Aquela poderia ser mais uma bela tarde no pequeno vilarejo dos Ipês, onde Tereza descia a ladeira enquanto observava o sol se por pintando o céu de laranja, vendo os altos ipês coloridos que quando olhados de cima pareciam alcançar os céus sustentando os balanços feitos com cordas e borrachas velhas onde as crianças se penduravam; mas acabou se distraindo ao ter uma longa conversa com a senhorita Olly, que depois de muito papo deu-lhe um belo pão caseiro para que consumisse com seu marido, Joaquim, que voltaria do trabalho apenas na manhã seguinte. Por fim, descia a bela rua escura com um sutil aperto em seu peito, não haviam cores nas árvores, nada brilhava mais no céu além do azul escuro e a imensa lua cheia.
Tratou de apressar o passo, passando rapidamente por todas as pequenas casas de madeira e estruturas para os animais que ali eram criados. Deu um pulo ao ouvir o relinchar de um dos cavalos criados na fazenda do senhor Agenor, a qual estava já há alguns metros de distância, mas logo riu de sua bobeira, engolindo o riso ao ouvir trotes extremamente próximos e o vulto branco passar ao seu lado, fazendo-a franzir o cenho e olhar para trás, encarando a escura e infinita ladeira vazia e silenciosa. Naquele momento, encontrava-se parada na grande rua de terra, encarando a escuridão ao seu redor e o cavalo que já estava muito distante. Agarrou a pequena medalha de Nossa Senhora de Aparecida que estava sempre pendurada em seu pescoço e voltou a caminhar, fazendo sua prece mentalmente e se arrependendo de não ter levado consigo um casaco pois o longo vestido vermelho que usava conseguira sustentar a brisa gelada que passou por ali.
Conseguia ouvir seu próprio coração, que sempre fora calmo como o outono, martelando em seu peito como se fosse saltar e correr a qualquer momento. Ouviu trotes novamente, sendo surpreendida pelo mesmo cavalo branco que corria com tamanha fúria que levou-a ao chão ao se chocar com a jovem moça. Tereza encarou o buraco escuro por onde o cavalo havia voltado por longos minutos, parou apenas quando sentiu um líquido quente escorrer por seu braço e percebeu que era sangue, mas não seu, provavelmente do animal assustado. O som de sua respiração se tornava cada vez mais alto e seu fôlego cada vez mais curto, levantou-se rapidamente sem tirar os olhos do caminho à sua frente, mas não conseguia ver nada além das sombras das árvores e das estruturas dos moradores da vila, observou o movimento dos balanços mais a frente, sentindo seu corpo começar a suar ao notar que já não havia mais nenhuma brisa soprando.
– Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco – começou a sussurrar enquanto voltou a dar lentos passos, sendo interrompida pelo som de movimento em cima das folhas secas que se amontoavam nas laterais das ruas. Movimento que não sessou e passou aumentar cada vez mais em sua direção.
As folhas do ipê caíam e ao ver que estava abaixo do mesmo que possuía flores amarelas, correu para um dos balanços e viu o vulto negro sob a luz do luar vindo em sua direção. Havia crescido naquele vilarejo e conhecia-o mesmo na escuridão, com o impulso certo conseguiria agarrar o galho onde se escondia ao brincar de pique esconde com as crianças quando era mais nova, um galho alto e difícil de ser alcançado. Se agarrou na corda velha e tentou escalá-la, falhando enquanto sentiu seu corpo paralisar ao ouvir o furioso grunhido ecoar pela rua e sentindo o tecido de seu vestido ser puxado brutalmente, encarou a criatura que tinha olhos vermelhos e garras longas, parecia-lhe um enorme cão, mas estava sob duas patas. As garras logo conseguiram alcançar sua canela esquerda, dando-lhe diversos arranhões que se intercalavam entre o tecido e a carne, enquanto rugia, soltando sons guturais do fundo de sua garganta, mas não desistiu.
Usou a perna livre para chutar a cabeça do animal, e quando se viu momentaneamente livre, balançou seu corpo em direção ao tronco da árvore, onde conseguiu se segurar e agarrou a corda para que a criatura não conseguisse chegar ali da mesma forma. Tateou a madeira em busca de fissuras onde conseguiria escalar rapidamente, mas logo sentiu o puxar em sua vestimenta, a criatura estava abaixo de si, usando as garras e os dentes para puxá-la de todas as formas possíveis. A moça respirava com tamanha força que era possível ouvir sua voz quando o fazia, o medo em seu corpo não a deixava derramar uma lágrima sequer, apenas procurar sobreviver.
Quando conseguiu chegar no grande galho, olhou para o animal que estava agora em suas quatro patas, rodando a árvore e rugindo com ira. Gritou e clamou por ajuda, sentindo uma fagulha de esperança ao ver uma luz se ascender em uma das casas, quando moveu-se para gritar mais alto fora surpreendida por um salto do animal, que subira em outra árvore e havia conseguido alcançá-la. Assim, Tereza foi ao chão, vendo mais nada além da escuridão.
– Tereza, graças a Deus! – ouviu um eco ao seu redor e reconhecera a voz de Joaquim. – O que aconteceu, querida? Lhe encontrei enquanto voltava para casa em frente à casa do senhor Agenor! Estava caída, machucada. Ele pediu mil perdões pois um de seus cavalos escapou a noite, provavelmente trombou com você e lhe derrubou.
A pobre moça caiu ao choro quando sentiu os braços do marido ao seu redor, graças a misericórdia de Deus estava salva! Havia sido um sonho? Um delírio de sua mente. Por Deus, Estava salva.
– Achei que estava morta, Joaquim – soluçou secando as lágrimas na camisola branca e limpa que vestia, provavelmente o marido havia a limpado.
– Querida fique calma – disse o homem pegando o rosto da esposa entre as mãos. – Está tudo bem, você está em casa, a salvo.
E naquele momento, Tereza sentiu o palpitar em seu peito voltar como uma fina agulha, ao ver as finas linhas de fio vermelho entre os dentes do sorriso de Joaquim.
Merci pour la lecture!
Nous pouvons garder Inkspired gratuitement en affichant des annonces à nos visiteurs. S’il vous plaît, soutenez-nous en ajoutant ou en désactivant AdBlocker.
Après l’avoir fait, veuillez recharger le site Web pour continuer à utiliser Inkspired normalement.