J
Jaqueline Rosa


Foram exatos 2174 dias de terror e sofrimento, 6 anos de dor e de perdas. 46 milhões de pessoas morreram, no que viria ser conhecido como o maior conflito armado da história da humanidade. A Segunda Guerra Mundial. Mas, mais do que isso, essa guerra viria marcar pelo resto da vida as memórias das inúmeras pessoas que a vivenciaram e vieram a perder seus entes queridos, sofrendo amargamente pela perda daqueles que tanto amavam. Oito famílias! Oito países diferentes! Com histórias e vidas tão diferentes! Viriam a vivenciar esses dias de sofrimento e de tamanha dor. Tendo suas vidas entrelaçadas em um estranho jogo do destino.


Historique Interdit aux moins de 18 ans.

#Segunda #guerramundial #inkspiredstory #drama
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Prólogo

¤Notas iniciais:

Olá pessoal!
Primeiramente gostaria de deixar claro que esta história é unicamente de minha autoria. Ela é também postada no Spirit Fanfic com o mesmo título e enredo. Mas, no Spirit a história é postada como uma fanfic, pois ela está na categoria Naruto, tendo os personagens os mesmos nomes dos personagens do anime. Decidi postar aqui no wattpad como uma história original, por isso os nomes e algumas características físicas foram mudadas. Se tiverem alguma dúvida, me procure por lá, meu nickname é ladyjack.

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• Berlim, março de 1933

Leona estava dormindo, quando um barulho ecoou pela casa, fazendo com que acordasse. No começo, ainda tomada pela embriaguez do sono, não conseguia distinguir onde estava. Mas logo acabou se recordando de que estava dormindo em seu quarto.

Estava deitada em sua cama de solteiro, que se localizava ao lado de uma imponente janela de madeira, que dava para a frente do jardim da entrada principal da casa. Percebeu que uma fraca luz passava pelas frestas, o que indicava que já havia amanhecido.

Se decidiu por levantar. Estava usando uma camisola branca de algodão que ia até os joelhos.

Direcionou-se até a penteadeira, que se localizava logo à frente da cama. Era também de madeira e possuía duas gavetas, uma em cada extremidade, onde sua mãe costumava guardar algumas roupas, e no meio dela havia um espaço onde se acomodava um simples banco acolchoado com um macio tecido de tom bege. Em cima da penteadeira havia algumas escovas de cabelo, um porta-joias e mais ao canto uma das suas inúmeras bonecas de pano. Bem ao centro, havia um espelho, por onde acabou olhando seu reflexo.

O que acabou vendo não lhe agradou muito naquele momento. Seus cabelos negros, que naturalmente já eram rebeldes com todos os cachos que possuía, naquele momento conseguiam estar piores do que já eram, pois, mais pareciam com um ninho de passarinho. Olhou para seu corpo pequeno e magro por debaixo da camisola, sem nenhuma curva aparente, o que acabava retratando sua tenra idade de 14 anos. Logo depois, passou a observar seu rosto marcado por pequenas sardas nas bochechas e em seu tom de pele bem claro. De todo esse conjunto, a única coisa que lhe agradava eram seus olhos. Eles possuíam a cor mais bonita que ela podia imaginar, azuis, tão claros quanto o céu.

Sempre foi muito detalhista ao observar sua aparência, pois, de nada parecia com a de seus pais ou de seu irmão mais novo. Sua mãe era uma linda mulher de 31 anos, magra e de belas curvas, seus olhos eram em um tom de verde-escuro quase musgo, e os seus cabelos lisos, tão chamativos no seu tom vermelho, que caíam até a altura do quadril. Seu pai era, também, um belo homem de 32 anos, alto e de porte físico atlético. Possuía cabelos tão loiros quanto o ouro e olhos azuis. Única coisa, na qual Leona via semelhança com ele. Seu irmão mais novo era a cópia do pai, e já se podia ver que quando ficasse mais velho ficaria ainda mais parecido com ele.

Leona não entendida de onde vinham seus cabelos pretos. Certa vez perguntou para seus pais, pois, desconfiava de que não era filha deles. E como resposta, acabou sabendo que sua avó por parte de pai também possuía cabelos negros e enrolados, assim como os dela. Isso a fez se sentir mais calma, principalmente depois de ver uma foto de sua avó. Mesmo assim, não deixava de pensar que se sentiria mais feliz se tivesse os mesmos cabelos ruivos da mãe, que ela tanto admirava.

Deixou de lado sua observação, quando escutou novamente um ruído, vindo do andar inferior da casa. Não conseguiu distinguir o que era, e tomada por curiosidade, decidiu ir ver.

Ela pegou um robe, que estava jogada por cima de uma cadeira, do outro lado de sua cama, localizada em frente ao seu guarda-roupa. O vestiu, saindo do quarto, adentrando um enorme corredor.

Uma das coisas que ela definitivamente não podia negar era da imponência daquela casa, que fora seu lar por toda a sua vida. Construída ainda no século XVIII, foi passada de geração em geração pelos membros de sua família, assim como, vários imóveis espalhados por todo o país. Até chegar aos dias atuais, onde o seu pai acabou sendo o seu herdeiro, e apesar de não ser um dos maiores casarões que ele herdara, era o seu preferido, pois, se localizava no coração de Berlim. O corredor onde ela se encontrava se estendida de um lado ao outro da casa, e conforme ela ia andando ia observando diversos candelabros dispostos em cada lado das paredes, onde antigamente, quando ainda não existia energia, eram colocadas velas para iluminar o caminho. As paredes eram de uma madeira escura, assim como o chão. No meio do corredor tinha um vão de escadas, que dava acesso ao primeiro andar.

Leona desceu por aquela imponente escadaria, chegando à sala de estar. Olhou para um relógio localizado em cima da lareira, ao lado da escada, constatando que haviam passado apenas alguns poucos minutos das seis horas da manhã. Achou estranho, pois, naquele dia, ela sabia que sua mãe iria sair para trabalhar apenas às oito horas e seu pai, um pouco mais tarde. O que significava que normalmente eles ainda estariam dormindo àquela hora.

Ao olhar o corredor a sua direita, que seguia para os fundos da casa, em direção à cozinha, percebeu uma pequena luminosidade, indicando que a luz da sala de jantar estava acessa.

Seguiu naquela direção.

Ao chegar perto da porta de entrada daquele cômodo, pôde observar que a empregada da casa, uma jovem com cerca de 20 anos, estava sentada em uma das várias cadeiras de mogno que circundavam uma enorme mesa no centro da sala. A empregada estava de cabeça baixa, deixando com que seus longos cabelos loiros caíssem sobre sua face, seus braços estavam envoltos do próprio corpo e parecia tremer compulsivamente. Então, acabou percebendo que sua mãe estava ajoelhada, com suas mãos em cima das pernas da empregada, com uma expressão de tristeza.

Quando, novamente, Leona escutou aquele mesmo barulho de antes, acabou​ constatando que era a empregada que estava emitindo aqueles ruídos. Eram sons de angústia e tristeza. Ela estava aos prantos.

— Carla? Pode nos dizer novamente o quê aconteceu?

Escutou uma voz grave e imponente, fazendo-a se sobressaltar. Reconheceu de imediato de quem aquela voz pertencia, era de seu pai. Ao olhar rapidamente pelo canto da porta, o viu mais atrás, afastado das duas mulheres, em um canto da sala, de pé e com um semblante bastante sério.

Essa pergunta fez com que Carla chorasse ainda mais, e com que a ruiva tentasse desesperadamente acalmá-la.

— Matthew! Não a faça ficar mais nervosa.

A voz límpida e calma, mas de tom repreensivo de sua mãe, se fez presente.

— É que estou tentando entender o que aconteceu.

— Eu sei! Mas não vê que a pobre coitada nem está mais se aguentando de tanto chorar?

— T-tudo bem, senhora Lehnsmann. Vou tentar explicar — a voz falha e fraca, carregada de tristeza de Carla, foi audível naquela manhã silenciosa.

— Ontem, depois que sai daqui, levei meu filho, Nico, ao médico, como o de costume — Carla começou a contar. — Vocês sabem que meu filho nasceu com uma má formação na perna direita e tem dificuldades de andar. Por isso, sempre o levo para fazer exames, para saber se está tudo bem.

— Sim. Mas, o que houve?— Katrine perguntou.

Carla engoliu com dificuldade e continuou a contar:

— O médico me disse que ele precisava de um tratamento especial. Que não podíamos mais continuar como estava, e que ele devia ser enviado para esse hospital imediatamente, para fazer os tratamentos necessários.

— Como assim? Mas, não era apenas um problema físico?— Matthew disse confuso.

— Sim! Eu também achei estranho e disse que queria saber qual era esse hospital, e que tipo de tratamento ele receberia. Mas, eles falaram que eu não entenderia todos os termos médicos e que apenas deveria confiar neles. Então, sem mais nem menos, apareceram algumas enfermeiras, e simplesmente o tiraram de mim... — neste momento ela voltou a chorar compulsivamente, não conseguindo mais dizer nenhuma palavra.

— Calma, calma. Você precisa se acalmar, querida— Katrine dizia amavelmente, passando suas mãos pelos cabelos de Carla, tentando inutilmente confortá-la.

— E-eu não queria... Não queria deixar que eles levassem meu Nico, mas não pude fazer nada. Simplesmente o tiraram de mim — mais uma onda de choro fora ouvido.

— Só pode ser aquele maldito programa— seu pai praguejou alto.

— Não diga uma coisa dessas! — a ruiva falou brava para seu marido, o encarando. — Principalmente na frente dela.

Leona não sabia ao o que seus pais estavam se referindo, mas parecia que aquele programa não era nada bom, pois, ambos ficaram bastante nervosos. O que era bastante difícil de presenciar.

— Você não percebe Katrine? Tudo se encaixa perfeitamente — o loiro continuou a falar. — Você sabe muito bem que o programa foi criado para eliminar os problemas — ao dizer tal palavra ele fez gesto de aspas com as mãos.— Problemas que a nossa sociedade ariana, como eles gostam de falar, não precise lidar. E o menino ainda bate com a descrição, já que ele tem apenas 1 ano. Eles preferem crianças, principalmente recém-nascidos, pois, dizem que é mais fácil das mães não terem ainda muitos sentimentos pelos filhos.

— Não tem graça o que você está dizendo, Matt. Então, quer dizer que você está sugerindo que o pequeno Nico foi enviado para esse programa... — Katrine não conseguiu terminar de falar.

— Sim, para esse novo programa criado pelo governo. O programa de eutanásia¹.

— Não! — ao ouvir tais palavras, Carla deu um forte grito, fazendo com que a ruiva a abraçasse fortemente.

Leona sabia muito bem o que significava eutanásia. Queria dizer, em termos técnicos, que alguma pessoa ou animal teria sua vida cessada através de medicamentos. Dizia-se que era uma prática rápida e indolor, como um ato de misericórdia. Mas, ela não entendia o que isso tinha a ver com o pequeno Nico, que ela costumava brincar nos finais de semana, quando, Carla o trazia para o trabalho. Não via necessidade de praticar tal ato com o pequeno. Para ela, ele era bastante saudável e com uma vida inteira pela frente. O único problema era que ele tinha nascido com seu pé direto virado para trás, mas isso não iria o impossibilitar de fazer nada.

— O que você está fazendo aqui bisbilhotando?

Levou um grande susto ao escutar uma voz logo atrás de si. Ao olhar, constatou que era o seu irmão mais novo, Nickolaus. Ele estava usando seu pijama laranja e estava com a cara toda amassada. Incrivelmente, Nick conseguia ser ainda menor que ela, e, apesar de possuir apenas 12 anos, ela custava a pensar que ele fosse ficar grande algum dia.

— Eu não estou bisbilhotando nada — disse quase sussurrando.

— Não, é!? — Nick disse aos gritos.

— Shhh , pare de gritar. Fale baixo — ela o repreendeu, pois, sabia que se eles fossem pegos escutando atrás da porta, iriam ser severamente repreendidos.

Mas, pedir a Nick que fosse mais silencioso e discreto era o mesmo que pedir para que a água de um rio voltasse para as montanhas, ou seja, impossível.

— Não diz Shhh, para mim. O que eles estão falando?— disse ainda aos berros.

Antes que Leona conseguisse reprender seu irmão caçula e cabeça oca novamente, eles foram surpreendidos por uma imponente e alta voz.

— O que vocês estão fazendo aqui acordados uma hora dessas? — a mãe deles havia os escutado e estava os encarando, em frente à porta.

Naquele momento nenhum deles sabiam o que falar. Definitivamente, quando a mãe deles queria, ela conseguia fazer com que ficassem com medo. Ela sempre vivia aos berros e ameaças, que no final das contas, acabavam não sendo só ameaças. Ou seja, com Katrine nunca podia bobear.

— Acabamos de acordar e viemos tomar o café— Leona conseguiu, por fim, dizer, morrendo de medo de que a mãe não aceitasse essa desculpa.

Nick nem se quer conseguiu responder. Ele estava parado com os olhos arregalados, olhando de uma para a outra. Ele era o que tinha mais medo da mãe, pelo fato de ser o mais bagunceiro e sempre se meter em confusões, o que gerava longas conversas unilaterais vindos de Katrine aos berros e, é claro, dos castigos severos.

Após ouvir a resposta da filha mais velha, ela abriu passagem para que os dois pudessem entrar na sala. Reparou que Carla não se encontrava em nenhum lugar. Provavelmente, quando estava conversando com seu irmão ela deveria ter se retirado e ido para a cozinha.

Seu pai estava sentado e os olhando. Ele possuía um leve sorriso nos lábios, decorrente da pequena cena entre a mulher e os filhos, que acabara de presenciar. Mas, Leona percebeu que os olhos do pai, que eram sempre tão afáveis e tranquilos, naquele momento estavam bem gélidos.

Estava curiosa para saber mais sobre a cena que tinha presenciando minutos antes, mas se perguntasse iria se denunciar, então preferiu ficar quieta.

Uma coisa que ela não sabia ainda era a de que Nico nunca mais seria visto.

— Sentem-se, eu vou buscar algo para vocês comerem — Katrine disse e se retirou para a porta mais ao fundo, que dava acesso à cozinha.

— Então crianças, o que vão fazer hoje na escola?

— Hoje a gente não tem escola, pai — Nick disse coçando os olhos.

— Como assim? — perguntou surpreso.

— Hoje é dia de trabalho de campo, como eles gostam de falar. O que quer dizer que temos que ir ao trabalho de nossos pais, para aprender o que eles fazem por lá, e depois fazer um relatório — explicou pacientemente.

— Levar vocês para o trabalho? — o loiro continuou surpreso.

— É, Matthew. Você não se lembra de que eu disse isso ontem?— a ruiva perguntou ao voltar para a sala, olhando seriamente para o marido.

Percebeu que seu pai ficou vermelho e sem graça, pois, estava mais que na cara que ele não se lembrava. E isso era perigoso quando se tratava da sua querida esposa.

— Ah! Bem! — ele começou a coçar a cabeça tentando encontrar uma maneira de contornar a situação.

— Não me venha com desculpas— disse sentando-se à mesa.

— E como vai ser isso? — ele perguntou, tentando fazer com que a esposa esquecesse daquele ocorrido.

Ela lhe lançou um olhar furioso e que dizia que não iria se esquecer daquele ocorrido e que mais tarde iriam conversar sobre isso. Seu pai apenas abriu um sorriso de nervoso.

Observava essa cena, enquanto que seu irmão estava alheio a tudo a sua volta, apenas preocupado em comer um grande pedaço de pão que a mãe acabara de colocar na mesa.

— Nick vai com você e a Leo comigo — disse calmamente.

— O Nick comigo?— falou surpreso. — Acho melhor que a Leona venha comigo.

— Não — ela disse curta e grossa.

— Credo, pai! Você não quer ficar comigo?— seu irmão disse fingindo indignação, no mesmo instante que tinha um enorme pedaço de rosca na boca.

— Engole a comida antes de falar — a mãe o repreendeu.

— Não é isso filho, é que como eu trabalho no Parlamento, que é um lugar bem sério, eu achei que fosse melhor levar a sua irmã que é mais quieta que você.

— Já está decidido, e não vamos mudar. Faz algum tempo que não tenho algumas horas a sós com minha filha. Você sabe! Para falar e fazer coisas de meninas. Então, decidi que meninas vão para um lado e meninos vão para o outro.

O pai ficou visivelmente contrariado, mas ele não ousava contradizer a esposa, não naquele momento. E, não era que ele não gostasse do filho, pelo contrário, o amava com todas as forças. O problema era que Nick era super hiperativo, escandaloso e bagunceiro. Ou seja, uma mistura perfeita para o desastre.

— Filha, termina de tomar o café e vá se trocar para que possamos sair. Hoje preciso chegar mais cedo na redação, porque vamos ter uma reunião. E, minha nossa! O que aconteceu com o seu cabelo? — disse espantada ao reparar pela primeira vez no cabelo da filha.

— Ele nasceu assim, foi o que aconteceu— falou chateada com a mãe.

— Vamos para o seu quarto que eu vou dar um jeito nele.

Assim, ambas saíram da sala de jantar, e se direcionaram ao andar de cima para se arrumarem para mais um longo dia.

☆☆

Pai, porque a gente não tem carro?— Nick perguntava em frente ao portão da casa.

Ambos esperavam pelas outras duas moradoras da casa, que ainda não haviam saído.

— Porque nós não precisamos. Moramos apenas a uma quadra do Reichtag², e posso ir muito bem andando daqui até lá. E, também, aqui fica perto de tudo.

— Mas, mamãe trabalha do outro lado da cidade. Ela não precisa de carro?

— Não, não preciso. Prefiro andar de bonde ou ir de táxi do que ter um carro — Katrine disse ao sair de casa.

Ela usava um terninho azul-marinho com gola em corte em V, deixando parcialmente à mostra suas curvas, e uma saia um pouco rodada e do mesmo tom, três dedos abaixo do joelho, além disso, usava luvas e chapéu. Seu cabelo estava amarrado em um coque baixo. Leona usava um conjunto de blusa e saia no tom marrom, além de meias e um sapato baixo, luvas e um chapéu. Seus cabelos foram amarrados com traças.

— Minhas duas meninas estão lindas como sempre — Matt disse todo sorrisos.

— Mais é claro. E você sempre vestido assim — disse se direcionando ao marido, arrumando sua gravata.

— Você sabe que preciso usar terno no trabalho.

— É, mas isso não quer dizer que você precisa ficar tão bem-visto.

— O que posso dizer? Eu combino com ternos.

— E esse meu menino-bonito — Kate falou dando um beijo nas bochechas do filho.

— Detesto esses suspensórios. Ficam me apertando.

— Vai se acostumando. Vai ter que usar isso pela vida inteira. E vai ficar pior, já que você vai precisar fica usando esses ternos calorentos — o pai falava.

— Por que vocês estão saindo agora? Você não tem que entrar no trabalho só daqui a uma hora, papai? — se pronunciou pela primeira vez.

— Pensei em dar uma volta pelo Tiergarten³ antes. Vocês sabem, programa de meninos — o mais velho disse com a intensão de provocar a esposa.

— Bem, estamos indo. Juízo vocês dois, entenderam?

— Sim senhora — ambos disseram ao mesmo tempo.

Ambas as garotas desceram a rua com a intenção de pegar um bonde que passava a duas quadras dali.

☆☆

Após, mais ou menos 30 minutos, mãe e filha chegaram à Rua Komturstraβe, uma rua comercial bem distinta. Havia vários transeuntes passando por lá. A maioria era de homens e mulheres bem vestidos com seus ternos de trabalho e cigarros na boca.

Katrine andava tranquilamente, virando em uma esquina do lado esquerdo da passarela. Era uma rua mais estreita e menos movimentada, mas havia várias portas de comércio. Após dar mais alguns passos, elas se depararam com uma pequena porta de madeira. Leona não deixou de reparar que acima da porta havia um pequeno letreiro que dizia ''jornal A voz do povo''. Era um jornal local, onde sua mãe trabalhava como redatora de uma das colunas de política e economia do jornal.

Sua mãe não poupava palavras verdadeiras e até um pouco ácidas para com o mais novo partido de sucesso dos últimos anos, o Partido Nacional Socialista do Trabalhador, ou, como era mais popularmente conhecido, o Partido Nazista. E, ela também não poupava esforços para criticar veementemente as ideias que eram empregadas pelo Partido e, principalmente, do seu principal representante, Adolf Hitler. O que gerava árduas discussões com seu marido, que achava que ela deveria ter mais cautela e pensar duas vezes antes de dizer qualquer coisa, principalmente quando se dizia respeito aos nazistas. O que, é claro, era ignorado por Katrine.

Ambas entraram e se encontraram em um estreito corredor mal iluminado, que se estendida em frente, dando em uma pequena saleta. Do lado esquerdo havia três cadeiras velhas e do lado direito um gasto balcão da recepção, onde, uma mulher de batom vermelho gritante e roupas em um tom verde, estava sentada. Ela aparentava ter uns 15 anos a mais do que Katrine e já era possível ver alguns fios brancos misturados à cabeleira castanha.

— Ainda bem que já chegou Katrine, o senhor Muller já está na sala de reunião esperando por você. E, ele me pareceu bem agitado — a recepcionista manifestou, levantando do seu lugar e vindo em sua direção.

— Eu ainda estou no horário.

— Eu sei, mas sabe como ele é. Sempre querendo adiantar as coisas e apressar todo mundo.

— Ok, já estou indo para lá. E, Madison? Você pode levar a minha filha até a minha sala? — sua mãe perguntou já se distanciando do lugar.

— Mais é claro. Então, essa é a pequena Leona? Você é uma gracinha, sabia? — ela disse se direcionando a menina, com um leve sorriso nos lábios.

— Eu não sou uma gracinha, tenho quatorze anos e não oito — respondeu mal-humorada e com a cara fechada, diante das palavras da mulher.

— Leona! Olha a boca. Não foi essa a educação que eu lhe dei! — a ruiva repreendeu alto e com um semblante sério, não acreditando na petulância da menina.

— Tudo bem Katrine. Isso só demostra o quanto ela é parecida com você. E, não é só na aparência, mas parece que no gênio forte também — disse dando altas gargalhadas.

Não gostou muito da atitude da mulher, se sentia humilhada por ter sido tratada como uma criança, mesmo já sendo uma moça. Muitas garotas com a sua idade já tinham namorados. Até sua mãe já namorava seu pai nesta idade. E ela estava ali sendo confundida com uma criança devido a sua baixa estatura e a falta de curvas.

— Mesmo assim, não significa que ela precisa ser mal-educada. Depois que eu sair da reunião vamos ter uma conversa, entendeu mocinha? — a mãe disse apontando um dedo, logo em seguida se virando e subindo uma estreita escada que levava ao segundo andar.

— Vamos. Vou te levar ao escritório da sua mãe — Madison disse saindo por um corredor lateral, que até o momento ela não havia percebido.

Sem muita vontade ia seguindo a secretária pelo corredor, até que se depararam com mais uma escada. Subiram por ela, chegando ao segundo patamar. Duas portas à direta Madison abriu uma porta, indicando para que entrasse. Do outro lado da porta havia uma pequena sala, com uma mesa localizada de frente para uma enorme janela de vidro que se localizava do outro lado da sala. Sobre a mesa havia apenas uma máquina de escrever, alguns papéis e livros e um porta-retratos, que, ao se aproximar, descobriu que tinha uma foto de sua família.

Do lado direito da porta de entrada havia mais uma porta que ela imaginou que fosse o roupeiro onde sua mãe deveria guardar os casacos e bolsas.

— Fique por aqui. Irei voltar para a recepção, mas se precisar de qualquer coisa pode ir me procurar — Madison disse, se retirando logo em seguida, fechando a porta.

Ficou por um tempo parada, apenas analisando o ambiente, não sabia o que podia fazer. A única coisa que tinha certeza era a de que não deveria mexer nas papeladas em cima da mesa, pois, sua mãe com certeza iria brigar com ela. Então, decidiu por observar a paisagem pela janela. Ao se aproximar, constatou que do outro lado, logo abaixo, havia um enorme pátio vazio e de aparência abandonada. Mais à esquerda pôde ver a rua, pela qual, poucos minutos antes, ela havia passado com sua mãe e, ao olhar para frente, viu várias construções de todos os formatos e tamanhos que se perdiam de vista.

Ficou por algum tempo distraída observando a paisagem, até que sua atenção foi chamada por um barulho vindo do lado de fora da sala. Ela se dirigiu à porta a abrindo e observando o corredor que, no momento, estava completamente vazio. Ficou prestando atenção para ver se conseguia ouvir mais alguma coisa, quando, de repente, mais um barulho ecoou, semelhante a um grito vindo do andar de baixo, e logo em seguida barulhos de passos apressados ecoando da escada. Ficou olhando naquela direção, até que foi surpreendida por um homem que foi jogado violentamente da escada para o corredor, e, logo em seguida, outro homem apareceu segurando um tipo de porrete nas mãos e batendo no outro.

Leona ficou bastante assustada e fechou imediatamente a porta, trancando-a logo em seguida. Rapidamente, o barulho de pessoas correndo, gritando e coisas sendo quebradas puderam ser ouvidas por todos os lados. Sem saber o que fazer ela ficou apenas encarando a porta, visivelmente pálida e com bastante medo. Acabou, então, percebendo que alguém tentava força a maçaneta da porta. Sem pensar duas vezes, ela entrou no roupeiro, se escondendo atrás de alguns casacos que se encontravam ali. Ficou abaixada tentando ouvi qualquer coisa que pudesse dizer o que estava acontecendo. Logo, escutou um estrondo bem mais forte e próximo e constatou que a porta da sala havia sido arrombada. Ela se encolheu mais ainda, no canto mais afastado, fechando os olhos e tampando os ouvidos com ambas as mãos, pois, o barulho que vinha lá de fora estava mais alto do que nunca, a deixando totalmente em pânico.

Depois de um tempo, parada na mesma posição, percebeu que os barulhos tinham cessado. Não sabia quanto tempo tinha ficado lá dentro, para ela parecia ter sido minutos intermináveis. Após tomar um pouco de coragem, resolveu que deveria sair do cômodo, para ver o que havia acontecido e também para poder encontrar sua mãe. Ao abrir a porta reparou que a porta de acesso ao corredor estava escancarada e quebrada onde ficava a tranca, a mesa estava virada no chão e tudo o que antes estava encima dela estava espalhado por toda a sala. A janela que, instantes atrás ela estava observando, agora estava quebrada e vários cacos de vidros estavam espalhados por todos os cantos. Aproximou-se cautelosamente da janela, olhando através do buraco, e viu lá embaixo no pátio, o que era antes a máquina de escrever de sua mãe.

Estava observando aquela cena, quando, alguém entrou rapidamente na sala.

— Graças a Deus você está bem! — Katrine veio desesperada a abraçando fortemente.

Sua mãe apresentava uma expressão desnorteada, estava com a face pálida e os cabelos despenteados.

— Mãe, o que aconteceu aqui?

— Katrine, precisamos sair daqui agora! — um homem gordo e de bigode branco disse ao aparecer na porta.

— Sim, senhor Muller, nós já estamos saindo.

Sem falar mais nada, a mulher pegou na mão da filha, a puxando para fora da sala. Conforme iam andando pelo corredor, reparou que todas as salas ao longo dele estavam com as portas escancaradas e quando passavam na frente, via que dentro delas tudo estava bagunçado. Também percebeu que em alguns cantos do corredor havia algumas manchas que ela tinha quase certeza que era sangue. Sua mãe a guiava apressadamente, sem nunca olhar para trás. O homem que sua mãe havia chamado de senhor Muller, ia um pouco mais à frente das duas, observando com atenção redobrada tudo o que acontecia mais adiante.

Quando chegaram ao primeiro andar, percebeu que havia várias coisas destruídas e quebradas por todos os lados que passavam. Em um corredor, que vinha do outro lado da sala de recepção, escutaram mais barulhos de pessoas brigando e coisas sendo quebradas. Neste momento, apressaram os passos e saíram correndo para fora do prédio.

Ao saírem, viram que havia várias pessoas amontoadas ao longo da rua, tentando entender o que estava acontecendo. Havia algumas pessoas que estavam com as roupas desarrumadas e outras até com alguns machucados que sangravam. Reparou mais ao longe a recepcionista Madison, com um corte profundo acima da sobrancelha esquerda, que sangrava bastante. Ela parecia estar bastante desnorteada.

Katrine reparou que tinha um policial que estava parado, junto com os outros civis, apenas observando. Ela, imediatamente foi em sua direção, ainda puxando a filha pelo braço.

— Não vai fazer nada? Aqueles selvagens estão destruindo tudo lá dentro e machucando as pessoas — disse desesperada.

O policial apenas a olhou com cara de tédio.

— Vamos! Não vai fazer nada? — Katrine insistiu, já ficando nervosa.

— Eu não tenho nada a ver com isso. São os Camisas Pardas⁴. Que eles façam o que bem entenderem. Até porque, pelo que sei, já estava mais que na hora desse jornal de quinta ser fechado ˗ ele respondeu, demonstrando um leve sorriso de canto.

— Como você ousa... — foi interrompida.

— Katrine! É melhor você levar sua filha para casa. Ela está muito assustada e isso aqui não é lugar para ela — o senhor Muller dizia, tentando apaziguar a fúria que a mulher sentia.

Pela primeira vez, desde que saíram do seu escritório, Katrine olhou para a filha, percebendo que o homem estava certo. Leona realmente parecia estar bastante assustada, com tudo o que estava acontecendo. Acabou dando as costas para o policial, indo em direção ao pátio que ficava do lado do jornal, pegando sua máquina de escrever, que estava jogada ali. Estava toda amassada e havia perdido algumas teclas com a queda, mas ainda poderia ser usada.

— Vamos para casa — disse por fim e saiu andando daquele local com a máquina nos braços.

☆☆

Naquele mesmo dia, à noite, Leona estava sentada em sua cama com seu irmão, que estava brincando com alguns brinquedos que estavam no chão. Escutava mais uma das fervorosas discussões entre os seus pais. Naquele dia, em especial, sabia muito bem qual era o assunto em pauta. Seu pai estava com medo de que acontecesse alguma coisa com sua esposa e não queria deixar que ela voltasse ao trabalho, ao qual, Katrine negava constantemente.

Após algum tempo, resolveu sair para o corredor, para poder ouvir com mais clareza a conversa. Quando se aproximou da porta do quarto dos pais, pôde ver através da fresta da porta que ambos estavam um de frente para o outro, falando:

— Você sabe que isso aconteceu por causa das críticas que o jornal faz com relação ao Partido Nazista e principalmente a Hitler. Os Camisas Pardas estão fazendo isso em todos os lugares que apresentam sua opinião contrária ao governo — seu pai dizia.

— Mas isso é um absurdo. Onde fica o direito de livre arbítrio? A liberdade de imprensa?

— São coisas que não existem mais. Ainda mais depois do incêndio do Reichstag⁵, que aconteceu semana passada. Isso só deu mais liberdade para que eles pudessem atacar a oposição.

— Esse incêndio foi armação dos nazistas. Está mais que na cara que foram eles que fizeram isso.

— Não temos certeza se foram realmente eles. De qualquer modo, quero que você saiba que não vai terminar por aqui, muitas coisas ainda irão acontecer, na maioria delas, ruins, até que isso acabe — Matthew disse abraçado a esposa carinhosamente.

Aquelas palavras, que seu pai acabara de falar, nunca estiveram tão certas. Ainda haveria muitas coisas para acontecerem. Coisas muito piores ainda iriam acontecer nos próximos anos que se seguiriam, coisas que ninguém poderia imaginar, mas que marcariam o mundo inteiro pelo resto da história da humanidade.

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¤Notas finais:

¤Personagens:

●Leona Lehnsmann●


●Carla●


●Katrine Lehnsmann●


●Matthew Lehnsmann●


●Nickolaus Lehnsmann●


●Senhor Muller●


●Madison●


¤Notas:

1) Conhecido como Aktion T4, o programa de eutanásia diferente do colocando nesta história teve o seu inicio em agosto de 1939, e tinha como objetivo criar uma sociedade racialmente pura, sem pessoas com deficiências físicas e mentais. Também foi emitido um decreto no qual obrigava os profissionais médicos a reportarem oficialmente casos de recém-nascidos e crianças menores de 3 anos com incapacidades graves. Com o objetivo de eliminar aquelas crianças, as autoridades alemãs começaram a incentivar os seus pais a interná-las em clínicas pediátricas onde elas seriam "tratadas". As clínicas eram na realidade ambulatórios de extermínio, onde médicos especialmente recrutados assassinavam seus jovens pacientes com overdoses letais de remédios ou deixavam que elas morressem de fome. O programa de extermínio logo expandiu-se para incluir jovens de até 17 anos, e foi rapidamente estendido aos adultos internados em instituições médicas e psiquiátricas.

2) Palácio do Reichstag é o nome do prédio onde o parlamento federal da Alemanha exerce suas funções.

3) Tiergarten que significa "Jardim dos animais", era o campo de caça da realeza. É o segundo maior parque de Berlim com 2,1 quilômetros quadrados. Localizado no coração da cidade, se estendendo da Potdsdamer Platz ao Portão de Brandenburgo.

4) Camisas pardas era o nome dado aos Sturmabteilung ou Tropas de assalto. Eram a milicia paramilitar nazista que praticavam violência e apoiavam a ascensão dos nazistas. Eram conhecidos como Camisas Pardas devido a cor de seu uniforme.

5) O incêndio do Reichstag ocorreu em 27 de fevereiro de 1933 tendo como principal suspeito um jovem comunista holandês, Marinus van der Lubbe. E o fasto do jovem ter aspirações comunistas, fez com que Hitler acreditasse que uma conspiração comunista estava por trás deste incidente. Nessa época o partido nazista ainda não tinha consolidado seu poder, e eles viram esse incêndio como uma boa oportunidade de conseguir entrar no poder em definitivo. Na mesma noite foi criado um decreto de prisão a qualquer pessoa que pudesse ter vinculo com comunistas e também eliminava a liberdade de expressão, opinião, de reunião e de imprensa. Esse decreto logo ficou conhecido como o Decreto do Incêndio do Reichstag, e com isso os nazistas começaram a dispor de ferramentas decisivas para combater seus inimigos, sendo um acontecimento crucial para o estabelecimento da Alemanha nazista. Alguns historiadores acreditam que esse incêndio foi preparados pelos próprios nazistas para poderem entrar no poder em definitivo.

Espero que tenham gostado.
Estou realmente ansiosa por isso.
Não hesitem em me deixar saber o que acharam.

Até a próxima :) :)

7 Juin 2021 01:15 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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À suivre… Nouveau chapitre Toutes les semaines.

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