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Sobre meus sonhos. Não costumo ter pesadelos, mas quando os tenho geralmente seguem uma narrativa surreal que sempre aparenta ser plena em simbolismo, além de serem possivelmente interessantes para os outros num sentido artístico. Assim, decidi criar um espaço onde eu os possa guardar e lembrar, mas também onde outros que curtam terror possam apreciar pequenas histórias do gênero. Uso uma linguagem muito mais leve nestes textos, em comparação a outros que tenho, porque sinto que se adequam melhor ao estilo e à intenção. Me sinto como se estivesse contando-os a um grupo de amigos quando os descrevo.


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Pesadelo #01: Paralisia

Fecho.



Eu estava no meu quarto, despejado na cama que me abraça sempre que preciso de repouso para o dia seguinte. Era noite, já que a janela trazia para dentro do quarto o azul-oceano que era a mistura das trevas com o esforço da Lua em trazer luz ao mundo apagado. Deviam ser por volta das duas da manhã, ao menos era o que a minha mente recém-desperta me fazia acreditar enquanto lentamente acordava por causa do frio do ar que penetrara os cantos expostos dos lados superiores do edredom. Isto acontecia com frequência durante o inverno na minha vida fora dos sonhos, então não me parecia haver nada fora do normal. Parecia real.

Ia começar a me reajustar na cama para voltar ao sono na posição mais confortável e aconchegante em que eu pudesse me deitar quando me apercebi que não conseguia mexer os meus membros. Não só isso. Não conseguia mexer o meu corpo inteiro. Não conseguia mexer fosse o que fosse, com exceção dos meus olhos, os órgãos que deveriam ser os mais inertes numa situação destas.

Podia ver o cobertor que escondia tudo que estava dormente da cabeça para baixo, podia ver o estribo de madeira da cama, as paredes brancas — neste caso lilazes já que eram iluminadas pelo luar fraco vindo da janela — aos meus lados e frente, o rádio antigo por cima da mesa de cabeçeira esquerda que uso como despertador e a luz dos números das horas que este marcava e, por fim quanto àquilo que tinha relevância, a janela que me informava como estava o mundo do lado de fora, ofuscada por finas cortinas de seda.

Podia ver o que me circundava, embora dificilmente já que meus globos oculares sofrem de ametropias desde que existo e não podia alcançar os meus óculos à mesa de cabeçeira à direita, e nada mais eu podia fazer, senão cogitar: por quê?, isso nunca aconteceu antes... Neste momento de confusão, outro órgão provou não estar inativo: ouvi passos do lado de fora da porta do meu quarto.

Não eram humanos, não podiam ser. Eram ágeis e escorregadios, como os de um quadrúpede que passeia pela casa, e eram frenéticos, movimentando algum ser de um lado para o outro com grande velocidade. Muito pouco de seguida os passos estavam agora dentro do meu quarto, o que não fazia sentido pois a porta do quarto estava fechada e não a ouvi abrir antes que passasse a notar que algo tinha entrado e estava no mesmo cômodo que o eu imobilizado e vulnerável.

Os passos frearam quando entraram no quarto, passeando de um lado para o outro com mais calma. Primeiro ouvi-os à frente do estribo da cama – único momento que fez mínimo sentido que eu não visse nada fora do ordinário –, depois à minha esquerda, onde era suposto eu poder ver algo, depois à minha direita, sem eu ainda poder ver o que era aquela... coisa... que espreitava da escuridão. Eu só ouvia. E sentia.

Com um ínfimo resto de esperança que aquilo era algo que pertencia ao mundo real e explicável, decidi tentar comunicar com a criatura, com uma possível explicação em mente: e se for o cão?... Ele tem o pêlo todo negro, talvez seja por isso que eu não o veja? Era improvável, visto que o Athos nunca fica dentro de casa às noites, mas quem sabe ele tenha entrado de algum modo ou por alguma razão que eu desconhecesse por ter estado ausente da realidade no sono. Não era mesmo provável, mas eu precisava me agarrar a algo que me acalmasse. Então abri a boca para falar com uma dificuldade que eu nunca antes sentira para falar:

— A-A-A... A-th-th-os?... — gaguejei, como se houvesse uma pedra na minha garganta.

Esperava ouvir tudo menos palavras em resposta.

— Athos... Athos... Athos... Athos... — retrucaram dezenas de vozes sussurrantes, vezes repetidas.

Meu único desejo foi gritar neste momento, mas a minha voz mal dispunha de força para murmurar. Meu desespero me constrangiu a insistir na crença impossível de que aquele ser que rodeava o meu quarto era só o Athos, então continuei:

— A-A-th-os... Ath-th-os... Ath-o-o-s... — lágrimas salgaram de terror a minha boca entreaberta que não conseguia parar de repetir as mesmas sílabas dispersas.

— Athos... HAHAHAHA Athos... Athos... Athos... HAHAHAHAHAHA

Elas gargalhavam da minha cara encharcada e sem expressão, que não era capaz de expor o fato de que eu me sentia tão frágil como uma lebre de carne perfurada, na boca ensaguentada de um lobo. Nunca desisti, porque tinha medo demais para ter de ouvir só os sussurros ao invés de ouvir a eles e à minha voz debilitada, junto com os passos que agora pareciam correr ao redor de todo o meu quarto, as paredes e o teto.

— A-th-th-o-os... Ath-th-o-os...! — persisti em chamar, em gemidos pausados de consoantes e vogais. Já sabia que não era o Athos. Só queria que ele surgisse e afastasse os demônios.

— Athos... Athos!... Athos!...



Abro.






1 Mai 2020 16:25 1 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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Isís Marchetti Isís Marchetti
Olá, tudo bem? Faço parte do Sistema de Verificação e venho lhe parabenizar pela Verificação da sua história. Tenebroso! Se isso é algo realmente verídico e são seus sonhos, você é muito corajoso! Eu provavelmente já iria procurar algum meio de me livrar dele, algum remédio ou sei lá, qualquer coisa que pudesse ajudar. Eu achei muito interessante a abordagem que você escolheu, como se fosse um diário para relatos, é uma ideia genial. Também achei muito corajoso quando seu personagem quis continuar chamando pelo Athos só para que ele pudesse vir ao seu resgate. A coesão e a estrutura do seu texto estão ótimas, eu fico sempre feliz e com muitas espectativas quando eu vejo que são histórias suas que vou ler, porque eu realmente gosto da maneira que você escreve. Seu texto é bem fluido e a narrativa é maravilhosa. Quanto ao personagem, eu achei ele muito forte em ainda continuar ali, de verdade, mesmo com a paralisia de seus membros e tudo o mais, se fosse eu no lugar dele não sei nem o que faria, mas daria uma maneira de acordar, pelo menos tentaria. Quando a "assombração" não sei se é assim que se enquadra o bicho, mas suponhamos que seja, seria algo grotesco de se ver. A verdade é que eu sou uma criança quando se trata dessas coisas, tanto que não vejo filmes ou animes de terror próximo da hora de dormir porque eu morro de medo de verdade... E eu sei que eu já estou falando demais, mas eu realmente tô meia em transe com o seu texto haha. Enfim, foi uma leitura muito agradável e a experiência de me sentir no seu lugar nem tanto, haha. Mas pode ser que existam pessoas que goste... Enfim. Desejo a você sucesso e tudo de bom. Abraços.
August 06, 2020, 02:13
~

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