Eram quatro e meia da manhã quando o barulho dos ventos e da chuva acordaram Lua. Ainda de olhos semicerrados e a confusão na mente não desperta, ela se levantou e foi até a janela para ver o que era aquilo tudo. As árvores do jardim dançavam com a força dos ventos e os pingos de chuva caiam incessantemente. Naquele momento ela sentiu um misto de alegria e tristeza; por um lado era bom que chovesse, assim o calor diminuía, mas ao mesmo tempo ruim, já que era o primeiro dia de aula do pequeno Vitor.
O irmãozinho teria o primeiro dia de volta à escola e estava animado demais, com certeza se frustraria com aquela chuvarada toda. E mais do que isso, como é que os dois chegariam ao colégio naquele dia? A mãe só voltaria do trabalho no hospital no fim da manhã e eles teriam que enfrentar o caminho até a cidade.
A garota de doze anos saiu do quarto e foi dar uma olhadinha no pequeno, vendo-o dormir com o anjinho que era e se colocou a pensar em como faria para levar aquela coisinha bonitinha são e salvo até a aula. Primeiro foi até o banheiro e deu um jeito nos cabelos emaranhados e no rosto sonolento, já se enfiou no uniforme e pensou duas vezes antes de calçar os tênis brancos. Definitivamente não era uma boa opção.
Desceu até a cozinha e o relógio já marcava quatro e cinquenta, eles teriam que sair de casa às seis horas em ponto, assim não perderia o ônibus das seis e sete, que era deveras pontual. Deu uma olhada pela cozinha, procurando o que poderia servir para um lanche e só o que achou foi pão de forma, geleia de amora e pasta de amendoim. Oras, o que poderia ser melhor? Fez dois sanduiches generosos e colocou um em casa lancheira.
A de Vitor verdinha com bichinhos um tanto desconhecido, e a dela laranja com flores pequeninas, ambas escolhidas pelo muito caçulinha detalhista.
Depois de preparar o essencial, era hora de procurar pela casa algo que poderia proteger aquela coisinha pequena da chuva. Foi primeiro até o quarto da mãe, vasculhou o guarda-roupa e não foi lá muito útil, já que nem um mísero guarda-chuva ela tinha guardado ali. O que lhe restou foi ir até o sótão e procurar algo esquecido e utilizável. Subiu a escada estreita e entrou no local escuro com a lanterna do celular ligada.
Por sorte não era nada parecido com os de filmes de terror e estava até muito ajeitado, não demorou até que encontrasse a caixa grande com a etiqueta “Lua”. A abriu dando de cara com a antiga barbie favorita, as caixinhas de fofoletes que tanto amava, além de algumas mantas da época de criança e mais ao fundo: o par de galochas, a capa de chuva e o chapéu, todos amarelos gema. Lá estava o que levaria Vitor sequinho para o primeiro dia de aula.
Lua desceu do sótão e limpou todas as peças, verificando se algum par das galochas era morada de uma outra dona aranha e então subiu até o quarto do irmão, já passava da hora de fazê-lo acordar. Entrou no quarto e ele ainda ressonava tranquilo, sem dar pelotas para o aguaceiro que caia lá fora.
— Ei, Vi... acorda — chamou baixinho, sem querer assustar a criança em plena madrugada.
— Hum — resmungou ainda adormecido.
— Vitor, Vitinho, anjinho, uh uh! — Tentou chamar a atenção e quase conseguiu, mas ele só despertou mesmo quando teve as bochechas apertadas com a suavidade que Lua tentava usar.
O garotinho despertou incomodado pelos apertões e logo já estava resmungando com a irmã e ela soube que ele estava de fato acordado.
— Chega de resmungo e vai já pro banheiro escovar esses dentes e colocar o uniforme, vamo vamo vamo...
Lua foi perturbando o pequenino por todo o caminho até que teve certeza que ele estava onde deveria. Enquanto isso foi pegar a mochila dos dois e verificar se tudo estava lá, levando ambas até a cozinha, adicionando os maravilhosos sanduiches de geleia e pasta de amendoim. Não demorou para que seu nome ecoasse pela casa toda e nem a chuva seria capaz de abafar a vozinha fofa de Vitor.
— Lua, Lua, Lua!!
— Ai, criatura! Para de gritar, eu não sou surda, entendeu?
— Lua! — disse com firmeza. — Tá chovendo!
— Olha só! Eu sei... — O olhou divertida.
— Não posso e com meu tênis bonito, vai estragar tudo...
— Mas a super Lua tem a solução, vamos descer, Vi.
Quando chegaram até a sala de televisão, o kit chuva de Lua estava sobre o sofá e ela já esperava o início da reclamação, mas o que ouviu foi bem diferente.
— Uau! Elas são iguais as do irmão do Jorel!!
— Irmão de quem?
— Posso colocar já? — perguntou ignorando totalmente a mais velha.
Lua apenas riu da animação alheia e foi ajudar o pitiquinho a se vestir todo de amarelo gema, aparentemente, como o irmão de um tal de Jorel. Depois de se certificar que ele estava devidamente protegido, deixou que ele devorasse a tigela de cereais e então partiram para o ponto de ônibus, rumo ao primeiro dia de um novo ano letivo.
Lua com seu guarda-chuva vermelho de bolinhas pretas e Vitor em suas novas — ou nem tanto — galochas amarelas. O dia estava salvo e a chuva podia continuar caindo tranquila.
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