Quando Hinata e Kageyama se encontraram pela primeira vez, nenhum dos dois tinha segundo gênero ainda.
O levantador era só um jogador alto e mal-educado que parecia incapaz de simplesmente cuidar da própria vida e deixar os outros em paz. E, ao mesmo tempo, ele era a barreira que motivava Hinata, o primeiro rival que pôde achar em sua jornada ainda curta no vôlei.
Na época, disse ao moreno desconhecido que ia superá-lo algum dia e deixou suas palavras como uma promessa entre os dois.
A segunda vez em que se encontraram, duas coisas estavam claramente diferentes a respeito de Kageyama Tobio.
Primeiro: ele parecia ter perdido um pouco da autoconfiança, embora Hinata só tivesse notado isso um bom tempo depois de encontrá-lo de novo.
Segundo: ele tinha aquele estranho cheiro amadeirado desprendendo persistentemente dele que ficava ainda mais intenso depois dos treinos.
Hinata não era nenhum idiota, então ele sabia que o moreno havia aflorado como alfa no tempo entre seus dois encontros. Não podia perguntar, porque era considerado impróprio questionar ou falar sobre o segundo gênero dos outros, mas ficava óbvio pelo aroma que ele tinha. Não era nenhuma surpresa, na verdade, uma vez que o físico e a personalidade dele gritavam alfa de todas as formas possíveis, já que alfas eram altos e fortes e tinham personalidades, usualmente, mais arredias. Sendo honesto, surpreendente mesmo seria se o moreno tivesse aflorado como qualquer outra coisa.
E Hinata… Era só Hinata. Sem segundos gêneros envolvidos.
Após o fim de seu primeiro ano, estava quase certo que não ia se tornar um alfa. Estava ficando tarde, e alfas afloravam cedo. Hinata tinha quase certeza que seria ou beta, ou ômega, embora secretamente desejasse ser beta — ômegas eram problemáticos. Não que isso fosse mudar muito as coisas, estava tão focado no vôlei que apenas uma pequena parte de sua mente conseguia se preocupar com os segundos gêneros.
Conforme o ano foi passando, Hinata pôde perceber Kageyama reconquistando sua autoconfiança e se tornando um colega de time que escutava os companheiros e dava seu melhor pela união da equipe, ao invés de apenas por si mesmo. Ele também amoleceu com os amigos, ficando nervoso e envergonhado quando o provocavam sobre sua inaptidão social.
Esses eram lados de Kageyama que ele não tinha visto na escola secundária e estava feliz que agora podia ver. Os dois comiam juntos depois dos treinos, caminhavam juntos, praticavam juntos de manhã e de tarde, iam à loja de artigos esportivos e compravam mais coisas do que precisavam, riam… Geralmente sentavam juntos no ônibus. Sentaram lado a lado na primeira vez em que foram a Tóquio para um acampamento de treino, e também quando foram aos Nacionais de inverno no primeiro ano.
Também dividiram um quarto durante os Nacionais, Hinata tendo suas coisas atiradas na cara sempre que Kageyama estava irritado com algo. Assistiram ao Nekoma jogando lado a lado e jantaram juntos de noite, no hotel. Normalmente seria esperado que ele se cansasse do levantador depois de dois dias ou menos, mas Hinata não estava realmente desconfortável, para sua sincera surpresa.
Era apenas natural ficar perto de Kageyama. Eles falavam sobre os jogos, sobre a comida e sobre suas expectativas e, quando estavam cansados, simplesmente ficavam em silêncio. Hinata ficava deitado no futon de noite, os olhos grudados no teto do quarto, ouvindo a respiração calma de seu levantador, como um cântico calmante a mandá-lo para o mundo dos sonhos.
Eles estavam lado a lado quando perderam nas quartas de final também.
A respiração de Kageyama estava tão rápida quanto a dele próprio, ambos chocados e de coração partido por sua derrota. Diferentemente da vez anterior, na qual eles tiveram uma briga logo depois do jogo, dessa vez os dois simplesmente ficaram em silêncio, mas perto um do outro.
Perto um do outro no banco, perto um do outro na mesa de jantar, perto um do outro dentro de seu quarto, arrumando suas coisas para a viagem de volta para casa. Quando ambos estavam ajoelhados, os sons de zíper e roupas movendo-se eram a única coisa enchendo o quarto, e então um pequeno soluço, um soluço de Hinata, acompanhando.
— Ano que vem — Hinata disse, as palavras queimando sua garganta como veneno, fortes e intoxicantes e deixando soluços desesperados para trás. — Ano que vem, nós vamos levar aquele troféu pra casa.
— Hm — foi tudo o que Kageyama disse em retorno.
Eles sentaram juntos no caminho de volta, o ônibus escuro e mergulhado em um silêncio sepulcral. A única fonte de luz durante a viagem eram os postes do lado de fora, e os olhos de Hinata seguiram um ou outro, distraídos, ocasionalmente olhando para o ombro de Kageyama, perto de seu rosto. Eles estavam retornando, e o moreno não tinha dito uma palavra sequer, mas seu aroma, seu discreto aroma de madeira, estava tão triste que era quase como se gritasse em dor.
Doía em Hinata, mas naquela época ele não sabia se era seu nariz ou seu coração que estava ardendo.
Depois disso, o inverno acabou, e junto com ele se foi seu primeiro ano no colegial, e o último de Daichi, Asahi, Sugawara e Shimizu. Sua despedida foi muito triste, mais triste do que perder os Nacionais, e Hinata se acabou de chorar durante a festa que eles fizeram no ginásio no dia da formatura. Daichi e Suga contaram que queriam continuar a jogar vôlei na faculdade, e Asahi disse que ia entrar em algum time das redondezas para treinar. Eles iriam se enfrentar de novo no futuro, como rivais, foi a promessa que fizeram.
Em seu segundo ano, Hinata e Kageyama foram sorteados para a mesma sala.
Tsukishima disse para eles depois que os professores haviam decidido as salas pelas notas dos alunos, então que era apenas natural que a dupla de idiotas fosse colocada junta. Kageyama e Hinata fumegaram com a insinuação, mas Hinata decidiu ignorar a possibilidade — embora fosse razoavelmente provável. Era bom ter Kageyama na mesma sala, ia ser mais fácil de convidá-lo para treinar nos intervalos de almoço, e os dois podiam ir ao ginásio juntos depois da aula também.
No primeiro sorteio de carteiras, os dois se sentaram longe, mas os professores não gostaram muito das posições em que os alunos ficaram e realizaram outro sorteio duas semanas depois, no qual começaram a se sentar lado a lado.
Era divertido. Hinata podia importunar Kageyama a respeito de não prestar atenção nas aulas — não que ele prestasse assim tanta atenção também — e eles podiam conversar nos intervalos. O ruivo logo percebeu que o moreno comia sozinho, então começou a almoçar com seu levantador, ocasionalmente sendo acompanhados por algum de seus amigos. Inicialmente, o alfa apenas reclamava que Hinata estava enchendo o saco demais, mas, pouco depois, ele parou e apenas deixou o ruivo fazer o que quisesse.
A parte mais assombrosa de se sentar do lado um do outro, na opinião pessoal de Hinata, era o cheiro.
O cheiro de Kageyama, que ele podia sentir claramente depois dos treinos quando eles estavam trocando de roupa, o cheiro que o engolira quando eles dividiram os quartos nos Nacionais e nos acampamentos de treino, ele podia sentir esse cheiro ao lado dele o dia todo.
Todos os dias.
Era, de certa forma, reconfortante, e ficar tão perto apenas o fazia sentir mais consciente a respeito da situação de Kageyama.
Ele era um alfa.
Mas Hinata nunca o tinha visto procurando por um parceiro, algo que era tão comum entre os colegiais.
Um dia, no meio da primavera, Hinata resolveu perguntar sobre isso.
— E por que diabos eu faria isso? — retrucou Kageyama, levantando uma sobrancelha acusadora, como se o meio de rede fosse o esquisito por ter chegado a essas conclusões. — Eu já estou sobrecarregado com o vôlei e eu não quero gastar tempo com nada além disso.
Era tarde, e os dois estavam andando de volta para casa. O céu estava escuro e o rosto do moreno era iluminado pela luz pública enquanto caminhavam devagar. Hinata estava com as duas mãos segurando a bicicleta, então não podia chacoalhar seu levantador para ver se ele voltava à realidade.
— Bom — disse, fazendo beicinho e desviando seu olhar para o chão. — Talvez porque é natural se preocupar com companheiros e tal? Todo mundo quer encontrar um companheiro no futuro.
— O futuro é o futuro, eu posso me preocupar com ele quando chegar — respondeu Kageyama, estendendo uma mão para o ombro de Hinata abruptamente. — Por que está perguntando sobre isso, de qualquer forma? Achei que você não ligasse pra essas coisas.
Hinata franziu a testa, olhando para ele de novo. Os olhos de Kageyama pareciam pretos de noite, ao invés de seu claro tom de azul, e ficavam ainda mais intensos com as sobrancelhas franzidas a emoldurá-los.
— É claro que eu ligo pra isso. Eu me importo mais com vôlei, mas… — Desviou o olhar outra vez, inspirando aquele enigmático aroma amadeirado que prendeu em seu ombro com a mão do levantador. — Eu acho que seria legal. Ter um companheiro, digo. Eu penso nisso.
— Hm… — Kageyama puxou a mão de volta, colocando-a no bolso de seu moletom solenemente. Hinata torceu os lábios, concentrando-se em manter os olhos no caminho à frente deles ao invés de deixá-los vagar para o alfa, cujo aroma ainda não havia parado de circundá-los.
— Você é tão sortudo — disse o ruivo depois de alguns segundos. — Você é um alfa. Legal e forte e no topo da cadeia alimentar. É perfeito pro vôlei. Queria ser alfa também.
— Não é tão legal assim — afirmou ele, a voz exasperada, e então começou a listar todos os problemas que sua condição dava e o quanto ele queria ser um simples beta. — Esse cheiro que não para não importa o que eu faça é doentio — disse a Hinata. Não que Hinata concordasse, ele meio que gostava do cheiro de Kageyama.
Opa. O que ele estava pensando?
— E os cios ficam atrapalhando tudo. Eu queria poder tomar logo os supressores, eu odeio ter que perder os treinos por causa disso — contou ao ruivo, e, em algum momento durante seu discurso, suas mãos escaparam dos bolsos e começaram a se mover freneticamente enquanto falava.
— Ah, fala sério, não pode ser tão ruim assim.
Hinata retirou o que disse exatamente quatro meses depois, perto do fim das férias de verão, quando finalmente seu segundo gênero aflorou.
Bem, na sua idade ele podia esperar ser apenas um beta ou um ômega, mas secretamente rezava para ser beta. Ômegas davam muita dor de cabeça e vinham com efeitos colaterais ruins.
Aparentemente, a natureza não estava do lado dele dessa vez.
Foi em um dia quente no qual eles tinham treino e um acampamento marcado para a última semana das férias. Todo mundo estava animado, e o novo capitão, Ennoshita, manteve um olho vigilante nos primeiranistas problemáticos.
Hinata estava sentindo-se impossivelmente quente, mas era normal, o verão era quente, afinal. Sua pele não parava de coçar, talvez por causa do calor. Bebeu água constantemente, esvaziando e enchendo a garrafa tantas vezes que Tanaka perguntou se estava sentindo-se bem.
Disse a ele que sim, mas na verdade não tinha certeza.
Bom, isso de manhã. Quando chegou o fim da tarde, Hinata tinha certeza de que algo estava terrivelmente errado.
Predominantemente porque seu corpo parecia meio estranho, a barriga não estava normal e ele não fazia ideia de qual era o problema. A visão estava embaçada, mas seus outros sentidos pareciam perfeitamente normais. Conseguia ouvir bem, sentir bem o gosto das coisas e, embora sua pele estivesse coçando, o tato estava ok.
O olfato, no entanto, estava muito aguçado. Quase intoxicante.
Conseguia cheirar tudo, da grama úmida após uma breve chuva de verão ao aroma da bola em suas mãos quando ia sacar, ao tempero da comida dos outros durante o almoço, até o aroma de Kageyama. Seu cheiro amadeirado, reconfortante, calmante, que dessa vez parecia menos calmante e mais amadeirado e profundo e…
Tinha algo errado.
Kageyama ficou dando olhadelas para ele periodicamente, avaliando o ruivo em silêncio por algum motivo. Talvez ele tivesse notado que Hinata estava sentindo-se mal? Toda vez que seus olhares se cruzavam, ele simplesmente franzia a testa e virava a cara. Os dois praticamente não se falaram o dia inteiro, mas se sentaram juntos no almoço, comendo em silêncio com os ombros tocando-se de tempos em tempos.
A primeira frase de verdade que eles trocaram foi quando estavam separando-se naquela noite e Hinata acenou para ele, mas o alfa estendeu a mão e segurou seu braço no ar, os olhos escuros e grandes como saleiros, e o cabelo brilhando com a luz artificial atrás dele.
Suas madeixas pareciam tão sedosas. A pele parecia macia, e Hinata queria estender as duas palmas para cobrir suas bochechas e sentir a quentura da respiração do alfa contra a tez. Queria testar a pele com os lábios e descobrir que sabor tinha o amadeirado de seu cheiro.
— Você não devia ir pra casa sozinho — Kageyama disse com simplicidade, o olhar intenso, e logo depois soltou o pulso de Hinata, prosseguindo na direção da estrada para a montanha, o lar do ruivo.
— Uh? — deixou escapar o meio de rede, momentaneamente atingido pela afirmativa. Estava muito sem foco, ou, melhor dizendo, estava focado demais em coisas sem importância, como o calor de Kageyama.
Calor.
Cio.
Oh, deus.
Foi atingido como um ônibus assim que Kageyama o deixou em casa e ele suplicou silenciosamente por aquele aroma e aquele breve toque que compartilharam. Hinata já estava resfolegando quando chegaram a sua casa, e não por causa do ritmo que tomaram para subir o caminho. Conforme esperavam a mãe abrir a porta, o moreno virou-se para ele, a postura tensa, mantendo uma distância de dois metros entre si e o ruivo. Ele parecia alerta, os olhos ainda tão, tão grandes, e tudo o que Hinata conseguia pensar era como se sentia quente e como Kageyama era atraente.
Passaram um momento bem desconfortável antes da mãe de Hinata abrir a porta, gritando seu nome em surpresa quando ela percebeu a aparência dele, ou melhor, seu cheiro. Kageyama se foi sem mais palavras, aparentemente concentrando seu autocontrole para se afastar de um ômega no cio, e Hinata caiu em seus lençóis, quente e desejando que pudesse evitar isso, embora obviamente ele não pudesse.
Tinha dezesseis anos quando aflorou como ômega.
Merci pour la lecture!
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