O apego às formas diz que para tudo existe um oposto; sanidade e insanidade, pecado e prazer. Verdade e mentira são argumentos do medo. Mas até onde essas atitudes detém conexão com seus eventos? Para todas as formas existe uma saída frágil, uma fenda que fundamenta a descrença; tão arraigada que chega a ser imperceptível, mas não impossível de ser encontrada.
O calango estava em cima de um muro ainda por rebocar. A parede delimitava as posses entre dois vizinhos. De um lado havia crianças; doutro, um cachorro que olhava atentamente a imobilidade do réptil, esperando o passo em falso deste para pôr em prática suas técnicas defasadas de caça doméstica. O lugar estava quieto; o cachorro permanecia atento, as crianças cochichavam assunto que parecia haver graça, os pássaros piavam e o vento entrava em comunhão com o sabor árido do sol, despejando um bafo quente e úmido em tudo que estivesse no caminho.
A pedra voou sem nenhum aviso; não um de verdade, os risos infantis que sucederam o voo já não significavam nada àquela altura, ninguém estava presente para saber e controlar o que as criancinhas cochichavam. O acerto foi preciso; bem na cabeça do calango, seu olho esquerdo ficou disforme, e o impacto o jogou ao chão do outro lote. O cão doméstico não hesitou, aquele era o tão esperado passo em falso; avançou com proeza – como se tudo fosse fruto da sua destreza canina – e mordeu o corpo reptiliano, concedendo um fim quase que misericordioso à presa.
Os moradores do condomínio Residencial Buritis eram como o calango. Eles estavam em cima do muro que separava duas moradas. De quem eram essas duas moradas? Não há resposta objetiva nem racional para isso.
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