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Melanie retirou o jaleco e jogou-o no armário. Estava exausta e precisava de uma bebida para acalmar os ânimos, após o cansativo expediente no necrotério municipal. Seu trabalho não estava sendo tão fácil na pacata cidade de Verona. A cidadezinha parecia mais um povoado perdido no meio do nada, cercado de bosques ora pinheiros ou abetos e uma montanha dita mágica ou amaldiçoada. Nessa cidade estranha, vivia um povo crente em histórias de fantasmas, lobisomens cruéis e toda a sorte de figura fantasmagórica saída das páginas da Weird Tales. Homens machistas e fortes, que saíam para as madeireiras e mulheres franzinas e submissas, que criavam crianças rosadas, escondidas atrás de toneladas de roupas de inverno. O prefeito era um sujeitinho sorridente e mulherengo, que não perdia a oportunidade de encontrar novas moças para atormentar.
Melanie olhou para o retrovisor, passou um batom vermelho nos lábios. Jogou um beijinho para seu reflexo e ligou o Jeep. Na rádio local não havia nada além de músicas sertanejas e esdrúxulas, só encontrava conforto na estação underground da cidade, estranhamente chamada Medusa. Ali, rocks pesados, letras que iam contra o viés conservador da cidadezinha e muitas letras obscenas, imperavam contra a maioria esmagadoramente comum. Incrivelmente, Blondie começou a tocar na estação, o que alegrou a noite exaustiva de Melanie. Cantando no ritmo frenético e animado, ela quase atropelou um esquilo, que logo fugiu assustado para dentro da estrada rodeada de pinheiros. Logo chegara ao St. Johnson, tomara um bom copo de uísque.
Acima do Jeep, uma grande lua gorda espreitava Melanie, crescia a medida que ela se aproximava do bar. Quando ela desceu no estacionamento de terra, notou um movimento incomum no bar aquela noite. Uma grande euforia rompia da porta entreaberta, vozes zangadas que estouravam com um trovão numa tempestade. Foi só quando entrou, que percebeu o corpo estirado no chão, com a garganta aberta.
— Isso é uma barbaridade. Não podemos deixar o criminoso impune. — atrás do balcão, uma mulher de longas tranças, rosnava sobre as cabeças dos homens.
— Crimonoso? Olhe pra isso, Violeta. Isso não foi feito por gente comum. Isso é obra do diabo. — e uma vintena de homens concordaram com o interlocutor que parecia não ter mais do que trinta anos.
— É aquela mulher cruel, a filha dos Banats. Ela desceu de seu castelo horrendo e abriu a Garganta de Ben Seymour. Aquela bruxa é esposa de Lúcifer. Que Deus nos proteja dessa maldição.
— Isso é verdade. Devemos matar aquele monstro. — um homem calvo cuspiu no chão, em sinal de desprezo. Melanie não saberia dizer para quem era tal ódio.
Então lembrou-se de quem eles falavam. Desde que chegara a Verona e teve que lidar com uma onda de assassinatos sórdidos. A única figura suspeita de qualquer maldade e alvo de imensa curiosidade, era a uma órfã aristocrata chamada Charlote Banat, que morava na parte setentrional da cidade. Uma mulher cruel que só era vista à noite, circundando a sua propriedade com uma besta a tira colo. Haviam boatos de que ela dormia com o demônio, por isso era belíssima e irresistível. Outras histórias dizem que ela seduziu um antigo estagiário da polícia, tornando-o seu escravo. Após a união profana, que a família do rapaz desaprovou, ela simplesmente o largou deixando-o inconsolável.
— Você é a nova médica, não é, mulher? — havia algum desapontamento envolto das frases que foram vomitadas, principalmente no mulher.
— Sim, eu sou a médica legista, o senhor Alfredo me contratou. — chegou mais perto do corpo, olhou atentamente para a garganta do falecido. Não era necessário algo mais detalhado, aquilo era ataque de um animal feroz, um lobo ou urso. — Bem, pelo pouco que posso constatar, esse corte foi feito por um animal, que possua garras. Um lobo, ou mais provavelmente um urso.
Todos os presentes a olharam com um desdém tão imenso, que ela quase encolheu.
— Não há ursos nessa cidade a mais de dez anos, senhorita. — um velho que trajava botas lameadas, uma calça verde musgo e camiseta xadrez vermelha, se destacou na multidão enfurecida. Sua voz carregava um tom sombrio e miticismo. — Todos foram caçados. Eles estão em nossas casas, debaixo da lareira, com seus olhos brilhando sobre o fogo. Quem fez isso foi alguém muito cruel. Apenas alguém faria isso, aquela quem chamam de dama da noite.
— É ridículo assumir que uma mulher humana tenha feito marcas profundas nesse homem.
O burburinho aumentou, assim como a cólera dos homens mais velhos.
— Quem é você, mulher? Você nada sabe do nosso povo, da nossa história.— o homem calvo deu um passo a frente, quase que rugindo. — Você não a conhece também. Eu vi com meus próprios olhos, aquela mulher enfeitiçou o Anatole tão jovem. Somente abaixo de tamanha feitiçaria o rapaz desafiaria a família e trocaria tão maculada donzela como Julieta, por aquela criatura atroz.
— Não me interessa suas cantigas, suas lendas sem cabimento sobre pessoas comuns. Chame o xerife para levar esse pobre coitado para o necrotério amanhã. A perícia forense irá dizer por quem ele foi morto. — abriu caminho por entre os homens raivosos e debruçou-se sobre o balcão, Violeta a olhava com algo que poderia ser espanto ou aprovação. Um copo de uísque foi cheio, Melanie jogou uma nota e não exigiu troco, levantou-se e caminhou para fora do bar, sentiu uma brisa outonal a roçar o rosto, enquanto a fervura continuou no bar.
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