A noite de hoje não poderia ter sido pior, tive a honra de ser visitada pelas paralisias mais uma vez, dessa vez acompanhada com a febre alta. Quando consegui finalmente levantar, meu retrato no grande espelho do guarda- roupa revelou minha horrível aparência, meu corpo pesava o triplo do seu peso "normal" 36kg, o ar também estava estranhamente pesado. Com passos desordenados, cambaleando, e com a visão turva, o vômito sobe em alta velocidade, porém eu o engulo novamente, abri com muita dificuldade a janela do meu quarto, senti o sol me cegar e minha cabeça latejar profundamente, involuntariamente xinguei o sol, a janela, a febre, eu mesmo... Quando me "recuperei" do meu ataque vampiresco olhei pela janela e havia um menino parado lá, na janela branca em frente a minha, ele me olhava paralisado, e eu fiz o mesmo, não houve pensamentos, e então ele fechou a cortina, e eu também. Segui minha rotina, afinal era apenas um vizinho que devia me achar doida por falar sozinha e feia, com certeza feia, havia olheiras pretas, minha pela sem nenhuma melanina, e meus ossos aparentes. Eu refletia sobre isso enquanto escovava com dificuldade meus dentes frágeis, eu devia me tratar, sei que devia... Mas não havia motivos.
Meu café da manha consistia em basicamente torrada dormida com requeijão, e um copo de café forte, era basicamente isso todas as manhas, não devia comer demais, eu nem conseguiria, meu estomago já havia se adaptado a pouca comida, o deixei extremamente arrumado em um prato de porcelana, e uma composição de flores e ervas salpicada e tirei algumas fotos. Fui até o quarto beliscando minhas torradas, apesar da ânsia de vômito, eu sentia muita fome e quando cheguei até o cômodo onde eu acordava, passava o dia e dormia, me sentei na cama e comi... Comi desesperadamente, não era proposital e muito menos uma boa sensação, mas minhas mãos tremiam e tudo acontecia rápido, quando percebi as duas torradas já haviam sumido, mas estava satisfeita pelo resto do dia.
Enquanto bebia o café quente, que eu sabia que apenas me deixaria mais enjoada e agitada, um aviãozinho de papel entrou pela minha janela e lentamente aterrissou em cima de uma pilha de roupas que a messes estava esperando para serem dobradas. Hesitei por alguns segundos, apenas o acompanhei lentamente, como se fosse apenas uma pena de um pássaro ou poeira, sem empolgação nenhuma me debrucei no pé da cama, esticando meus longos e finos braços para alcançar o avião de papel e quando por fim peguei o observei por alguns segundos, "Quem te fez? Por que te fez? Por que um avião? Você poderia ser um barco e navegar nas correntes do ar... Se afundar na minha pilha de roupas e ser capturado por uma pirata", e então o desfiz com a intenção de transforma-lo em um barquinho de papel e suprir minha imaginação, mas me surpreendi com um escrito dentro do papel. "Você está bem?" Olhei confusa para aquilo, fiquei repetindo na minha cabeça o que acabara de ler, sempre com um ponto de interrogação feito por mim mesmo no final. Levantei, rápido demais e cai de volta na cama, com tontura e enxaqueca, me estabilizei por alguns minutos e levantei novamente, dessa vez devagar e andei até a janela, afastei um pouco a cortina e espiei a janela em minha frente, estava fechada, olhei para baixo, para os lados e só poderia ter sido aquele menino que tinha visto há meia hora, mas por que esse bilhete? Sei que estou horrível e posso causar preocupação em quem me vê nesse estado, mas de qualquer forma, não é comum as pessoas se importarem com a vida das outras aqui, de qualquer forma não queria problemas, ou que alguém se importasse comigo, então escrevi atrás do bilhete que havia recebido "Obrigado pela preocupação. Estou bem, é apenas um resfriado." E tentei refazer o avião, mas não sabia fazer isso, nunca havia aprendido, tentei seguir as marcações mas não resultava em nenhuma forma existente, fiz a única coisa que sabia fazer, um barquinho. Olhei para a janela fechada e logo em seguida para o barquinho de papel, há momentos que apenas sentimos algo fora do comum, rimos, mas não por algo ser engraçado, mas por sentirmos uma estranheza, algo fora do comum, talvez esse sentimento fosse por nunca um completo estranho ter feito algo assim, mas acho que isso não é algo comum entre outras pessoas normais também. Deixei o barquinho de lado enquanto a janela não se abria e segui com meu café que já estava horrivelmente gelado, então desisti dele. Me veio um pensamento rápido, mas que não passou, pensei que talvez ele me conhecesse e fosse nas minhas redes sociais, me perguntasse algo assim, dissesse que me viu nesse estado, ou compartilhasse uma foto minha assim... Não, ele parecia ser alguém legal, ele não podia fazer isso.
Chequei minhas mensagens e havia muitas de fãs felizes por minha volta, eu havia sumido por três messes, disse a todos que foi por que havia me mudado, mas se mudança do hospital para minha casa contar, não é total mentira. As mensagens me lembraram uma coisa, tinha que trabalhar, então comecei todo meu processo de criação, fui até o banheiro onde vomitei e tive uma conversa sincera com meu estômago "você tem que ser forte garoto, está me ouvindo? Isso mesmo, se comporte", tirei minha roupa e enchi minha banheira, me deixei flutuar naquela água morna e aconchegante, eu comecei a chorar, mas não sabia muito bem o motivo, estava sentindo uma dor tão forte e grande. Afundei minha cabeça na banheira, com meus olhos fechados, pude sentir a dor passar, era majestoso o som do nada, fui interrompida por mim mesmo, quando meus pulmões não aguentavam mais minhas fantasias e não entendiam minha necessidade daquele momento, sentei ofegante e terminei de me lavar.
Encarava a minha roupa em cima da cama, enquanto algumas gotas de água eram puxadas para o chão, tirei minha toalha e me sequei, poupando as gotas de água de uma queda tão grande. Sentia um frio na barriga, que me causava náuseas e fazia aquela dor voltar. Peguei minha calcinha rosa clara e vesti, coloquei um sutiã da mesma cor, que me sufocava por fora e principalmente por dentro, coloquei um vestido branco que recebi ontem e comecei meu processo de embelezamento, sequei o cabelo, puxei mechas extremamente finas com a escova de cabelo, o alisei, e o mais importante, maquiagem, não podia deixar isso faltar, uma pele perfeita para esconder tudo, as olheiras, a falta de cor, meus olhos caídos, minha boca fina, meu nariz oleoso, minha sobrancelha falhada, tudo, é como mágica, apesar dos enjoos e tontura no meio do processo eu estava pronta mais rápido que o esperado, estava aparentemente saudável, bonita, gostosa, perfeita.
Peguei minha câmera e me preparei para as fotos, tirei a primeira de muitas, era sempre assim, eu poderia fazer a mesma pose em 30 fotos, mas apenas uma ficaria um pouco parecida com como deveria ficar. Já havia se passado duas horas, eu me sentia enjoada e cansada, não conseguia me controlar, não queria chorar, eu não podia me sentir assim, eu fiquei um tempão me arrumando e ainda havia mais roupas e produtos me esperando, ainda precisava mostrar que estou bem e viva. Ouvi um barulho um pouco distante de metal, corri para a janela e lá estava ele, abrindo a janela enquanto mexia no celular, tão distraído e leve, peguei o barquinho e olhei para a janela aberta, que não havia mais o garoto, mas ele estava no cômodo ainda, passeava por ele na procura de algo, e eu saí do meu estado de transe quando percebi que seria estranho para ele me ver assim, tão arrumada, porém chorando, eu queria jogar o barquinho para lá, mas algo me impedia. Eu precisava apenas jogar o papel e sorrir caso ele olhasse para a janela, ou jogar e fechar a janela, mas eu não joguei, ele se esqueceria de mim em algumas horas se eu não o respondesse se já não tivesse me esquecido.
Voltei ao meu trabalho, e quando terminei essa parte comecei a edição, a comunicação e os agradecimentos pelos elogios. Era como magica, os comentários iam surgindo um após o outro, e não pareciam ter fim, muitas vezes realmente não tinham, e isso apenas me arrancava sorrisos, era a parte mais gratificante, eu era o que todos queriam ser, eu era o que eles olhavam e invejavam, eu tenho o corpo daquela boneca que as mães presenteiam as crianças, tenho as roupas que eles não tem, a importância que eles mesmo me dão e que proporciona isso, causando o descontentamento com a vida sem graça deles. Meus pensamentos são interrompidos por barulho na minha janela, pulo da cama e vou lentamente até ela. Aquele garoto esta lá, ele acena e se desculpa por ter me assuntado. Meus pensamentos estão confusos e longe, que horas deve ser? Seis? Sete da noite? Não sei... Já está tudo muito escuro, sinto o chão gelado nas minhas costas.
Merci pour la lecture!
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