Era manhã, quando a mulher entrou no escritório do renomado detetive de casos especiais Gilson Dorneles. Aos prantos, ela se atirava de maneira rude na cadeira, deslizando a almofada de cordinhas para o lado.
-Meu gato, Doutor – Entre soluços, a mulher balbuciava - Meu gato!
Em seu bloco de notas amarelo, Gilson anotou: “Gato.”, em seus pensamentos “que Gato?” e sua boca proferiu:
-Pode repetir?
-Meu gato sumiu! – berrou a mulher.
O detetive de casos especiais
O que precisar, procurar, ele faz
Nenhum mistério
Por mais caótico
Gilson Dorneles
Atende tudo
Até o gótico
O detetive respirou fundo. Há momentos da vida que uma respirada pode ser o início de um ciclo de pensamentos, mas para Gilson Dorneles, era um hábito. Sem significado algum.
-Milady, preciso me certificar de que tipo de gato estamos falando. Poderia me descrever? – Gentilmente, Gilson puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da senhora. Entregou-lhe um lenço de papel e começou a anotar em seu bloco.
-Melhor do que descrever, posso te mostrar algumas fotos dele. – ela retirou seu celular de uma bolsa. Apertou na tela com o dedo indicador enquanto segurava o aparelho com a outra mão.
Gilson olhou cada foto. Algumas com poses repetidas. Mas a maioria tremida, mal tirada, pouca iluminação. Selfies desajeitadas. Era um gato cinza, listrado com preto. Um pouco de vira-lata com qualquer coisa ou qualquer coisa com coisa alguma.
-Alguma mancha especial?
-As patinhas... Quando vira o gato de cabeça pra baixo, dá para ver as patinhas rosinhas. Na pata dianteira esquerda tem uma mancha preta em formato de coração. – Deu uma fungada de engolir o catarro.
-Última vez que viu seu gato.
-No açougue perto da minha casa. Ele costumava passear por lá.
-Qual o nome do gato?
-Pitoresco.
Gilson respirou fundo. Não precisava de mais nada.
-Certo, Milady. Vá para casa descansar e deixe o trabalho comigo. Mantenha seu celular por perto caso eu necessite contatá-la, hun?
-Você é tão atencioso, muito obrigada! – A senhora saiu pela porta de forma apressada. Gilson então puxou sua lista de contatos e começou os telefonemas. O açougue foi seu primeiro contato.
-Boa tarde, gostaria de encomendar quinhentas gramas de carne moída.
-Alô? Tá... Vai ficar pronto meio dia. -o telefone foi bruscamente desligado.
Gilson olhou as horas. Tinha tempo. Mas seus pastéis de carne teriam que ficar prontos para o chá da tarde. O chá da tarde era um hábito comum na vida dele. Podia ser três da tarde ou quase seis. Sempre acontecia. Entretanto, era melhor pensar nas questões do sumiço do Gato e sua dona desesperada.
Entrou no Facebook e digitou o nome da mulher. Clarissa Silva. Ela usa uma foto de perfil com o rosto em primeiro plano e ao fundo tinha flores de quintal.
-Provavelmente da própria casa. – entrou no álbum de fotos dela. Confirmada a suspeita, várias fotos em seu quintal florido. Em uma das fotos notou uma placa escrito aluga-se. – Hmm... nossa jovem está de mudança. Acho que vou fazer uma visitinha. – continuou fuçando o perfil da Clarissa, até que algo chamou sua atenção.
-Atriz? – Gilson estava pensativo. Algumas hipóteses começaram a rondar sua cabeça. Respirou fundo. Começou a futricar em grupos de adoção, compra e venda de animais. – Talvez esteja por aqui nossa vítima. Respirou fundo. Enviou uma mensagem para um conhecido e desligou o computador. Estava na hora de ir pegar a carne moída.
Dirigiu pelas ruas de Taquara em seu patinete elétrico. Capacete na cabeça, cotoveleiras postas, óculos de aro grosso. Um pouco antiquado, mas o patinete dava um contraste tecnológico na composição. Os prédios pichados eram apenas um detalhe que todo mundo já estava acostumado.
-Não é adequado para um gato. – Não era adequado para um patinete, também.
Chegou no açougue. O mesmo açougue onde o gato fora visto pela última vez. Gato. Pss. Pss. Pss. Gilson gostava de gatos, mas era alérgico. Por isso evitava os bichanos. Também era perto da casa de Clarissa.
Adentrou o açougue. Estava vazio.
-Olá! – Falou alto.
-Senhor, não estamos atendendo no momento. Nosso equipamento está trancado. Parece que algo entupiu o processor de carne. – Gilson teve um leve aumento das batidas do coração.
-Minha carne moída? Havia encomendado hoje de manhã. – Insistiu.
-Ah, sim... Você é o senhor do telefone. Teve sorte... Estávamos processando seu pedido quando entupiu. Toma. Tem trezentos e cinquenta gramas. Foi o que deu. Quer? – Imprimindo o preço, nem esperou resposta e entregou na minha mão.
-Claro. Obrigado. – Gilson pegou seu patinete e foi até a casa de Clarissa. Quando chegou na frente da casa olhou para o lado da rua e avistou a placa de “Aluga-se”.
-Então não era da casa da senhorita? – Não era da casa da Clarissa. Era da casa da frente. Fazia sentido pelo ângulo das fotos.
Chegou perto da placa. Em letras menores estava escritos “GATOS”. Então... Aluga-se gatos. Essa era a placa. Gilson estava intrigado. Voltou para a frente da casa de Clarissa e apertou a campainha.
Dentro de pouco tempo, ela abria a porta. Sorridente.
-Você achou meu gato? Tão depressa... – Se aproximou. – Entra!
-Senhorita, vim para uma visitinha rápida. Pensei se não poderia entrar e observar as coisas do seu gato, para ver se não descubro algum hábito dele. – Gilson era inteligente. Conhecia hábitos de gatos como ninguém. Sua especialidade.
-Então... Acho que preciso te confessar uma coisa. – Ela sentou no sofá. – Acontece que o gato não é bem meu...
-Suspeitei, milady. Pela placa na frente da sua casa. E porque não vejo nada para gatos na sua sala. Nem pêlos no sofá.
-Sim. Eu... Bem, eu alugo gatos para tirar fotos e postar no Instagram. Sou influencer e tals. Vivo dessas fotos. Mas eu não gosto muito de gatos, por isso vou ali e alugo. Simples, barato. Pareço fofa online. É o que importa, no fim. Só que o problema é a multa que tem caso o gato não é devolvido.
-Sim.
-Posso perder a minha casa por causa do sumiço desse maldito bichano.
-Milady... cuidado com as palavras. Querendo ou não, era sua fonte de renda.
-Verdade... Desculpe... Estou nervosa. O que você tem de informação até agora?
-Que ele deve ter sumido por aqui. – Gilson sorriu.
-Ah... Óbvio.
-De qualquer forma... Minha visita é para te convidar para o meu chá da tarde. Acredito que encontrarei seu gato até lá. Será hoje as quatro. Venha, sim! – Gilson pegou seu patinete e voltou para casa. No caminho de volta para casa pensou em como a vida era curta. Mas como era o suficiente para os humanos. Deus o livre a gente de ter sete vidas.
Preparou as coisas para o chá da tarde. Ligou o computador e viu que seu amigo respondeu sua mensagem. Estava satisfeito, teria mais uma companhia para o chá. Gilson estava satisfeito. Sabia que seu primeiro mistério estava concluído. Agora era só tirar os pastéis do forno.
Para passar o tempo, Gilson tirou um cochilo. Acordou com a campainha tocando. Era seu amigo.
-Olá, Charles! – Gilson o abraçou.
-Trouxe o que me pediu. – Charles sorriu e mostrou a caixa de transporte de animais. – Está aqui...
-Obrigado! Vamos preparar o chá, minha convidada deve estar chegando.
Em pouco tempo, a campainha toca outra vez e surge Clarissa. Com os olhos um pouco inchados e mexendo nervosa nas mãos.
-Olá!
-Entra, milady!
Foram para a mesa. A forma com os pastéis estavam mornos. O cheirinho era apetitoso e Clarissa logo mordeu um.
-Está uma delícia.
-Vamos ao motivo do nosso encontro. Nós achamos seu gato, Clarissa.
-Sério! Não me diga! O que aconteceu?
-Bom, ao que tudo indica, ele se perdeu pela rua, alguém o achou e o colocou em um grupo de compra e venda de animais. Meu amigo, Charlie trabalha como veterinário em ONGs de animais e acabou achando seu gato.
-Nossa. Estou muito feliz.
Charles entregou o gato para a Clarissa. Ela o olhou, olhou de novo. Virou o gato de cabeça para baixo.
-Esse não é o meu gato.
-Provavelmente não, milady. Entretanto, é um gato. Olhe, veja bem. Você apenas precisa de um gato para devolver. Tenho certeza que ela nem vai notar a diferença do gato, porque com tantos gatos... Essa será a história oficial, sim? Nos ajudamos nessa... Com sua habilidade artística, vai conseguir devolver o gato com discrição, sim?
-Mas você sabe onde está aquele gato?
-Sim, Milady. Está uma delícia.
O detetive de casos especiais
O que precisar, procurar, ele faz
Nenhum mistério
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Gilson Dorneles
Atende tudo
Até o gótico
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