De todos os lugares possíveis que conseguia imaginar, nunca iria cogitar estar ali naquela casa à beira-mar, depois de todo o ocorrido. A silhueta branca e cinza se misturava ao nada que era aquela praia em dia de chuva, com os ventos fortes e grossas gotas provenientes do céu acinzentado. Seu coração batia na garganta enquanto andava contra a areia dura e esbranquiçada, até conseguir vencer aquele caminho tortuoso e finalmente alcançar a soleira de madeira antiga, que precisava de alguns reparos depois de tantos anos encarando as intempéries.
Não precisava de nenhuma instrução; conhecia o caminho decorado de cor, de tantas as vezes que frequentou ali no auge de sua juventude. Se conseguisse se concentrar, podia até mesmo conseguir ouvir as risadas infantis ainda ecoando por aquelas paredes pintadas em tom de areia, ornadas com espelhos grandes e ovais com bordas que antes eram prateadas, mas agora exibiam um tom opaco e desgastado. Não iria por esta estrada de memórias, é claro. Tinha uma investigação a seguir. Passou pelos cômodos que tinham o leve odor de maresia, misturados a um leve tom de incenso e alecrim, bem timidamente entranhado naquela construção. Subiu as escadas e podia escutar cada ranger dos degraus cansados, até alcançar o corredor com quadros de pinturas com natureza morta, o que chegava a ser uma ironia tendo em vista as condições em que aquele lugar se encontrava. Parou em frente a porta do quarto, aberta e com a impressão de que iria cair a qualquer momento. Deu dois passos para dentro do cômodo e deixou a vista recair por ali.
A primeira coisa que percebeu foi o frio. Implacável, vindo da janela escancarada, com as cortinas tremendo como seu próprio corpo convulsionava conforme a ventania empurrava para frente tudo o que via. O cenário era completamente desolado. No chão, jazia o que deveria ser os resquícios de toda uma vida de grande fortuna: livros antigos rasgados, manchados por sua própria tinta que agora sangrava das páginas conforme a chuva lhe alcançava; uma porcelana que deveria ser cara e muito delicada estava em pequenos pedaços espalhados desde o pé de uma mesa próxima a janela até a metade do cômodo, seus ornamentos em rosa, nanquim e dourado contrastando com o branco e remontando a um tempo muito já esquecido; cacos de vidro pintavam o taco daquele piso, não facilitando para entender se aquilo era fruto do orvalho da manhã, a água do vaso estourado contra a parede, as gotas que vinham daquela chuva torrencial do lado de fora, ou realmente um cristal quebrado; havia também flores despedaçadas por todos os lados, provavelmente uma obra feita muito antes daquilo se transformar em vazio, guiada pela raiva e desordem. O medo e o desespero ainda estava ali apesar de não haver mais nenhum sinal de uma respiração no quarto. Nem mesmo na cama grande com lençóis grandes, confortáveis e surpreendentemente ainda brancos, o maior destoar no meio de toda aquela bagunça.
O que tivesse acontecido ali passou como um vendaval emotivo e desesperado, mas localizado.
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