Roderick Stone piscou várias vezes, conforme sentia o gosto salgado do mar ainda preenchendo sua boca, bem como as pedrinhas da praia a marcar suas costas nuas.
A cada movimento ele era lembrado dos vários ferimentos, espalhados pelo corpo, ardendo por causa do efeito da água do mar, mas, ainda assim, ele conseguiu ficar sentado, olhando desconfiado ao redor, enquanto suas memórias, até então aparentando estarem fragmentadas, pareciam ir se encaixando pouco a pouco.
Suas mãos manchadas de sangue, sangue inocente.
Sangue que, ele jurava, não havia sido derramado por ele.
Ainda assim, o julgamento foi rápido e cirúrgico, sem apelação, sem chance e então fora enviado para a prisão mais violenta dos Estados Unidos, lá ficando por cerca de dois anos.
Acabou fazendo dois aliados, na prisão não se faz amizades, e foi com eles que ele bolou uma forma de fuga, quando surgiu uma oportunidade de trabalhar na construção de uma plataforma de petróleo.
A dica foi dada por uma funcionária da prisão que, apaixonada pelo condenado, o ajudou a conseguir três vagas para seu amante e os companheiros.
Na primeira oportunidade ele, Rico e Stebán saltaram do barco, melhor arriscar virar comida de peixe do que ficar preso para sempre, era o que os dois criminosos mexicanos haviam lhe dito, quando os planos se iniciaram.
Os três nadaram para o mais longe possível do barco de transporte, antes que alguém desse pela falta deles e acabassem como tábuas de tiro ao alvo e comida de peixe.
Mal haviam se distanciado alguns metros do barco e uma tempestade pareceu surgir do nada, criando imensas ondas que faziam os três condenados serem jogados de um lado para o outro, tentando desesperadamente não se afogar.
A última coisa que viram foi algo como uma sombra imensa e monstruosa surgindo por entre as nuvens e, após mover o que devia ser seu braço esquerdo, um raio desceu dos céus, atingindo em cheio a embarcação, causando uma explosão, muito maior do que um barco daqueles deveria ser capaz de produzir.
E então veio a escuridão.
― Rico! Stebán!
Sem ter como saber quanto tempo ficara apagado, Stone tentava olhar para os lados, percebendo que, onde quer que estivesse, o breu ao seu redor era algo fora do normal, mesmo à noite, deveria haver algum tipo de iluminação, nem que fosse das estrelas.
Já naquele lugar, a única fonte de luz era a que vinha de uma construção que deveria estar próximo, um farol, aparentemente, mas que irradiava um brilho esverdeado, quase doentio.
Sem outra opção, a única escolha que lhe restava era seguir até o farol e, uma vez que lá chegasse, poderia procurar pelos parceiros para, juntos, decidirem qual seria o próximo passo.
Tamanha era a escuridão ao seu redor, ou talvez ele ainda estivesse zonzo por causa da tempestade, Stone não reparou nas figuras que pareciam emergir da praia de areias negras, logo atrás de si.
O condenado não conseguia entender, parecia que, quando mais andava, mais longe estava o farol, não fazia o menor sentido, mas sem outra escolha e começando a sentir os efeitos de ter comido a mais tempo do que podia lembrar, bem como uma crescente fraqueza devido à sede que lhe atingia, a única saída que enxergava era continuar em frente.
A cada novo passo que dava era ainda mais difícil erguer os pés para o seguinte e quando ele começou a precisar puxar as pernas com forças que já não tinha, ele finalmente olhou para baixo.
Se arrependeu no mesmo instante.
― Rico? Stebán?
Em seguida gritou um “não” cuja letra O se estendeu, praticamente se tornando um uivo, quando percebeu seus comparsas, ou uma versão deles vindas direto do inferno, agarrando suas pernas e subindo cada vez mais por seu corpo.
Ele começou a distribuir poderosos socos, cuja força, nascida do desespero, esfarelava os rostos de seus comparsas, deixando feridas por toda a extensão de seus punhos.
A sensação era como socar areia molhada e dura.
O desespero, porém, parecia fazer com que sua força apenas crescesse, por isso, pouco a pouco, após ficar empapado de suor, ele finalmente começou a erguer as pernas, conseguindo se desvencilhar.
Para sua surpresa, ele alcançara o farol e, diante de uma escadaria lateral, do lado de fora da construção, estava uma mulher, que mantinha erguida uma tocha, cuja chama também brilhava em tons de verde.
Stone chegou até um caminho feito de blocos de pedra, de formas e tamanhos variados, parcialmente iluminados, apenas o suficiente para não tropeçar, onde ele permaneceu com o corpo abaixado, as mãos sobre os joelhos, tentando recuperar o fôlego.
― Meus Deus… Você viu aquilo? Eles… Os dois… Eles viraram monstros… E-eu…
― Só vi você, senhor Stone… Só você teve forças para chegar até aqui… Agora é hora da recompensa… Me siga…
Conforme a mulher dava as costas ao condenado, ele percebia que ela apenas vestia algo que lembrava uma túnica de seda transparente e, sem ter certeza se estava louco ou não, às vezes, era como se fosse feita de puro ar e vento.
Assim que começaram uma longa subida pela escadaria, encravada na lateral do farol, Stone não conseguia parar de secar a forma como a guia movia o quadril.
Depois dos anos preso, era a primeira vez que chegava tão perto de uma mulher, a funcionária do presídio mal conseguia se encontrar com ele, e aquela, por acaso, parecia preencher todos os requisitos que ele mais gostava.
Ao lembrar da mulher que conhecera na prisão ele foi invadido por um estranho sentimento.
Um misto de desejo e medo.
― Você pode me dizer onde estamos? Porque as coisas estão tudo na escuridão? Qual é seu nome? Você parece alguém que eu conheço...
A guia apenas olhava por sobre o ombro, exibindo um languido sorriso, bem como algumas piscadinhas para, logo em seguida, voltar seu olhar para o caminho à sua frente.
Não importava como Stone a abordava, a reação era sempre a mesma, um olhar, um sorriso e de volta à caminhada.
Após um tempo impossível de ser medido, parecia que já estavam a horas, dias, anos, subindo, o condenado perdeu a paciência, agarrando o braço da guia e puxando-a para ele.
Nesse momento ele a reconheceu como a mulher que havia lhe conseguido a oportunidade de fuga.
Perdendo totalmente as estribeiras, ele estapeou o belo rosto da mulher várias vezes sem, no entanto, conseguir sequer diminuir o sorriso dela e então deu-lhe um potente soco na barriga, o que fez com que ela caísse de joelhos, mantendo a cabeça baixa.
― Desgraçada… ― conforme ia falando, ele arriava as calças. ― Agora vai aprender como uma mulher tem que ser tratada de verdade e…
― Da mesma forma que as garotinhas que você arrastou para o seu covil?!
“Como ela sabe disso? Nunca contei para ninguém das...”
Ela se ergueu de repente, enfiando os dez dedos de suas mãos, agora convertidos e garras afiadas, nos ombros de Stone que, com as calças abaixadas, não conseguiu oferecer resistência, quando começou a ser empurrado na direção da fonte do brilho verde do farol.
A guia agora exibia uma face totalmente convertida na de um terrível demônio, com uma boca circular, repleta de sentes serrilhados, os olhos ardiam com uma chama verde.
Sem nem ter percebido que tinham chegado ao topo, para o condenado eles ainda estavam no meio da subida, ele conseguiu segurar nas bordas de um imenso portal, que dava passagem para o terrível pesadelo que se escondia lá dentro.
Imediatamente a sanidade deixou a mente de Roderick Stone, conforme ele olhava por sobre o ombro, as mãos ainda agarradas nas bordas de metal enferrujado, que iam se enterrando na carne de suas palmas, deixando o sangue correr farto, da mesma maneira como faziam os ferimentos feitos pelas garras da guia.
O mais próximo de uma compreensão que o condenado teve, foi de algo que lembrava uma imensa serpente, com milhares de tentáculos ao seu redor, abrindo uma bocarra cheia de dentes deformados, uma garganta que parecia infinita e que, ele também compreendia aquilo, era para onde seu corpo e alma iriam, para sofrer por toda a eternidade.
― Agora sim és um verdadeiro condenado! Sua alma imunda servirá para aplacar a fome Daquele que Rasteja pelas Fendas… Que o sangue inocente, que escorre pelas suas mãos, sirva como tempero para o banquete!
Stone sentiu quatro braços agarrando-o, dois pela cintura e dois ao redor de seu pescoço.
― Vamos lá Hermano! ― a voz de Stebán ressoava no ouvido esquerdo do condenado, fazendo com que seu hálito podre preenchesse suas narinas. ― Só mais um mergulho rumo à liberdade…
― Como você nos prometeu Cabrón! Vamos juntos para o inferno!
Com os dois criminosos puxando-o e a força do empurrão da guia, finalmente vencendo suas forças, o corpo de Stone foi lançado para dentro da bocarra do ser infernal.
Na cela de uma penitenciária do estado de São Paulo.
― Então é sério gata?
― Cem por cento… Tem todo um trecho de mar que é calmo e tranquilo… O Rubião vai conseguir que você e mais alguns rapazes estejam no barco… No meio do caminho pulem na água que nós “pescamos” vocês…
― Uau… Pensei que o chefe ia acabar comigo depois que eu pisei na bola… Agradece ele por mim Gata…
Conforme o assassino conhecido como Dinho Bola de Neve comemorava, cantando “liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós…”, a bela ruiva que saía de sua cela, após uma visita íntima, ia assumindo as feições da guia da Ilha do Farol Esmeralda.
“Sim...” ela pensava “A mais bela, pura e completa… Liberdade…”
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