Ouço os sinos de a igreja bater e os pelos do meu corpo se arrepiarem. Como eu odeio passar na frente desse lugar e lembrar as coisas terríveis acontecidas comigo. Não sou um jovem. Sou um homem com certa experiência, com mulher e dois filhos, mas existem certas coisas que precisam ficar guardadas com a gente.
Nasci no interior da cidade, em um município de um pouco mais de seis mil habitantes. Um lugar escondido do resto do planeta, onde luz elétrica e água encanada eram artigos de luxo e privilégio de uma dezena de notáveis, resumindo, os ricos. Cresci dentro de uma família pobre. Meu pai era pedreiro e minha mãe ficava cuidando da casa e dos sete filhos, três homens e quatro mulheres; eu fui o quarto a nascer.
Na vila havia uma igreja, pequena e de aspecto estranho. Desde o começo eu não gostava muito de ir até lá, mas era inevitável. Aos domingos minha mãe vestia a gente com a melhor roupa disponível; a minha era uma calça de algodão e uma camisa verde escura amarrotada, a gente não tinha dinheiro pra comprar um ferro e todos nós saíamos amarrotados de casa.
Bastava ver o padre para eu ficar nervoso. Tentava disfarçar, porém, era fatal. Meu pai notava e me repreendia. Como eu odiava aquilo, levar esporro e ser levado na marra para dentro daquela igreja imunda. Se as pessoas soubessem o que acontecia ali dentro, principalmente com os meninos pequenos, muitos ficariam enojados. Entre um Pai nosso e uma Ave Maria, entre pedidos intensos de cura e libertação, a missa transcorria na maior das tranquilidades, tudo aparência pra inglês ver, aquilo tudo não passava de uma grande mentira e eu sabia de tudo.
Como eu detestava os finais das cerimônias. O padre caminhando em direção de seus seguidores, distribuindo abraços afetuosos e apalpando as nádegas rechonchudas das moças puras, tudo discretamente para não ser pego em flagrante por um pai que o mataria ali mesmo; sim, todos na cidade andavam armados e vez ou outra alguém aparecia com a boca cheia de formiga abandonado num terreno qualquer. E quando ele se aproximava da gente, com aquele sorriso falso e com aqueles passos lentos e calculados; parecia com um animal armando o bote contra a sua presa.
O padre boa praça se deitava com as moças virgens a acariciava os genitais dos meninos pequenos, e eu fui uma dessas crianças. Tinha nove anos na primeira vez. Fui à igreja para levar uma vasilha cheia de bolo de milho feito pela minha mãe, era um agrado dela para ele. As mulheres tinham o hábito, principalmente as casadas, de ofertarem comida para o padre, já às moças novas davam outra coisa de presente para ele.
Filho da puta, desgraçado! Ele passava aquelas mãos grandes e cheias de calo pelo meu corpo, dedilhava seus dedos pelas minhas nádegas e manipulava meu pênis, e eu sem ter como reagir me tremia por inteiro. E eu não conseguia fugir. O abuso acontecia e ele me segurava. No final de tudo erguia as calças e mandava eu me vestir; e com os olhos marejados eu me vestia.
- Já sabe. Se abrir o bico eu acabo com você, seu pai e com a puta da tua mãe. – Ele dizia enquanto ajeitava o pênis ainda ereto dentro da calça.
Eu voltava com medo para casa. De longe eu enxergava mamãe de cara fechada. O que eu ia falar? O jeito era mentir, e era isso que eu fazia.
- Por que tá chorando? – Ela indagou.
- Apanhei de uns meninos no caminho.
Mas ela não se preocupava se eu estava ferido, a preocupação dela era com a porra do bolo de milho.
- Conseguiu entregar o que eu te pedi?
- Consegui sim senhora.
- E o padre como está?
Mentalmente eu respondi:
- O filho da puta deve estar deitado de pau duro pensando em mim e sem remorso algum pelo que fizera comigo.
- Lhe fiz uma pergunta. Não vai responder.
- Acho que tá. Não perguntei.
- Ok. Agora vá já pra dentro. Mais tarde eu sirvo seu almoço.
Mas eu não queria almoçar, estava sem estômago, sem ânimo e sem vontade. Porra nove anos de idade, uma criança, um menino que mal sabia o que fazer da vida. E eu me enfiava no meu quarto, deitava a cabeça no travesseiro e chorava por horas.
Na idade adulta fui descobrir que o abuso sofrido por mim é denominado como pedofilia. Dizem que os pedófilos são pessoas que tem preferencia por fazerem sexo com crianças, sejam elas meninos ou meninas, e eu fui uma vítima. Quem comete esse crime na grande maioria são os homens e o padre Bento foi o sujeito responsável por tirar a minha inocência; e foi graças a ele que me tornei o adulto inseguro e medroso que sou hoje.
Hoje em dia esses desgraçados usam a internet como ferramenta para atrair crianças. Os malditos usam da esperteza para atrair meninos e meninas inocentes. Sem ter a noção do perigo muitas delas se deixam levar pela conversa agradável e resolvem escondida dos pais se encontrarem com esse tipo de ser humano. No começo é um suco, um sorvete um simples agrado, mas depois disso começa o pesadelo. E ai daquele que falar pra alguém. Ameaças são feitas, e é através dessa intimidação que eles conseguem êxito na maioria das suas investidas.
Minha filha mais nova detesta o fato de eu não permitir que ela acesse o computador de casa sem a minha presença, mas é por precaução. Eu não quero que a minha filha seja mais uma vítima desse tipo de gente, pois só eu sei como é sentir-se sujo logo após ser penetrado por um doente mental.
O padre Bento? Esse morreu com dez tiros. Ele foi pego em flagrante em cima de uma moça, mas a putaria não foi dentro da sacristia como normalmente acontecia, mas sim dentro da casa da mulher. O marido desconfiado da esposa pediu para que seguissem seus passos e quando seu informante avisou que a mesma estava em casa com o padre, ele recarregou sua espingarda e foi pra casa. Ao chegar até lá abriu a porta lentamente e foi sendo guiado pelos sons emitidos pela mulher. A porta do quarto foi derrubada com um chute, os dois, a esposa e o padre se abraçaram, mas foram separados pelo marido furioso. Do lado de fora foi possível ouvir os tiros, as lágrimas e o pedido de perdão da mulher, depois disso um silêncio e em seguida mais dois tiros.
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