Ano novo. Nada novo. De novo.
O ano é...?
Não importa.
Eu poderia, até, me esforçar para colocar uma data específica aqui, mas a sensação que tenho é de que as voltas que o planeta Terra deu são irrelevantes. O fato de que Jesus nasceu há mais de dois mil anos e que nossa sociedade ocidental resolveu usar seu nascimento como ponto de referência não afeta minha vida em nada.
Eu sei o quanto isso soa egoísta, mas quando você passa tanto tempo de sua vida entrando e saindo de anos sem nunca perceber uma mudança... Talvez, sem querer uma mudança – sejamos realistas, Lilian, sua hipócrita – tudo ganha um verniz de futilidade.
Então, se o ano é 2019, 2020 ou 2021, isso não faz a menor diferença.
Eis aqui um pensamento nem tão egoísta assim.
Não importa o quanto a minha vida seja o mesmo ciclo de autodestruição e culpa de sempre, as vidas de muitas pessoas ainda existem nesse mundo. Todos os dias, sete bilhões de seres humanos nascem, crescem, gastam dinheiro, desperdiçam energia, investem tempo, descobrem novidades, mudam de opinião, se apaixonam, se entregam, torturam, matam...
Não importa o quanto a minha vida continue passando janela afora, o mundo nunca para de girar, as pessoas nunca param de viver. Eu gosto da noção de que estou bem isolada dentro de minha própria – depressão é o nome oficial – cabeça e que afeto um número mínimo de pessoas no mundo por conta desse pequeno problema.
Olho para uma imagem que me encara no espelho, mas é quase como se eu tivesse perdido a habilidade de me reconhecer. Os cabelos compridos são mais selvagens do que a juba de um leão. Já faz um tempo que desisti de domá-los. Na verdade, eu até gosto da cabeleira, pois ela é tão espessa que eu posso quase me esconder dentro dela. Se alguém chega perto demais, eu posso simplesmente virar o rosto e acertar o infeliz com uma chicotada de cabelo. É preciso vencer a literal barreira de cachos para chegar até mim. Mas, quem seria louco de tentar chegar perto de alguém como eu?
O resto da imagem reflete um presente de Natal – um vestido branco e florido junto a um colar de prata com pingente brilhante – que eu mesma não compraria para mim, simplesmente porque não acho que mereço coisas boas.
Tudo o que objetivamente se entende como “bom”, eu simplesmente deixo acontecer. Procuro não pensar muito, pois são nessas horas que eu fico pior e a vontade de sair desse mundo torna-se particularmente mais intensa.
O mesmo espelho que pinta a imagem de uma moça de aparência tão normal, começa a me fazer ter ideias. Por um segundo, um pensamento corre pela mente, como um risco: a imagem do espelho quebrado, dos cacos espalhados no chão e do poder que eles exercem sobre mim e, quem sabe, sobre o meu último ano novo nesse mundo...
̶ Filha, desce! Vamos nos atrasar para a festa!
Encaro o espelho, intacto, de novo. Deixo um suspiro carregado largar meu peito e engulo o seco antes de apagar a luz e descer as escadas para encontrar minha família, pronta a fixar um sorriso falso e atuar, como se esse 31 de Dezembro fosse um dia de esperança para todos.
Feliz ano novo...
Nada novo, de novo.
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CONTINUA
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Ei, pessoal! Tudo bom com vocês?
Essa personagem - Lilian - já existe e se encontra em um livro chamado "Reta Final". Eu coloquei os três primeiros capítulos aqui mesmo, na plataforma. Só clicar aqui: https://getinkspired.com/pt/story/144765/reta-final/
O livro é um romance entre Max e Lilian, que é a personagem desse pequeno trecho. Lilian sofre de extrema depressão e tem um passado bem complicado. Vou usar esses trechos para poder expressar os pensamentos dela.
Feedbacks são sempre maravilhosos! Gostaria de ouvir de vocês. ^.^
Merci pour la lecture!
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