Contam-se por aí muitas histórias sobre uma mulher cujos olhos transformavam em estátuas de pedra todos aqueles que a encarassem. E hoje venho lhes contar toda a verdade sobre esse mito.
Provavelmente, para que você possa entender, devo começar lá do início. E quando digo início, começaremos pela história da minha mãe. Seu nome era Danae.
Meu avô, Acrísio, Rei de Argos, desapontado por não ter herdeiros masculinos, procurou por um oráculo, que lhe respondeu que mamãe não deveria ter filhos. Alguma baboseira de que, mesmo que se escondesse no fim da Terra, seria morto pelo seu neto, filho de Dânae. No caso, eu.
Após o aviso do oráculo quadrado, vovô resolveu trancá-la numa torre bem alta, com o intuito de que ninguém se apaixonasse por ela. A manteve constantemente vigiada por seus guardas mais valorosos. No entanto, meu pai, Zeus, ao vê-la na Torre, se apaixonou por ela.
Para encontrá-la ele se transformou numa nuvem dourada e foi ao seu encontro. Após a chuva dourada que recebeu, ela ficou grávida de Zeus. Dessa união mais sem sentido que eu já ouvi na minha vida, eu nasci.
Quando o meu avô ficou sabendo, resolveu pedir aos guardas para trancar a filha e a mim numa arca e lançá-la no mar. Após dias na deriva, nós fomos encontrados por um pescador, que amigavelmente nos ofereceu abrigo e comida. Quando atingi uma certa idade, meu primeiro passo após atingir a independência, foi matar meu pai por tudo que ele havia nos causado.
Após muitos rumores assombrarem os homens do rei Polidecto, ele resolveu me enviar para enfrentar o monstro conhecido como Medusa. Os rumores diziam horrores sobre a guardiã, coisas como quem quer que olhasse diretamente para ela seria transformado em pedra e que seus cabelos eram feitos de cobras e que, no lugar de pernas, ela rastejava igual a serpentes. Os homens temiam ter que enfrentá-la, e muitos, ao serem designados para a missão, acabaram fugindo para outras terras.
No entanto, eu não tinha nada a temer, não restava nada a perder e muito menos alguém para voltar, não só eu sabia disso como o rei também, por isso eu era um dos seus últimos recursos, não era só pela força que eu tinha. O rei não se importava com um ninguém como eu.
Lembro-me perfeitamente daquele dia, do dia que eu encontrei Medusa. Após três dias de viagem, encontrei uma caverna, apesar de ser no meio do deserto. Na entrada conseguia sentir a umidade das rochas, constatando que lá tinha provavelmente alguma fonte. O que me deixou feliz, estava sem água há um dia já, e começava a sentir falta.
De certo que eu me sentia incrivelmente desencorajado, não queria enfrentar um monstro, nunca quis. E o medo se projetava como suor que descia em minha espinha, morrendo quando encontrava o meu cinto de couro. Me armei com meu escudo e busquei minha espada na bainha, inspirando e expirando várias vezes, procurando me preparar para acabar com aquilo logo.
O primeiro passo havia sido dado e, apesar de a caverna ser no meio do nada, o que havia encontrado do lado de dentro, com certeza me surpreendeu. Do lado de dentro, passava uma brisa de ar, que parecia o ar mais puro que já havia inalado na vida. O aspecto de umidade chamou minha atenção mais uma vez e me esgueirei procurando por uma pequena poça de água que fosse. E foi ali que eu encontrei o que eu não procurava.
— Quem está aí? — perguntou a mulher que estava de costas e nua enquanto se banhava em um pequeno riacho.
— Não adianta não dizer nada! Escuto sua respiração e seus passos! Sei que tem alguém aqui. — Enquanto ela dizia, demonstrava agitação ao olhar para ambos os lados à procura de alguém. — Se revele! — bradou mais alto.
Meus pés se arrastavam ao seu encontro, quase como um encanto.
— Você é um deles, não é? — sua voz soava um pouco mais tranquila. Aparentemente sabia o do porquê da minha vinda. — Eu consigo sentir esse cheiro desprezível em seu sangue. — Sua frase estava carregada de nojo e até mesmo ódio. — Ele o mandou para me matar? Poseidon não merecia meu amor!
Fui pego de surpresa.
Antes me parecia que a mulher sabia que eu havia sido enviado pelo rei para conquistar sua cabeça. Mas em algum momento a minha realidade não batia com a dela. Poseidon havia a trancado ali? Por quê? Por que o rei Polidecto queria se intrometer com casos inacabados do deus dos mares?
— Não! Espera…
— Então você finalmente se revelou — disse. Seus olhos enfim se encontraram com os meus, quando minha voz denunciou minha localização. Ao contrário do que muitos diziam, eu não havia me tornado uma estátua de pedra.
Era até engraçado, parando para pensar, eu me lembrando com maestria o medo que corria por minhas veias, ficava imaginando que tipo de criatura encontraria lá dentro e como eu ganharia aquela batalha que em nada era ao meu favor, não se considerarmos os rumores que diziam sobre a tal Medusa.
A mulher tinha uma beleza jamais vista por mim em algum lugar naquela terra. Seus olhos eram tão claros que me impossibilitavam até mesmo de tentar saber se mais de perto eles carregavam outra tonalidade. Desconfiei da sua deficiência visual após encarar aquelas bagas claras por um bom tempo. Mudei sutilmente de local, sem fazer nenhum barulho, mas surpreendentemente seus olhos seguiam cada passo meu.
— O fato de ser cega não significa necessariamente que eu não sei aonde você está. — Foi simples em sua declaração.
Ela era mais esperta do que conseguiria pôr em palavras. Estava completamente desconsertado diante de sua presença. Suspirei pesado, quase admitindo derrota.
— Ao menos, antes de tentar me matar, poderia, por favor, me passar a toalha? — perguntou, enquanto se levantava no riacho e pela primeira vez ficava de frente para mim. — Por que Poseidon enviou um semi-deus como você para me matar? — Medusa não demonstrava medo em momento algum e não chegou se deixar sentir-se intimidada por uma presença que ela não esperava receber.
— Poseidon não me enviou para a matar!
— Não?! — Suas sobrancelhas arquearam demonstrando claramente como aquilo a pegou desprevenida. — Para o que ele o mandou aqui então? — disse, se enrolando na toalha que eu joguei para si, sempre mantendo uma distância segura.
— Quê? Que parte você não está entendendo disso tudo? Poseidon não tem nada a ver com o porquê de eu estar aqui!
— Não. isso é impossível! Você cheira igual a eles, a todos eles!
Por um momento eu cheguei a imaginar que a mulher se irritaria.
— Olha, eu não deveria tentar mostrar nada a você ou muito menos explicar, aceite minhas respostas se quiser! Estou dizendo que não tenho nada a ver com Poseidon ou com qualquer outro deus que você trouxer para essa conversa — falei. — Estou aqui porque Polidecto me enviou.
— Aquele ser humano ridículo! Claro que ele enviaria alguém... — Suspirou.
— Então me diga, por que motivo ele me enviou aqui? O que ele quer com você? — perguntei. Apesar de todos os cidadãos daquela terra acharem o rei justo, eu fui um de seus soldados e sabia perfeitamente que de justo ele não tinha nada, na verdade não valia o pão que comia.
— Aquele reizinho miserável me encontrou, mas queria que eu fosse para o castelo com ele e me tornasse uma de suas concubinas. Até parece. Eu, a ex-mulher do deus dos mares, uma concubina! Quando disse para ele que Poseidon o mataria se descobrisse sobre isso, ele zombou de mim e enviou vários de seus homens para tentar me matar — resmungou. — Eu salvei a vida dele! E em troca ele se sentiu ofendido e decidiu me matar.
— Por que Poseidon a prendeu aqui? — perguntei, sem delongas.
— Poseidon acredita que eu o traí.
— E você o fez? — perguntei como quem não queria nada, enquanto olhava cada canto daquela caverna que mais me parecia uma casa, pois ali tinha muitas coisas para que a mulher pudesse viver escondida.
— Isso não lhe diz respeito! — falou ríspida, enquanto terminava de pentear os cabelos, após se vestir durante nossa conversa.
— Tem razão, me desculpe por ser intrometido.
Aquela conversa era engraçada, ela me passava uma tranquilidade que parecia que eu a conhecia há muito tempo e com isso conseguia manter uma história normal com a mulher.
— Por que os homens do rei fazem tanto alarde sobre você? — perguntei. — Dizem coisas horríveis na cidade, coisas sobre as pessoas virarem estátuas de pedras se olharem em seus olhos, sobre seus cabelos serem feito de cobras e sobre como você se rasteja por aí — contei.
— É interessante saber sobre isso, mas como uma pessoa sairia viva daqui para contar essas coisas terríveis se eu realmente tivesse quaisquer uma dessas características por você citadas? — perguntou se aproximando de mim.
Não tive medo daqueles olhos brancos, seus cabelos, tão longos e com um certo brilho mostrando que ainda estavam molhados, em nada se pareciam com cobras, e suas pernas, que estavam cobertas por uma simples seda branca, quase transparente, também não evidenciava uma calda com a qual pudesse rastejar.
— Por que estás presas aqui? — perguntei. Não fui capaz de parar minha mão, quando vi já era tarde demais e elas já acariciavam seu rosto.
Medusa era como um imã pra mim, algo nela me fazia sentir tranquilidade e segurança e uma parte de mim também gostaria que ela se sentisse assim comigo. Queria que ela confiasse em mim. O porquê eu nunca consegui descobrir. Mas imaginei que era o destino brincando conosco, cruzando nossos caminhos. Era algo que realmente tinha que acontecer. Eu me senti tão dela que poderia dizer que em algum momento eu provavelmente fui enfeitiçado.
— Me tire daqui — implorou com sua voz suave, quando uma lágrima solitária rolou por seu rosto.
Antes que eu pudesse atender seu pedido, um grito de agonia soou pelas paredes de concreto da caverna.
— Ela está vindo! — chorou mais ainda Medusa. — Minha irmã irá destruir você! Saia daqui imediatamente e não volte nunca mais se não quiseres morrer!
Medusa, em um movimento muito rápido, tapou meus olhos com suas mãos e então pediu que eu não os abrisse. Tudo então havia feito sentido para mim. O monstro de toda aquela história não era Medusa, e sim uma de suas irmãs.
— Somos em três Górgona. — falou próxima aos meus ouvidos. — Poseidon não sabia sobre minha família, podemos dizer que eu nasci com características diferentes das minhas irmãs. Não sou completamente humana, apesar da aparência, mas também não sou um monstro. Quando Poseidon descobriu a verdade, me trancou, com a desculpa de que eu era uma aberração. Mas não é verdade!
— Como podemos sair daqui?
— Pegue meu escudo e as botas aladas que o deus dos viajantes me deu! Use-os para nos libertar e eu prometo que sempre estarei ao seu lado!
— Perseu! Meu nome é Perseu — eu disse.
— Perseu, com licença! — disse subindo por minhas costas e em momento algum tirando suas mãos de cima de meus olhos. — Serei seus olhos e ouvidos, mesmo não tenho o primeiro, eu cresci assim devido à raiva de minhas irmãs, então estou acostumada.
— Vamos, Medusa. Vamos sair daqui e prometa viver sempre comigo, farei de tudo para conquistar seu coração!
Dessa forma, Medusa me guiou para a vitória, onde juntos derrotamos sua irmã e arrancamos sua cabeça.
Depois daquilo, nunca mais olhamos para trás e nunca mais voltei para as terras do rei Polidecto.
Construímos nossa vida e vivemos felizes para sempre, ao contrário dos mitos que muitos contam por aí. As moiras já sabiam que isso estava para acontecer. Segundo elas, eu unicamente nasci para libertar Medusa de seu castigo injustiçado que Poseidon a havia prendido.
O rei, não satisfeito com o meu sumiço e após descobrir que mais ninguém habitava naquela caverna, mandou construir uma estátua; Perseu segurando a cabeça de Medusa. Nunca houve um equívoco maior na história da Grécia.
Merci pour la lecture!
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