zephirat Andre Tornado

Em setembro de 1963 durante umas curtas férias concedidas aos Beatles num ano alucinante para a sua carreira musical, George Harrison, acompanhado do seu irmão Peter, vai visitar a irmã mais velha Louise que se encontra a morar nos Estados Unidos da América. Nessa viagem, o jovem inglês de vinte anos vai perceber que a música é uma linguagem universal, capaz de fazer amigos e de criar momentos inesquecíveis.


Fanfiction Groupes/Chanteurs Interdit aux moins de 18 ans. © The Beatles não me pertencem. História escrita de fã para fã.

#The-Beatles #George-Harrison #América #Primeira-viagem #EUA #música #guitarra #Irmãos
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Capítulo Único


A América era um lugar como outro qualquer.


Essa foi a primeira impressão com que ficou do país que preenchera a sua imaginação durante a sua adolescência. Um lugar como outro qualquer, monótono e cheio de pessoas desinteressantes, vidas rotineiras, alegrias e tristezas, silêncios e ruídos. Era uma avaliação cínica, ele sabia-o, mas não conseguia evitar tê-la. Esperava talvez algo mais excitante, afinal era o Novo Mundo e tudo deveria ser distinto do que existia no Velho Mundo. Só que para onde olhasse via os mesmos motivos, os mesmos elementos, os mesmos rostos.


Foi muito bem acolhido e não devia colar pecados ao que via ou ao que experimentava, só porque as suas altas expetativas tinham sido defraudadas. As pessoas eram amigáveis, simpáticas, calorosas, cumprimentavam-no quando se cruzavam com ele na rua e de certeza que já sabiam que ele era um forasteiro, porque na cidadezinha habitavam pouco mais de oito mil almas. Num burgo dessa dimensão todos se conheciam, forçosamente, os estrangeiros eram logo identificados. Só que… era a América. E a América tinha por obrigação ser grandiosa, selvagem, deslumbrante.


Puxou uma passa do cigarro, com os olhos fixos na rua deserta, uma via em linha reta que se perdia mais à frente, ladeada de casas de madeira com dois pisos como ele via nos filmes sobre o Velho Oeste. Eram lojas e outros pequenos negócios que já estavam encerrados àquela hora e parecia que estava numa pequena cidade fantasma das histórias que assustavam criancinhas.


Semicerrou os olhos e conseguiu ver os arbustos ressequidos a rolar pelo chão poeirento, empurrados pelo vento que assobiava entre as frinchas. O metal da grua da mina a chiar… O depósito de água assente em quatro grossos pilares a oscilar… A linha do comboio e a respetiva estação em suspenso entre novelos de poeira…


Sorriu com a sua fantasia.


Tinha de parar com o cinismo. O local era agradável e amistoso, suficientemente acolhedor para ele ter considerado, num pensamento mínimo, de que seria capaz de ali morar. Não era muito diferente do provincianismo de Liverpool, embora se fizesse a análise com maior profundidade descobrisse que Benton, no Illinois, em pleno Midwest americano, era substancialmente mais atrasado do que qualquer aldeia inglesa. Havia espaço a rodos para onde quer que se voltasse a vista, oportunidades de emprego apelativas, um nível de vida mais desafogado, no entanto as mentalidades eram pequenas. Notava-se isso em pequenos detalhes, como a forma como as mulheres se apresentavam em público e como os jovens conviviam sem o espalhafato que ele esperava daquela geração de novos americanos.


Novamente o cinismo.


Era compreensível, alegou mentalmente para se defender! A América era a terra prometida, era o local onde havia liberdade, criatividade, prosperidade, igualdade, tudo o que preenchia os sonhos dos jogadores mais audazes.


Ele não era um dos jogadores, pelo menos naqueles dias – haveria de jogar mais tarde, haveria de tentar conquistar os vastos territórios americanos noutra ocasião ao lado dos seus amigos e através de um expediente inesperado, a música – estava na América de férias. Viera acompanhado pelo seu irmão Peter e visitavam a irmã de ambos, mais velha, chamada Louise que tinha vindo parar àquela pequena cidade do interior dos Estados Unidos por causa do marido, Gordon da Escócia, que era engenheiro mineiro e que conseguira emprego nas minas locais de carvão. A oportunidade surgira para realizar essa viagem e ele aproveitara-a. Precisava de uma pausa do ano louco e imparável que estava a viver com o seu grupo musical.


Os Beatles ganhavam fama e dimensão. Atuavam em salas de espetáculos, em programas de rádio e de televisão, tinham clubes de fãs que se espalhavam desde Liverpool para todo o Reino Unido, não paravam um minuto entre um concerto e outro. Por isso, aquelas férias em setembro eram um alívio, uma pausa ansiada numa longa maratona para a necessária hidratação.


Um sorriso travesso formou-se-lhe nos lábios. Era ótimo não ser conhecido ali. Podia andar à vontade sem receio de ser recebido com um gritinho estridente de alguma moça que o tivesse reconhecido. Por outro lado, e aborrecido apagou o sorriso, queria que soubessem quem ele era, que fazia parte do último fenómeno musical inglês, que era um bom guitarrista que apreciava o rock ‘n roll nascido naquelas paragens, que era um bom músico fundamentalmente.


Soube, logo assim que chegou à casa da irmã, uma habitação confortável e espaçosa situada no número 113 de McCann Street, que Louise tinha andado a falar sobre os Beatles pela região. Um dos discos que ele lhe enviara, um dos primeiros singles do grupo, com a canção “From Me To You”, tocara numa rádio local, a WFRX-AM, durante o mês de junho. Poucos dias depois da sua chegada ela regressou a essa rádio com ele e deixaram aí outro single de sucesso com a canção “She Loves You”, mas falharam em conseguir que o aceitassem para uma entrevista em pleno programa radiofónico. As tentativas de divulgação de Louise eram louváveis, mas não conseguiam cativar uma grande audiência e funcionavam como pequenos seixos atirados a um imenso rio cujo caudal tudo arrastava. Para causar alguma impressão no curso do rio só um enorme pedregulho que criasse uma barragem!


Naquele sábado Louise iria apresentá-lo a um grupo local, os The Four Vests, que tocariam no salão dos “Veterans of Foreign Wars” situado numa pequena cidade vizinha de Benton com o nome sugestivo de Eldorado. Ele fumava um cigarro à porta do salão, admirando a banalidade americana, ao lado do irmão Peter que lhe fazia companhia no fumo, enquanto esperava que a irmã e o cunhado voltassem do interior onde tinham ido arranjar uma mesa.


Uma mão pousou no seu ombro. Era Louise que regressava com o marido Gordon.


- Vamos entrar?


Soprou o fumo e atirou a beata para o chão. Apagou-a debaixo do tacão da bota.


- Yeah… – respondeu.


Os olhos da irmã brilhavam. Ajeitou-lhe a lapela do casaco preto. Ele vestia um fato escuro e uma blusa branca, num estilo muito teddy boy e ela achara-o encantador, dissera-lho quando saíram de casa. Ele achou que estava demasiado embonecado, John Lennon haveria de lho dizer da forma mais ofensiva possível.


- O que foi? – perguntou ele, desconfiado.


- Nada! – Louise sorriu-lhe.


- Estiveste a combinar alguma coisa com esses tipos que vão tocar hoje?


Peter riu-se. Ela hesitou antes de responder:


- Talvez…


Continuava a apostar em mostrar o irmão músico ao estado do Illinois, Estados Unidos da América. George semicerrou os olhos.


- Concordo em que mos apresentes, irmã, mas mais nada além disso. Eu não sou um artista a solo, não quero atuar sem os Beatles…


Louise enlaçou o seu braço no dele, puxou-o para o salão.


- Sim, já sei. Vamos divertir-nos, queres? É sábado à noite, as pessoas querem descontrair-se depois de uma semana de trabalho. Vamos ouvir música! Tu gostas da música da América e aqui tens uma oportunidade para conheceres um grupo da terra.


Ele concordou com a irmã que falava tão segura de si.


- Está bem… Existem miúdas?


- Porta-te bem, George Harrison!


- Eu porto-me sempre bem.


O salão era um lugar de convívio equipado com um balcão onde se serviam bebidas e pratos diversos. Encostada à parede dos fundos, uma plataforma de madeira onde estavam os instrumentos musicais a aguardar a entrada dos músicos que os iriam tocar, a par de microfones e dos respetivos amplificadores. Havia um pequeno espaço para as pessoas que quisessem dançar, à frente desse palco minúsculo. As mesas espalhavam-se pelo recinto, rodeadas de cadeiras, quase todas ocupadas. As grandes janelas enfeitavam-se com reposteiros pesados de veludo, do estilo colonial e havia tapetes num local mais recolhido, destinado porventura às personalidades importantes da cidade.


George reparou nas jovens mulheres que ocupavam o salão, circunvagou o olhar atento pelas mesas e começou a fixar aquelas que lhe podiam interessar. A escolha não era vasta. As mulheres não podiam estar acompanhadas, significava que estavam comprometidas, que eram casadas ou que namoravam e ele não queria criar problemas à irmã, nem ao cunhado, os dois tinham uma certa reputação a manter no lugarejo. As mulheres não podiam parecer demasiado novas, evitaria assim os problemas com a autoridade se descobrisse que a menina teria menos de dezasseis anos. As mulheres não podiam estar a ser vigiadas por um pai severo, dispensava ser perseguido por alguém armado, pois que toda a gente na América usava armas como quem usava um cinto ou um chapéu.


Gordon pediu uma refeição para todos. Entretanto, o empregado trouxe-lhes cerveja e Gordon fez um sinal para que George estivesse calado, ele ainda não tinha idade para beber, tendo apenas vinte anos, mas ninguém podia desconfiar ou iriam pedir-lhe o passaporte para verificar a sua data de nascimento. George evitou fazer uma expressão de fastio – as regras restritas americanas que influenciavam costumes e atitudes eram demasiado retrógradas, imbecis. Estive na Reeperbahn de Hamburgo, porra!, pensou zangado. Agarrou na garrafa de vidro e deu um gole de cerveja pelo gargalo. Esqueceu aquelas considerações sobre moralidade excessiva e voltou a focar-se no elemento feminino do salão. Tinha encontrado três candidatas, apenas, naquele mar de gente. Duas loiras e uma ruiva que pareciam ser amigas e que estavam com uma família ruidosa que ocupava várias mesas, com velhos a cuidar de crianças e homens que gargalhavam alto.


A banda posicionou-se no palco. O líder apresentou-se ao microfone que tinha defronte, depois de dar as boas-noites. George notou que este tocava viola-baixo. Arrancaram com uma canção monótona em estilo country que ele desconhecia. Aqueles eram então os The Four Vests e pouca gente estava a ligar à sua música. O espaço dançante permaneceu vazio.


Louise inclinou-se e perguntou-lhe ao ouvido se estava a gostar. George assentiu e bebeu outro gole de cerveja, a marcar os passos da primeira loira. Era baixa e roliça, usava um vestido que lhe acentuava as ancas e esse pormenor era cativante.


Após um par de canções, o tipo que tocava viola-baixo e que dava voz às melodias debitadas pelas guitarras, pelo baixo e pela bateria anunciou uma surpresa para aquela noite.


- Temos aqui connosco, senhoras e senhores, o Elvis de Inglaterra!


George fulminou Louise com o olhar, batendo com a garrafa de vidro no tampo da mesa.


- Eu não vou para ali! – disse entre dentes. – Eu disse-te…


- Vá lá, George… Estão a chamar-te – referiu Louise pestanejando, com um ar de inocência. – O Elvis de Inglaterra! Uau! Essa foi da autoria do Gabe.


- Quem é o Gabe?


- Gerald ‘Gabe’ McCarty. É o líder dos The Four Vests. Foi com quem eu falei.


- Falaste-lhe que queria tocar.


- Tenho um irmão que é um guitarrista famoso, pois claro que disse que querias tocar!


- Isto é a tua ideia de uma apresentação formal entre mim e eles?


- Vocês gostam de música, tu e o Gabe e os amigos do Gabe. Não existe melhor maneira para se conhecerem. Têm interesses em comum.


- Vamos lá, rapaz – incitou Gordon no seu sotaque escocês. – Estão à tua espera.


- Não sejas tímido – alfinetou Peter.


- Não sou…


George interrompeu-se. Não valia a pena discutir, ele estaria sempre em desvantagem e qualquer tentativa de argumentação soaria a intransigência. Olhou para o palco e esse tal de McCarty estava a acenar-lhe vigorosamente com o braço, convidando-o para que se juntasse à banda. Ainda fez que não com um dedo espetado, mas o aceno repetiu o vigor e Peter começou a repetir “vai lá, sobe ao palco, anda lá, tu queres tocar” e começou a ser difícil manter a sua posição. Prendeu o ar no peito. Não conseguia pensar se faria bem ou não, a pressão sobre os seus ombros era enorme… Bem, estava no coração da América e ali ninguém o conhecia. Portanto…


Ele foi, relutante. As pernas pesavam-lhe uma tonelada. Viu que ninguém estava interessado no Elvis de Inglaterra, porque as pessoas continuavam a falar, a comer e a beber como se não existisse uma banda a dar-lhes música, um potencial ídolo das massas a ser convocado para lhes dar mais música, a sua resistência e a energia do convite.


O McCarty apertou-lhe a mão e inventou uma desculpa esfarrapada, dizendo que o guitarrista deles precisava de fazer um intervalo. George passou a faixa pela cabeça e ajeitou a guitarra a si. Os dedos verificaram as cordas, afinou-as rodando as tarraxas. O guitarrista dispensado já se colava ao balcão a falar animadamente com alguém que lhe passava uma cerveja. Pôs-se à conversa de costas para o estrado e para os seus companheiros.


- Então, o que queres tocar? Alguma canção inglesa?


- Chuck Berry – propôs George num tom seco.


- Oh… Música americana!


- Não é a melhor?


Quando se aproximou ao microfone, McCarty percebeu que ele iria cantar também. Afastou-se e informou os outros músicos da escolha feita, mas todos tinham ouvido o forasteiro e olharam-no admirados.


Os primeiros acordes de “Roll Over Beethoven” eletrificaram o ambiente – quase literalmente.


As pessoas paralisaram, suspenderam o que estavam a fazer e as cabeças voltaram-se imediatamente para o palco. E viram um rapaz franzino com uma guitarra a mostrar-lhes o poder irreverente do rock ‘n roll. A sua voz troava por cima do ambiente fumarento e ruidoso do salão e era maravilhoso de se ouvir.


Logo alguns casais se aproximaram e começaram a dançar. Eles seguravam nas mãos delas que giravam e abanavam os rabos-de-cavalo. As pernas moviam-se e as saias rodavam em cores vivas. Houve palmas e assobios, gritos de incitamento quando George terminou de cantar. Disse um “obrigado” sumido ao microfone e prosseguiu a atuação com uma canção de Carl Perkins, “Matchbox”. McCarty movia a cabeça a aprovar as escolhas, o baterista animava o conjunto com uma batida crua, pouco inspirada, mas ruidosa o suficiente para reverberar pelas paredes. Não era nenhum Ringo Starr, mas servia perfeitamente para marcar a cadência.


Outros juntaram-se para dançar com os três primeiros casais, as crianças pulavam e gingavam em movimentos que nada tinham que ver com o ritmo. Mais aplausos, mais assobios. As pessoas estavam efetivamente… a escutá-lo.


Aquilo era a América com que ele sonhava e George sorria enquanto cantava.


Acabou por gostar de estar em palco. Ele adorava atuar com os The Beatles e adorou atuar com os The Four Vests. A música corria-lhe pelas veias e não podia negar que lhe dava um prazer imenso, capaz de lhe arrancar os pés de terra firme e de o fazer flutuar entre as nuvens, inventar um mundo diferente e ser completo.


Nesse pequeno e singelo espetáculo tocaram outras canções de Chuck Berry e também de Hank Williams. No final, George Harrison, o Elvis de Inglaterra, foi aplaudido de pé e ele agradeceu com uma vénia que redobrou as palmas que choviam sobre si. Não conseguiu regressar à mesa onde o jantar esperava-o, foi intercetado por um par de rapazes que lhe ofereceu uma cerveja. Ele estava cheio de sede, aceitou a garrafa e emborcou-a bebendo quase metade de uma vez.


- Muito bom, Elvis! – exclamou um dos rapazes.


- Obrigado. Chamo-me George.


- Eh… George. Muito prazer em conhecer-te. Eu sou o Bill e este é o meu amigo, Mark.


George cumprimentou-os com um aperto de mão. Pelo canto do olho viu uma moça morena a aproximar-se com uma garrafa de coca-cola, empurrada pelas amigas que se riam e cochichavam. Nenhuma delas era a loura das ancas voluptuosas, nem a ruiva engraçada. Ele precisava era de comer, não de beber… Os dois americanos parlavam sem parar e ele movia a cabeça a fingir que os estava a escutar. Gabe McCarty veio salvá-lo. Passou um braço pelos ombros, disse ao Bill e ao Mark que era amigo dele e reconduziu-o à mesa de Louise. Ela bateu palmas entusiasmadas quando se sentou. A moça morena tinha-se retraído e não lhe fora entregar a coca-cola. Descobriu a ruiva ao fundo, mas o corpo grande de McCarty tapou-lhe a visão.


- Foi fantástico! – exclamou a irmã.


- Se o visses em Inglaterra, nem o reconhecerias – apontou Peter brincalhão. – As meninas fazem fila para tocar nele! Nele e nos outros três… É uma verdadeira loucura. Nem posso dizer que sou irmão dele, senão não me largam também.


- És assim tão famoso? – quis saber McCarty que puxou por uma cadeira para se sentar à mesma mesa, ao lado dele.


George encolheu os ombros e disse que sim.


- És um excelente guitarrista – elogiou, impressionado. – Podemos tocar mais vezes juntos?


Louise revelou-lhe a morada em Benton, contando que George estava alojado na sua casa, de férias, com Peter que também era irmão dela. Em breve iriam regressar a Inglaterra, mas ainda ficariam mais uns dias e daria perfeitamente para se reencontrarem. George comeu à pressa, batatas fritas, parte da costeleta de vaca grelhada. Depois levantou-se quando McCarty também se levantou para regressar ao palco, pois o grupo deveria voltar a tocar, faltava música naquela congregação tão animada. Pediu uma terceira cerveja ao balcão. O homem que servia as bebidas não lhe perguntou pelo passaporte, inferia que tivesse a idade certa e além disso era músico. Seria incompatível tocar rock ‘n roll e ser um fedelho com menos de vinte e um anos ou algo assim. Apesar de existirem muitos exemplos de músicos bastante novos. Aliás, o rock ‘n roll era para a juventude. Dirigiu-se à moça loira que ele tinha fixado e disse-lhe:


- Olá, queres casar comigo?... Oh, perdão! Quero dizer, dançar comigo?


O sorriso da moça foi tal qual ele imaginava que um sorriso americano pudesse ser.


***


George voltou a tocar com os The Four Vests no “Bocchi Ball Club” de Benton e encontraram-se, dias depois, na sala de estar da casa de Gordon e de Louise para um sarau divertido em que voltaram a tocar canções do Hank Williams. E foi nessa noite que combinaram ir até Mount Vernon a uma loja de música para comprar uma guitarra americana.


McCarty levava-o a um estabelecimento de qualidade, explicava, talvez ele estivesse interessado nas Rickenbacker, havia um modelo novo que era impecável e extraordinário e uma série de adjetivos, que o tipo, como todos os americanos, falava pelos cotovelos.


George entrou na loja com os bolsos cheios de dólares americanos, desconhecia os preços praticados e quisera assegurar-se de que não sairia dali com as mãos vazias. Adorou uma guitarra modelo 425 da Rickenbacker, tal como McCarty lhe tinha falado constantemente na viagem de Benton até Mount Vernon.


Tinham-se tornado amigos, ele gostava da personalidade vistosa de Gabe e tinham a música em comum. Então, foi muito naturalmente que os dois se acomodaram na loja e fizeram uma sessão de mais de meia hora de melodias improvisadas, alternando com refrões de canções que partilharam nas vezes que tocaram juntos para o pequeno público das redondezas. Foi um momento feliz, descontraído, musical, ruidoso, quase mágico – que não atraiu ninguém.


Estava um Beatle a tocar numa loja e não apareceu vivalma para testemunhar o acontecimento ímpar numa cidade perdida na planura imensa da América profunda.


Quando saiu da loja, George estava com menos quatrocentos dólares na sua carteira e com uma guitarra nova, alvinegra, em mãos. Pedira ao dono da loja que a pintasse assim para fazer par com a de John Lennon. Meses mais tarde haveria de gravar o primeiro grande sucesso dos The Beatles na América com essa guitarra, “I Wanna Hold Your Hand”.


McCarty convidava-o para uma cerveja quando ele a viu. Levantou um braço e acenou-lhe, indo a seguir ao seu encontro. A moça loira com quem ele tinha conversado no salão, em Eldorado. Com quem tinha trocado uns beijos bastante molhados e feito uma introdução exploratória às suas curvas em diversos apalpões sedutores, num canto coberto pelos reposteiros. Mais nada, no fim de contas a moça tinha namorado e estava acompanhada pelo pai. Não soubera avaliar bem a situação, pensara George desapontado, fora porventura o brilho americano do seu sorriso a ofuscá-lo sem remédio. Correra um grande risco e podia ter embaraçado a irmã e o cunhado, a comunidade inteira, ele próprio e a futura reputação dos Beatles, mas tudo acabara por ser feito de forma bastante discreta – e excitante.


Apertaram as mãos, ele queria dar-lhe um beijo na face, mas achou que em plena luz do dia e na rua seria demasiado ousado e ainda levaria uma bofetada. Ou pior, apanharia um tiro de uma bala disparada por algum vigilante dos bons costumes, que ele continuava a ser um forasteiro em terras inóspitas do Novo Mundo.


- Vives aqui, em Mount Vernon? – perguntou-lhe.


- Não! – Ela riu-se com gosto. – Estou aqui com o meu pai para comprar umas peças que ele precisa para a oficina.


Outra vez com o pai. Ele continuava a arriscar-se… Passou o peso de uma perna para a outra. Ela apontou-lhe o estojo negro e ele explicou que comprara uma guitarra nova, que a levaria para Inglaterra. Ao lado deles, aborrecido, McCarty acendeu um cigarro e pôs-se a fumá-lo impaciente.


- Tens um grupo, não é?


- Yeah… The Beatles.


- Beetles? Os bichinhos que rastejam? – E quando o disse, ela fez um sinal com os dedos, como se fossem patinhas a caminhar por uma superfície imaginada.


Nunca tinham falado dele, naquela noite em Eldorado. Foram apenas beijos e apalpões, algumas palavras antes para que não parecesse tão repentino.


- Não, Beatles, com um ‘A’. Vais ouvir falar de nós.


- Vou?


- Yeah… Nós vamos conquistar a América!


Ela tornou a rir-se. Colocou-se em bicos de pés, espreitou por cima do ombro dele e disse-lhe, frenética, que o pai estava a sair da loja de ferragens, que não se podia demorar. Com a figura paterna em vista, todavia, ela inclinou-se e deixou-lhe um beijo nos lábios. Sabia a morango porque estava a mastigar uma chiclete desse sabor. Foi um pormenor doce e George voltou-se para vê-la a atravessar a rua numa corrida, a saia rodada a adejar com a brisa.


- Ela tem namorado, sabias?


- Sei, Gabe… Ela gosta de mim – acrescentou, desapaixonado.


McCarty soltou uma gargalhada. Apontou-lhe o cigarro fumegante preso entre dois dedos.


- Vocês, ingleses…


- O que foi? Somos meninos bem-comportados.


- Claro que são!


Nesse mesmo dia, de regresso a Benton, Gabe McCarty levou-o a uma loja de discos porque ele queria comprar música americana. Tinha alguma pressa pois dali a dois dias iria deixar o Illinois para voltar para Inglaterra e ainda faria umas pequenas paragens em Saint Louis e Nova Iorque, onde apanharia o avião que cruzaria o Atlântico. Tinha também dólares e queria gastá-los, já que a guitarra custara menos do que estava à espera.


Encantou-se por um disco recente de um cantor chamado James Ray e pediu-o para escutá-lo mais do que uma vez. O dono da loja dos discos fazia-lhe a vontade, sem protestar, mas parecia contrariado e aborrecido por ele ser tão insistente e fazer muitas perguntas. A maior parte destas ficavam por responder, porque o homem não conhecia as músicas. Apenas recebia o que o distribuidor mandava, explicava mordendo as palavras. Completava que aquilo estava na moda, era o que os jovens como ele gostavam de escutar, a razão de gostarem daquela barulheira era inexplicável. O dono da loja tinha mais de quarenta anos e herdara aquele negócio de um tio, explicava Gabe em surdina. A sua sensibilidade para a música era o que era… Ele que não fosse exigente.


George lembrava-se da moça loira e cantarolava:


- I got my mind set on you


Sim, pensava nela. Tinha a mente sintonizada nela.


A moça loira representava a sua América idealizada. A frescura, a audácia, a musicalidade, a perfeição. Depois, toda a liberdade, a criatividade, a prosperidade, a igualdade, uma terra de profecias e de promessas cumpridas. De música e de coisas novas, que não existiam em mais lado nenhum.


Não tinha arredado todo o seu cinismo do início, mas as surpresas agradaram-no e conhecera um verdadeiro amigo, que tocava viola-baixo e que curiosamente tinha um apelido semelhante ao do seu outro grande, enorme companheiro musical, que se chamava McCartney, Paul McCartney.


Com o disco single de James Ray em mãos, rodou o pulso para ver a contracapa e murmurou, de si para si, que um dia haveria de cantar aquela canção. Se a sua mente estaria ainda sintonizada na moça loira de Benton, Illinois… isso não podia assegurar, pois ele gostava de mulheres e tinha ainda muitas para conquistar antes de encontrar aquela que o seu coração haveria de escolher e que seria para sempre.


Até esse dia haveria muita música, muitas guitarras, muitos sonhos… Certamente, mais América.

9 Avril 2018 14:29 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
5
La fin

A propos de l’auteur

Andre Tornado Gosto de escrever, gosto de ler e com uma boa história viajo por mil mundos.

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