fabrizziop Fabricio Prudente

Pode se dizer que os Portos de Virturia foram o único lugar que Nalan conheceu em sua vida, o único vislumbre que ele tem sobre o mundo em que vive. Mas a realidade muda quando um estranho aparece em sua casa, o arrastando para uma jornada de magia e sacrifícios, de descobrimentos sobre o passado, o presente e o futuro. O seu próprio futuro, e de toda a terra de Angramar. Na cidade de Ronduria, o primor Ilermeus concorre a reeleição de seu cargo para dar início a outra era de expansionismo e exploração. Martino, um pequeno membro do Senado, demonstra sua insatisfação e inicia uma onda de protestos contra os grandes senhores, o que coloca sua vida em risco, mas ele estará disposto a ir até o fim para mudar a realidade de sua nação.


Fantaisie Épique Tout public.

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Os Portos de Virturia

Nalan podia jurar que os caixotes de hoje estavam muito mais pesados do que os de ontem, pois não se lembrava de seus braços doerem tanto como agora. Para falar a verdade, quase todos eles eram iguais, do mesmo tamanho e com a mesma quantidade de pregos nas madeiras; não que isso fosse mudar o peso deles no final. Mas especialmente hoje, as coisas estavam um pouco mais cansativas.

O trabalho no cais nem sempre era árduo, tinha dias que ele era incumbido de apenas rolar alguns barris, ajeitá-los conforme os produtos em seu interior, coisa que qualquer um poderia fazer. Mas tinha dias que ele desejava não ter braços.

Quando terminou de carregar o último caixote, ele inclinou-se uma última vez para ajuntá-los a fim de evitar uma impressão desorganizada, suas costas doeram levemente, mas não o incomodaria por muito tempo. No total somavam-se trinta caixotes, cada um contendo vasos de barro que guardavam grãos, sementes e óleos, todos tampados e bem amarrados para que não fossem separados. Desta vez pôde dizer que teve a sorte de não ser esbarrado por ninguém enquanto fazia seu percurso, deixar um vaso cair e quebrar espalhando os grãos ou os óleos, lhe renderiam uma baita dor de cabeça. E ofensas também a si, disso não havia dúvidas.

Assim que parou para recuperar o fôlego, Nalan viu o seu empregador vir em sua direção. O homem tinha bons olhos para encontrar trabalhadores desafortunados que desperdiçavam o tempo com descansos desnecessários.

— Terminou? — Rerinson perguntou com as mãos gordas na abertura de suas vestes. Tinha um olhar desagradável, Nalan não saberia dizer se era a expressão natural do homem ou se ele não prezava pela gentileza.

Tendo o rosto coberto por suor e os cabelos úmidos sobre a testa, o menino apenas acenou com a cabeça, evitando olhar por muito tempo nos olhos de Rerinson que estavam semiabertos por causa do sol matinal.

— Um grimão pelo trabalho — disse ele analisando a quantidade de caixotes organizados. Enfiou a mão no bolso da calça e jogou uma moeda de prata encardida. — Depois de encherem a barriga, os carroceiros vão trazer mais uns trinta caixotes, é o último lote de hoje para a gente. Traz os grãos e óleos para cá, até lá os barqueiros já vão ter levado todos estes.

— Mas... Um grimão é o valor do meu almoço — Nalan argumentou olhando para a moeda prateada.

— Por isso sugiro que trabalhe mais depois do almoço, para ganhar o lucro do dia.

Não dando opções para o menino lhe contrariar, Rerinson deu-lhe as costas e afastou-se com passos pesados, o som de suas botas na madeira do cais era bastante audível.

Nalan não se surpreendeu, nunca ganhou muito dinheiro trabalhando nos portos. Poderia dizer que no início o pagamento era um pouco maior, devido a necessidade dos contratantes mostrarem se tratar de um emprego atrativo. Mas à medida que os meninos se tornam fixos no local, tendem a ganhar menos. Nada além da habitual canalhice dos chefes, um ditado comum entre o pessoal dos portos. Sem poder mais se queixar, Nalan foi-se embora levando consigo sua indignação. E sua moeda.

Os Portos de Virturia era o lugar mais propício de se conseguir trabalho por aquelas terras, afinal era um ponto vital para a economia de dois grandes continentes. Pode-se dizer que os navios atracados ali eram responsáveis por levar o sustento de grande parte das cidades, pois nem todos podiam contar com a fertilidade de suas terras. E quantos navios... Nalan podia jurar que certa vez viu seis embarcações diferentes no mesmo dia. Poderia estar enganado, mas as velas não se pareciam nada umas com as outras. Barcos e navios nunca foram uma paixão de sua vida, longe disso, mas trabalho não se escolhe quando a necessidade bate na porta, seu pai havia lhe ensinado isso. E que trabalho, pois seu pai perdeu a vida por ali mesmo, no trabalho da necessidade.

Nalan não apressava os seus passos enquanto se afastava do cais, aprendera a aproveitar bem o tempo de descanso. Tornou-se costume que naquele horário se formasse uma algazarra pelo porto, pois todos adiantavam-se em concluir os serviços para irem pegar suas refeições. Alguns atravessavam seu caminho carregando tábuas, outros rolando barris, e por vezes até pescadores puxando redes atoladas de peixes. Os que caíam no meio do caminho se tornavam alvos fáceis das gaivotas.

O cais era muito extenso, e raramente nenhum navio ou barco atracava durante o dia, sempre aparecia um por li. Nalan tinha a sorte de trabalhar em um local que parcialmente recebia a sombra projetada por um navio, ele fazia o carregamento das carroças até a beira do cais, onde depois os marujos se encarregariam de guardar apropriadamente dentro de seus navios. Pior era para os que passavam o dia inteiro debaixo do sol. Felizmente a maresia trazia ventos refrescantes, mas nem isso resolvia o problema do calor escaldante.

Antes de subir as escadas que o levariam até às filas de refeição, Nalan viu algo que lhe chamou atenção; seu irmão Liandro demonstrava grande dificuldade para abrir a tampa de um barril. O menino franzino esforçava-se com um martelo para arrancar os pregos da tampa de madeira, mas parecia não ter êxito em sua tarefa. Por mais que xingasse e se queixasse, os pregos não queriam sair de forma alguma.

— Nunca pensei que você fosse mais fraco que um prego, Liandro. — Nalan o assustou levemente ao se aproximar de surpresa, mas o provável é que ele temia o surgimento de seu empregador.

— Sou mais forte que pregos, Nalan, pode apostar — ele afirmou, usando as duas mãos para segurar o cabo do martelo.

— Sai, deixa eu tentar. — Nalan não esperou o menino se afastar, apenas tomou a ferramenta de sua mão e pôs-se a executar a tarefa. Bom, quase.

— Hunf, nunca pensei que você fosse mais fraco que um prego, Nalan — zombou o menino por fim.

Após um minuto de tentativa, Nalan enfim conseguiu arrancar o primeiro prego, e exibiu-se fartamente por causa disso. Parecia mesmo que pegou o jeito da coisa, pois arrancou mais dois pregos com mais facilidade, usando a orelha do martelo. Não querendo passar impressão de fraqueza, Liandro tomou a ferramenta e encarregou-se de tirar o resto, terminando assim o serviço.

— Vou pedir para o Rerinson me dar o seu trabalho, quem sabe assim eu não ganho umas moedas a mais.

— Pois saiba que eu também posso carregar caixotes o dia inteiro se for preciso. — Liandro enfim retirou a tampa que havia lhe feito suar tanto. O barril estava cheio de peixes cobertos de sal, a única forma de conservá-los para a travessia do Mar Marenal. — Vou ir encher a barriga agora, vai querer ir?

— Com certeza. Não quero dar a chance do Rerinson pensar que sou seu escravo.

— Muito valente. Gostaria de ver você falar isso para ele.

— Valentia não é burrice, bobão.

E assim os dois se afastaram rumo às escadas, deixando o barril destampado. Para o descontentamento de Liandro, não demorou para que um dos carregadores encontrasse o barril, e pregasse a tampa de novo perguntando a si mesmo quem foi o idiota que deixou aquilo aberto.

O local destinado à refeição dos trabalhadores ficava acima da plataforma do cais, formada totalmente por blocos de pedras, contendo um intenso trânsito de pessoas e carroças, além das tendas de alguns comerciantes que vendiam ferramentas e utensílios domésticos.

Não havia uma organização que alimentava o pessoal formalmente, a comida dependia das famílias que possuíam terras de plantio e se locomoviam até o porto para vender e ganhar o seu sustento. Se não fosse por eles, boa parte dos homens não aguentariam permanecer ali, devido o empenho físico que as tarefas exigiam.

As tendas eram simples, uma mesa grande repleta de enormes panelas e colheres de pau. Havia quatro que alimentavam os homens, sendo cada tenda pertencente a uma família diferente. Todos faziam fila para pegar a refeição, mas primeiro era necessário pagar um grimão ao chefe do negócio, somente assim a pessoa teria sua tigela cheia.

Antes dos meninos irem para as filas, eles teriam que passar na barraca do velho Gerge, o responsável por guardar as tigelas e colheres dos trabalhadores... Mediante pagamento, é claro. Inicialmente, ninguém julga necessário gastar grimões para ter suas tigelas guardadas, mas os que ousam guardar por si mesmos não costumam ficar muito tempo com seus recipientes naquele porto. Sempre desaparecem, algo no mínimo curioso.

— Bom almoço, rapazes. — Era o que Gerge sempre dizia para todos, o sorriso nunca saía de seu rosto barbudo. Nalan por vezes o considerou o homem mais afortunado daquele lugar. Ganhar moedas para guardar tigelas era uma vida que qualquer um desejaria, sua barriga avantajada denunciava a prosperidade de seus negócios.

Quando finalmente foram para a fila, Nalan pagou a refeição com a moeda que ganhou; a comida nunca lhe pareceu tão cara antes. Os homens passavam na frente da tenda entregando a tigela para uma das mulheres atrás das panelas, elas as enchiam com uma concha cheia de ensopado. A refeição era quase sempre a mesma, pedaços de peixe com verduras e caldo grosso temperado, o tempero forte era uma forma de fazê-los beber muita água, a fim de manter a barriga cheia por mais tempo.

Quando chegou a vez de Liandro ter sua tigela cheia, ele teve a sorte de ser atendido por Isalel, a filha mais nova daquela família, e também a garota na qual ele vinha mantendo os olhos há semanas.

— Oi, Isalel — Liandro a cumprimentou, abrindo um sorriso feliz e mostrando os dentes branquinhos. — O cheiro está muito bom.

A menina de feições inexpressivas parou momentaneamente sua atividade para encarar os olhos escuros do garoto.

— Não foi eu que fiz — ela respondeu secamente, o que cortou o sorriso dele. Infelizmente Liandro não pôde tentar outra vez, pois foi empurrado por outros que não queriam perder tempo.

Assim que pegaram o ensopado, os meninos foram direto para o lugar em que costumavam se sentar para comer, a beira do cais. Tratava-se do muro que separava a plataforma de madeira da superfície de pedras, eles sempre se sentavam ali para ficarem um pouco longe da algazarra dos homens que fediam a peixe e riam contando histórias.

— Não sei porquê você ainda tenta, a menina parece um peixe morto, Liandro — disse Nalan sentando-se na beira do muro.

— Pode não ser a mais alegre do mundo, mas ela é bonita. Ainda vou conquistá-la, você vai ver — ele afirmou, dando uma última olhada na garota ao longe. Nalan não ousou quebrar as expectativas do irmão.

A sombra do fim da manhã já pairava sobre eles, e daquele ponto puderam observar que o cais tornava-se cada vez mais vazio. Após o fim da aglomeração de pessoas, as gaivotas desciam e vasculhavam a plataforma de madeira em busca de peixe ou qualquer outra coisa que pudessem comer. Às vezes os pelicanos apareciam voando por ali também, mas estes eram mais raros. A brisa estava ótima naquela altura baixa, e a vista também não deixava a desejar.

— Olha, tem batatas hoje — Liandro comentou ao tomar a primeira colherada. O garoto raramente reclamava da comida, mesmo que por vezes os legumes se mostrassem bastante insulsos.

— Estou ficando com a impressão de que elas estão deixando essa comida cada dia mais salgada — Nalan pontuou. — A mãe não faz desse jeito.

— Vou ter que concordar desta vez. Você já provou o ensopado daquela gente lá do outro canto? É pimenta pura. E olha que pimenta é um negócio difícil de achar nas vilas por aqui, eu sei muito bem disso.

— E em quantas vilas você já foi?

— Só uma.

Não era a resposta que Nalan esperava, mas não ousaria desmentir os argumentos lhe ditos.

— Você vai se tornar um grande contador de histórias, Liandro. O tipo de pescador que vê baleias voadoras por aí...

— Ah, mas você sabe que baleias voadoras existem... — disse ele com um sorriso avivado. — Uma, no caso — corrigiu-se.

— Assim disse o seu avô. Não acha que já está grande demais para acreditar em contos para crianças?

— Meu avô não contava mentiras. Se ele disse que viu baleias voadoras então eu acredito que ele viu baleias voadoras.

Tendo deixado isso posto, os dois voltaram sua atenção para a comida nas tigelas. O curto diálogo serviu para fazer Nalan se lembrar do quanto Liandro sempre mostrava-se convicto do que dizia, mesmo que não fizesse sentido algum, ou que até mesmo fossem claras mentiras. Em contraponto, Nalan parecia prezar mais pela verdade, fosse ela dura e crua.

Nalan era um menino franzino, assim como o irmão. Possuía cabelos castanhos desengonçados, um rosto arredondado e a pele parda. Seus olhos eram castanhos claros, ao contrário dos de Liandro, que eram escuros como a noite. Ora, os dois não eram irmãos de sangue, apenas criados juntos sob o mesmo teto, sob a mesma família. Quando tinha por volta de seus cinco anos de idade, Nalan foi avistado pelo pai de Liandro, Emilano, enquanto permanecia sozinho no porto, esperando a volta de seus familiares, que também deveriam ser do tipo que levavam os filhos para executar trabalhos leves, um costume de todos os moradores das vilas próximas, assim os meninos já aprendiam os costumes desde cedo.

Emilano não era lá um homem amaroso com crianças, na primeira vez que tinha visto Nalan, ele tinha acabado de chegar para trabalhar e não parecia nem um pouco preocupado em vê-lo ali. Mas quando viu o menino novamente no porto por três dias seguidos, começou a estranhar o fato de uma criança ficar tanto tempo sozinha no mesmo lugar. Quando questionou o que ele fazia ali, o menino apenas disse que tinha fome, e logo depois revelou olhinhos lacrimejantes. A mãe de Liandro se assustou quando viu o marido voltar para casa segurando a mão de uma criança com trapos sujos, bateu o pé dizendo que não poderiam criar outro filho, pois as chuvas não os visitavam há anos, o que vinha diminuindo cada vez mais o plantio e criação de animais nas vilas. Mas não teve jeito, Emilano se viu incapaz de deixar Nalan à própria sorte, e criou o menino ao lado de Liandro, como se fosse de seu sangue.

Os dois deram prosseguimento ao ofício do pai quando este veio a falecer adoentado, continuaram servindo ao mesmo empregador, e depois mudaram conforme a necessidade ou o desprezo dos que não queriam pagá-los mais. Rerinson estava longe de ser considerado um empregador, mas pelo menos não prometia pagar as moedas nos dias seguintes, e depois estendia o prazo alegando perda de memória.

— Você viu as mulheres que chegaram hoje mais cedo? — Nalan perguntou enquanto engolia o ensopado.

— Não... Que mulheres? — Nem ele nem o irmão se incomodavam em falar de boca cheia.

— Vestiam roupas brancas, cabelos presos, umas eram novas e outras mais velhas. Mas todas vestidas do mesmo jeito, como se fossem de um grupo. Quando elas desceram do navio, foram recebidas pelo Farmeno, que parecia tratar elas com muito respeito, até beijou a mão da mais velha. — Farmeno, o encarregado dos Portos de Virturia, era a voz e os ouvidos dos governantes das três cidades que comandavam os portos. Um homem que não era conhecido por sua cortesia.

— Será que são as mulheres mágicas?

— Não faço ideia... mas se um dia duvidei que elas existiam, hoje não duvido mais.

— Parece que os contos para crianças estão se tornando cada vez mais verdade, não é? — Liandro o olhou de lado com um sorriso de canto, calando-se antes que ele trouxesse de volta o assunto das baleias.

— Se elas são tão importantes como parecem, bem que podiam falar para o Farmeno aumentar um pouco nossas moedas. Um grimão por dia não está sendo nada bom, carreguei trinta caixotes só para pagar minha comida.

— Um só grimão pelo trabalho da manhã?! Nossa, eu realmente tenho sorte do Rober ter um bolso maior que aquele seu chefe, ganhei duas hoje. E pretendo ganhar mais pelos outros barris.

— O seu chefe vai acabar é ficando mais pobre do que a gente, pagando muito por pouco serviço.

— Como...

— Não está mais aqui quem falou... — Nalan foi rápido em evitar qualquer descontentamento.

— Pois vou te mostrar que o meu pagamento é muito justo. Vou rolar e destampar mais uns vinte barris antes do fim do dia.

— Pois boa sorte. Só me chamar caso precise de alguém para tirar os pregos das tampas.

O diálogo se estendeu pelo tempo que permaneceram sentados comendo. Após isso, descansaram por ali mesmo enquanto o estômago trabalhava com os alimentos. Os blocos de pedra eram tortos e pedregosos, mas nada que incomodasse por muito tempo.

23 Septembre 2022 18:27 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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