caulaty Cau

A Metrópole é o centro de tudo; a grande cúpula de cristal que separa os civilizados dos selvagens. E fora dela, existe um vasto mundo de montanhas imensas e intermináveis florestas, oceanos profundos e seres livres. Kenny McCormick, nascido e criado na Metrópole, um desbravador de coração aberto que sempre sonhou em conhecer o lado de fora, é ferido por uma flecha e carregado para a tribo dos Vilk, um povoado lendário que Kenny estudou a vida inteira. Renegando a Metrópole e tudo o que ela representa, ele acredita que pode se tornar um homem livre. No entanto, Kenny desconhece que esse contato é parte de um plano maior para tomar algo precioso da tribo.


Fanfiction Interdit aux moins de 18 ans.

#distopia #omegaverse #universo alternativo #south park #futurismo #AU tribal #tribos #mpreg #tophlovski #K2 #Christophe/Kyle #Kenny/Kyle
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Expugnação

"Expugnação: ato ou efeito de conquistar, tomar à força."


A revoada de pássaros pretos alçava voo no alto, tão alto que seus corpos não passavam de formas borradas. O homem loiro estreitou os olhos, protegendo-os com a palma aberta na testa para bloquear os raios de um sol que se punha. Até mesmo o sol, que deveria ser o mesmo em todos os lugares do mundo, parecia diferente naquelas terras. Mais alaranjado, mais agressivo, mais selvagem. Ele deixou que as pálpebras se fechassem e encheu seus pulmões do ar virgem da floresta quase seca. Os troncos das árvores começavam a escurecer e entortar com a chegada do frio maior, mas ainda estavam no período de transição, período em que os homens da Metrópole ainda tinham capacidade de suportar as temperaturas do mundo exterior. Eram apenas dois, um de cabelos tão dourados quanto o sol, o outro, de cabelos negros e olhos fundos. Lá de cima, os pássaros gritavam. Kenny suava dentro da roupa, suava por conta da longa caminhada, pois estavam há três semanas de casa e os pés sangravam de tanto andar.

Encarou a palma aberta por alguns segundos. Sua mão era revestida por uma luva sem dedos. Ao fechar um punho, observou o esmalte preto que descascava em suas unhas ruídas. Stan andava alguns metros à frente, como era de costume – não por ser mais rápido, mas por ser constante – e espiava por cima do ombro por vez ou outra para se certificar de que o companheiro de viagem não havia sido devorado por um lobo ou coisa que o valha. Estavam em silêncio há umas boas duas horas. Era curioso; apesar de se conhecerem desde a adolescência, compartilharem certa intimidade e saberem a maioria das coisas que se havia para saber um sobre o outro, Kenny ainda descobria muitas peculiaridades a respeito de Stanley ao longo dessa caminhada. Nunca havia percebido, por exemplo, que Stan parecia ter um número específico de palavras a serem usadas por dia, e quando vencia este número, Stan voltava a se fechar em sua concha e não havia nada que o tirasse de lá. Era um homem sisudo, porém amável, de quase quarenta anos, e que preferia passar tempo com os passarinhos em seu laboratório do que na companhia de pessoas.

Kenny era três ou quatro anos mais jovem, e alguns justificariam a diferença de comportamento entre ambos com este fato, mas a verdade é que Stan Marsh provavelmente já nascera velho, enquanto Kenny McCormick permaneceria infante enquanto vivesse.

Para aliviar o suor que se acumulava na nuca, Kenny passou a mão por baixo dos cabelos para amarrá-los nos próprios fios, expondo a parte raspada de sua cabeça que começava sobre a orelha esquerda e terminava sobre a direita. Parou de andar enquanto realizava a tarefa, mas Stan não percebeu. Era por esse tipo de coisa que ele estava sempre atrás.

No entanto, não havia arrependimentos. Era incapaz de compreender como alguém conseguiria caminhar por aquele espaço sem pausas infinitas para absorver cada detalhe. Árvores tão altas que poderiam tocar a imensa lua no céu, dividindo espaço com o sol, e provavelmente mais antigas do que toda a árvore genealógica dos McCormick. Os troncos finos e nus, sem nenhuma folhagem – todas as folhas vermelhas e caídas formavam um fabuloso tapete no chão - que cobrisse aquele céu azul e laranja, imenso, a coisa mais imensa que os olhos de Kenny já encontraram. Claro, havia céu de onde ele vinha. Havia árvores também, embora nenhuma delas fosse nascida da terra. Todas foram cuidadosamente desenvolvidas em laboratório, criadas para manter o balanço do oxigênio dentro da redoma que protegia a Metrópole de cristal do resto do mundo. O lugar que Kenny chamava de lar. No lar, todo ambiente – todo, inclusive o meio da rua – era climatizado. Havia barulho o tempo inteiro, barulho dos carros coloridos, das carrocinhas de cachorro-quente, das pessoas e meio-pessoas que estavam em um fluxo constante, sempre precisando chegar a algum lugar. Barulho do trem-bala passando sobre suas cabeças, dos pássaros mecânicos que imitavam com perfeição os pássaros de verdade.

No terceiro dia da viagem, foi a primeira vez em toda a sua vida que Kenny viu um pássaro orgânico. Descobriu que, na verdade, eles pouco têm a ver com os pássaros mecânicos que habitam seu lar. Não sabia explicar porquê, sendo que, visualmente, não deixavam a desejar.

Curioso, pois ele não tinha a mesma sensação com os androides. Para Kenny, o material do qual um ser é feito pouco diz a seu respeito.

Com um suspiro cansado, escorregou a alça da mochila pelo ombro para repousá-la no chão.

-Ei, Stan! - Chamou, assustando alguns dos pássaros que descansavam nas árvores.

O outro virou a cabeça em sua direção, diminuindo os passos vagarosamente ao se dar conta da distância que havia se formado entre eles.

-Você quer parar?

-Acho que o sol vai se pôr logo.

Eram quase oito horas da noite. Na Metrópole, o céu artificial já teria sido ativado a uma hora dessas para não estender excessivamente o período de sol. Quando o verdadeiro inverno chegava, entretanto, passava a escurecer mais cedo e o céu artificial não era utilizado durante três meses. Kenny nunca soube realmente o que era o pôr do sol em qualquer outra época do ano que não fosse o inverno. Ouvia dizer que, no verão, o sol se punha às dez horas da noite. A ideia lhe parecia insana.

-É, você tem razão. Eu esperava fazer mais um quilômetro hoje, mas…

-Pra que a pressa? Eles não vão a lugar nenhum.

-Eu sei. - Stan deu uma olhada em volta, coçando a cabeça por baixo do gorro cinza que usava. Caminhou na direção de Kenny para diminuir a distância entre eles. - Estamos bem perto agora.

-Quantos dias mais de caminhada, você acha? - Kenny se agachou e abriu o zíper da mochila, enfiando a mão para procurar algo. - Um, dois?

-Depende. Seria mais fácil se nós tivéssemos uma localização exata. Eu esperava encontrar algum sinal deles hoje.

-Talvez eles estejam se escondendo. - Kenny disse com um sorriso de provocação, puxando o saco com a lona da barraca que começariam a montar.

Stan encontrou uma pedra próxima para soltar o peso, sentando-se com um suspiro cansado, esfregando os olhos.

-Talvez.

-Ei, é cedo pra desanimar. Acabamos de entrar no território deles. Nós vamos encontrá-los. - E então, como se lembrasse de algo importante, Kenny se levantou tateando o bolso traseiro. - O mapa está com você?

Stan separou os lábios para responder que “sim”, mas franziu as sobrancelhas grossas e olhou em volta. Durante alguns segundos, nada aconteceu. Kenny esperou entender aquela reação abrupta, procurando entre as árvores o que havia chamado a atenção de Stanley, mas ele apenas encarava o horizonte sem direção específica, o rosto intrigado.

-O que foi? - Kenny perguntou. - É um bicho?

-Talvez… Um macaco, de certo.

-Eu nunca vi um macaco.

-Nem eu.

-Será que… - As palavras, então, morreram na boca de Kenny. Primeiro, por conta do som de um objeto fino cortando o ar, um som agudo e petulante, e levou cerca de dois milissegundos para que Kenny entendesse de onde o som viera: da flecha pontiaguda que perfurava seu ombro direito com tamanha força e tamanha voracidade que o derrubou de costas no chão. O som da flecha dilacerando a carne, forçando seu caminho entre os ossos magros da clavícula, rasgando músculo, veia, tecido, tudo o mais que encontrasse pelo caminho. Kenny levou pelo menos três segundos para emitir um grito estridente de agonia, mais do que de dor, tateando cegamente com a mão sobre o peito como se essa fosse a área atingida, pois a dor se espalha no corpo feito uma peste. Apertando os olhos, Kenny sugou o ar com desespero para soltar em alto e bom som no eco da floresta indômita. - Merda!

E não conseguiu dizer mais nada.

Stan correu até ele, fazendo menção de se agachar, mas seus olhos inquietos percorriam as árvores uma por uma, e tudo o que havia entre elas, a adrenalina correndo disparada em suas veias, o cérebro alertando que corresse o mais rápido possível. Stan nem sequer teve tempo de se decidir entre tentar carregar o corpo de Kenny ou fugir feito um covarde, quando duas figuras apareceram do mais absoluto nada, assim, como se acabassem de se materializar à sua frente. Os olhos de Stanley, tão azuis e arregalados, captaram os detalhes mais importantes daqueles dois seres.

Não eram macacos. Isto era certo.

Bem, primeiro de tudo, é preciso reparar que as duas criaturas eram bastante diferentes entre si. O que vinha à frente, baixo e esguio, tinha um emaranhado de cabelos vermelhos e crespos, um tipo de vermelho que não crescia na cabeça das pessoas da Metrópole. Não, a cor era selvagem, selvagem e incomum, mesmo entre os povos do mundo externo. Era ele o responsável pela perfuração no ombro de Kenny, e fazia questão de deixar isso muito claro, visto que se aproximava com a flecha armada no arco, apontada na direção de Stan. O que não fazia sentido. Não fazia o menor sentido, pois a pintura negra em torno de seus olhos cor de esmeralda, bem como os ornamentos de dente de lobo em torno de seu pescoço e o poncho de lã azul que usava, mais a pele de urso em torno dos ombros, mais as tatuagens que apareciam em seu braço nu, extremamente pálido… Vestia-se como um Vilk. E o homem que seguia atrás dele, a pelo menos dois metros de distância, este muito mais alto e de pele muito escura, cabelos pretos e trançados que desciam até o quadril, este vestia um tecido esverdeado com uma estampa bordada que era tão característica dos Vilk mais velhos, mais sábios, bem como as tatuagens brancas que apareciam na parte exposta de seu peito. Ele tinha pulseiras azuis em um dos braços, diversas delas, e dentes de lobo enfeitando os cabelos. Não carregava arma. Seu semblante era sério, mais sério do que o do rapaz que apontava a flecha.

Mas não fazia o menor sentido que estes fossem Vilks, não quando Kenny sangrava no chão, não quando o rapaz tinha cabelos vermelhos, não quando ele apontava uma flecha mirada entre os olhos de Stan. Pois desde os vinte anos de idade, quando era um jovem fascinado pelo mundo exterior e pelos seres que o habitavam, Stan colecionara cada exemplar do escasso material que havia sido escrito sobre os Vilks. Não era a primeira vez que via um deles, embora fosse a primeira assim tão de perto, e em seus vinte anos de pesquisa, Stan sempre teve uma certeza: era um povo pacífico. Um povo que não feria outros povos, a menos que uma ameaça se apresentasse.

Stan ergueu as mãos trêmulas devagar, sem quebrar o contato visual com aquele ser de olhos verdes, de cabelos vermelhos, que mais se parecia com uma criatura mitológica humanoide. A tinta escura em torno dos olhos fazia com que as íris e pupilas parecessem mais brilhantes, mais profundas e vivas. O rapaz nem mesmo piscava.

Os grunhidos de Kenny podiam ser ouvidos como plano de fundo.

-Desculpe. - Stan murmurou em vilkiriano. Não conhecia muitas palavras, certamente não o suficiente para convencer alguém a não colocar uma flecha em seu crânio, mas o instinto de sobrevivência falou mais alto.

As sobrancelhas do rapaz se ergueram em surpresa, mas seus olhos continuaram terrivelmente concentrados e o corpo não se moveu um músculo.

-Corra. - Ele disse finalmente, umedecendo os lábios.

-Se eu puder… Apenas…

-Corra. - Ele repetiu, dessa vez puxando a flecha lentamente em menção de ataque, o que levou as pernas de Stan a recuarem, bambas, em passos embriagados de quem não enxergava o caminho.

Lançou um olhar hesitante para o amigo estirado ao chão, sangrando profusamente do ombro, agora tremendo, o rosto cinza feito cal, os olhos aterrorizados, implorando que ele não fosse embora. Mas o corpo de Stan só soube correr. E, enquanto corria, atravessando as árvores até ser perdido de vista, Stan repetia a si mesmo que os Vilk não o matariam, que os Vilk não matavam ninguém que não os quisesse matar.

Apesar de a flecha não ter dilacerado nenhum órgão vital, nem sequer de raspão, Kenny acreditou que fosse morrer. A violação de seu corpo já era assustadora o bastante, mas ao ouvir os passos desesperados de Stanley sobre as folhas secas, afastando-se cada vez mais, Kenny soube que estava à mercê do mundo exterior. E tal mundo não era gentil. Não era seguro, protegido por uma cúpula de cristal que garantia o controle de todos os fatores da vida na Metrópole. Aqui fora, tudo era diferente. Os impulsos da vida nativa eram outros, bem como os impulsos da natureza desconhecida, dos animais que correram livremente a vida inteira, sem nenhuma amarra, nenhum teto ou um carro ou uma escola que lhes moldasse a vida. Aqui fora, tudo podia. E foi apenas naquele momento em que Kenny McCormick se encontrou sozinho e vulnerável a todas as coisas, somente então compreendeu que o mundo externo não era um parque de diversões, uma aventura ilusória.

Não estava pronto para morrer.

De cima de uma árvore, um pássaro negro observava o movimento. Podia ver três pessoas, uma deitada, duas de pé. Uma sangrando, duas discutindo. Ao pássaro, não importava de onde vinham aquelas pessoas. Se falavam catalão, inglês ou vilkiriano.

-Não devia ter feito isso. - Token disse, aproximando-se por trás de Kyle, que abaixava o arco e flecha devagar. Kyle mantinha os olhos ao longe, na direção onde o estrangeiro havia corrido feito uma galinha selvagem covarde.

-Deixado o homem fraco escapar? - Perguntou com um sorriso leve de provocação, guardando a flecha no aljava em suas costas.

-Você sabe muito bem ao que me refiro.

-Foi um acidente, Token.

-Certo.

Kenny tremia. A mão cobria seu ferimento que sangrava sem parar, besuntando seus dedos com o líquido escuro e espesso. A flecha continuava enterrada fundo em sua carne, atravessando do outro lado, ele podia sentir. Hiperventilava, tentando manter os olhos abertos. Logo desmaiaria de dor. Ouvia as vozes, reconhecia as sonoridades daquela língua, entendia palavras soltas. “Homem”, “você”, “acidente”. Era difícil pensar.

-Por Agnoy, o que seu pai vai pensar disso? - Token perguntou, dando a volta no corpo enfraquecido do homem fraco. Encarou Kyle com seus olhos austeros, as íris tão pretas que se confundiam com as pupilas.

-Ele precisa saber?

-Saberá, quando levarmos o homem fraco até ele.

-O quê?

-Não temos escolha.

-É claro que temos. Deixá-lo aqui é uma escolha.

Token se agachou ao lado de Kenny, repousando uma das mãos na extremidade de seu ombro para apoiar-se com firmeza, segurando o tubo da flecha com delicadeza em seus dedos grossos, porém delicados. Kenny olhava diretamente para o homem com olhos cheios de medo, os lábios pálidos entreabertos, mas sua presença não era reconhecida. Token tinha um rosto forte, uma estrutura óssea quadrada, um rosto desenhado em linhas tão rígidas e marcantes quanto sua personalidade silenciosa. Havia uma seriedade quase anciã a seu respeito, apesar de ter recém-completado trinta e duas primaveras.

Token puxou a flecha em um rompante que fez Kenny gritar enquanto a ponta fazia o caminho contrário, e foi então que o homem fraco desmaiou. Com ambas as mãos, Token cobriu o ferimento fazendo pressão para baixo, segurando dessa forma até que os braços tremessem de câimbra. O tempo inteiro, parecia muito indiferente a tudo o que fazia.

-Eu não sou seu pai. - Disse de repente, sem olhar para Kyle. - Não preciso ensinar a você conceitos básicos de decência humana.

-“Humana”? Você acha que essa coisa é humana?

Token não respondeu, mas ergueu os olhos em direção ao jovem com ar de impaciência. Suas sobrancelhas eram tão retas quanto a linha de sua testa. Apesar de tudo, os olhos de Token eram gentis. Permaneceu imóvel durante algum tempo, sentindo com a palma da mão o fluxo do sangue diminuir.

-Sangra como qualquer um de nós. - Murmurou sob a respiração, nem mesmo intencionando que Kyle ouvisse.

-Não podemos voltar sem a caça. - Kyle argumentou.

-Não vai nos faltar comida.

Houve um momento de silêncio na floresta, silêncio em sua forma mais pura, quando nem mesmo os pássaros bateram suas penas. E em seguida, Kyle gritou:

-Por que você quer tanto ajudá-lo?! Você sabe o que eles fazem!

-O que eu sei… - Token ergueu seus olhos de urso para ele. Passou a língua pelo lábio inferior, aliviando a pressão de suas mãos sobre o ferimento do homem fraco. - É que há um homem ferido por sua causa, e isso faz dele nossa responsabilidade. Vai me ajudar a carregá-lo ou não?

Com um suspiro irritado, Kyle agarrou os pés de Kenny McCormick, embora ainda não soubesse seu nome. O estranho tinha um suave cheiro de mar aberto e água fresca, não era particularmente agressivo, mas também não era insignificativo. O aroma se misturava ao cheiro de sangue.

Por todo lado que se olhasse, havia montanhas.

Kenny e Stan não foram os primeiros desbravadores a buscar pela vila dos Vilk, uma das tribos mais isoladas do mundo externo. Muitos homens e mulheres da Metrópole, há mais de quinhentos anos, tentavam se aventurar por entre as Montanhas Brancas para encontrar a exata localização dos Vilk, um dos poucos povos do mundo externo que não era nômade e havia se adaptado ao inverno cruel da região. Todos os mapas e registros a respeito deles eram vagos, embora Stanley dispusesse de um precioso material adquirido dos estudos de um antigo professor da Universidade Metropolitana, morto há setenta anos, um homem chamado Richard Adler, que alegava ter vivido entre os Vilk durante um ano. As provas mais palpáveis de sua história eram os desenhos ricos em detalhes que fizera em sua época, antes de retornar à Metrópole por mostrar sintomas de um câncer no fígado. Morreu pouco tempo depois.

Stanley havia guardado esses desenhos como pérolas preciosas, estudado-os em seus detalhes minuciosos, pois eram os melhores registros de referências visuais sobre o modo de vida dos Vilk que já havia encontrado.

Talvez fosse a rica imaginação de Richard Adler, ou sua demência precoce, ou as mudanças que a vila atravessou ao longo dos anos, mas poucas eram as semelhanças entre os desenhos de Adler e a vila para onde Token e Kyle carregaram o corpo inconsciente do homem fraco. Enquanto os desenhos de Adler retratavam uma paisagem fantasiosa e cheia de cores, com árvores gigantescas e tucanos gigantes, a vila era, na verdade, extremamente branca e marrom. Diversas cabanas foram construídas sobre o solo árido, estruturas de madeira sobre as quais eram postas diversas camadas de cobertores grossos, com diferentes estampas em tons terrosos, e dentro das quais se acendiam fogueiras para combater o frio das nevascas. Nos desenhos, as cabanas eram arredondadas. Mas na realidade, eram em forma de cone, com uma ponta mais alta estruturada por uma tábua central. Algumas eram grandes o suficiente para comportar famílias inteiras, mas assim que um jovem desabrochasse o gênero, construía – com o auxílio de toda a vila – sua própria cabana.

Independente do que houvesse, jamais faltava fogo na vila. Apenas filhos de Kahlo, o deus do fogo, tinham permissão para fazer fogueiras com o devido respeito e afeição, e as fogueiras construídas por filhos de Kahlo ardiam por dias a fio, sempre vistosas e imponentes, garantindo a vida através dos invernos rigorosos.

Apesar de não viverem na praia, estavam próximos o suficiente para ouvir o som das ondas quebrando nos rochedos, e esse era o som constante que embalava a vida na vila. Os ventos da praia chegavam até eles entre os vãos, mas o povo estava protegido pelas montanhas mães.

O que trazia cor ao vilarejo eram as roupas. Criavam suas ovelhas para extrair a lã, que tingiam à mão com o corante das plantas selvagens, criando estampas com diferentes desenhos, muitos destes simbólicos, outros apenas para o prazer visual. Construíam seus ornamentos de cabeça, pescoço, pulsos e orelhas, e os vestiam diariamente para cumprir com suas tarefas. Havia sempre movimento na vila dos Vilk, caldeirões de cerâmica borbulhando, homens dando de comer aos cavalos, lavando suas peças no riacho inquieto, crianças brincando com os lobos gigantes que sonhavam em conquistar, mulheres cantando e tocando seus instrumentos de madeira.

Kyle não enxergava nada de extraordinário naquele lugar, pois era tudo o que conhecia, não desde que nasceu, mas desde os primeiros meses de vida. Passou, com suas mãos ensanguentadas, pelo grupo de pessoas que cantavam com tambores e flautas, caminhando em direção à sua cabana. Havia acabado de ajudar Token a repousar o corpo do homem fraco na tenda medicinal, onde desperdiçariam recursos para aliviar sua dor e curar sua carne. O mero pensamento era perturbador. Kyle adentrou a cabana, raiva transbordando em cada gesto seu, e lavou as mãos na tina como que para limpar uma coisa profana de sua pele.

Como já era esperado, em cerca de trinta segundos, um homem alto de barba farta adentrou a cabana, parando à porta como se pedisse licença sem dizer uma palavra. Tinha pelo menos cinquenta anos, longos cabelos castanho-claros que se confundiam com sua barba, coberto por um manto bordado em vermelho com pelos de lobo branco. Olhou Kyle com afeto enquanto o rapaz estava de costas, mas quando se virou, substituiu sua expressão por uma mais severa, de desaprovação.

Standish adentrou a tenda.

-O que eu faço com você? - Perguntou.

Kyle não havia nascido do corpo de Standish, mas ainda assim, era seu filho.

-Ele vai viver? - O jovem perguntou, sem parecer particularmente angustiado.

-Ninguém morre de ser atingido no ombro, Kyle. - Standish respondeu com uma risada curta, inevitável, mas se aproximou do garoto com ares de seriedade. - Você deve saber muito bem disso.

-Foi um acidente. - Repetiu com a mesma frieza com que dissera as palavras para Token na floresta.

-Ah?

Kyle percebeu a segunda presença na entrada da tenda, mas não reagiu a ela. Nem mesmo tirou os olhos do pai.

-Eu só queria assustá-lo. Está bem? Eles estavam perto daqui, eu não queria que chegassem até a vila. Poderiam estar… Carregando aquelas coisas de ferro que os homens fracos carregam.

-É bastante astuto da sua parte. - Standish disse com certo orgulho. - Mas não é assim que se fazem as coisas. Você se colocou em risco, além de tudo.

-Eu estava mirando na árvore!

-Eu acredito em você. - O homem disse com sua calma cansada, repousando a mão grande no ombro de Kyle. Usava um anel de madeira no dedo anelar.

-O Token não acredita.

-E é direito dele. Cada um sabe de sua própria consciência. Você sabe que eu não estaria fazendo meu trabalho se não o alertasse para que esse tipo de coisa não se repita. Há mais deles por aqui?

-Só um. Fugiu feito uma galinha sem cabeça.

Standish precisou se esforçar para não rir, balançando negativamente a cabeça.

-Provavelmente dois turistas se divertindo, nada mais. O garoto que trouxeram não tinha muitos pertences, apenas um objeto… Não sei para que serve, não se parece com nenhuma arma que eu já tenha visto. De qualquer forma, um homem fraco, sozinho, não pode fazer nada. Especialmente aqui, em solo sagrado.

-E se houver mais deles?

Ao passar o braço em torno do tronco do filho, Standish o trouxe para dentro do seu manto de pelo de lobo branco. Beijou sua têmpora com carinho, e então sorriu de forma que rugas se formavam nas laterais de seus olhos.

-Não se preocupe com isso. Apenas… Se vir mais deles, esconda-se, volte para casa. Não tente agir. Sabe quantos deles conseguiram nos encontrar no último meio século?

-Eles não tinham que estar aqui. Não deveriam.

-Eu sei, Kyle. - Standish respondeu com certa condescendência, afastando-se. - Mas é assim que o mundo é. As linhas no chão são todas invisíveis, territórios não existem. Qualquer um pode caminhar sobre qualquer chão.

-Muito poético. - A terceira voz finalmente interveio. Standish já o havia percebido também (sentiu seu cheiro, na verdade, assim como Kyle) mas estava concentrado demais na importante lição a ser ensinada. Agora, seus ombros já haviam relaxado. Virou-se para encontrar Christophe parado do lado de fora da tenda, segurando o tecido da entrada.

Não era tão alto quanto Standish, mas havia desabrochado em um homem forte, alto e viril, com os cabelos longos e emaranhados de um castanho muito mais escuro, assim como sua pele, um rosto marcado e limpo de barba (achava-a pouco prática para a luta e a caça), que abrigava um par de olhos castanho esverdeados, com espectros de mel em torno das pupilas. Era jovem, embora não tão jovem quanto Kyle, mas carregava um ar sisudo e introspectivo que confundia a todos sobre sua idade.

-Eu imagino que ele tenha aprendido essas coisas com você. - Standish comentou com um riso fraco, dando um tapa de leve na pelagem de urso que abraçava os ombros de Christophe, enquanto passava pela porta. Apesar de toda a intimidade, Christophe sempre abaixava a cabeça em alguns centímetros quando Standish passava. O homem era, afinal, o alfa líder da tribo. O respeito de Christophe por ele era algo praticamente escrito em sua carne.

Não respondeu à brincadeira e esperou que Standish se retirasse do ambiente para adentrá-lo. Observou Kyle por alguns segundos, imediatamente intoxicado pelo cheiro que se acumulava naquele espaço estreito. Dentro da tenda, havia uma pequena estrutura de madeira que acomodava uma camada grossa de palha e, por cima, os tecidos sobre os quais se dormia, mais os cobertores de pele de animal. As camas dos Vilk eram feitas no chão, diferente dos homens da Metrópole que, ouvia-se dizer, gostavam de dormir elevados por qualquer razão que fosse. A área da fogueira estava seca, nem mesmo uma faísca acesa. Havia a tina de água, um baú de roupas e artefatos pessoais, incluindo a raposa de madeira que Christophe talhou para ele na adolescência.

Kyle sorriu ao olhar para ele, como sempre fazia, todos os dias desde que tinha lembrança. Como era familiar, aquele cheiro de coisa quente que o ruivo emanava pelos poros, especialmente de dois pontos logo abaixo de sua mandíbula, um de cada lado. Christophe fechou os olhos por um instante, ouvindo o som que aqueles pés faziam para valsar de um ponto ao outro, aproximando-se dele com a leveza de um gato selvagem.

-Sabe. - Christophe murmurou. - Eu não te vejo errar o alvo de uma flecha desde que você tinha dez anos de idade.

Era difícil manter o semblante sério diante do sorriso arrogante que Kyle preservava nos lábios, os olhos reluzentes de um menino que se safou com uma mentira. Ele parou diante do homem, próximo demais para o próprio bem, inalando o cheiro de Christophe despretensiosamente. Correu a língua pelo lábio superior e observou as mãos grandes do outro, sujas de sangue animal.

-E você vai dizer isso ao Standish? - Perguntou com o rosto terrivelmente próximo do maxilar de Christophe por conta da diferença de altura, mas sem permitir que seu peito tocasse o dele.

-Você acha que ele já não sabe?

Por um momento, Kyle se colocou nas pontas dos pés e entreabriu os lábios, sugando de leve o ar, tomado pelo aroma de Christophe, que não era qualquer alfa, era Christophe. Não prestava atenção a este assunto que já era coisa resolvida em sua mente. Deixou que as mãos subissem por dentro da pele de urso que cobria os ombros dele, aproximando sua boca do queixo do outro, conseguindo arrancar um sorriso desse homem que sorria para pouquíssimas coisas nessa vida. Não se deu por satisfeito. Subiu as mãos quentes pelo peito dele, pelos adereços que o cobriam, amuletos sagrados que Kyle tocava com as pontas dos dedos, desejando a carne que havia por baixo.

Eventualmente, como é natural, os lábios se encontraram. Christophe o consumia com apetite, não importa quantas milhares de vezes já o tivesse tocado e quantas milhares ainda o tocaria. Hesitou em usar as mãos, não por estarem besuntadas no sangue do alce cujos órgãos ele acabara de remover, mas especialmente, pela tentação. Enquanto se permitia deleitar daqueles lábios que foram feitos para os seus, o coração de Christophe se aquietava. Era quente e molhado, aquele jeito, a respiração calma transformando-se em uma necessidade de cheirar o outro enquanto as línguas conversavam, abraçavam-se, os lábios encontrando um ritmo próprio. Era lascivo, intenso, devagar. A única forma que eles sabiam.

Christophe foi o primeiro a recuar, como era de costume, mas a tomada brusca de fôlego revelava a hesitação. Mantinha os olhos fechados, a testa repousada contra a de Kyle, os narizes ainda se roçando um ao outro.

-Que saudade… - Sussurrou sem perceber, quase como um sopro.

-Eu conto as luas para o dia em que a espera termina.

-E quantas faltam? - Christophe perguntou com uma falsa curiosidade, apenas para fazê-lo feliz.

-Setenta.

A resposta foi um “hmm” de compreensão que não esboçava coisa nenhuma. Kyle riu, balançando a cabeça negativamente, afastando-se dele para desmontar seus adereços e guardá-los no baú, passando a mão pelos cabelos vermelhos e selvagens, atiçando-os ainda mais.

-Setenta luas e eu finalmente terei a sua tatuagem no meu corpo. - Comentou enquanto puxava a lã do poncho para expôr o peito nu que havia por baixo, a região logo abaixo das clavículas. - Bem aqui. O que acha?

Christophe apenas encolheu os ombros, não por desimportância, mas porque aquela escolha de região do corpo não era mais nem menos fascinante do que teria sido qualquer outra escolha. Christophe estaria igualmente contente com a sola do pé como com a nuca, o local da tatuagem não tinha a menor significância. A única coisa que realmente importava era que, na noite do solstício de inverno, a noite mais longa do ano, unir-se-iam diante dos deuses.

Esperava por isso, de um modo ou outro, desde que Kyle foi trazido para a tribo pela primeira vez, ainda um bebê que nem podia andar sozinho. Christophe tinha oito primaveras a mais do que ele, era uma criança silenciosa que preferia sempre a companhia dos lobos. Não conheceu pai e mãe, assim como Kyle, embora tivesse nascido um Vilk. O pai, Standish contava, havia sido um dos homens mais fortes que a tribo já conhecera, valente e estúpido, e acabou sendo desmembrando por um urso em uma das tarefas que deveria realizar para conquistar o direito divino de se casar com sua mãe, que à época, já estava grávida. Era uma história comum entre os alfas, não sobreviver à longa noite no fundo da floresta. Sua mãe, no entanto, morreu no parto devido a uma hemorragia. Standish, que a amava como a uma irmã, sempre acreditaria que ela morrera de tristeza.

E o menino ficou.

Até os quatro anos de idade, não falava. Foi criado pela tribo, pelos lobos, por ninguém. Standish o adotou até o limite em que Christophe se permitiu ser adotado. Foi Standish quem lhe deu o nome, respeitando o desejo de sua mãe. Foi ele, também, quem lhe fez a primeira tatuagem com o símbolo de seu nome na escrita antiga, a primeira que todos os Vilks recebem ao chegar ao mundo.

Quando Kyle chegou à tribo nos braços de Standish, uma criança esquecida pelo mundo, foi a primeira vez que Christophe conheceu outro filho de ninguém. Havia outros órfãos na tribo, certamente, mas quase todos tinham algum traço de família na terra. Para Christophe e Kyle, Standish era o mais próximo disso. E por tabela, reconheceram-se um no outro. Durante os primeiros anos de vida, foram exatamente como dois irmãos.

Talvez essa identificação não tivesse coisa alguma a ver com suas trágicas histórias familiares.

Kyle fora encontrado durante uma caça. Era um bebê de tornozelos amarrados, sobre o que parecia ser uma fogueira que queimou até o limite, no centro de uma clareira na floresta. Estava nu no meio da neve, com marcas de tinta vermelha em seus braços, um desenho característico do povo Dabisks, o Povo Original, uma das tribos mais antigas daquele mundo. Eram nômades, silenciosos, poucos. Sanguinolentos, canibais, adoradores do Sol. Acreditavam que a criança nascida de cabelos vermelhos carregava, dentro de si, um espírito maligno. Por isso, deixaram o bebê para trás.

Ninguém saberia o nome que foi dado a Kyle antes que Standish o encontrasse naquela clareira, nos escombros de uma fogueira, como se o fogo houvesse queimado por toda a longa noite, e quando as chamas morreram, Kyle nasceu delas. Standish soube, naquele momento, que o menino era um filho de Kahlo, deus do fogo, e que o espírito de Kahlo o havia protegido até que ele fosse encontrado pelos Vilk. O passado de Kyle, a partir daquele momento, não mais importava. Ele recebeu sua tatuagem e tornou-se um Vilk antes mesmo de poder tomar decisões sozinho.

Christophe era o único que ainda podia cheirar algo de estrangeiro nele. Porque Kyle era diferente. Era inquieto demais, sempre com uma chama dentro do peito, e corria tão rápido que podia desaparecer com o vento, e mergulhava tão fundo que podia desaparecer no rio, uma raposa de qualidade mais selvagem, mais violenta, com olhos de quem havia conhecido a morte antes de ter consciência dela. Ele ainda tinha as marcas nos tornozelos, marcas do ferimento causado por ficar amarrado sabe-se lá por quantos dias e noites. O corpo de Kyle se lembrava do abandono, do esquecimento, do descarte. Lembrava-se, mesmo que seu cérebro tivesse esquecido, o corpo jamais esqueceria. E por isso, tinha raiva. Raiva que ninguém no mundo poderia farejar tão bem quanto Christophe.

De certa forma, Christophe se apaixonou, primeiro, por tudo o que ele tinha de mais obscuro. Não sabia se o mito dos Dabisks era real ou não, se Kyle realmente carregava um mal espírito dentro de si. Mas, se fosse este o caso, Christophe queimaria o mundo inteiro por ele, fosse esse o seu desejo.

-Você viu o homem fraco? - Kyle perguntou de repente.

Christophe negou com a cabeça. Continuava parado à porta feito um lobo de guarda.

-Não tem curiosidade?

-Do quê? É só um homem.

-É, mas… - Kyle fechou o baú, sentando-se em frente a ele com as mãos espalmadas na superfície. - Eu nunca tinha visto um. Eles têm um cheiro esquisito.

-É, eles fedem. - Houve uma pausa. Christophe olhou de relance para fora da tenda. - Por que você atirou nele?

-Porque nada de bom acontece quando eles vêm aqui. Você sabe muito bem disso. Você já viu um?

-Já.

-E como ele era?

-Você parece interessado. - Christophe quase esboçou um sorriso. - Por que não matou o infeliz de uma vez?

Parecia uma pergunta coerente. Kyle repousou as mãos sobre as coxas e pensou um pouco a respeito. Por que não havia matado o homem fraco, afinal? Podia ter mirado bem na cabeça dele. Teria sido tão fácil.

-Acho que fiquei curioso. Sabe, pra saber o que eles vieram fazer aqui. Se não tem mais deles procurando por nós. Standish vai fazer o idiota falar, não vai?

-Sei lá. Ele não gosta nem de matar um porco selvagem. Não sei o que ele vai fazer com um homem.

-Não faz sentido. É tão longe da Metrópole. O que você acha que eles querem?

Christophe levantou o pesado tecido da porta da tenda para melhor enxergar o céu que formava nuvens carregadas de chuva sobre a vila.

-Desgraça. Eles só trazem desgraça.

3 Mars 2018 00:28 1 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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Black Sheep Black Sheep
Nossa que escrita maravilhosa! Eu me interessei pela história devido ao belo enredo, ele é instigante. Quanto a South Park, eu conheço os personagens mais populares, mas não tenho nenhum shipp fixo. Talvez isso seja bom, pois assim não há preconceitos com os casais, se bem que não gostei de Kyle e Christophe juntos. E Kenny tem mais de 30???Nossa fiquei impactada. E assim, pelo visto o Kyle é ômega. O Kenny poderia ser um alfa ou beta, ou como ele veio da Metrópole isso não existirá para ele? Enfim. Gostei. Continue <3
March 04, 2018, 23:20
~

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