No aniversário de oitenta anos do seu pai, Gabriel tinha pensado em dar um presente diferente para ele. Junto dos seus dois irmãos, Jussara e Fabiano, ele orquestrou o melhor dia para o amado patriarca, cheio de coisas do gosto dele: salgadinhos diversos (assados, por conta da saúde já um pouco frágil), refrigerante para os netos, três tipos de chás diferentes, e até quatro garrafas de vinho português, sem contar a torta de morango caseira (receita da amada Ruth).
Jussara e Fabiano deram alguns livros de presente, como sempre os romances históricos. Os netos deram lembranças que fabricaram nas aulas de arte da escola, mas nada disso, por mais familiar e aconchegante às memórias dos últimos aniversários fossem, se comparava à ideia que Gabriel teve.
Num artigo de revista, enquanto esperava sua vez no dentista, seus olhos brilharam com o trabalho engenhoso de uma empresa de tecnologia que tinha como objetivo pesquisar a árvore genealógica dos seus clientes através de material genético. Bingo! Ali estava o presente perfeito para o seu velho pai.
Ele entrou em contato com a empresa, escolheu o pacote de pesquisa de ancestralidade e fez o pagamento.
Quinze dias depois do aniversário, a encomenda chegou num pequeno pacote retangular de tons pastel: alguns papéis explicando sobre o procedimento, além de três envelopes cada um contendo um cotonete para colher a saliva do avaliado.
Seu pai arqueou uma sobrancelha para o cotonete e a excitação do seu filho mais novo em metê-lo na sua boca, mas depois de algumas tentativas e explicações do motivo para a algazarra (que obviamente cortaram a surpresa do presente), o velho cedeu e abriu a boca.
Afinal, ele gostava de coisas sobre o passado.
Gabriel contou os dias depois de enviar as amostras de saliva para a empresa, parecia até que ele era o presenteado e não seu pai. E quando um envelope pardo com o logotipo da empresa chegou até a casa, Gabriel o pegou com um sorriso de orelha a orelha.
Virou o envelope nas mãos, era mais fino do que esperava... Levantou-o contra a luz do Sol para tentar ver algo, mas não adiantou muito. Ele realmente esperava que fosse algo mais robusto do que apenas uma folha de papel dobrada dentro de um envelope pardo. Será que houve algum engano.
Gabriel olhou para a janela da casa, de onde podia ver os cabelos grisalhos do seu pai, sentando na cadeira de balanço, lendo o jornal do dia.
Torceu o lábio e voltou para a casa. Caso houvesse tido algum engano ou erro, a empresa reenviaria o pacote para uma nova coleta, não? Pelo menos entrariam em contato por e-mail ou telefone. Ele tinha certeza de que tinha informado seus próprios dados na hora da compra.
— Ei, pai. Chegou um envelope pro senhor. Talvez seja o resultado daquele exame.
— Exame? Ora, mas eu não lembro de fazer nenhum exame...
— Não, pai, não esse tipo de exame.
— ...pensando bem, Biel, quando foi a última vez que marquei com o doutor Álvaro?
— Pai, não é esse tipo de exame. Olhe aqui. Vê? É daquela empresa que faz pesquisa sobre genética e hereditariedade.
O velho contraiu os olhos, suspeitando do envelope pardo.
— Isso não parece do feitio do doutor Álvaro. Ele ligaria para mim. Sempre ligou quando saía algum resultado, mesmo quando tudo estava certo. Mandar um envelope desses assim? Ah, onde já se viu?
Gabriel suspirou e começou a abrir o envelope.
— Não, pai, isso não é do doutor Álvaro. A gente deu um presente de aniversário pro senhor. Lembra dos cotonetes, da saliva, aquela coisa toda estranha, então! Esse é o presente...bom, o resultado né.
O pai foi acenando levemente e fechando os olhos como a se lembrar do dia da festa, com um leve sorriso no rosto ele recostou-se na cadeira.
Gabriel retirou o papel branco dobrado e abriu-o. Lançou um olhar irritado com os barulhos dos carros na rua e para a janela aberta. Nem notou quando seu pai levantou-se da cadeira e pegou o suéter do cabideiro de chão. Os olhos do filho piscaram algumas vezes para o papel da empresa. Virou a folha, mas não havia nada mesmo no verso.
— Uh, pai. Saco...deve ter tido algum erro...pai? Onde o senhor vai?
Antes de responder, a campainha da casa tocou; o velho fez um sinal bem-humorado para a porta e foi até lá. Gabriel voltou os olhos para o papel, já pegando o celular para fazer uma ligação para a empresa. O celular tocava, mas ninguém atendia, tão pouco o seu pai voltava para casa.
— Pai!
Nenhuma resposta. Estranhou e seguiu para a porta, escancarada; a luminosidade invadindo a entrada do recinto e fazendo Gabriel contrair os olhos. Ele fez uma careta ao ver o pai conversando com quatro pessoas estranhas e de roupa social.
— Pai?
Seu pai olhou por sobre os ombros, com uma expressão indescritível e cochichou algo para a mulher de terno cinza que meneou uma única vez, seus olhos escondidos pelos óculos escuros.
Ele andou devagar até seu filho. Segurou-o pelos ombros e deu uma boa olhada naquele homem feito que estava na sua frente, tremendamente orgulhoso. A visão de Gabriel começou a marejar.
— Pai...?
Pegando a mão que segurava o resultado genético, apertou-a com força, fazendo o papel amassar. Com a outra, bateu de leve na bochecha do filho, com um sorriso de outro mundo, enquanto Gabriel arregalava os olhos úmidos, a respiração pesada e cada vez mais rápida.
De repente as palavras sumiram na boca e ele só conseguiu deixar seu velho ir com aquelas quatro pessoas que não olharam nem uma vez mais para ele antes de entrarem nos carros e seguirem pela rua.
Tentando a muito custo ligar os pontos, Gabriel olhou novamente para as palavras do papel:
"Estefanno Nogueira da Costa: gene humano não identificado."
Merci pour la lecture!
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