João era um sujeito simples, de família muito católica e maneiras muito dóceis. Quarto filho de sua mãe, Maria. Nascido no mês de Junho, canceriano, havia recebido seu nome em homenagem ao padroeiro João Batista.
Trabalhava na fazenda de manhã, e à tarde, tocava violão para os cachorros da rua. Eventualmente, uma criança curiosa que estivesse passando lhe dava alguma atenção. Alguns até mesmo ofereciam-lhe moedas; mas ele, como um bom cristão, recusava todas.
Os vizinhos reconheciam a beleza de sua voz, mas se indignavam com a tristeza e melancolia de suas canções. “Vá lucrar com isso, rapaz. Toque sertanejo, pagode, música de quadrilha, qualquer coisa mais alegre do que isso.” João, entretanto, optava sempre por cantigas antigas.
No final de tarde, da praça central da cidade, podia-se ouvir a rouca e lenta voz do dito cujo ecoando com a brisa gelada:
“Terezinha de Jesus
De uma queda, foi ao chão
Acudiram três cavalheiros
Todos os três, chapéu na mão”
Seguiu-se, da primeira estrofe, o refrão de seu instrumento. O olhar do João subiu das cordas para aqueles que se sentavam nos bancos ou aproximavam-se das janelas das vendas. O tom de lamento na voz do cantor pareceu aumentar a partir da segunda estrofe.
“O primeiro foi seu pai
O segundo, seu irmão
O terceiro foi aquele
Que a Tereza deu a mão”
João encarou o chão com uma espécie de - ódio? Não, ele era bom demais para sentir algo tão mundano - como alguém que se lembra de um episódio não tão bem aventurado.
“Terezinha levantou-se
Levantou-se lá do chão
E sorrindo disse ao noivo
Eu te dou meu coração”
O rapaz cuspiu os dois últimos versos com um desprezo proposital. A plateia do interior, logicamente, entendeu a razão do poeta. Não é como se houvesse privacidade em tal ambiente.
“Da laranja, quero um gomo
Do limão, quero um pedaço
Da morena mais bonita...
… Quero um beijo e um abraço.”
João não ouviu os aplausos, tentava conter suas lágrimas. Era incrível como uma mesma música, que havia sussurrado tantas vezes para sua amada, conseguia agora ter uma tonalidade tão triste. Tão só.
Teresa era uma garota da cidade. Como esperado naquele meio, casou-se cedo - mais por necessidade que por ardor. Há aproximadamente dois meses, tornara-se a nova senhora de Raimundo, militar das redondezas. Um pouco mais de uma década de idade era a única coisa que parecia os separar.
Não pense entretanto, leitor, que esta é uma história trágica de dois amantes separados por uma família corrupta. Shakespeare que me perdoe, cansamos deste clichê. Teresa não foi casada contra a própria vontade, não. Raimundo sempre pareceu para ela um homem seguro, determinado, forte - se me permite dizer, atraente. Cobiçado por muitas? Logicamente. Quando conseguiu ser notada pelo homem e desenvolver um romance com este, mal conseguia acreditar ser verdade.
Quando foi proposta a casamento, então, nem se fale.
Esqueceu-se de João com a mesma facilidade que um mendigo esquece uma garrafa de pinga esvaziada.
Merci pour la lecture!
Nous pouvons garder Inkspired gratuitement en affichant des annonces à nos visiteurs. S’il vous plaît, soutenez-nous en ajoutant ou en désactivant AdBlocker.
Après l’avoir fait, veuillez recharger le site Web pour continuer à utiliser Inkspired normalement.