chilead Mel Nas. San.

Ninguém de verdade está preparado para morrer. Nem quando aceitamos a morte, a queremos. Será que vai doer? Vão sentir minha falta? Eu vou mesmo fazer falta? Pra quem? Meus pais? Por que comigo? O que eu fiz de errado? Como me redimir? Eu não quero morrer... sebaek | angst


Histoire courte Déconseillé aux moins de 13 ans.

#angst #sebaek #exo
Histoire courte
1
5.6mille VUES
Terminé
temps de lecture
AA Partager

Segunda Chance

. . .

Thinking all love ever does is break and burn and end

– Você tem câncer, Senhor Byun... Sinto muito.

A primeira linha de uma história, define todo o resto dela. Gostaria que a primeira linha dessa história fosse mais alegre, um pedido de casamento ou uma promoção no emprego. Eu gostaria de muitas coisas na verdade, mas nenhuma delas era morrer.

– Senhor Byun, tudo bem?

O médico continuava parada na minha frente, Dr. Oh, eu conseguia ler em seu crachá, mesmo com os olhos embaçadas.

– D-desculpa... O que disse, eu tenho o quê? – Tive que perguntar, para ter certeza, pois queria muito que minha mente estivesse pregando uma peça em mim.

– Eu disse que o Senhor tem câncer. – O médico tornou a repetir, apertando os lábios um contra o outro, parecia querer me dizer outra coisa, mas sei lá, acho que nem eles conseguem lidar com essas coisas às vezes. – E... está em estágio avançado, creio que... não haja cura, nem melhora com quimio.

– Aham... – Respondi, meio grogue, uma lágrima caindo aqui e outra ali.

– Vou pedir pra uma enfermeira o ajuda-lo a ir embora-

– Tá tudo bem – o cortei – tá tudo ótimo, eu consigo ir embora sozinho. – Assim que me pus de pé, vi tudo girar, uma tontura estranha qual eu não estava acostumado.

– O Senhor não está nada bem, creio que estava errado e o senhor precisa sim de ajuda, e como profissional, não posso deixa-lo partir sem antes passar por alguns exames e-

– Eu não vou passar os últimos minutos da minha vida preso numa maca, sendo medicado, furado e feito de rato de laboratório. Ok? Me deixa ir, e-eu – Acabei nem conseguindo terminar a frase, uma tristeza se apossou de mim, como se meu cérebro só percebesse agora do que aquelas palavras de outrora se tratavam. Eu ia morrer, e todo o meu corpo já parecia saber. O coração apertado, o estômago embrulhado, a cabeça doendo. – O que eu fiz pra merecer isso? – Desviei o olhar do chão para ele, as gotas de lágrima escorrendo soltas. – Eu nunca consumi drogas, nunca bebi álcool, nunca tive relações sexuais, nunca nem xinguei alguém! Porque logo eu devo morrer quando pessoas fazem coisas ruins aos baldes e continuam firmes e fortes cheios de saúde?!

Dr. Oh me segurava firme, as mãos fechadas no meu braço esquerdo, de forma que me impedia de ir de cara no chão. – Eu faço caminhadas, consumo vegetais e legumes, não como carne, como muitas frutas e vou em todas os cultos de domingo! Por que eu Deus?!

Ele não soube responder, gentilmente me empurrando de volta para maca. – Deus tem planos para todos nós, e isso... É... isso...

– Meu plano então é morrer? Eu sou uma pessoa tão horrível assim? – Murmurei, as lágrimas invadindo meus lábios, me afogando em saliva e pensamentos autodepreciativos. – Eu não quero morrer, Doutor...

– Eu sinto muito mesmo, Senhor Byun. Prometo que enquanto estiver aqui, farei de tudo para que esteja confortável.

Sua voz foi ficando mais e mais distante, como se eu estivesse preso em um banheiro e ele estivesse do lado de fora. Uma hora ele já era um borrão, e tenho certeza de que algo dentro de mim não aguentou a informação, e então eu apaguei.

Acordei horas depois, no mesmo local, preso na maca, com lençóis brancos ao redor. Minha cabeça pesava, talvez pelo choro, e minha mão também tinha um peso a mais. – D-Dae? – Chamei, vendo meu irmão mais novo abrir os olhos, vermelhos e inchados. – Você estava chorando, seu idiota?

– Por favor, não fala nada, tá? Me deixa. – Ele respondeu, puxando minha mão de encontro ao seu rosto, enquanto acariciava as próprias bochechas com aquele pedaço de dedos frios. Eu estava estranhamente frio e pálido. – Eu não quero que você morra.

– E eu não quero morrer antes de fazer o meu testamento. – brinquei, vendo o rosto dele permanecer sério. Droga, não era aquilo que eu queria. Uma das coisas que eu mais odiava sobre a morte, era como deixávamos as pessoas ao redor tristes com a partida. – Quero que saia, Dae. Não é legal ficar aqui, você vai ficar triste, e vai ficar chorando, e vai ficar se culpando, e isso não é culpa de ninguém. Você precisa ir embora, sei lá, sabe o meu dinheiro escondido pra economias? Tá embaixo do colchão da Sagwa, pega pra você-

– Não, Baek, não-

– Shiii, eu tô falando e eu ainda sou seu hyung. – respirei fundo, o exercício de falar estava me cansando demais. – Tô falando sério, pega o dinheiro pra você. Pode abrir aquele restaurante que você queria, pode fazer o que você quiser.

– Mas é o seu dinheiro, hyung...

– Eu sei. Eu juntei essa merda durante quatro anos, e pra quê? Pra no fim eu morrer e não usar um tostão. Eu desperdicei a minha vida trabalhando, Jongdae, joguei fora vinte e sete anos, eu nunca nem tive um namorado, nunca vou ter um filho, nunca vou voltar a ver minha mãe, o meu pai morreu, e eu só tenho um gato siamês que discute muito comigo todos os dias e um chefe chato. E tenho você, que é a melhor coisa nesse caos.

Naquele momento, enquanto falava e absorvia o que eu dizia, me dei conta de que realmente nunca havia feito nada de interessante na vida. Colecionava momentos de tristeza e raiva, mas... e os de felicidade? Até aquele momento eram uns dois ou três, e um deles era o momento em que Jongdae se formara em gastronomia.

– Você não está morrendo ainda, pode fazer tudo que sempre quis. – Jongdae apertou minha mão, respirando fundo e desviando o olhar, pude ver o exato momento em que uma ou duas lágrimas escorreram. – Pegue seu dinheiro e viaje por aí, foi o que você sempre quis, não é? Não foi por isso que juntou toda essa grana? Vá ver a mamãe, encontre alguém legal para passar esses minutos, Baek... não me deixe vê-lo morrer enquanto pensa no quanto sua vida foi tediosa e triste. Me deixe pelo menos saber que teve seus momentos de alegria. Por favor... entenda isso como uma segunda chance de ter uma vida, mesmo que... mesmo que dure pouco... Por favor...

Ao passo em que Jongdae chovia ali perto de mim, com palavras de relâmpago que me pegavam desprevenido com a intensidade do barulho, lá fora o céu também chorava, e parecia tão doloroso quanto.

As palavras do meu irmão mais novo ficaram rondeando a minha mente, mesmo quando ele foi embora, se despedindo com muito custo. Dr. Oh passou lá pelas onze horas, estava sem o jaleco, mas ainda usava uma mascara cirúrgica no rosto e luvas, me perguntou algo sobre qualquer coisa, me ofereceu um café e disse que não iria embora daquela vez, porque não tinha o que fazer em casa, e me perguntou se poderia ficar sentado na poltrona ao meu lado.

Acompanhei o movimento com os olhos, não sentia muito vontade de nada. Mas não queria ficar sozinho. – Ouvi sua conversa com o garoto de mais cedo. Ele tem razão, sabe... Uma vida não vivida é perda de tempo. Estamos sempre pensando em dinheiro, em juntar dinheiro, em conseguir dinheiro, em trabalhar para ter dinheiro, pensamos que ele nos salvará de tudo, e no final... Estamos todos aqui, em macas, pensando no tempo perdido.

– E porque você ainda está aqui? Está saudável, me ver aqui deveria te fazer querer fugir e gastar o resto do tempo que falta.

– Mas aí não tem graça ir sozinho... Por isso... eu hm, não sei se isso é ético, mas... Você não quer fugir comigo? – Franzi o cenho, ele se agitou, me encarando um pouco assustado. – Mas não pense mal de mim! Eu só... sei lá, quero te ajudar a ter um momento memorável e não custa nada eu ter um momento memorável também.

Eu o encarei meio sem jeito, ele tinha aquela expressão séria de quem parecia estar debochando de mim. Mas parecia tão sério ao ponto de não fazer esse tipo de coisa.

– Eu tô preso nesse hospital há cinco anos. Esperando alguma coisa acontecer, esperando um momento que me fizesse torrar esse salário alto, que eu faço tanta questão... Eu passo dezoito horas do meu dia acordado, e nas horas que me sobram, eu como saladas e oro pra que Deus me dê um motivo pra não mandar tudo isso a merda.

Ele segurou minha mão, olhei a sua mão na minha e voltei a olhá-lo nos olhos. Confuso demais para qualquer coisa, qualquer ação, qualquer...

– Por favor, me ajude.

Lembro de dizer no inicio, que a primeira frase de uma história define tudo. Eu poderia até estar certo, e entrar no clichê de aceitar o meu destino. Ou eu poderia fazer alguma coisa que valesse a pena, e eu não sei o que realmente me deu naquele momento, mas eu não pude dizer não ao Dr. Oh.

– Tudo bem... é daqui pra pior, então... Eu aceito.

E eu aceitei, aceitei que meu médico me tirasse do hospital, me enfiasse no banco de trás do seu carro, e sorrindo, me dissesse que eu nunca me arrependeria daquela decisão.

. . .

Levou três horas até que eu me arrependesse daquela decisão. Sehun, seu nome, me levou até em casa, me deixou fazer uma mala rápida, mas me disse que o local para onde estávamos indo não seria necessário várias mudas de roupa, e eu parecia uma criança assentindo, aceitando tudo.

– Você disse que nunca bebeu, certo?

Assenti outra vez, empurrando mala no banco de trás, voltando a me sentar ao lado dele, encarando o sol nascendo no horizonte, era algo perto de cinco da manhã.

– E que nunca usou drogas, nada de sexo também, nem nunca mais viu sua mãe-

– Não vou voltar a vê-la. – fui rápido em cortá-lo, olhando por alguns segundo em seus olhos, tinha medo de encará-lo demais e me arrepender daquilo. – E também não vou usar drogas.

Sehun apertou o volante, respirando audivelmente. – Eu sou seu médico, sei o que é melhor pra você.

– Estamos em algum mundo alternativo? Em que planeta um médico diz ao seu paciente que o melhor pra ele é drogas, álcool e sexo.

– No plante Terra. Agora relaxa, eu conheço um bar que é especializado nisso... Espero que seja de maior, Senhor Byun.

– É Baekhyun. – disse, sem muito ânimo praquilo, ia morrer e sentia que meu nome estava sendo tirado da lista do céu e sendo escrito lindamente no livro do inferno. – E é claro que eu sou maior de dezoito.

– Então lá vamos nós. Aperte os cintos.

A música no rádio era agradável, algo meio melancólico, mas que deixava a viagem mais gostosa. Eu queria manter uma conversa com Sehun, o silêncio no carro era meio desconfortável. – Então... você não tem uma namorada?

Ele riu de lado, tinhas uns dentes bonitinho que o faziam parece uma criancinha quando sorria. Sehun era diferente dos caras que eu havia visto, talvez fosse a forma como seu rosto era, parecia uma escultura de gesso quando sério, mas conseguia ser incrivelmente agradável sorrindo, quase como uma lareira acesa em dias frios. – Sou gay. – Ele respondeu. – Não tenho nenhum relacionamento do qual possa me orgulhar, meu último parceiro me deixou porque não poderia me assumir, sabe, problemas de sociedade intolerante.

– E por quê? – Ele fez um bico confuso ao desviar o olhar da estrada pra mim.

– Porque ninguém gosta de gays. – Sorriu meio triste outra vez. – Ele tem um cargo alto em uma empresa e o chefe dele é meio intolerante com tudo, então ele não pode me assumir porque mais uma vez o emprego é a coisa mais importante que temos.

– Mas você iria assumi-lo? – tornei a perguntar, de repente a vida dele parecia interessante demais para ser deixada de lado.

– Eu sou assumidamente homossexual, Baekhyun. E sabe o que eu ganhei com isso? – neguei – Nada, além de alguns olhares tortos, não poder doar sangue e alguns pacientes que se recusam a ser tratados por mim.

Uma música do One Direction começou a tocar no rádio, eu ri desacreditado, tomando a liberdade de aumentar o som. – Jongdae adorava eles, o consolei por dois meses quando eles se separaram.

– Jongdae é seu único irmão? – Sehun pareceu gostar da sessão de perguntas, enquanto começou a sua.

– Sim, somos irmãos por parte de mãe, ele é sete anos mais novo que eu. Tenho muito orgulho de quem ele se tornou.

– Sua relação com a sua mãe não é boa porquê? – Ele me encarou, eu desviei o olhar, voltando a mexer no som. – Baekhyun, bota isso pra fora...

– Eu não gosto de falar sobre ela... – puxei meus pés e os coloquei em cima do banco, apertando os joelhos contra o peito.

– Gosta de músicas antigas? Tem alguma fita do Bon Jovi aí no porta-luvas. – Ele mudou de assunto, respeitando minha decisão de deixar o passado no passado, sorri com isso, verdadeiramente agradecido, e não hesitei em trocas as fitas. – Ah, Always... é uma ótima música pra tocar nesse momento. – pude perceber a ironia e gargalhei, trocando novamente as fitas, dessa vez a voz de Freddie Mercury preenchia o ar, e I Want to Break Free era tudo que queríamos.

God knows, God knows I want to break free

– Eu não vou fazer isso. – neguei de prontidão, cruzando os braços de forma que Sehun não conseguia me puxar mais.

– Mas vai ser uma pequena! Vamos, eu contei ao cara o que está acontecendo e ele disse que a tatuagem será por conta da casa.

– E você está usando do meu câncer pra conseguir coisas de graça?!

– Não! Eu jamais faria isso! Eu só usei o seu câncer pra isso... e pode ser que eu tenha usado pra conseguir algumas cervejas também. – Mostrou as garrafinhas verdes. – Mas pensa pelo lado bom...

– Tô pensando. E não tô gostando. Não tem graça fazer isso Sehun, cadê a sua ética de médico?

– Fica dentro do bolsinho do jaleco, e adivinha? Não tô usando ele agora. – Ele deu de ombros, apontando para a própria roupa, que consistia em calça social, blusa social e gravata. – Fora do hospital eu sou Oh Sehun, seu novo melhor amigo.

Ri sem querer, tentando voltar a ficar sério de novo. – Você só pode estar enlouquecendo. – Praguejei, mas voltei a rir. – Certo, certo... Que mal tem? Eu já vou morrer mesmo.

Vi seu sorriso perder um pouco de força, mas ele acabou disfarçando muito bem o que sentiu. Me guiou até a cadeira do tatuador e segurou minha mão com força. – Eu já escolhi a tatuagem-

– Ah não! Sem chances!

– Ei, ei, vai ficar legal, eu juro!

O encarei, subitamente sentindo um calor no peito pela forma como ele apertava a minha mão. Era gratidão, claro. Ele estava ao meu lado desde a manhã do dia anterior, quando me deu a sentença mais dura de toda a minha vida, mas estava ali agora também, me dando a solução para a tristeza qual eu me afundava.

E eu havia aceitado não morrer insignificantemente. Havia aceitado fazer daquilo uma segunda chance, e ele estava se esforçando... Eu não ia desperdiçar sua boa vontade.

– Vamos lá? – O tatuador perguntou, e o barulho da máquina me fez ter arrepios, acabei apertando com mais força a mão de Sehun durante o processo, fechando os olhos para que aquilo passasse mais rápido. E pareceu funcionar, talvez meia hora depois, o veredito veio. – Terminei.

E estava feito.

Havia eliminado uma coisa da minha lista(depois de ‘fugir com um estranho de um hospital depois de descobrir que tenho câncer’)

Nada é um fim, tudo é um recomeço.

– O que significa? – Toquei as letras escuras no meu braço, encarando Sehun pelo reflexo do espelho. Ele deu de ombros.

– Espero que alguma coisa importante pra você.

Sorri, meio desacreditado, o tatuador continuava ali, então eu agradeci, fazendo um teatrinho de como aquilo mudava muita coisa na minha vida, vendo-o disfarçar uma lágrima e se retirar. Me senti momentaneamente triste por mentir, mas era a última vez que eu iria decepcionar as pessoas com minhas mentiras.

– E você, não vai fazer nenhuma? – Ele riu, e então abriu os primeiros botões da camisa social, revelando algumas tatuagens coloridas e outras em preto e branco. – Uau.

– Isso está bom pra você? – Ele riu, convencido, fechando a blusa outra vez. – Mas... como eu sou bonzinho, deixo você escolher uma pra mim.

Ele foi caminhando até a pasta com desenhos, mas eu o segurei pelo braço. – O que foi?

– Não quero que se lembre de mim toda vez que olhar pra ela, vai ficar triste.

– Então eu posso tatuar seu sorriso, e vou lembrar de ficar feliz ao invés de triste.

Um minuto de silêncio se seguiu, até que eu não conseguisse ficar sem chorar outra vez, e o apertasse em um abraço, chorando tudo que podia. – Por que está fazendo isso? Por que está sendo tão legal?! Não seja legal comigo...

– Não me peça para não ser legal com você. – Sehun afastou os braços que envolviam e me empurrou gentilmente para trás. – Não serei capaz disso, não outra vez.

– Outra vez?

Um sorriso anasalado foi solto e ele se virou, andando até o balcão, onde as cervejas estavam, provavelmente já quentes. – Acho que chegou a hora disso. E se apresse, ainda precisamos comprar as drogas.

Novamente fazia silêncio no carro, eu estava bêbado eu acho, Sehun também, por isso não dirigia. O taxista mantinha a discrição e não falava uma palavra sequer.

Eu não sabia o que havia acontecido, depois de três cervejas Sehun havia começado a falar sobre uma garota, Joohyun, qual havia morrido há dois anos atrás, ele me disse que uma das tatuagens era em homenagem a ela. E me disse também que havia falhado em melhorar a vida dela, que não havia feito nada de memorável pra ela, que a havia deixado morrer na maca branca do hospital.

Jogou cerveja na própria cara e então fingiu que as lágrimas eram o álcool escorrendo, quando eu sabia bem que aquilo eram lágrimas.

E agora estávamos no silêncio, esperando alguém dizer alguma coisa, e esse alguém era eu.

– Ela me expulsou de casa – comecei, respirando fundo. Seus olhos focaram em mim, curiosos, ajeitando-se discretamente no banco. – Quando eu tinha dezessete anos... Ela me expulsou depois que me viu beijando um garoto. Ela simplesmente pegou todas as minhas coisas e jogou na rua, então ligou para um caminhão de mudanças e me deu o endereço do meu pai. E foi isso. Nunca mais entramos em contanto um com o outro, em parte por culpa dela, porque eu tentei outras cinco vezes, liguei algumas vezes com a desculpa de querer falar com Jongdae, não que fosse mentira, mas eu queria ouvir a voz dela... Ela nunca atendia, sempre deixava Jongdae atender o telefone, então eu desisti. Faz dez anos que não nos falamos, dez anos em que ela deixou o filho sair pelo mundo atrás de um pai que já havia falecido.

– E-eu sinto muito. – Sehun falou, virando-se pra mim, deslizando as mãos até me puxar para perto e me abraçar.

– Tudo bem, eu já superei. – ri, achando graça de estar triste – É normal estar com sono, mas querer chorar e rir ao mesmo tempo?

– Acho que sim. – riu também, me soltando, mas continuando a me olhar nos olhos. – Você é bonito, Baekhyun. Mas está todo descabelado.

Passei as mãos pelo cabelo, arrumando do melhor jeito que encontrei. Parece que só piorou, pois Sehun começou a rir de como estava e eu acabei ficando mais triste ainda e chorei. Estávamos os dois no banco de trás de um carro amarelo, meio bêbados, um rindo e um chorando. Indo em direção à um local que vendia drogas, tentando lidar com os problemas através de coma alcoólico e overdose.

Nunca na minha vida eu imaginei que estaria assim. Na verdade achei que morreria sozinho, na minha própria cama, de velhice, minha gata estaria deitada no meu peito, ressonando despreocupada, e na manhã seguinte seria a primeira a perceber que eu não mais existia. E então ela ficaria pulando no meu peito gelado, pedindo ração, como se eu não tivesse o direito de deixa-la com fome. Eu não teria paz nem na morte, era o que eu imaginária.

Eu imaginei que estaria espectrando no meu enterro. Olhando de cima as pessoas chorarem perto do monte de terra. Então eu ficaria triste por estar deixando as pessoas que amo triste. Mas eu não sei se fantasmas tem sentimento, então eu ficaria mentalmente triste porque eu não poderia ficar triste.

Nunca imaginei que haveria um Oh Sehun traumatizado pelo passado, preso dentro de um carro comigo, rindo descontrolado por ter abusado do Soju. Em que mundo um cara como ele estaria prestando esse papel? De ajudar um cara com o pé na cova?

Acabei chorando mais ainda por lembrar outra vez da minha condição. Abaixei minha cabeça e o choro saiu alto, apertado, doido, seguido de soluços e fungadas. Sehun parou de rir, o rosto vermelho me encarando confuso, ele tornou a se aproximar, envolvendo outra vez meus tronco.

– Eu queria ver a minha mãe. Queria passar esse último momento cercado das pessoas que amo. Porque eu não sei quando vai ser... Eu posso estar aqui com você, e daqui há dez minutos estar tendo uma parada cardíaca.

– Está tudo bem, eu posso te reanimar, eu aprendi isso no curso. – Ele tentou me acalmar, mas eu voltei a negar.

– Não, Sehun, você não tá entendendo. Eu nasci pra isso, pra morrer, esse é o meu propósito!

– Você está dizendo besteiras. – Pôs a mão na minha testa, medindo a temperatura com o peito da mão. – Está com febre.

– Estou perfeitamente bem, quer dizer, tirando o câncer – Ri sozinho, achando graça da piada que havia feito, então funguei e limpei o rosto, o que resultou em mais bagunça e Sehun fazendo careta enquanto me limpava com a manga da blusa.

– Você não vai morrer agora. – Sehun falou por fim, assoprando meu rosto e descolando os fios de franja da testa.

– Como você sabe?

– Eu sinto.

– Como um sexto sentido de garota?

– Como um sexto sentido de garota, só que melhor. E ele me diz que você ainda tem algum tempo, mas só se aceitar usar heroína, crack e maconha. Tudo junto. – Ele ficou sério, enquanto um sorriso abobalhado brincava no meu rosto, era uma reação ao álcool porque no fundo eu nem sabia do que ria. Subitamente o carro parou, o taxista nos olhou assustado, destravou as provas e nós entendemos o que ele queria dizer.

O táxi sumiu na esquina, derrapando na pista, eu e Sehun nos entreolhamos antes de rir. Mais uma vez rindo de uma situação sem graça, porque era extremamente perigoso estar na rua uma hora daquela, sem telefone ou dinheiro, porque tudo estava no carro de Sehun.

– O que vamos fazer? – Perguntei entre as lufadas de ar, tentando recuperar a respiração descompassada porque eu estava perdido naquela euforia e adrenalina.

– Eu não sei! – Ele respondeu rindo também, era engraçado agora. Eu achei engraçado porque não me lembrava do motivo de estar ali, só sabia que estava em uma rua qualquer, rindo, com a mão na barriga, querendo vomitar e respirar, e não conseguindo fazer nenhum dos dois, e então ria de quando Sehun se curvava pra frente também, até cair sentado na rua.

– O que está acontecendo?

– O álcool fazendo efeito? Não sei! – Sehun respondeu, mas eu não sabia, era a primeira vez que ingeria álcool, como ia saber a sensação de estar bêbado? – Você está com náuseas? Dormência? Um pouco de sonolência? Uma vontade de sair correndo e pular de um prédio?

Assenti todas as vezes, e ele riu. – Então estamos bêbados.

– E o que acontece agora?

– Fugimos.

– Fugimos?

– Fugismos.

Estávamos há algum tempo nos arrastando pela rua, minhas pernas doíam e eu não sabia onde estávamos. Parecia um bairro nobre, o sol estava começando a se pôr outra vez no horizonte e os níveis de álcool no meu organismos pareciam ir embora também, estava com fome, com sono, cansado, mas ainda sim queria estar ali.

– Estamos chegando. – Sehun sussurrou.

– Chegando onde?

– Nas drogas.

– Aqui?!

– Aqui. – ele deu de ombros. – Os garotos com situação financeira boa são os garotos que mais se envolvem em drogas hoje em dia.

– Faz sentido.

Eu não lembrava direito de que dia era, acho que tinha certeza se tratar de uma quarta-feira. Mas não tinha certeza, já que pra hoje ser quarta, ontem deveria ser terça, e eu acho que ontem foi sábado.

Haviam alguns garotos sentados na calçada na esquina que entramos, o beco era o local mais escuro dali, visto que toda a região era bem iluminada pelos postes e pelos fracos raios de sol. Sehun coçou a garganta, e quando viu os garotos ameaçarem se levantar, ele mostrou algumas notas que eu não sei de onde vieram. Acho que era o dinheiro do táxi.

Droga, não pagamos o táxi.

– De onde veio essa, tem muito mais. – Sehun falou, a voz tentando se manter séria, mas eu ri da tentativa dele de parecer intimidador.

– Sem essa, vocês já estão drogados. – Um dos garotos falou, se levantando do chão e ameaçando ir embora. – Eles vão nos caguetar-

– Eu tenho câncer. – Falei. – Em estado avançado, e eu posso morrer a qualquer minuto. – O garoto tornou a sentar no chão. – Meu único desejo era provar uma dessas drogas antes de morrer.

Meu Deus, o que eu estava fazendo?

– É sério isso? – o garoto perguntou e eu assenti. – Cara, que droga... Senta aí. É por conta da casa.

Olhei para Sehun antes de sentar, e ele me olhava incrédulo, mas deu um risadinha ao se ver andando até mim e se sentando no chão ao meu lado.

– Achei que tivesse dito que era errado usar o câncer para convencer as pessoas. – Ele sussurrou no meu ouvido.

– A vida é curta demais para não aproveitar esse tipo de coisa. E então, como isso funciona, garotos?

Três dias, faziam três se as minhas contas estivessem certas. Três dias de que saimos do hospital e estamos vagando por aí, primeiro sóbrios, depois alcoolizados, depois no que os adolescentes disseram ser ‘na brisa’, agora eu não tinha mais ideia do que fazer.

– Você já bebeu, fumou, fez uma tatuagem... O que falta?

– Sexo sem camisinha. – Respondi, mas foi por impulso, aquilo realmente não estava na minha lista.

– Você quer....? – Sehun parou de caminhar e me encarou, segurava uma garrafinha de água porque o dinheiro que iriamos pagar o táxi, e depois as drogas, acabou ficando para que comprássemos uns salgadinhos e garrafas d’água.

– Não, que, Sehun! – Ralhei, vendo-o levantar as mãos no ar e então dar de ombros.

– Eu só estava tentando zerar a sua lista, você já adicionou dormir na rua à ela?

Neguei, sentindo a cabeça doer forte com o gesto. – Acho que precisamos voltar agora.

Ele não protestou, acho que por dentro ele concordava que aquilo havia sido uma loucura sem tamanho.

– Eu não morri, então preciso voltar para o serviço.

– Sério? Você pode pegar atestados e-

– Não quero ficar encostado, prefiro estar ativo e quando tiver de acontecer, vai acontecer.

– Mas... mas ainda tem coisas que nós podemos fazer.

– Sehun, chega. Eu estou cansado demais, acho que já consegui um momento memorável.

Ele assentiu, a respiração saindo audível e decepcionada, então ele voltou a andar. – Tudo bem, vamos só andar de volta e... Eu te levo embora. Pra sua vida.

– É, assim parece bom.

Alguma coisa dentro de mim parecia decepcionada também, parecia que nada do que havíamos feito, serviu para mais do que me fazer imaginar o quanto estava deixando para trás.

Sexta de manhã, depois de sorver o café frio que estivera em cima da pia por três ou quatro dias, eu fui para o serviço. Um prédio grande em uma avenida movimentada. Sentei-me na cadeira de madeira, encarei o computador e fiz isso por alguns horas, até que alguém se aproximasse.

– Está tudo bem, Byun? – Era o Kim secretário, ele se sentou na cadeira ao meu lado e me encarou, depois encarou a tela do computador e então voltou a me encarar. Limpou a garganta antes de voltar a falar. – Então... chega uns momentos da vida, em que precisamos fazer mudanças. Porque isso é essencial para o ser humano, mudanças.

Eu não sabia onde ele queria chegar com aquilo, não sabia se ele sabia sobre o câncer, não ligava também, pro que eu estava ligando desde que saíra daquele hospital?

– E, aqui na empresa não é diferente. Por isso, nós decidimos que... seria melhor se você... fosse embora, Byun.

Ele ficou me encarando ainda, esperando uma reação diferente da que eu esboçava, puro descaso.

Minha mente vagava por aí, hora ou outra parava em Sehun, e meu coração batia rápido, depois voltava ao pensamento de morte, e voltava a bater devagar, e então voltava pra Sehun, e ficava nessa constância inconstante.

– Tudo bem. – Resmunguei, empurrando a cadeira de rodas para trás. – Venho buscar minhas coisas amanhã.

– Mas... vai ser assim? Você não quer nem saber por que você?

– Por que eu? – Repeti. – Por que eu? É o que eu mais tenho me perguntando.

– O quê? Eu não entendi.

– Kim, eu estou com câncer. – respondi, sério, calmo, já havia me acostumado com a ideia, por isso em nada dava dizer aquilo. – E eu vou morrer. Então, passei alguns dias me perguntando ‘por que eu?’ mas parei, porque... em algumas horas, eu até agradeço, porque conheci um cara muito legal. Claro que eu preferiria estar com uma gripe, e não morrendo... Mas, se for pra ser assim. Que seja. Eu não ligo mais.

O Kim se pôs de pé, parecia desesperado, abriu a boca diversas vezes, eu esperei, mas nada veio, então eu me virei.

Caminhei pelo corredor da empresa, os que haviam ouvido a conversa me acompanhavam com os olhos, meio curiosos meio sem saber o que fazer. – Vão viver a vida de vocês, literalmente, parem de trabalhar tanto, meu Deus! – Gritei, girando nos calcanhares antes de chegar ao elevador. – Parem de viver sendo escravos do dinheiro! Porque isso acaba, a vida acaba, e quando você perceber, é tarde demais! É tarde demais...

Meu corpo pareceu desligar, senti meus membros pesando enquanto eu ia cambaleando para os lados, sofri alguns desmaios depois daquilo tudo, então eu já estava acostumado com a sensação, foi me virar e cair no chão. Rápido e indolor.

Eu não morri exatamente naquele dia. Na verdade levou mais algum tempo, acho que dois meses depois, ou três. Mas eu morri, porém, permaneci sempre vivo na memória das pessoas que amei. Na memória de Oh Sehun, Kim Jongdae e da minha mãe, qual eu fui visitar um mês depois de levar alta no hospital, e aquilo foi planejado por Oh Sehun, que me pediu um espaço na minha cama para ele, não conseguiu dizer ‘pedir em namoro’ porque achava clichê demais.

E quando tudo parecia bem, ela veio, enquanto eu dormia, com Sagwa no peito, e Sehun do lado. Como a história começou, ela terminou, nós, em um leito de hospital e o barulho da maquina de batimentos cardíacos parando.

Ninguém de verdade está preparado para morrer. Nem quando aceitamos a morte, a queremos.

Será que vai doer?

Vão sentir minha falta?

Eu vou mesmo fazer falta?

Pra quem? Meus pais?

Por que comigo?

O que eu fiz de errado?

Como me redimir?

Eu não quero morrer... 

21 Octobre 2018 20:50 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
0
La fin

A propos de l’auteur

Mel Nas. San. quatros anos sendo @chilead no spirit, vim ser @chilead aqui também

Commentez quelque chose

Publier!
Il n’y a aucun commentaire pour le moment. Soyez le premier à donner votre avis!
~