Eu finalmente te entendi pai.
A anos atrás, deitado na maca, chorando descontrolado, não por dor, mas por saber o tamanho da merda que eu tinha feito, não entendi quando você entrou no pronto socorro e congelou na porta.
Te estendi a mão e você não se mexeu, outra pessoa acabou segurando-a, tentando me amparar.
E eu não tinha entendido.
No calor do momento, tendo perdido parte do pé direito, além de ser jovem demais, não fiquei com sentimentos de abandono ou sequer raiva pela sua inação.
Talvez, lá no fundo, bem lá no fundo, algum ressentimento pudesse ter encontrado um caminho para meu coração, mas eu precisava me adaptar para um futuro que, naquele momento, era incerto demais.
Não que você fosse dado a abraços em excesso, ou em expressar seu amor, muito disso, desse distanciamento era por causa do seu vício e, ainda assim eu, apesar de não ter entendido na época segui da melhor maneira que podia após o incidente.
Mas se alguém me perguntasse sobre, eu não conseguiria explicar ou aceitar bem o ocorrido.
A vida seguiu seu inexorável curso.
Cresci, cheguei próximo aos dezoito, porém, antes disso, você e a mãe se foram.
Sofri, chorei, me revoltei, precisei do apoio de familiares e amigos e por tê-los, superei e segui em frente.
Cresci mais, amei, casei, acho até que amadureci um pouco.
Só um pouco.
Chegou então o dia em que tudo mudou.
O dia em que, finalmente, te entendi pai.
Quando peguei nos braços aquele pacotinho, de poucos centímetros, mas que, dali em diante, seria o que eu mais tentaria cuidar e proteger por todo o resto da minha vida.
Minha filha.
A neta que, infelizmente, o senhor não estava aqui para conhecer.
A criança para quem, quase chorando, tentei deixar claro um pouco do meu amor, certa vez, com ela deitada do meu lado, vendo algum desenho aleatório na televisão.
“Filha… Com você aprendi que é possível ter dois corações que me fazem viver…” eu disse e completei, quando vi aquela carinha de quem não entendeu “Tenho um coração que bate aqui no meu peito… E outro que bate aí no seu… se algo acontecer com qualquer um dos dois… Eu não conseguiria mais viver…”
E tenho certeza de que ela, espelhando aquele garoto, deitado numa maca e com a mão erguida, não entendeu totalmente o que eu quis dizer.
Mas, como já disse, finalmente eu entendi.
Consegui voltar no tempo e trocar de lugar com você, meu pai, chegando na porta de um pronto socorro e vendo minha filha ferida, o peso do fracasso em protegê-la, atingindo meus ombros com a força de uma marreta.
Consegui, depois de toda uma vida, calçar os seus sapatos, que haviam ficado na minha memória, como grandes demais para meus pés.
Mas, pai, só posso mesmo dizer para o ar e torcer para que, onde esteja agora, essas palavras o alcancem.
Te entendi.
Merci pour la lecture!
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