Sem que Renan estivesse esperando, Valentina apareceu em seu apartamento como se fosse um furacão. Ela chegou como chegam às chuvas tempestivas sobre uma noite calma, ou como chegam as ventanias frouxas que logo se encorpam e se transformam em grandes ventanias soltas.
De longe era possível ouvir os roncos do motor potente do Camaro adentrando a área do estacionamento do edifício; os pneus derrapando por cima do cascalho, as pastilhas do freio só parando de chiar quando enfim o estrondo emitido por um agressivo fechar de porta, denunciou a extrema fúria que o habitava.
O ambiente do condomínio — antes calmo e pacato — agora era molestado por um vozerio de resmungos somado com seus sequenciais passos descompassados, pisoteando com agressividade as escadas e o corredor, enquanto emitia negativas vibrações que logo substituíram os resquícios das últimas, ou seja, aquela emanação sonora do motor que se extinguira de vez por baixo do capô amarelo e robusto do seu automóvel.
Após tocar a campainha do apartamento de Renan, Valentina permaneceu exatamente assim: os olhos fechados, respirando e inspirando profundamente enquanto suas unhas de porcelana subiam e desciam, também desciam e subiam, sequencialmente iniciando desde o mindinho ao polegar, martelando sem parar sobre o corrimão de metal às costas.
“Você me paga!” — ela resmungou.
Nisso a porta se abriu. Renan logo rangeu ao vê-la diante da porta:
— Quem que te falou onde eu morava?!
— Por que foi embora sem me avisar? — Valentina o cortou — Onde estava com a cabeça, Renan?!
— Eu precisava de um tempo...
— Um tempo de mim?! — ela disse — Que tudo que fiz foi te amar?
— Me amar?! — Renan disse — Valentina, você não sabe o que é amar.
— Não diga isso, bebê...
— Não me chame de bebê! — Renan exclamou. Mas como a seguir alguns moradores apontaram no estacionamento, se dirigindo até o hall para pegar o elevador, Renan se calou.
— Desculpe Renan. — ela disse — É que achei que gostava quando eu te chamava assim.
— Eu gosto, quer dizer, — Renan engasgou — mas não deste jeito, né? Não vê que estamos brigando?!
— É verdade, Renan, estamos brigando. — ela disse, se esforçando pra esconder o sorriso que escapuliu pelo cantinho dos lábios — Mas você há de concordar comigo que todo casal que se ama de verdade, discute de vez enquanto, não é não?
— De vez enquanto?! — ele retorquiu — A gente discute é toda hora!
— Por que está fazendo isso, meu amor?! Logo comigo que tanto quero o seu bem?!
Renan revirou os olhos ao ouvi-la, de forma que aquele seu ato encorajou ainda mais Valentina:
— Vê se aprende uma coisa, meu amor, casal que não briga, também não deseja melhorar a relação. — ela disse.
— Pra mim isso é conversa pra boi dormir.
— Conversa pra boi dormir? Por que diz isso, meu amor? — ela se defendeu — Não acredita mais em mim?
Renan se calou. Depois fincou os olhos nos prédios ao redor. A seguir sussurrou consigo, como se fosse num lamento:
“Estou tão cansado dessa vida”.
Crendo que — enfim — seus argumentos enfraqueciam um Renan agora retraído ao falar, Valentina — com propósito único de nocauteá-lo de uma vez só — continuou martelando coisas antigas pra ele, com o intuito de, principalmente, não deixá-lo raciocinar direito.
E, enquanto isso Renan ouvia seu zum-zum-zum em total silêncio, mas acabou que no fim, aquele zunido fez sua psique adormecer. Valentina bem que o cutucou: “Está me ouvindo, Renan?”, mas não ouviu a resposta de volta.
Foi somente depois que Valentina o cutucou pela terceira, repetindo: “Está me ouvido Renan?!”, e também ter puxando sua camiseta com força, foi que Renan foi transportado daquele seu mundo particular. Ele apenas resmungou:
“Você tira minha paz... Por isso vim embora pra São Paulo”.
— Como é que é?! — ela exclamou — Repete o que disse!
E antes que ela reclamasse qualquer outra coisa de volta, Renan interviu de forma brusca:
— Eu não te amo mais caralho! — ele disse — Será que é tão difícil entender?!
De repente, toda aquela convicção que a princípio inflou Valentina para argumentar coisas antigas, num piscar de olhos, minguou-se de vez. De maneira que depois disto, o que restou em seu coração foi apenas um misto de insegurança e medo, somando-se com um princípio de desespero.
Somente um tempo depois que Valentina conseguiu mudar sua atitude. Ela deu uma mordida bem sexy no cantinho dos lábios e perguntou pra ele:
— Qual era mesmo aquele nome que você gostava de me chamar, Renan?
— Nome?! — ele perguntou.
— Sim! Aquele nome...
— Não sei do que está falando. — Renan disse. Mas uma mudança brusca na sua postura corporal acabou o entregando.
— Sabe sim, Renan. — Ela tornou a falar, mas como que o ajudando a recordar-se — Estou falando daquele nome que sempre que a gente estava... bem, você sabe...
Renan corou-se todo, de forma que teve de se esforçar pra continuar demostrando desinteresse no assunto.
— Ah, não começa. — ele disse — Por que isso agora?
— Me desculpe Renan, — ela respondeu — eu concordo que é uma pergunta inadequada, mas veja bem, é só uma pergunta, né? Respondê-la não vai arrancar nenhum pedaço de você, vai?
— Não... mas sei que você está tramando alguma coisa!
— Tramando?! — Valentina o indagou. Mas depois ela ficou salpicando dengo na voz — Não estou tramando nada, eu juro! Só queria ouvir você dizer mais uma vez. Depois disso eu juro que saio da sua vida pra sempre. Prometo que nunca mais irá me ver.
Renan estremeceu todo ao ouvi-la, pois até o momento ainda permanecia firme e ancorado nas antigas mágoas que ainda refletiam sofrimentos diversos relacionados à vida que tinha tido com ela. Mas ao ouvi-la dizer de forma tão sincera: “pra sempre” e “nunca mais”, ele sentiu quando algo importante dissolveu dentro de si.
— Mas não precisa falar desse jeito. — ele disse.
— Mas não é isso que você quer Renan?! — ela retorquiu, afastando-se.
— Mas não é dessa forma.
— Dessa forma?! Pelo amor de Deus, Renan, você sumiu de casa sem me avisar!
— Sim, eu sei. É que eu estava precisando de um tempo. Pra pensar.
— Estava precisando de um tempo?! Que merda, Renan! E não poderia ter me falado?!
— Por favor, Valentina, fale mais baixo...
— O que é agora?! Está preocupado com o que seus vizinhos irão pensar de você?! — ela disse — E eu?! Como é que fico nesta história?!
Como Valentina não deu indícios que iria atenuar tão cedo nos comentários, Renan deu logo um jeito de costurar o assunto do tal nome bem no meio da conversa. Ele perguntou de forma bem doce:
— Então, você não queria ouvir o nome que eu sussurrava no seu ouvido todas as vezes que a gente estava...
— ...Fazendo amor, Renan. — Valentina emendou.
— Isso mesmo! — ele disse — Quando a gente namorava.
— Então fala logo pra me acalmar.
Como já fazia pelo menos uns três meses que eles não se viam, ele sussurrou meio sem jeito:
— Vai titica...
Ao ouvi-lo, Valentina explodiu em risos. Sem falar que esse seu gesto espontâneo acabou deixando Renan com uma tremenda cara de taxo.
— Qual é a graça? — ele disse magoado — Não era isso que queria ouvir?
Depois que se acalmou; Valentina enxugou suas lágrimas e disse de forma bem descontraída:
— A graça, Renan, é que titica significa bosta de galinha.
— Nada disso! — ele logo se defendeu — Titica é derivado do seu nome e você sabe muito bem disso!
— Derivado do meu nome?! — ela desconversou — Sem essa, vai...
Continua...
*** E aí? Está gostando da estória? Então, para adquirir o livro completo é só procurá-lo no Google Play Livros do seu celular ***
Merci pour la lecture!
Nous pouvons garder Inkspired gratuitement en affichant des annonces à nos visiteurs. S’il vous plaît, soutenez-nous en ajoutant ou en désactivant AdBlocker.
Après l’avoir fait, veuillez recharger le site Web pour continuer à utiliser Inkspired normalement.