Quis matá-lo, uma vontade tão insana que o fez rir enquanto a faca caía no chão e ele recuava apavorado. O riso caótico e macabro preenchia todo o ambiente em que estavam, as mãos ensanguentadas já tinham lhe manchado a face, os cabelos, o uniforme que deveria ser o novo símbolo da paz. Os olhos verdes, antes tão gentis, refletiam apenas a loucura que agora o fazia se dobrar de rir com as mãos sobre a barriga enquanto Katsuki permanecia no chão, derrotado, mas ainda consciente para apreciar o seu show de horrores. Ah, era tão bom, rir era tão bom! A voz vibrava em sua garganta, e Izuku chegou até mesmo a limpar as lágrimas que escorriam tamanha a felicidade.
Mas não sabia por que estava feliz. E isso o fez parar. O riso morreu aos poucos, de forma assustadora, como um mau presságio. Os olhos divertidos focaram Katsuki com raiva, os passos vacilaram até ele, e Deku voltou a sentar-se sobre o corpo imóvel e machucado do antigo rival.
— Kacchan, você não está rindo — pareceu dar-se conta. — Nem me agradeceu pelo presente. Foi difícil, sabe? E você não me agradeceu mesmo assim. Por que não me agradeceu?
Katsuki respirava com dificuldade, tinha certeza que as costelas estavam quebradas. Sentiu a mão de Deku em seu queixo, com firmeza, e engoliu em seco quando notou o rosto próximo ao seu. A respiração quente tocava sua pele, e ele fechou os olhos quando Deku virou sua cabeça para o lado, para que contemplasse mais uma vez a cabeça decapitada de Kirishima.
— Seu ingrato... — a voz de Deku soava perigosa, e ele quis que tudo não passasse de um pesadelo. — Você disse que me amava... lembra, Kacchan? — Não queria se lembrar, não queria porque doía demais se lembrar das promessas feitas anos atrás quando Deku ainda era o seu Deku. — Disse que ficaria comigo... que me protegeria... — A risada voltou, alta, fria. — Você mentiu para mim, Kacchan?
Katsuki tinha sido o primeiro a perceber quando Deku começara a apresentar um comportamento estranho, quando o mundo dele desabara após a morte de All Might. Ele havia alertado Aizawa, Deku não estava bem sussurrando pelos cantos, começando a duvidar da filosofia de paz que o mundo exigia, afinal, que paz era aquela tão frágil que desabava após a morte de um único homem?
Não existia paz, era um conceito tolo criado pelos fracos para que a real natureza dos fortes fosse oprimida. E ouvir essas palavras da boca de Deku após um resgate tinha sido aterrorizante. Chacoalhá-lo não tivera efeito, gritar com ele, lembrá-lo de tudo pelo que lutavam também não, nem ao menos falar sobre seus sentimentos havia convencido o outro a não seguir rumo ao abismo.
Deku fugira depois disso, o renomado herói, aquele que tinha herdado o legado de All Might, tinha virado em menos de três meses a figura mais sombria a dominar o outro lado da moeda. Os vilões o obedeciam, temiam, é claro, mas admiravam muito mais. Deku era a ironia mais deliciosa para eles, aquele que tinha tudo para ser o herói perfeito e renunciara seu posto para reinar entre os errantes.
Os heróis, as agências, todos se juntaram para por fim a aquilo antes que a situação piorasse, antes que o mundo fosse tragado para o abismo em que Deku tinha mergulhado, antes que o caos se tornasse o certo e a ordem fosse uma mera lembrança. E tinha sido ali que Katsuki errara uma segunda vez.
Lutar contra Deku tinha deixado de ser sua meta há tanto tempo que não tinha mais prazer algum nisso. Lembrava-se do sorriso insano que o recebera no dia, quando todos tinham tido a ilusão de que fossem capturar Deku em seu esconderijo. Lutara com todas as forças naquele dia, imobilizara Deku com força contra o chão, a mão sobre o rosto dele numa clara ameaça que ele leu em seus olhos e soube não ser verdadeira.
— Prometeu me ajudar, Kacchan, você não me amava?
A pergunta tinha sido cruel e o fizera gritar. Não queria ouvir, já havia tentado resgatar Deku dele mesmo várias e várias vezes, não cairia em nenhuma farsa logo quando o tinha em suas mãos. O sorriso irônico de Deku o fez prender a respiração, conhecia-o bem demais, cada traço daquele rosto, cada entrelinha nas palavras não ditas. Ouviu o grito dos outros heróis, reconheceu Todoroki e Kirishima chamando por seu nome e, depois, apenas sentiu o fino espertar de uma agulha em seu pescoço.
Acordara ali, no chão frio, com Deku sentado a poucos metros com uma caixa sobre o colo. Havia um papel de presente, um laço bonito, e pela loucura nos olhos de Deku, Katsuki teve certeza que não desejava saber o que tinha ali dentro. Infelizmente, não abrir não era uma escolha...
A cabeça de Kirishima rolou pelo chão quando ele se impulsionou contra Deku, o barulho de sua explosão ecoou pelo cômodo, e a luta que se seguiu pareceu apenas um replay da anterior, com a diferença de que agora sim Deku usava todo seu poder.
— Eu fiz tudo isso para te trazer para cá, Kacchan, e você nem me agradeceu...
A voz dele ainda era a mesma... o mesmo tom calmo, a falsa bondade fazendo as lágrimas escorreram pelos olhos de Katsuki enquanto ele os fechava para não encarar a cena horrenda que era a cabeça deformada de Kirishima. Não tinha mais forças para lutar, os ossos estavam quebrados, o corpo doía, e a mente... quando foi que ela havia sido destruída em tantos pedaços?
Soluçou quando os lábios de Deku uniram-se aos seus, odiou-se por se sentir mal pelo outro, odiou-se por não ter sido suficiente, bom o bastante para salvá-lo, e odiou-se mais ainda por não sentir nada além de medo quando ele segurou sua cabeça, arrastou a boca sobre a sua e sussurrou:
— Está tudo bem, Kacchan. Sabe por quê? Porque eu estou aqui... porque você vai ficar aqui... pra sempre.
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