Ele acordou com uma mão tocando-lhe o ombro, algo que não era incomum, dado o modo como ele levava sua vida, sem se prender a ninguém e vivendo ao máximo.
Ainda assim nada o havia preparado para a figura que praticamente o virou de barriga para cima com um movimento, tirou sua cueca e, ao se encaixar sobre ele, acabou dando-lhe o melhor sexo de sua vida, parecia um sonho.
Pelo menos até a mulher ter seu orgasmo.
— Agora, por favor… Se limpa e pode seguir seu rumo...
Mais fria impossível, ele pensou, mas, assim que tentou descer da cama, quase caiu, pois o móvel flutuava a quase um metro do chão do quarto, cujas paredes angulosas, pintadas numa mistura de listras roxas e brancas, deixaram-no desnorteado.
— O banheiro fica à direita… Vai logo, por favor...
— Não precisa… — “vai se foder” foi o que ele completou mentalmente, indo atrás de peças de roupas que parecessem masculinas. — Eu vou cair fora já…
— “Vou cair fora já”… — a imitação, deliberadamente feita para incomodá-lo, acertou em cheio. — Parece meu avô falando...
Depois de alguns minutos de busca incessante, terminando com um conjunto de camiseta e calças rosas, mal teve tempo de calçar o que parecia um mocassim sem cadarços e, com um grito de impaciência da mulher, foi enxotado do apartamento.
Os corredores tinham paredes curvas e cromadas, que refletiam a imagem de um homem que não deveria ser dele, o que o deixava ainda mais confuso, forçando-o a caminhar se apoiando nas paredes.
Paredes essas tão lisas, que ele chegou a cair no chão mais de uma vez, após sua mão escorregar, mas já estava acostumado àquela “ressaca”, por isso conseguiu tatear seu caminho até o elevador mais próximo.
A descida foi numa velocidade impressionante, só assim para chegar do trigésimo andar até o térreo em poucos segundos.
Na rua, a sobrecarga de informações que o atingiu, outdoors holográficos gigantes, localizados em prédios ou em naves flutuantes, o som de música alta, que vinha dos demais transeuntes, ou de caixas de sons espalhadas pelas ruas, nada disso havia incomodado na noite anterior, mas era, principalmente pela falta de sincronia com aquele Quando.
Meia hora de difícil caminhada depois, sem aguentar mais, ele sentou-se, colocou as mãos sobre os ouvidos e começou a realizar um mantra mental que, ele acabara de lembrar, ajudaria na adaptação temporal.
“Sou Jack Carter. Trinta e cinco anos. Filho de Jack Carter pai e Giovanna Carter. Filho único, na maioria das vezes. Tenho pele escura, queimada de sol, cabelos dourados e músculos definidos. Sou Jack…”
Foi repetindo a frase mental por alguns minutos e logo um holograma foi projetado de seu punho, indicando que tanto a respiração, quanto as batidas de seu coração, antes descompassadas, estavam normalizando.
Enquanto isso, no apartamento de onde ele saíra, Sara Rex, uma respeitável general do exército mundial, finalmente saía da cama, devido a um insistente e irritante apito intermitente, cuja origem ela não conseguia identificar.
Após uma exaustiva busca, percebeu que o som vinha de dentro do local onde havia um amontoado de roupas, provavelmente as do homem com quem ela fora para a cama, após horas bebendo em seu pub favorito.
— Mas que merda é essa?
Após remexer na pilha de roupa ela puxou algo que ninguém mais usava, uma cueca, se não lhe falhava a memória e, depois dela finalmente achar a origem do barulho, tudo ficou em silêncio.
Jack ainda estava sentado no mesmo banco, finalmente diminuindo a velocidade com que repetia seu mantra, conseguindo se ajustar àquele Quando.
Mal se sobressaltou quando uma explosão destruiu todo um andar do prédio onde ele estivera a minutos e permaneceu olhando calmamente para a coluna de fumaça que se erguia aos céus, enquanto as pessoas ao seu redor começaram a correr sem destino, totalmente em pânico.
“Ótimo serviço Operativo Jack. O alvo foi eliminado com sucesso. Aproveite sua estadia em 2145. Em breve a missão será devidamente encerrada e você poderá voltar para o seu Quando original.”
A mensagem, dita por uma monótona voz feminina, ecoou pela mente de Jack, que precisou de alguns instantes para finalmente sua mente entrar em sincronia e entender o que estava acontecendo exatamente.
Operativo Jack Carter. Viajante do tempo freelance.
Sempre que a Agência Time Broker localiza algum indivíduo potencialmente perigoso para a humanidade, os Operativos Wayfarer são convocados para remover as ameaças.
A Convocadora Fátima tinha um longo histórico com o Operativo Jack, profissional e pessoal, geralmente terminando suas reuniões com um jantar e alguns fins de semana sem sair da cama.
Quando Sara Rex foi identificada como uma futura e potencial responsável por genocídio, Fátima não pensou duas vezes em acionar Jack, que em poucas horas estava na sede da Time Broker, tendo sua consciência forçada na mente de um indivíduo aleatório, cuja aparência física, segundo os técnicos e investigadores, facilitaria a aproximação com o alvo.
“Pode até ser…” Jack ia sendo colocado na cápsula temporal, sem perder o bom humor ou sua empáfia característica “Claro que eu conseguiria só com o meu charme e minha lábia…”
A frase foi interrompida quando Jack deixou seu período temporal, seu Quando e abriu os olhos de Charles DeGaule, em 2145, poucas horas o separavam de encontrar Sara Rex no Sveradva, o pub favorito da militar.
Charles seguiu no automático, chamando a atenção devido aos passos trôpegos, mas, ainda assim, logo ele chegou ao local correto.
Tendo o visual certo para chamar a atenção de seu alvo, não foi difícil para Jack, mesmo sob efeito da confusão temporal, batizar a bebida da militar e convencê-la a esticar aquela noite no apartamento dela, deixando para trás um poderoso explosivo, localizado no elástico da sua cueca.
“Aposto que foi o Rudolph… Alguns técnicos acham engraçado bolar umas merdas dessas… Bomba na cueca...”
Pensando assim, ele foi ganhando cada vez mais e mais distância do prédio, para onde bombeiros, paramédicos e policiais se encaminhavam rápido.
Jack finalmente estava com sua mente ajustada àquele Quando, já consultando o que havia de divertido para fazer naquela cidade, usando uma holotela projetada pelo implante em seu pulso esquerdo, quando sentiu algo gelado tocando sua nuca.
— Mas já? Que merd…
O corpo de Charles despencou, sendo amparado por uma senhora que, exibindo uma força que não era dela, o arrastou até um banco, sem ter atraído a atenção dos transeuntes, que continuavam com suas atenções voltadas para suas holotelas.
Só então a idosa sentou-se ao lado dele.
“Ótimo serviço Operativo Jack76. O Operativo 75 teve sua essência totalmente dispersada. Em segundos será transferido para seu Quando, passando pelo costumeiro alinhamento corpo/mente. Seus créditos serão depositados na conta de sempre. A Time Broker agradece por sua colaboração.”
— O dia está tão bonito hoje…
A senhora olhou para o céu artificial de 2145, sorriu e então tombou sua cabeça, quando a consciência de Jack Carter finalmente se foi.
Merci pour la lecture!
Nous pouvons garder Inkspired gratuitement en affichant des annonces à nos visiteurs. S’il vous plaît, soutenez-nous en ajoutant ou en désactivant AdBlocker.
Après l’avoir fait, veuillez recharger le site Web pour continuer à utiliser Inkspired normalement.