u15558874441555887444 Artur Feijó

Após a crise de 2026 a Letônia se tornou uma potência mundial com uma política de produtividade nunca vista. Krista Chernoff, uma democrata filha de mafiosos russos transformou o velho país num lugar onde ninguém é dono de sua própria vida, mas todos devem viver para produzir o máximo possível. Uma Makonis e um Valodze vão tentar sobreviver enquanto o paraíso industrial despenca na cabeça deles. Um inimigo. Dois aliados. Offline sabe o que está fazendo. Offline sabe com quem está mexendo. Como sobreviver num mundo onde a tecnologia é onipresente e um hacker quer caçar você? Descubra em "Offline - Século XXI"


Aventure Déconseillé aux moins de 13 ans.

#offline #futuro #distopia #aventura #letónia
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A capital do medo

- Certo, Annija. Está na hora. – disse meu mestre enquanto tirava de minha cabeça um pano que cobria minha visão.

– Precisa escolher para onde quer ir. – Disse enquanto erguia com as mãos um monitor que mostrava as duas velhas cidades, agora conhecidas como distritos maiores.

– Valmiera ou Saldus? – Indagou.

Eu ainda não havia decidido. Penso, penso, penso. Não sei. Talvez viva na grande Valmiera. Desde as mudanças que o governo letão fizera após a grande depressão de 2026, as grandes e velhas construções haviam cedido lugar a tecnológicos complexos de produção em massa. Nunca a Letónia foi tão evoluída neste quesito. O nosso pequeno país turístico e agrícola abriu-se completamente para às máquinas modernas do século XXI. Banhamo-nos na riqueza provinda da União Europeia. E tudo por causa de uma mulher.

Krista Chernoff. Uma diplomata de família russa que vivera em meu país desde sua infância. Seus pais se mudaram para cá em busca de calmaria. Suas vidas em Moscou eram cheias de problemas com a máfia local, um passado que batia na porta de Krista algumas vezes. Gente metida nestes trambiques dificilmente era pobre. Não seria diferente com os Chernoff. Para manter sua filha longe dos males que os perseguiam, Nikolai e Signe Chernoff decidiram mandar sua filha para morar em Omaha, nos Estados Unidos. Lugar desprezado por quase todo cidadão russo. Lá Krista estudou Políticas Públicas na Creighton University. De lá que trouxe as mudanças para a nação da Letónia. Com a tecnologia, veio a distribuição entre três metrópoles. Ela disse ser melhor assim, para que a produtividade do país fosse maior. Haveria quem trabalhasse com artes e com a sociedade. Que comunicasse. Estes ficariam na capital, Riga. Grande, entretanto estreita. Apesar de ser feita para ser o mundo livre dentro do modelo de produtividade capitalista aplicado por Chernoff, acabava sendo conhecida como a capital do medo. Mas disso, falarei nos próximos parágrafos. Agora importa ao leitor saber o distrito que escolherei. Não só ao leitor, mas também aos anciões que esperam pacientes a minha resposta.

- Sa. Saldus. – Respondi ainda insegura.

Sou respondida por meu mestre com um sorriso no rosto. De quem entende minha escolha. Respeita-a. Para Kristaps, eu sempre fui moradora de Saldus. Ele conheceu meus pais, antes que eu fosse separada deles. Pois aqui é assim. As crianças são levadas para Riga assim que completam três anos. Os letões não podem cuidar dos seus filhos por muito tempo, pois isso roubar-lhes-ia tempo. Eu desconfio que isso seja porque Krista nunca viveu com seus pais. E acha que é melhor assim. Crescer para ser máquina. Quem cuida de nós quando somos enviados a Riga são os mestres. Vivemos em grandes aldeias, como se fossem mosteiros, mas apenas com crianças. Kristaps Makonis era o meu. Líder da Aldeia Makonis, ele era o vigésimo terceiro em sua linhagem de mestres. Eram conhecidos por formarem os cidadãos mais humanos, aqueles que tendiam a ficar em Riga ou ir à Saldus.

A metrópole que eu escolhi é conhecida no continente inteiro por seus serviços prestados ao restante da Europa. São produtores agrícolas que usam meios tecnológicos para produzirem o suficiente para alimentar o velho continente inteiro duas vezes. Mas ao invés disto, vendemos o restante para a América, ou Ásia. Enfim. Quem pagar mais. A produção que fazemos em Saldus não é mais tão comum no mundo. Com nano-computadores em praticamente tudo que tocamos, o serviço que nos liga ao passado foi cada vez mais esquecido. Mas nós temos métodos e meios de fazê-lo ser útil. Ser rápido. Ser rentável. Nossa Saldus é linda. Dizem que o lugar mais bonito do mundo. Meus pais moraram lá a vida inteira. Até eu receber a carta da morte de minha mãe, quando tinha vinte anos. Kristaps me disse que meu pai resolveu se mudar da Letónia depois disso, e ir viver um tempo na Croácia. Numa tentativa de se encontrar. Desde então nunca mais tive notícias dele. Fazem três anos desde estes ocorridos. 23. A idade para escolher o que queremos de nós mesmos no futuro. Nem tão jovens nem tão velhos. A idade ideal, dizia-se.

- Annija Makonis, da aldeia Makonis. Vinte e três anos, mulher e solteira. Escolhi a metrópole de Saldus como minha morada permanente. – Apresentei-me.

Numa velocidade quase humana de raciocínio o computador ainda frio na manhã gelada que se instaurara aquele dia respondeu-me com um sinal verde positivo, indicando que eu poderia me encaminhar para o meu ônibus. Eu estava na poltrona vinte e seis. Vinte, vinte e um, vinte e dois, vinte e três. Ah! Ali. “No corredor não!”. Pensei. Coloquei minha mala no bagageiro, acima das poltronas e me sentei.

- Janis Valodze. E você? – Disse o jovem ao meu lado, erguendo sua mão para me cumprimentar.

Ele era alto, magro e alvo como a neve. Percebia que sua altura o atrapalhava em sua rotina. Ele se exprimia entre as poltronas e encurvava as costas para não bater a cabeça no painel de cima do ônibus. Janis não tinha músculos aparentes, mas seus braços e sua mão – a que estava erguida na minha direção – aparentavam ser de alguém que tinha força. Que trabalhou muito tempo em serviços brutos.

– Annija. – Respondi cumprimentando-o. – Sou uma Makonis, mas não precisamos valorizar a rivalidade. – Comentei em tom cômico.

– Concordo, agora somos um só. Somos Saldus. As aldeias ficam para trás. Ora, todas as aldeias ficavam em Riga.

A rivalidade que isso criava era cultivada por gerações. Em especial, quanto mais perto uma aldeia ficava da outra, mais ódio deveriam corresponder. E essa era a situação entre os Makonis e os Valodze. Aldeias quase vizinhas que cultivavam uma rivalidade desde antes do país ser dividido desta forma. Isto porque a cidade de Riga já via estas famílias se confrontarem a muito tempo. Com a chegada do tempo de ouro instaurado por Chernoff as famílias mais poderosas da Letónia fundaram cada uma sua aldeia. Para ensinar seus valores tradicionais para os seus alunos. A família Valodze compreendia um grupo de magnatas que governavam por baixo dos panos desde antes do rio D. Ocidental cortar nossa capital.

- O que traz um Valodze a Saldus? – Questionei, tentando demonstrar interesse ao meu novo conhecido.

– Não sei dizer bem, acho que estava cansado da minha realidade. Nunca me encaixei na minha aldeia, precisava deixar de lado esta parte da minha vida e correr para o mais longe possível. Então estou aqui, indo para Saldus.

Janis não era como os outros Valodze. Ele não falava como um deles. Era respeitoso, paciente e cuidadoso com as palavras. Sabia portar-se e observava a gentileza acima de tudo. Seus valores estavam realmente acima de qualquer coisa que a aldeia Valodze pudesse ensinar. Era um homem de verdade, e não um ser criado pela ganância.

– Está me convencendo, sr. Valodze. Isto faz parte da sua lábia de vendedor? Ouvi dizer que seus irmãos são ótimos nisso. – Brinquei.

Ele puxou de sua mochila de colo um livro. A capa era amarela, mas estava surrada e um pouca encardida. A cor era quase que queimada. Abriu-o e mostrou páginas inteiras de relatos. Dos mais normais do dia a dia até coisas macabras que nem pareciam ter ocorrido de verdade. Dentre eles, alguns que explicavam como ele havia se tornado um recusador de seu próprio destino.

Ele sofrera agressões de seus irmãos e era oprimido até mesmo por seus mestres. Recebia os trabalhos mais duros. Ao invés das aulas, era encarregado de auxiliar o faxineiro, o florista, o severino, etc. Aprendeu de tudo, menos a ser um Valodze. E como todos na sua aldeia já esperavam, o esquisitão de 213 cm escolhera a metrópole mais “chata” para se viver, Saldus. Terra de quem quer viver. Só viver. Livre dos grandes prédios e da tecnologia sufocante. Livre. O novo morador de Saldus já era de lá, mesmo antes de pisar seu pé naquela terra.

Aciono a alavanca do banco e reclino-o. Pego uma manta, um travesseiro e aciono meu smartphone. Duas piscadas lentas. O gesto que eu havia escolhido. Logo saltaram as informações aos meus olhos, através da lente de contato. O assistente Marcus pergunta como estou e o que desejo. “Apenas uma música calma”, penso. Ele abre minha playlist, sabe o que quero. Ouve o que quero. Toca a que já havia definido para este comando. Lentamente vou sentindo meus olhos pesando e pego no sono.

- Annija, nosso ônibus chegou. – Diz Janis com a voz calma, para me acorda, mas não assustar.

Lentamente vou retomando a consciência. Levanto ainda sonolenta. Bato a cabeça no painel do ônibus. Dói. Acho que vai me render um galo. Janis dá um leve gargalhada, de quem acha a cena engraçada, mas não quer desrespeitar. Faço uma careta para ele. Rimos juntos. Pego a minha mala e aciono meus fones novamente. Começa a tocar Chris Blomberg, um artista de música popular letã da atualidade. Marcus me alerta, 6:02 a.m. Hora de tomar minha pílula de “ilgu mūžu”, vitamina comumente utilizada por quem quer passar dos cem anos.

Descemos no Parque de Ônibus Dobele, a rodoviária da cidade. Nosso ônibus é o único que parou em Dobele. Este é nosso destino final. Janis está na cafeteria da rodoviária, acena para mim, me chamando para ir até lá. Mostro a cartela para ele, que entende que preciso tomar a vitamina. Me encaminho ao banheiro. Abro a porta. “Maçaneta nojenta”, mas nada preocupante, avisa Marcus. O espelho está embaçado por causa do frio. Limpo a parte que corresponde ao meu rosto com a manga da minha blusa.

Aciono a torneira. Saco! A água parece gelo. Depois de uns segundos com as mãos na corrente de água me acostumo com a temperatura dela. Lavo o rosto. Olhos, nariz, boca. Ajeito de novo os pelos da sobrancelha. Perfeito. Coloco a pílula na boca, faço uma concha com as mãos e pego água para ajudar a descer a pílula pela garganta. Ouço um barulho vindo de uma das cabines do banheiro.

– Olá? – falo ouvindo minha voz sem pretensão ecoar pelo vazio do lugar.

Nada.

Guardo a cartela, dou um bocejo e vou embora.

Muita coisa mudou naquela cidade desde a crise. O que afetou o mundo inteiro negativamente, fez um bem imenso à Letónia, que se desenvolveu como nunca. Marcus me avisa sobre um lugar. O Hotel Dobele. Fica a quinze minutos de caminhada dali. Talvez seja um bom lugar para passar os primeiros dias na cidade. Vou ao encontro de Janis, que já está tomando seu café da manhã.

- Não parece tão bonito aqui, não é? – falo enquanto puxo a cadeira na mesa dele para sentar.

– Melhor do que qualquer lugar que já fui em Riga. Não tinha muito dinheiro. Meus pais de verdade não me enviavam nada, então tentava viver com o que eu ganhava trabalhando. – Respondeu Janis, olhando lentamente para o lugar.

– Sua vida era muito chata, Janis. O que você fazia quando queria se divertir? – Ri, mas logo me inclinei, mostrando interesse por uma resposta séria.

– Eu costumava ir ao rio, entrar na água e nadar um pouco. Dentro da água eu esqueço os problemas. Penso só no meu corpo se movendo num vazio cheio de liberdade. – Toma um gole do café – Mas não gosto muito de falar sobre mim. Me diga, o que você fazia na famosa aldeia Makonis?

Nada que um Valodze renegado entenderia”, penso. Enquanto os Valodze têm aulas e treinamentos sobre força e virtude, os Makonis aprendem sobre o poder da empatia, da alegria e da bondade.

– Coisas chatas demais. Mas meu mestre sempre deu um jeito de fazer parecer legal. A gente se divertia um pouco. Aprendi até autodefesa. Imagina só. – Resolvi responder.

Irônica, brincalhona, sorrindo.

Era meu espírito.

Eu não peço nada. Vou guardar minha vontade para quando chegarmos no hotel. Janis dá a ideia de ficarmos no hotel, talvez seu assistente também lhe tenha notificado. Concordamos e vamos caminhando. São 7:48 a.m. O trajeto até o hotel demora 15 minutos. Janis me conta sobre como ele já pescou um peixe com as próprias mãos, sobre o dia em que ele derrubou seis adversários em sequência numa luta greco-romana, sobre suas habilidades na floresta e seu amor pela poesia. Eu não tenho muito a colaborar com essa conversa, mas vou me divertindo muito na companhia de meu mais novo amigo, o primeiro entre muitos que ainda farei.

21 Avril 2019 23:26 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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