encostou levemente seus lábios no dela, tomando cuidado com suas presas. Yasmin correspondeu timidamente e aceitou um pedido que mal sabia o quão especial ele era.

Assim como as areias da ampulheta, o tempo passou. Não era necessário que Yasmin fosse sempre até ela. Nadavam juntas todas as noites em um pedaço do Rio São Francisco. E brincavam quando Yasmin ia de barco. Com tantas idas e vindas, suas aparições causavam um medo crescente nos corações dos moradores do Brejão, principalmente com as férias da escola.

Percebeu que havia muitos sentimentos direcionados a ela que não eram de Yasmin Sabia que uma hora ou outra tudo viraria um caos se não se afastasse. Não temia um humano, porém sempre arranjavam um jeito de alienar a maioria pelo medo e ignorância do desconhecido. Já havia sido caçada muitas vezes, seu medo era o que poderia acontecer com sua humana se soubessem que ela conhecia a “cobra devoradora de pessoas”, como a chamavam.

Sua ligação com a humana agora ia muito além de um laço. Estavam destinada uma a outra, e sua mãe havia permitido.

“Seu amor é tão puro que as águas mais cristalinas parecem nubladas em comparação ao que está aí dentro”, apontou para seu peito. “Mas um amor tão lindo exige bem mais que um coração quebrado ou uma traição. Desistiria do seu maior tesouro por ela?”, perguntou se referindo às prateleiras cheias de flores que havia improvisado em uma caverna subterrânea onde morava.

Havia guardado todos os narcisos e todas violetas que ela tinha dado. As guardou como a maior prova de que não estava sozinha. Foram tantos anos sendo alvo de ódio que era inusitado que alguém não a odiasse simplesmente por temê-la.

A resposta foi óbvia. O Céu sem Lua era perigoso para os apaixonados, não pelo forte desejo ou pela paixão ardente. E sim o quanto se tornava vulnerável e fraca tanto por fora quanto por dentro.

Uma discussão. Finalmente interrogaram sobre as fugas de sua filha. Ela estava diferente e sumia por horas. Com certeza estava namorando alguém. Yasmin não soube responder. Era sua mãe, como ousava não lhe contar os marcos importantes de sua vida? Sabia que eram muitos filhos para dar atenção igualmente para todos. Mas era sua filhinha, a que sempre ajudava em casa e nunca lhe dera trabalho Era diferente das outras que fugiram com um rapaz na primeira oportunidade que tiveram e casaram.

Já havia visto sua filha indo para o rio em direção a praia de Atalaia. Porém, vê-la com um monstro cercando-a como amigos... era demais. Não era uma cobra muito grande. Era um presságio muito ruim um ser como aquele vivendo na redondeza.

Quando mataria sua filha e devoraria os que encontrasse pela frente? Teria que dar um basta nisso. Falou com seu marido e os pescadores se reuniram para defender suas famílias do monstro da praia. As redes estavam prontas e os arpões afiados.

“Hoje seria o último dia que sua filha correria perigo mamãe vai te proteger, minha filha”, pensou.

Sentou na sala coberta de pequenos tecidos cortados e continuou a costurar fuxicos, esperando a hora que matariam a criatura. Os peixes que pescavam estavam cada vez mais escassos. E coincidentemente a situação tinha piorado com a aparição do monstro.

As tochas foram acesas antes do entardecer. Não dariam vantagem a ela, eles se aproveitaram da maré baixa e em uma noite de lua nova. Yasmin passaria em casa antes, como hábito, e não decidiu que não deixaria que ela fosse para a Praia Atalaia novamente.

Se assustou quando justo em quem pensava, entrou batendo a porta e correndo desesperada, prestes a chorar. Não entendeu o que havia acontecido. A seguiu preocupada até seu quarto e perguntou o que tinha acontecido. Ela respondeu com um soluço ao gritar de que todos estavam errados.

Isso era culpa do bicho que pelo jeito já havia se apegado tanto? Explicou calmamente que o mal seria extinto e que não precisaria ter medo, que tudo voltaria ao normal.

“Mãe, ela é a única coisa boa que aconteceu comigo nessa cidade acabada!”

Seu coração de mãe apertou no peito. Ela não gostava de viver com sua família e preferia a companhia de algo que nem sabe o que é? Sentiu sua cabeça zunir e sentou na cama com a mão no peito e as lágrimas escorrendo livres de seus olhos.

“Você não gosta daqui, minha filha? Achei que gostava de viver com a gente”, perguntou sofregamente.

Yasmin deu uma risada seca. O tempo que passara com Esmeralda realmente a influenciara.

“Acha mesmo, mãe? Viver uma vida presa aqui porque vocês preferem que seus filhos estejam perto porque os pais sabem mais? Eu nunca quis viver aqui.”

“Com assim, filha?”, a mãe choramingou.

“Eu vou atrás de ela e não deixar que ninguém a machuque, mãe. Ou me ajude ou fique aqui chorando.”

Dona Cintiana, virou o rosto em remorso. O que poderia fazer? Sua filha não confiava mais nela. Observou Yasmin pegar algumas roupas e pertences e guardar em uma mochila.

“Você vai embora?”

Yasmin a olhou incrédula.

‘ “Claro”

Calada, Dona Cintiana pegou alguns pacotes de biscoito e ofereceu a sua filha.

“Só temos isso. Eu sou sua mãe e vou sempre estar do seu lado, Yasmin.” Abraçou forte sua filha e fez um cafuné em sua cabeça.

Preferia que a criatura já estivesse morta naquele momento, mas não falaria mais nada na frente de Yasmin.

Vários homens já estavam prontos para a pesca, e segurou firme a mão de sua pequenina.

“Afastem-se! Não há nenhum um mostro aqui! Como pode fazer tudo isso por causa de fofoca?”, Yasmin tentou convencê-los a desistir.

Eles não a levaram sério e continuaram a arrumar a rede. Começou a gritar para que parassem em puro desespero. Sua agitação incomodava, e seu pai interviu, mandando que fosse embora porque aquilo era algo que os homens tinham que fazer e que ela deveria voltar. Sua voz ecoou pelos ouvidos de Yasmin como se tivesse levado um tapa na cara. Suas lágrimas pareciam tão irrelevantes que só ficou estática tremendo sem perceber que já içaram os barcos e cantavam canções estranhas para atrair a sereia.

Esmeralda escutou o apelo de sua amada e se preocupou que suas emoções por um momento tivessem congelado. Havia anoitecido. Esse era o único dia que era incapaz de sentir qualquer coisa que não fosse dela ou de quem lhe deu uma parte sua. Humanos não eram um problema, mas a necessidade de estar perto de Yasmin... se algum dos homens que a caçavam fizessem mal a ela, consideraria todos mortos.

Nadou no completo silêncio perto da margem, e em um segundo se viu cercada por redes que pinicaram seu rosto. Pôde escutar a voz de sua humana chamá-la em meio a todas as vozes que gritavam com ela. Começaram a se vangloriar. Tentaram puxar a rede para o barco, no entanto, quanto mais força faziam, mais Esmeralda nadava para baixo. Insatisfeitos, lançaram seus arpões.

As lâminas passaram de raspão em seu corpo. Não sabia quanto tempo aguentaria desviar enquanto estava presa. Uma atravessou seu peito e o grito de Yasmin atravessou seus tímpanos com uma dor aguda.

Yasmin pulou na água e ignorou os avisos de sua mãe. Sua respiração ofegante e seu peito dolorido. Seu pai estava coordenando os ataques e ao vê-la pediu para cessassem, e ordenou para que ela saísse dali.

Ao alcançar Esmeralda, abraçou seu corpo pesado e o apertou contra si. Estavam afundando. Faltava pouco para que a rede rasgasse por completo. Puxou com as mãos o que restava, e afundaram lentamente. Ouvia seu nome ao longe. Eram tão distantes quanto irrelevantes.

Lembrou-se de algo que perguntara uma vez para a sereia. O que era tão poderoso quanto o amor era para os humanos? E ela lhe respondeu: “Um ato de amor verdadeiro. As lágrimas são importantes para nós. Tem o poder de curar todas as doenças ou de realizar desejos, mas sem emoção uma lágrima não passa de uma reação fisiológica.”

Como choraria estando embaixo d’água?

Com o coração ferido Esmeralda abriu os olhos, e sorriu.

“Está tudo bem, não precisa chorar. Estou feliz que esteja aqui”

Mas não conseguiu dizer.

Entrelaçou seus dedos nos cabelos de Yasmin e a beijou. Um ato de verdadeiro amor poderia ser bem mais poderoso que qualquer força da face da terra. Seus corpos esquentaram mesmo estando em águas tão frias. E antes que tentassem encontrá-las, nem mesmo um fio de cabelo foi encontrado.

Agora elas dividiam um só coração. Na realidade, era apenas o início de uma longa trajetória. O lírio simbolizava bem mais do que proteção. Ele era a representação das lágrimas de uma sereia. A partir do momento que é entregue a alguém, sua vida pertence a ela. Seja para morrer ou viver livre para amar.

Em dias de Lua Cheia na Praia de Atalaia, ainda é possível escutar o canto da sereia e as risadas alegres de sua companheira na aurora da esperança.


17 Février 2020 15:25 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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