Nos anos noventa, antes da invasão dos imigrantes bolivianos e africanos no Centro do Rio, a Uruguaiana, que é uma rua de pedestres até seu cruzamento com a Buenos Aires, era tomada por camelôs e artistas de rua que expunham suas mercadorias e realizavam suas apresentações de forma bem desorganizada, ocupando tanto as laterais da rua como o meio dela.
Por conta disso, os transeuntes que não eram acostumados a andar por ali, estranhavam o inevitável zigue zague que tinham que fazer para desviar de bancas e apresentações de rua.
Era verão de 1998, um calor insuportável, mesmo com o relógio ainda marcando nove e meia da manhã.
Em cima da hora para chegar no trabalho, eu tinha acabado de passar pelo cruzamento da Uruguaiana com a Sete de Setembro indo no sentido da Rua da Alfândega, quando a curiosidade fez com que eu me aproximasse do círculo formando por umas vinte pessoas.
No meio dele, manuseando copinhos plásticos de café emborcados num tabuleiro improvisado com chapa de compensando sobre um caixote de madeira, um homem de pele escura, rosto úmido pelo suor que descia da careca e voz rouca, desafiava os espectadores a descobrirem em qual copinho estava a “bolinha da sorte”.
Ele anunciava eufórico que para quem apostasse dez reais, caso acertasse o copinho, ele pagaria vinte e quem apostasse cinquenta e ganhasse, levaria cem reais.
Para época, eram valores consideráveis para se arriscar numa aposta, contudo, a possibilidade de ver aquelas quantias dobrarem era muito tentador.
Eu comecei a trabalhar na rua da Alfândega em dezembro de 1995, assim que terminei a antiga oitava série, mas mesmo antes disso, meu pai, conhecedor das “arapucas” do Centro do Rio, já havia me alertado das tais apostas de banca.
Curioso e observador, comecei a prestar atenção em todos que estavam naquele círculo.
Não demorei para reconhecer os comparsas do “apostador”.
O primeiro, um baiano com cerca de quarenta anos, puxou uma nota de dez e entregou para o apostador, que após girar os três copinhos, pronunciou a seguinte frase:
“Bolinha vai, bolinha vem! Ela pode estar ali ou aqui também!”
Em seguida pediu para o baiano escolher um copinho.
O baiano puxou o copinho do meio.
Não havia nada!
Furioso, ele soltou um palavrão.
O murmurinho dos espectadores foi rapidamente silenciado, pois logo um branco magrelo de calça jeans e blusão grande demais para a estatura dele, surgiu com uma nota de cinquenta.
“Bora irmão! Mexe esses copinhos aí!”
O apostador olhou para ele com ar malicioso e lançou o desafio:
“Se está tão confiante, então vamos aumentar a brincadeira? Que tal apostar cem pra ganhar trezentos?”
“Mostra o dinheiro aí!” – O magrelo se mostrou desconfiado.
Imediatamente o apostador puxou do bolso da calça um maço de dinheiro, retirando uma nota de cem e quatro de cinquenta.
Sem tirar os olhos o magrelo, deu uma risada desdenhosa, enquanto recolocava o maço no bolso e as cédulas no tabuleiro.
O magrelo pôs sua nota de cinquenta por cima delas e puxou a carteira retirando cinco notas de dez e colocando-as também no tabuleiro.
O murmurinho retornou entre os espectadores enquanto o apostador girava os copinhos.
“Bolinha vai, bolinha vem! Ela pode estar ali ou aqui também!”
Com cara de deboche, o apostador apontou a mão para os três copinhos.
“Escolhe aí irmão!”
O magrelo olhou sério para o apostador e retirou o copinho da esquerda.
A bolinha estava lá.
Dando uma gargalhada, o magrelo pegou o dinheiro do tabuleiro e enfiou no bolso.
Imediatamente, de acordo com os ensinamentos do meu pai, descobri o segundo comparsa.
O apostador anunciou que devido ao prejuízo só aceitaria apostas de dez.
Três patos perderam seu dinheiro na sequência.
O baiano apostou mais dez e dessa vez “ganhou”.
Mais dois patos perderam dez.
De repente, uma jovem de cabelos longos e jeito de ingênua, perguntou ao rapaz que estava ao meu lado:
“Será que isso é sério mesmo?”
O rapaz, que tinha toda pinta de auxiliar de escritório, vestindo uma calça de brim preta e uma blusa social quadriculada, respondeu como se fosse profundo conhecedor do jogo:
“ Dá pra ganhar, mas tem que prestar muita atenção conforme ele gira os copinhos”
“Eu estava precisando tanto ganhar um dinheiro, mas estou com medo de apostar.”
Olhando disfarçadamente para os dois, percebi que o rapaz fazia questão de ficar ajeitando o celular StarTac preso por um suporte no cinto da calça.
Realmente naquela época, ter um aparelho daquele era o maior sinal de status que alguém podia ter e ficar chamando a atenção de forma “discreta” para mostrar que possuía um, era normal para algumas pessoas que sentiam a necessidade de ostentar.
Com um olhar confiante, ele a incentivou:
“Não tenha medo! Quem sabe hoje é seu dia sorte?”
Ela o olhou apreensiva, sua voz chegou a sair trêmula:
“Eu sou mulher, o cara da banca pode me roubar. Se eu te der o dinheiro, você joga por mim?”
“Claro! Manda aí!”
Poucas vezes vi alguém tão cheio de si como aquele rapaz no momento em que a jovem retirou da bolsa tiracolo uma nota de cinquenta e entregou na mão dele.
“Por favor, é todo o dinheiro que eu tenho!”
Tive que prender o riso quando ele deu uma piscada para ela antes de se dirigir ao apostador.
“Já está apostando cinquenta?”
Sorridente, o apostador respondeu:
“Pra você sim, meu patrão!”
A primeira coisa que me veio na cabeça foi imaginar a reação da jovem caso o rapaz perdesse.
E lá foi mais uma aposta.
O rapaz pôs os cinquenta no tabuleiro, o apostador mexeu os copinhos para cá e para lá e depois de parar, falou com um sorriso no canto dos lábios:
“Bolinha vai, bolinha vem! Ela pode estar ali ou aqui também!”
O rapaz puxou o copinho do meio.
Todo mundo no círculo ao redor do tabuleiro se voltou para jovem que deu um grito desesperado.
“Meu Deus! O dinheiro do remédio da minha mãe!”
Nem preciso falar do falatório entre os espectadores.
O rapaz, pálido, foi até a jovem que chorava compulsivamente.
Em dado momento, me pareceu que ela iria desfalecer.
FIquei realmente com pena dela e com raiva do otário que a estimulou a jogar.
“Moço, o que eu faço? Era o dinheiro da do remédio da minha mãe!”
Se eu estava com o coração apertado, imaginei como não estaria o rapaz.
De repente, ele falou olhando bem nos olhos dela:
“Fica tranquila! Eu vou recuperar seu dinheiro!”
Ela o olhou incrédula.
Um coroa que estava próximo e também prestava atenção na conversa deles, comentou em tom de gracejo:
“Ih, o cara se apaixonou pela menina!”
Indo para o tabuleiro, mais cheio de si do que da primeira vez, o jovem perguntou ao apostador:
“Se eu pôr meu celular pra rolo e ganhar, você paga quanto?”
O apostador franziu a testa.
“É seu ou é de empresa?”
“É meu, claro!”
“Pago trezentos”
O rapaz puxou o StarTac e o pôs no tabuleiro.
O apostador deu uma risadinha e iniciou o jogo, movendo os copinhos de um lado para o outro.
“Bolinha vai, bolinha vem! Ela pode estar ali ou aqui também!”
O rapaz, mostrando muita convicção puxou o copinho da direita.
Fiquei com um nó na garganta ao ver a palidez no rosto dele.
A jovem recomeçou a chorar desesperada.
Sem ter coragem de ver o desfecho da cena, eu confesso, usei a hora avançada que vi no meu relógio de pulso para ir embora.
Ao chegar no serviço contei a história para todo mundo, admirado com a coragem do rapaz em apostar o celular, pois naquela época, era realmente um artigo de luxo.
Na hora do almoço, de tanto que falei do caso, um colega do trabalho praticamente me forçou a levá-lo até a Uruguaiana para vermos se os golpistas ainda estavam por lá.
De longe, exatamente no mesmo local em que vi de manhã, estava o círculo de pessoas.
Ao chegarmos mais perto, ri alto ao ver que o baiano agora era o apostador e o branco magrelo estava eufórico recebendo algumas notas dele.
Enquanto mostrava discretamente ao meu colega todos os membros da quadrilha de estelionatários, para minha surpresa, a jovem que havia perdido o dinheiro do remédio da mãe pela manhã, estava entregando para um senhor de meia idade, o StarTac que o rapaz com cara de auxiliar de escritório havia empenhado no jogo da bolinha.
Acho que nem preciso contar o que aconteceu com aquele senhor...
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Merci pour la lecture!
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