Quantas vezes você é capaz de ler um livro que ama? Astato já havia perdido a conta de quantas vezes puxou aquele livro que estava cuidadosamente colocado na estante de seu quarto, mas era capaz de devorar página por página como se fosse a primeira vez. Seu exemplar de “O Arauto Manchado” estava um pouco surrado pelas constantes leituras, mas sempre teve o cuidado para não danificar nenhuma página e tinha um segundo volume do mesmo exemplar, ainda lacrado, como garantia. Seu amor por aquele autor alimentava o seu sonho: ser um escritor. Queria seguir os passos daquele e de muitos outros autores brilhantes para construir uma história inesquecível.
Na escrivaninha, onde se acomodou com o livro em mãos, havia um caderno aberto onde fazia algumas anotações de ideias que vinham a sua mente vez ou outra, sem saber como poderia conectá-las para transformar em uma história única. Recorria a releitura de seu livro preferido como se ele pudesse lhe contar a fórmula mágica para tal feito, a arte da criação. Principalmente com as primeiras palavras... Como escolher de que maneira poderia começar uma história e capturar a atenção do leitor?
— “Assim que o sol ascendeu no horizonte, o arauto anunciou: é o início de uma longa e desgastante busca pela verdade.” — Astato recitou uma de suas frases favoritas da primeira página, abrindo um sorriso ao ter aquela sensação deliciosa de empolgação.
As pontas de seus dedos começaram a formigar assim que uma nova ideia surgiu em sua cabeça e Astato agarrou a caneta mais próxima como um gesto automático, rascunhando no caderno. No entanto, assim que o som de batidas em sua porta cortou a sua linha de pensamento, foi impossível para ele controlar um murmúrio insatisfeito. Depois de um suspiro longo, acabou dando permissão para o intruso perfurar sua bolha criativa.
— Atrapalho?
— Não, pode falar. — Astato já estava acostumado a ser interrompido por algum parente, dessa vez era um de seus irmãos.
— Eu estou quase atingindo a perfeição! — anunciou com alegria ao se aproximar do outro — Mal posso acreditar que estou na reta final... Muitas noites perdidas, muitos cálculos sendo feitos e revisados! — o tom satisfatório em sua voz provocou um sorriso em Astato — Será um sucesso! Vou receber as devidas honrarias pela melhor invenção que a faculdade já presenciou.
— Posso ver que está realmente empenhado em seu projeto... Quer me mostrar ou algo assim?
— Mais do que isso! Você é imprescindível para que esta invenção seja um sucesso, meu querido irmão.
Assim que sua sobrancelha se ergueu em desconfiança com aquela frase, Astato sentiu sua mão ser segurada pelo outro e foi obrigado a levantar da cadeira e, poucos minutos depois, se viu sendo guiado pela casa. Foi uma caminhada considerável, pois moravam em uma residência de luxo e com bastante espaço, delatando o poderio financeiro da família. Astato já sabia que estava sendo levado para a oficina, um dos maiores cômodos da casa que era constantemente usada pelo patriarca e pelo irmão, onde provavelmente estava guardada a sua “maravilhosa” invenção. Não conseguia entender por qual motivo seria uma peça fundamental para a conclusão do projeto, pois ele queria percorrer o caminho oposto de sua família.
Os pais de Astato eram exímios dominantes de Ciências Exatas, construindo suas carreiras e prosperaram ao ponto de serem grandes nomes em suas respectivas áreas. O pai era bacharel em Física e trabalhava com Instrumentação, já a mãe trabalhava no mercado financeiro, com uma vida acadêmica impecável em Matemática. O casal genial se conheceu em uma convenção e não demorou muito para se casarem, dando início àquela família composta por mais três filhos. Intencionalmente e com muita alegria, os pais batizaram as crianças com nomes “excêntricos”, que fariam sentido apenas para eles.
Baseando-se em termos específicos de Matemática, Física e Química, as três crianças nasceram e cresceram cercados de um ambiente muito culto e estimulante. Bissetriz, a filha mais velha, aturou muitas piadinhas de mal gosto pelo seu nome “erro-no-cartório”, mas fazia questão de explicar que palavra se referia a uma semi reta traçada a partir de um vértice para dividir dois ângulos com a mesma medida. Íon, o segundo filho, não sofreu tantas angústias com seu nome, apesar de se referir aos átomos que perderam ou ganharam elétrons em consequência de alguma reação.
Astato era o caçula e ficou com a responsabilidade de carregar o mesmo nome do elemento químico mais raro do universo. Do grupo dos Halogênios, altamente radioativo e oxidante, com poucas gramas sendo encontradas por toda a crosta terrestre. Era um elemento tão raro que pouco se sabia de seus reais efeitos e só era usado em pesquisas científicas, tendo o foco em medicina radioativa. Astato se perguntou muitas vezes se seus pais lhe deram esse elemento por conta de sua raridade ou se previram que ele não seria fácil de lidar. Em uma família de Exatas, ele era de Humanas!
— Aqui está! — Íon anunciou com todo o orgulho assim que entraram na oficina cheia de bugigangas e materiais de estudo.
Os dois pararam diante de uma estrutura rebuscada: um semicírculo composto de várias hastes de metal que foram estrategicamente entrelaçadas para conduzirem uma carga energética. O chão da cúpula possuía um isolamento de borracha e poderia acolher uma pessoa em seu interior e lá dentro, conectado por alguns cabos de fibra, tinha um suporte que se assemelhava àqueles para partituras, porém com mais hastes de metal, fios elétricos e cinco pequenas luzes posicionadas na parte de trás. Enquanto Íon contemplava a sua obra com um sorriso, Astato começava a se preocupar por sentir que estava prestes a se tornar uma cobaia do irmão.
— Por favor, não quero ser o seu rato de laboratório de novo. — implorou antes que o outro pudesse dizer qualquer coisa.
— Não diga isso! — Íon se mostrou ofendido, colocando uma das mãos sobre o peito enquanto balançava a cabeça de forma negativa — Nunca coloquei você, meu irmãozinho querido, em perigo! Revisei todas as possibilidades de risco ao conduzir este experimento e calculei as probabilidades de... — enquanto divagava sobre todos os números e chances do sucesso e fracasso, Astato estava quase dando meia volta para escapar e teria conseguido se Bissetriz não entrasse no laboratório atrás deles.
— Ah, finalmente vai testá-la? — ela perguntou como se soubesse do que tudo aquilo se tratava, intrigando o caçula — Eu disse para me avisar quando fosse fazer o teste, Íon. Estive revisando os cálculos com você e quero ver se acertamos definitivamente na calibragem da máquina.
— Já ia chamá-la, só estava explicando o processo para o Astato. — se justificou e retomou a palavra — Como eu ia dizendo, este projeto nasceu por sua causa!
— Espere, acho que perdi alguma coisa do seu discurso. — admitiu não estar prestando a devida atenção, mas agora estava curioso demais para tentar fugir — Como assim?
— Simples: esta bela engenhoca tem como objetivo ajudá-lo em seu grande sonho... Quer ser um escritor, certo? — esperou a confirmação do caçula e Astato respondeu com entusiasmo — Então, você deve experimentar na própria pele a complexidade deste caminho.
— Nós sabemos que o papai e a mamãe estão preocupados com o seu futuro. — Bissetriz decidiu complementar o discurso — Nós entramos de cabeça no mundo dos cálculos, invenções e experiências científicas, com muitos recursos disponíveis aqui em casa. Mas você ficou limitado a buscar referências nos poucos livros não acadêmicos que existem aqui, isso quando não voltava tarde para casa por perder horas a fio nas bibliotecas públicas... — havia um tom nostálgico em sua voz ao lembrar-se das várias vezes em que teve de buscá-lo e, no caminho, ouvir de Astato todas as histórias maravilhosas que acompanhava — Então queremos ajudá-lo a desenvolver sua criatividade para que possa, enfim, criar sua primeira história.
— Vocês... — Astato estava momentaneamente sem palavras, olhando de um para o outro com uma sensação agradável. Sabia que seguir o seu sonho iria contra o estilo de sua família, mas saber que seus irmãos estavam dispostos a apoiar sua decisão era muito importante — Certo, então esta máquina vai me ajudar. Como? Vai estimular o meu cérebro ou algo assim?
— Na verdade, é um pouco mais complexo do que um estimulo. — Íon caminhou até uma lousa larga que estava no canto direito e exibiu as várias fórmulas que ele e Bissetriz fizeram desde o início do projeto. Não havia um espaço livre sequer naquela lousa, ver tantos números e símbolos já faziam o caçula ficar arrepiado — Você sabe que sou fascinado pelo estudo sobre dimensões alternativas, então pensei: um livro nada mais é do que uma dimensão criada, seja com elementos conhecidos ou totalmente novos, de acordo com as decisões de seu autor. — esta linha de raciocínio do irmão fez sentido para Astato, que assentiu positivamente — Partindo desse pensamento, seria muito mais fácil acessar uma dimensão “compactada” como esta, se houvesse a ferramenta certa para isto.
— Que é esta máquina. — Bissetriz completou novamente, apoiando uma das mãos delicadamente na cúpula metálica — Você vai ter uma experiência inesquecível com o auxílio dela... Iremos te levar para dentro de um livro.
— Dentro de um livro?! — o caçula repetiu com incredulidade, encarando a invenção com um olhar mais desconfiado — Isso é mesmo possível? Parece muito bom pra ser verdade...
— Confie em nós e em nossa ciência! — os dois mais velhos entoaram a frase, um bordão típico da família.
— Se você “vivenciar” um livro, irá assimilar as coisas com mais veracidade e será uma experiência única. Poderá encontrar novas ideias e um caminho mais concreto para idealizar a sua própria história. — Bissetriz o estimulava com confiança — Você já me disse que se inspira nos livros que leu e que quer entender melhor como construir os universos incríveis que você encontrou através da leitura... Não seria ainda mais incrível se pudesse estar dentro deles para aprender ainda mais?
A segurança que a irmã transmitia para Astato era tão grande que chegava a se sentir confortável com a ideia, além de seus olhos começarem a brilhar pela chance de ser levado para alguma de suas histórias favoritas. Porém qual livro deveria escolher? Não precisou pensar muito nisso, pois o exemplar do “O Arauto Manchado” ainda estava em suas mãos desde que fora tirado do quarto. Encarou a capa em silêncio enquanto ponderava sobre aquela proposta, mas não queria deixar que todo o trabalho que os irmãos tiveram fosse em vão. Não custava tentar e queria acreditar tanto quanto os outros que aquilo era mesmo possível de acontecer.
— E como vai funcionar? Quanto tempo vai durar?
— Você vai precisar entrar na cúpula, aguardar o processo de energia chegar ao auge até atingir o centro e seu corpo vai se tornar uma matéria compatível com a do livro. — a explicação de Íon não era tão clara, então tentou assimilar ao máximo — Mas não se preocupe, não vai sentir dor... Apenas um desconforto, provavelmente.
— Não sabemos o tempo exato, mas é provável que a máquina consiga te manter lá dentro por algumas horas. — Bissetriz completou, encarando seus cálculos na lousa — O processo de reversão será feito automaticamente e você voltará intacto para cá.
Com o entusiasmo e confiança dos irmãos, Astato não ofereceu resistência, afinal não era a primeira vez que acabava participando de algum experimento deles. Íon quase pulou de alegria quando Astato aceitou participar, então pegou o livro e colocou sobre o suporte, prendendo-o em uma pequena trava. Em seguida, Bissetriz ajudou o caçula a entrar na estrutura e ele começou a se sentir ansioso à medida que os irmãos o fechavam na cúpula.
Íon buscou uma espécie de controle que ativaria a máquina enquanto a irmã mais velha seguiu para um computador que ficava no canto oposto da oficina, sendo que era equipado com três monitores e aparelhagem de alta tecnologia. Assim que Bissetriz ligou o computador e acessou um sistema criado especificamente para a invenção, fez sinal para Íon e o mesmo apertou o primeiro botão do controle.
Os cabos conectados à cúpula foram os primeiros a reagir com um ruído característico, direcionando a energia por baixo e os diversos entrelaçamentos metálicos faziam o trabalho de conduzi-los para cima, a fim de alcançar o topo. Os pés de Astato estavam protegidos graças ao isolamento de borracha no chão, mas isso não o deixava tão tranquilo conforme assistia ao balé elétrico sobre sua cabeça e, no momento em que as correntes se uniram no topo da cúpula, uma forte descarga desceu para o suporte onde o livro se encontrava, forçando uma abertura abrupta.
Incapaz de enxergar qualquer coisa a sua frente graças ao clarão que a descarga provocou, Astato começou a sentir as consequências do experimento. Seu corpo formigava e se sentiu leve ao ponto de seus pés abandonarem o chão, pequenos raios de energia cortavam o ar ao seu redor, mais rápidos do que o barulho caótico que feria seus ouvidos e sentiu-se mais vulnerável à medida que perdia seus sentidos. Enquanto se desintegrava em pedacinhos, Astato sentiu, de uma maneira muito bizarra, que havia preenchido todo o espaço da cúpula em micropartículas.
O último ato daquela experiência resultou em uma força giratória que o puxou na direção do suporte e, consequentemente, na direção do livro aberto e cujas páginas viravam freneticamente por conta desta mesma força. As pequenas lâmpadas que estavam atrás do suporte estavam completamente acesas e piscavam em alerta e, quando chegou até o livro, Astato sentiu um contato familiar com a sensação do papel, perdendo a consciência em seguida e entregou-se ao abismo do desconhecido.
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Astato não fazia ideia de quanto tempo havia se passado desde que apagou e precisou de alguns segundos para se acostumar com a claridade que o cercava, mas que não provinha de nenhuma descarga elétrica dessa vez. Era o sol ardente que beijava a pele exposta de seu corpo recomposto, seu brilho natural atravessava as copas das árvores para alcançá-lo. A primeira coisa que o rapaz percebeu foi a cor das folhagens: tons esverdeados que pendiam mais para o azul, como turquesa. Assim que esse detalhe puxou algo de sua memória, seus olhos se arregalaram e tratou de se levantar para verificar o seu entorno.
Estava em um bosque, a natureza de sua composição o cercava onde quer que olhasse e procurou pequenos detalhes nas folhagens de cores únicas, encontrando pequenas frutas de três gomos em alguns arbustos próximos. Ouviu o trinado diferente de um pássaro ao longe, o vento uivando através das árvores trazia um suave tilintar como se estivesse cercado de pequenos sinos e Astato quase perdeu o fôlego ao dar alguns passos e encontrar uma flor de vidro. Suas pétalas transparentes refletiam suavemente a luz em várias cores sobre a grama e precisou tocá-la para ter certeza de que não estava sonhando.
— Eu estou aqui... Este é o Bosque Kamphanis! — Astato ditou com toda a certeza na voz, abrindo um sorriso largo — Realmente estou dentro do livro! Imagino o quanto Íon e Bissetriz estejam orgulhosos agora. — estava emocionado por seus irmãos acertarem na invenção e um espírito aventureiro logo se apossou de seu corpo — Não posso ficar aqui e nem sei quanto tempo tenho para aproveitar. Primeiro, eu deveria ir...
Assim que Astato moveu seu corpo na direção que pretendia seguir, algo passou tão próximo ao seu rosto que sentiu uma ardência em sua bochecha, como um arranhão. O corte não foi muito profundo, mas um filete de sangue escorria enquanto o corpo do rapaz tombava para trás, caindo sentado na grama fresca. Seu ferimento havia sido causado por uma flecha curta que estava fincada um pouco atrás dele e, pela velocidade, fora lançada por uma arma específica. Apesar do choque estampado por todo o seu rosto pelo ataque repentino, Astato logo se lembrou em que trecho do livro aquele bosque era citado e percebeu que estava em perigo.
O Bosque Kamphanis era uma região de fronteira entre dois reinos: o grandioso Blagó e a fortaleza de Thriann. Os dois arrastavam um conflito há décadas, com pouco diálogo e muitas ameaças, prejudicando o comércio de todos os outros reinos menores que tinham poucas rotas seguras para cruzar os dois territórios. O bosque era um dos poucos refúgios para uma travessia tranquila, mas não naquele momento... Deixando a camuflagem de arbustos, Astato se viu diante de um grupo de Thriannos armados com bestas e seus uniformes cinza-chumbo traziam o brasão da fortaleza estampado sob o coração.
— Pensou que poderia escapar de nós, espião? — um dos soldados gritou, apontando a besta em sua direção — Invadir Thriann será a última ousadia de sua vida! Entregue a carta ou morrerá aqui mesmo!
As palavras daquele homem ressoaram na memória de Astato como uma das falas do livro, mas que eram dirigidas ao protagonista. Pensou em se levantar para dizer que não era a pessoa que procuravam, mas qualquer movimento brusco faria com que uma nova flecha fosse disparada e, dessa vez, seria acertado em cheio. No entanto, antes que pudesse fazer qualquer coisa para se defender, algo atraiu a atenção dos Thriannos e suas bestas foram apontadas para outra direção, um pouco mais ao longe de onde Astato estava. Ao olhar por sobre o ombro, o rapaz reconheceu uma figura masculina com emoção.
— Senhores, receio dizer que estão enganados... Mais uma vez. — o deboche na voz daquele homem irritou o grupo, mas não parecia preocupado — Se continuarem com essas confusões, Axellor ficará furioso!
— Não invoque o nome do nosso senhor com a sua boca imunda. — vociferou o soldado, já com o dedo no gatilho — Você está cercado e não poderá fugir, não hesitaremos em atirar!
— Realmente, é preciso temer idiotas que se sentem especiais apenas por terem uma arma nas mãos. — negou com a cabeça e colocou as mãos para o alto — Isso pode machucar alguém... Principalmente a vocês mesmos.
Furiosos com a ousadia e determinados a capturar seu inimigo, os Thriannos atiraram. Antes que as flechas pudessem atingir seu alvo, o homem pulou e alcançou um galho da árvore ao seu lado, subindo rapidamente enquanto escondia-se na copa. Os soldados largaram Astato para trás e cercaram a árvore, apontando as bestas para o alto enquanto atiravam novamente. No entanto, o homem já havia escalado para outra árvore próxima e aproveitou a breve distração do grupo para tirar um pequeno saco de um bolso e jogou na direção dos Thriannos.
O saco era frágil e explodiu assim que encostou no ombro de um deles, fazendo com que uma fumaça púrpura os cobrisse. Enquanto o pó dificultava a visão e causava um efeito letárgico sobre os soldados, Astato observou o homem descer de seu esconderijo e vir em sua direção na intenção de ajudá-lo. O rapaz havia permanecido em silêncio por todo esse tempo a fim de apreciar a cena de interação entre o grupo e o protagonista do livro, sendo este o personagem que mais admirava na obra.
Ele tinha uma capa preta em torno de seu pescoço colocada na diagonal e que chegava até o joelho direito, deixando o lado esquerdo à mostra. Suas vestes eram de um azul profundo como a noite e um cinto prendia algo com firmeza em sua cintura, escondido embaixo da capa. As mãos estavam cobertas por luvas até o cotovelo, as botas chegavam até o joelho e a única pele exposta era a do seu rosto. Seus olhos tinham a cor do âmbar e o tom de sua pele lembrava o chocolate, mas haviam algumas partes mais claras ao redor dos olhos, nos cantos da boca e em partes das orelhas, denunciando que ele sofria de Vitiligo. Seu cabelo preto e crespo era bem raspado nas laterais, mas o topo era cheio e pendia para frente, escondendo parte da testa.
— Consegue se levantar? — questionou, estendendo a mão para ajudar Astato.
— Sim, eu... — assim que segurou a mão do outro, percebeu que um dos soldados se afastou da cortina de fumaça e, mesmo tonto, apontou a besta na direção deles — Cuidado!
Ao puxar a mão, Astato fez com que o homem caísse e assim evitou que ele fosse atingido pelo ataque, podendo ouvir o soldado tossir e grunhir de frustração. O grupo de Thriannos estava claramente desnorteado e precisavam aproveitar aquele momento, então guardaram as palavras e se levantaram, fugindo do local. Não demorou muito para que as árvores e arbustos do bosque os camuflassem dos inimigos, então puderam diminuir a velocidade e se encarar por alguns segundos até que Astato fosse o primeiro a quebrar o silêncio.
— Agradeço por ter me ajudado lá atrás... Estavam dispostos a atirar, mesmo se eu não fosse quem eles queriam.
— Thriannos tem o péssimo costume de atirar primeiro e perguntar depois, não deveria estar surpreso. — o deboche voltou a surgir em suas palavras, mas observou melhor o rapaz ao seu lado — Suponho que não seja daqui, suas roupas são... Diferentes. — não queria ser ofensivo e Astato sorriu pela consideração alheia — É perigoso atravessar entre os dois grandes reinos sozinho, mesmo usando o Bosque Kamphanis para isso. Para qual lado estava indo?
— Ah... — levou alguns segundos para Astato elaborar uma resposta, baseando-se em suas lembranças do livro — Eu gostaria de ir até a costa de Dandélion, procuro uma chance para trabalhar nos navios e ouvi dizer que tem muitas oportunidades na região.
— Hm... Estou indo na mesma direção. — alcançou o ombro do rapaz e deu dois tapinhas no local, agora caminhando lado a lado — E você também me salvou lá atrás, então vou assegurar que chegue até a costa em segurança. A propósito, meu nome é Gio e o seu?
— Astato. É um prazer conhecê-lo e agradeço pela companhia até lá.
Com as apresentações feitas, apertaram as mãos em um cumprimento breve e seguiram um caminho oculto pelas árvores a fim de saírem do bosque sem novas surpresas. Vez ou outra Astato acabava tropeçando em alguma pedra ou raiz tanto pela falta de costume com o terreno quanto por desviar sua atenção para Gio, ainda descrente que estava ao lado daquele que conduzia toda a trama de “O Arauto Manchado”. Estava certo de que, enquanto durasse aquela experiência, uma grande aventura estava a sua espera e estava ansioso para viver isso pessoalmente.
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Depois de deixarem o bosque, os dois adentraram no território de Blagó e começaram a transitar pelas cidades, aparentemente como consumidores comuns. Astato não conseguia deixar de olhar ao redor, maravilhado com as cores, cheiros e estilos que o cercava. A cultura e os costumes de Blagó eram os mais desenvolvidos de todo o continente, sendo que o empenho no comercio entre os reinos fazia com que houvesse um pedacinho de outros povos em alguns objetos e vestimentas. Interagir com as pessoas curiosas a respeito de sua origem era um desafio para Astato, tendo de se valer de seus conhecimentos sobre aquele universo para escapar.
Gio observava com atenção o novo amigo interagir com tudo, se divertindo com suas reações e explicava alguns detalhes, além de se surpreender com o vasto conhecimento que Astato possuía sobre a maior parte das coisas. Teriam aproveitado mais o passeio se o moreno não tivesse uma missão a cumprir o mais rápido possível, mesmo que tivesse se comprometido em acompanhar o outro até a costa. Ciente desta missão, Astato tentou controlar sua vontade de explorar e seguia o protagonista fielmente até que o mesmo interrompeu a caminhada abruptamente quando chegaram a uma ponte de pedra.
— Parece que Axellor tem olhos em todos os lugares... — Gio murmurou assim que notou três homens a alguns metros de distância, aparentemente comprando algo em uma barraca — Se importa se tomarmos um atalho?
— Não me importo. — respondeu de imediato, notando os mesmos homens que, por vê-los parados na ponte, já se moveram na direção deles — Se eles o pegarem, não terá como continuar a história... — ao perceber o que havia dito, tratou de se corrigir — Digo, não poderemos chegar até a costa. O que faremos?
Gio não respondeu, apenas segurou a mão alheia e virou o corpo, apressando o passo pelo caminho que já haviam percorrido. Astato se viu obrigado a correr de forma desajeitada entre a multidão enquanto, vez ou outra, observava os três homens correndo atrás deles. Acabaram chegando a uma antiga taverna que estava fechada no momento e, ao soltarem as mãos, Gio afastou a capa e revelou um tambor preso em seu cinto. Era pequeno e cilíndrico, com peles claras bem esticadas nas duas extremidades e toda a sua borda era rodeada de símbolos estranhos, declarando ser um instrumento mágico.
Astato se empolgou ao ver o objeto, assim como a baqueta que Gio puxou de um bolso interno da capa e toda a extensão de madeira parecia ter sido esculpida a mão, com uma longa espiral que ia de uma ponta a outra da baqueta. Assim que golpeou o tambor, os símbolos ganharam uma leve iluminação púrpura e, no segundo golpe, Gio começou a entoar um encantamento que mais parecia um anúncio. Astato estava logo atrás dele e esperou ansiosamente para ver os poderes do protagonista em ação.
— Atenção, bravos guerreiros Blagos! O inimigo se aproxima. — com o seu chamado, uma rajada de vento repentina fez uma bandeira hasteada acima da porta da taverna tremular com vontade, sendo que ela carregava o brasão do reino — Soldados Thriannos invadiram suas terras outra vez. Ergam-se do seu descanso e avancem contra os inimigos!
A medida em que Gio batia no tambor, a luminescência dos símbolos se intensificava e o vento criou uma cortina de poeira a frente deles, escondendo-os do trio inimigo que finalmente os alcançou. Porém, os Thriannos infiltrados não puderam se aproximar, pois um grupo de soldados Blagos ergueram-se a sua frente de maneira assustadora assim que o vento se dissipou. Os fantasmas estavam fardados com armaduras quebradas, espadas e escudos danificados e seus olhos translúcidos emanavam um rancor antigo, prontos para defender suas terras mais uma vez. Mesmo que tentassem atravessar seus corpos de ectoplasma, a magia que os invocou era forte o bastante para lhes dar a vitalidade para uma batalha.
— Eles ficarão ocupados por enquanto. Soldados rancorosos costumam se empenhar ainda mais numa luta. – Gio alertou, começando a correr de novo — Vamos sair daqui.
Astato não precisou de um segundo aviso para acompanhá-lo, embora ainda estivesse admirando todo o conflito formado a sua frente de maneira sobrenatural. Correram pela cidade até Gio encontrar um cavalo cujo dono havia acabado de amarrar em uma estaca, ao lado de uma loja. Desamarrou o cavalo e amarrou um saco no lugar, o qual continha algumas moedas como uma forma de reembolsar a perda do animal. Por fim, Gio montou no cavalo e estendeu o braço para puxar Astato, que logo se viu montado atrás e segurando firme na cintura alheia para não cair. O trote rápido e certeiro do animal os levou para fora da cidade, desacelerando apenas quando já estavam na estrada em direção a costa de Dandélion.
— Não vai me perguntar nada? — Gio questionou depois de um longo período em silêncio, observando-o por sobre o ombro.
— Bem... — Astato não podia dizer que já sabia de tudo, sobre como havia feito aquela magia e sua missão, então aproveitou a oportunidade para “entrevistar” o protagonista — Nunca vivi um dia tão intenso e não encontrava as palavras certas para começar... Quem é você exatamente, Gio?
— Ser arrastado para um conflito como este não estava nos seus planos hoje, eu sei. — riu baixinho, mas logo deu um suspiro profundo com a pergunta — Sou chamado de muitas coisas... Mensageiro é o termo que se adequa melhor a mim, já que viajo de um lugar para o outro recolhendo e transmitindo informações. Os Thriannos me veem como um espião sujo e também sou chamado de Arauto em Conabbir, a terra que sirvo e chamo de lar. Já esteve em Connabir?
— Sim... — “através da leitura.”, completou em pensamento. Astato adoraria ver aquele reino pessoalmente, mas não sabia se teria tempo para isso ou se iria atrapalhar a jornada de Gio se seguisse com ele — Mas não fiquei por muito tempo. Sei que sua alteza, o príncipe Hector, irá se tornar o rei em breve... Irá servi-lo, certo?
— Claro que vou, com muita alegria! Cá entre nós, vossa majestade e eu somos muito amigos. — sorriu e piscou como se estivesse compartilhando um segredo — Ele foi a primeira pessoa a ficar do meu lado depois de um período obscuro em minha vida. Se não fosse por vossa majestade, talvez eu não estivesse aqui hoje.
Astato sorriu, sabendo bem qual era a importância do príncipe na vida do outro. Gio nasceu e teve uma infância normal até o Vitiligo surgir, causando as primeiras manchas em sua pele. À medida que o tempo passava, as manchas cresciam e a falta do conhecimento de que se tratava de uma doença de pele que não oferecia perigo algum fez sua família e todos da cidade vê-lo como uma criança amaldiçoada. Acabou sendo expulso ainda no início da adolescência e experimentou muitas amarguras, principalmente no território de Thriann. Sem um lugar para chamar de seu e com os outros o abominando por sua aparência, o fato de Gio usar muitas roupas não era uma surpresa.
Hector, o futuro governante de Connabir, era um jovem visionário e muito entusiasmado com o mundo, pronto para conhecer e aprender mais além do que a sua terra poderia oferecer. Foi graças a sua mente aberta que os dois se conheceram e viveram algumas aventuras, então sem medo ou repulsa, o príncipe recebeu Gio de braços abertos e lhe ofereceu um lugar na corte, tornando-o seu homem de confiança. Aos poucos, os habitantes de Connabir também passaram a confiar nele e não demorou para que Gio se tornasse aquele que anunciava as notícias daquele e de outros reinos. Ao se embrenhar no meio da magia, conquistou mais notoriedade e missões especiais acabavam caindo em suas mãos, até mesmo para ajudar reinos vizinhos.
— Se não conseguir nenhum trabalho na costa, venha para Connabir. Tenho certeza que vai achar algo interessante para fazer... Queremos expandir nosso reino, afinal.
— Seria maravilhoso. — Astato ficou feliz com o convite, embora soubesse que não poderia ficar — Eu gostaria de ir, mas terei que voltar para casa...
— Você já começou esta jornada, qual é a diferença de conseguir um trabalho em Dandélion ou em Connabir? — Gio ficou curioso com a resposta, notando uma leve tristeza no tom de voz do outro — Ou está tentando fugir de casa? Não parece querer voltar...
— Não, não é isso! — Astato não queria criar um mal entendido, embora não pudesse explicar a sua real situação naquele momento — Não é que eu não queira voltar, só não me sinto muito à vontade para ser eu mesmo em casa. Meus pais e irmãos são muito racionais, inteligentes e sempre foram muito determinados sobre o que queriam fazer na vida. Não sou assim... Quero dizer, eu tenho um sonho, mas não sei como fazer para alcançá-lo.
— Não há nada de errado em duvidar sobre qual caminho deve trilhar, nem deveria sofrer por não ser como os seus parentes... O sangue que compartilham não determina quem você é ou como deve agir. — o tom sério na voz de Gio mostrava que ele estava falando isso tanto para Astato quanto para ele mesmo — Levei muito tempo para entender que poderia fazer as coisas da forma que eu achasse melhor, no meu tempo. Claro que tenho obrigações para cumprir e crio expectativas em vossa majestade sempre que saio em uma missão, mas não me arrisco meramente pela hierarquia. Tudo o que faço é porquê quero, por acreditar que isso trará benefícios a todos que me importam e por satisfação pessoal. Nunca sonhei em ser um arauto, um mensageiro ou um espião... O meu único desejo era não ser alguém amaldiçoado como todos diziam.
— Gio... — sensibilizado por aquelas palavras, afagou gentilmente as costas do outro — Você não é amaldiçoado, as pessoas apenas não compreendem o que você tem. É tão raro e, infelizmente, a ignorância os leva a pensar coisas estúpidas. — sempre que lia sobre o passado do protagonista, Astato se entristecia e agora podia consolá-lo.
— Vossa majestade me disse algo parecido... Creio que se dariam bem. — se sentia melhor com o afago, voltando a olhar para a estrada já que estavam quase chegando na costa — Sei que não sou amaldiçoado, mas as feridas que ganhei por conta dessa palavra ainda doem muito. Então, seja lá o que você tenha ouvido de sua família e de outros em relação ao seu sonho, não desista por conta deles. Você é o único que pode decidir se consegue ou não... Vai saber o que fazer quando a hora chegar.
O silêncio os abraçou pelo resto do caminho, pois ambos estavam refletindo depois dessa conversa. Gio parecia ter se lembrado de coisas muito dolorosas, então estava digerindo suas próprias palavras em busca de alivio. Astato pensava em sua família e em como os seus irmãos estavam tentando apoia-lo, apesar do receio dos pais com o seu desejo de ser um escritor. Sabia que eles só estavam pensando no melhor, querendo que seguisse um caminho estável e seguro, mas ele não foi moldado para ver o mundo em uma equação. Astato sempre estava “fora-da-caixa”, enxergando detalhes que não seriam explicados em fórmulas ou gráficos, talvez por isso sentisse tanta dificuldade em mostrar aos pais a sua própria visão.
Quando chegaram a Dandélion, a brisa marítima trouxe o cheiro da água salgada e Astato sorriu ao ver a linda vila portuária, com navios atracados e uma intensa movimentação de pessoas recolhendo os pescados, vendendo ou trocando por outras coisas. Estavam em um ponto mais alto, então podiam enxergar até mesmo a faixa de areia branca da praia, além dos rochedos que possuíam um estranho tom de laranja acastanhado. O cenário era tão bonito que deixou Astato inspirado, sentindo falta de seu caderno e caneta para rascunhar ideias. Sua criatividade sempre vinha tão espontaneamente quanto se esvaia, então desejou não esquecer até conseguir voltar.
— Chegamos! Você consegue seguir daqui sozinho? — Gio ainda precisava entregar a carta misteriosa para o príncipe, então não poderia perder mais tempo.
— Consigo... Me sinto mais confiante depois de passar esse tempo com você. — Astato foi muito sincero em suas palavras e surpreendeu o mensageiro ao abraçá-lo, escondendo o rosto nas costas largas de Gio — Muito obrigado. Eu sei que ainda vai enfrentar muitas provações, mas vai conseguir superar tudo o que vier. Por favor, confie no seu potencial até o fim, ok? — Astato não pretendia soltar um “spoiler” do enredo, mas não resistiu em lhe transmitir coragem.
— Claro... Eu prometo. — apesar de não entender o propósito daquelas palavras, aceitou o incentivo e tocou gentilmente nas mãos de Astato, que rodeavam sua cintura — Então me prometa que vai realizar seu sonho, seguindo a sua própria vontade.
— Eu prometo!
Os dois riram em seguida, contentes pela troca de apoio que surgiu naturalmente. Astato o via como um velho amigo que já conhecia muito bem depois de devorar as páginas do livro tantas vezes e Gio, apesar de ter conhecido o rapaz naquele dia, sentia-se à vontade já que em nenhum momento Astato foi rude sobre sua aparência ou invasivo sobre para onde estava indo e por qual motivo. Enfim, o rapaz desceu do cavalo e despediu-se de seu personagem favorito, assistindo o arauto voltar para a estrada que usaram e cavalgar a sentido de Connabir.
Enquanto observava a figura masculina se afastar lentamente, Astato suspirou enquanto pensava no que deveria fazer agora. Depois de passar algumas horas naquele livro e estar cheio de inspiração, havia algo mais importante que deveria resolver antes de começar a escrever. Sua conversa com Gio realmente o fez perceber que, enquanto não deixasse claro os seus sentimentos para os pais e os irmãos, não se sentiria bem e livre para fazer o que queria. Ele ainda tinha tempo de se explicar e ter sua família ao seu lado, ao invés de se distanciar deles como vinha acontecendo.
De repente, Astato começou a sentir seu corpo formigar e aquela estranha sensação de se partir em pedaços voltou a lhe atingir com força, fazendo-o arquear o corpo para frente e respirar com muita dificuldade. Enquanto desaparecia daquele universo ao qual não pertencia, não viu que Gio deu uma última olhada para trás e ficou chocado ao assistir seu desaparecimento, que parecia um clarão aos seus olhos. Não sabia explicar o que havia acabado de presenciar, mas o mensageiro preferiu acreditar que Astato estava bem e que ele iria cumprir a promessa que fizeram.
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“Quantas vezes você é capaz de ler um livro que você ama?”.
Esta foi a frase inicial que Astato usou em seu discurso ao receber o primeiro prêmio literário de sua vida. Naquele palco, falou com emoção sobre a sua jornada como autor e como ter o apoio de sua família, que estava na plateia assistindo, foi algo conquistado aos poucos, mas indispensável em sua carreira. Declamou o carinho que tinha pelas obras que escreveu, pois cada uma delas era especial a sua maneira graças a todas as tentativas, erros e acertos que teve, podendo se aprimorar. Por fim, agradeceu e parabenizou a todos os autores que, assim como ele, se dedicam a escrita de corpo e alma.
Depois de uma salva de palmas, muitos elogios e alguns autógrafos, Astato conseguiu se reunir com a família e assistir o restante da premiação com tranquilidade. Saíram para jantar em seguida, Íon e Bissetriz comemoravam a conquista do caçula como se fosse uma conquista deles também e seus pais observavam os filhos com muito orgulho e carinho, satisfeitos por verem os três bem formados, com saúde e carreiras consolidadas. Depois de toda a comemoração, Astato foi para o apartamento onde morava atualmente e, apesar do cansaço, se dirigiu para o escritório.
O local era tomado por livros nas paredes da direita e esquerda, enquanto uma larga janela em frente trazia a ventilação necessárias para o ambiente. Havia uma mesa no centro, muito bem organizada e com alguns rascunhos de uma ideia recente repousando sob o mogno preto. Ao ligar as luzes, Astato caminhou até a estante da direita e colocou ali o prêmio que havia recebido, em um espaço já separado para o objeto ficar exposto. Admirou sua conquista por alguns segundos e depois puxou um dos livros da estante, sendo este o seu inseparável exemplar de “O Arauto Manchado”, mais surrado e envelhecido do que antes.
— Já faz alguns anos, mas nunca me esqueci do que experimentei contigo. — comentou, deslizando os dedos lentamente sobre a capa — Bastou algumas horas e uma conversa sincera para que eu pudesse perceber que deveria me abrir e abraçar a minha visão do mundo, transformando-a em ideias. Minha jornada não foi fácil, mas estou colhendo os frutos do meu trabalho duro e nunca estive tão satisfeito com a minha vida. Você estava certo, Gio... Finalmente, consegui cumprir a minha promessa.
Astato fechou os olhos e se lembrou daquele dia, quando entrou na máquina criada pelos irmãos e experimentou algo totalmente novo dentro do livro. Quando voltou para a oficina, seus irmãos estavam eufóricos pelo sucesso da invenção e o bombardearam de perguntas, tendo que saciar a curiosidade deles antes de conseguir verbalizar o seu desejo de ter uma conversa séria com os pais. Os três esperaram até que eles chegassem em casa para contar todo o corrido e Astato pôde, finalmente, ser sincero sobre o seu sonho.
Ele se expressou livremente, saboreou cores, sons e estilos diferentes para alimentar a sua criatividade. A vida era tão intrigante quanto uma reação química e era quase impossível tentar quantificar sentimentos em números, mas poderia expressá-los com palavras e transmitir sua visão através de histórias tão emocionantes quanto aquela em suas mãos. Astato mentalizou a imagem de Gio em sua cabeça, tal qual se lembrava e sorriu ao imaginar uma expressão de orgulho em seu rosto, aprovando o empenho para realizar seu sonho. “O Arauto Manchado” sempre teria um valor inestimável em sua vida e esperava que, um dia, seus livros impactassem alguém da mesma forma.
Merci pour la lecture!
O Arauto Manchado nos apresenta uma história emocionante e personagens que nos marcam pela grandeza e desenvolvimento. Astato nos mostra o quão diferente e interessante é desde o início, e não é difícil nos colocarmos em seu lugar ao percebermos sua paixão pelos livros. Vale muito a pena conferir!
Escrita com maestria, O Arauto Manchado nos mantém atados à narrativa do começo ao fim! A história consegue cativar o leitor a tal ponto que imploramos por um livro narrando as aventuras de Gio, protagonista cuja alcunha da nome ao conto. Uru merecidamente conquistou o primeiro lugar do desafio #cheirodelivro, e marcou em nós sua história, assim como Astato foi marcado por seu livro favorito.
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