Correndo esbaforida por entre as palmeiras, a menina tropeçou. A nuvem, que já tomava o topo da montanha, engoliu-a. Ofegando, ela olhou para cima, contemplando às visões que se formavam como fumaça que saiam do incenso.
Espessas e oníricas, aquelas fumaças tomaram lentamente a forma de uma gigantesca serpente de bronze, que tinha olhos vermelhos, luminosos e ferinos. Ali mesmo, caída na grama, a menina virou o rosto no instante seguinte em que fitou o monstro. Na direção para onde, aterrorizada, ela se virou, outra parte da fumaça tomava a forma de um homem, que vinha do céu cavalgando num touro de asas de águia.
Por mais que tentasse, a jovem não conseguia ver seu rosto, entre os cabelos e a barba branca.
O guerreiro do céu desceu, perseguindo a serpente colossal, cuja fumaça viva de bronze já se enroscava pelo derredor da moça. Da reluzente aljava de prata que trazia às costas, o homem disparou, com um arco, fumaças em forma de flechas, que eram mais luminosas que os olhos da serpente.
Cobrindo o rosto com as próprias mãos, ela protegeu seus olhos. Salvou-os da incontemplável claridade, mas se ensurdeceu com o som de trovões. Não conseguia ver os raios perfurarem a couraça da serpente, produzindo feridas como de metal fundido sobre carne queimada. E, ensurdecida, não pode ouvir os rugidos macabros que a besta emitia cada vez que era ferida.
Ao tomar coragem de abrir de novo os olhos, ela contemplou o guerreiro saltando sobre o dragão. Parte da fumaça tomou a forma de uma espada, que ele cravou na cabeça do monstro, empurrando-o violentamente até o chão até cair aos pés da menina. O impacto contra o solo fez com que a fumaça se tornasse azul e espumante, espalhando-se como água do oceano ao redor dela. A menina olhou para baixo, notando outra fumaça, marrom e verde, como a montanha sobre a qual ela estava.
As fumaças então se rearranjaram em novas formas, então, sem cor nem vida. Um comerciante que adulterava a balança; um guerreiro que iria para a guerra, despedindo-se da família; anciões negando o pasto de uma viúva; uma mãe que deixaria órfãos os filhos, devido a picada de uma cobra; homens em banquetes entre porcos, num palacete em meio à miséria.
Como que tomada por uma intuição, a menina voltou para si, examinando seu corpo magricelo. A montanha e as árvores a sua volta eram formadas pela mesma fumaça de cores vivas. Desconfiada, e olhando em redor, se pôs a caminhar por uma estrada iluminada entre as palmeiras.
Até que ouviu os zumbidos.
Eram abelhas. Mais luminosas, mais oníricas. Enxames barulhentos, ferozes, que lhe alcançaram sem que ela tentasse fugir. Tão somente ergueu as mãos, protegendo o rosto.
A primeira picada foi a mais dolorosa, e lhe trouxe de volta à realidade. As fumaças haviam desaparecido, e ela se viu rolando ao chão entre as palmeiras do topo da montanha. O enxame, contudo, era real, e as demais abelhas picavam sem trégua suas mãos. Somente as mãos.
- Quanto tempo fiquei aqui? – ela se perguntou, recuperando o fôlego após a picada da ultima abelha. Suas mãos estavam feridas com as picadas que não incharam, nem mais doíam. Mas deixaram marcas que formavam runas, as quais ela, iletrada e camponesa, não era capaz de compreender.
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