— Você está escrevendo?
Essa é a primeira coisa que Ferraz pergunta quando entra na sala, mas isso não é surpresa para Patrícia. Também não é surpresa quando ela assente em um “sim” distante e distraído. É assim que ela têm o respondido nas últimas semanas, sempre imersa em seus papéis e sua caneta e seu horizonte distante e seus próprios pensamentos.
— Sobre o que é? – ele insiste. Não se senta ao lado da cadeira solitária dela, mas se agacha próxima a ela, próximo o suficiente para se perder nos olhos profundos da mulher.
— Não é nada demais.
— Eu quero ler.
— Nada nada nada, nada mais do que nada – é a sua resposta. Pelo tom de voz dela, Ferraz percebe que ela está recitando. Uma espiada rápida na folha avulsa sobre a mesa confirma a sua suspeita.
Ele coça a nuca.
— Isso parece... Triste.
— E é triste – ela responde.
— Você quer mesmo escrever isso? Algo triste?
Patrícia apenas encara Ferraz como resposta. É isso que ela vem fazendo, cada vez mais, fora das cartas que eles trocam.
— Eu estou falando sério. Você devia tentar algo mais leve e alegre, Pagu.
— Não me chame de Pagu.
— É com isso que você vai implicar agora?
— Talvez eu devesse escrever sobre isso também, você não acha?
— Talvez, ao invés de escrever, você possa apenas conversar comigo.
— Eu estou morrendo, eu não tenho tempo para conversar – ela diz, mas ele não sabe se isso é apenas uma provocação ou algo além disso. Patrícia gosta de provocar, é o que Ferraz acha. Ela diz que não é culpa sua se os homens sempre veem as coisas “por este lado”.
— Você não está morrendo – ele decide responder, por fim.
— A cirurgia não deu certo – Patrícia rebate.
— Isso não quer dizer que você vai morrer.
— Não se assuste com isso, está tudo morrendo.
— Pagu...
— Patrícia. Além disso, é verdade. Olhe só para o mundo a nossa volta!
— Você quer mesmo falar sobre isso? – ele resmunga. Ao longo dos anos, eles já tiveram infindáveis conversas sobre isso.
Ah, sim! Sobre como o país estava se afundando cada vez mais na pobreza e sobre como ninguém mais parecia notar isso, sobre como as mulheres não estavam tão interessadas assim em lutar por todas as outras mulheres, sobre como ela lutara – até mesmo fora presa! – tanto tempo por nada, apenas para crianças poderem morrer de fome do outro lado do mundo.
— Eu só estou dizendo que, a única diferença entre eu e o resto do mundo é que ele precisa de outras pessoas para se destruir, eu... Bem, eu só preciso de algumas células estragadas.
— Células estragadas? É assim que você vai chamar?
— Células superfortes me parece terrivelmente inapropriado, ainda que elas tenham sobrevivido mesmo aos médicos de Paris.
— É bom saber que você ainda guarda um pouco do seu bom humor para mim.
Pagu dá de ombros.
— Para quem mais eu reservaria? A todos aqueles idiotas de ego inflado que costumavam passar suas tardes aqui, com Oswald?
— Ás vezes, me pergunto se você sente falta dele – Ferraz se pergunta se sua voz soou excepcionalmente afetada ao dizer essas palavras. Espera que não.
— Não seja presunçoso.
— Eu não estou sendo...
— Então me deixe escrever.
— Me deixe te fazer companhia.
— Eu só quero terminar isto aqui, está bem? Eu sinto que isso vai ser importante.
— Mais importante que passar um tempo comigo?
Patrícia solta um suspiro. Então, se levanta. O papel, Ferraz percebe, está muito mais colorido que desde minutos atrás. Imagina que isso seja bom, mas não tem certeza: sua Pagu não vinha passando por uma boa fase nos últimos anos.
Mas, agora, a sua frente, ele está sorrindo.
E, por um momento, ela parece com aquela mulher das cartas, a que escreveu pedindo para que ele lhe fizesse companhia. Como se o mundo ainda não a tivesse destruído de tantas e tantas formas diferentes e ela não tivesse dificuldades para se manter de pé.
— Quer saber de uma coisa? Talvez você esteja certo e eu esteja mesmo precisando passar um tempo com você.
Patrícia se levanta e se aproxima dele. Se aproxima muito, na verdade. Ele não pode dizer que se incomoda com isso.
— Vamos lá! Me mostre que eu realmente tenho um motivo para ficar aqui.
Ferraz olha para ela com olhos surpresos. Mesmo que por apenas algum tempo, é bom ver Patrícia parecendo satisfeita consigo mesma.
Ele só esperava que esses momentos não fossem tão raros assim.
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