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Sobre Lágrimas Verdes

Faltam 3 minutos para o recreio e Mauricio está ansioso.

Tira do bolso com as mãos suadas e verdes uma canetinha hidrocor e como um metrônomo descompassado batuca na classe.

Sua camiseta do Ben 10 está mais verde do que o normal.

Seu rosto tem ou tinha um trevo verde pintado, que foi deformado pelo suor.

É 17 de Março, dia de São Patrício.

Faltam 50 segundos para o recreio. Ele já não sabe mais o que fazer com as mãos. Para um carinha de 7 anos, ele tem uma preocupação exagerada.

Toca o sinal e ele corre.

Porta aberta: Os poucos alunos no corredor não servem como obstáculo ou motivo para desaceleração.

Quem vê estranha a cena, afinal Mauricio tem o apelido de Lesma,

e é conhecido por manter seu passo lento até quando vai ao banheiro em situações de emergência.

Em pouco tempo os colegas, convocados para à reunião, já estão no banco do pátio e Mauricio está sobre ele como um pastor desses que ele assiste na TV quando está na casa da avó.

“E aí pessoal, chamei vocês aqui pra falar sobre um assunto muito serio.

Pesquisei todos no Facebook e descobri que nós nascemos em Outubro ou Dezembro e acredito que sofremos da mesma injustiça:

Ganhamos apenas um presente nesse mês, um presente que vale para Dia das Crianças e Aniversário ou Natal e Aniversário. Não é um presente que vale por dois, isso é mentira dos nossos pais, porque o Maicon, que nasceu em Agosto ganhou um presente muito melhor do que o meu”

Nesse momento todos concordam e comentam sobre seus presentes e presentes ganhos por amigos, primos, irmãos…

Mauricio segue:

“Conversei com a minha avó sobre isso e ela disse que nós não podemos mudar a nossa data de aniversário, que vai ser sempre o mesmo dia durante toda a nossa vida…bom ela não quis explicar muito mas deixou escapar que a data de aniversário é uma escolha dos nossos pais…algo ligado com a CIÊNCIA.

Na aula da professora Carmen, de ciências, eu perguntei sobre a data de aniversário e descobri que nossos pais namoram e que nós nascemos 9 meses depois disso. Ela disse que não podia me explicar mais do que aquilo, mas já tenho certeza que a data de aniversário é escolhida por nossos pais.”

O volume das conversas paralelas começa à aumentar, Lesma tem que falar um pouco mais alto pra prender a atenção dos presentes e segue com um discurso alto e inflamado:

“Já estamos condenados com nossos aniversários mas podemos salvar o futuro, salvar nossos irmãos que vão nascer. Precisamos impedir que nossos pais namorem nos meses de Janeiro e Março, assim ninguém mais vai nascer em Outubro e Dezembro.

Os múrmuros aumentam. Chico Bombinha — que tem esse apelido por ser asmático — diz que seus pais esperam um irmão que vai nascer e Rodrigo, o banguela fala para Mauricio:

“Meu irmão nasceu em Fevereiro e sempre reclama que as festas em casa não são tão legais quanto as festas na escola…

Nós poderíamos colocar alguns outros meses aí?

Esse era o comentário que faltava para o murmurinho cruzar a linha e se estabelecer como discussão. Mauricio aos gritos lembra a todos do pouco tempo que resta para o fim do recreio e finaliza:

“Está resolvido: nenhum dos nossos pais pode namorar entre os meses de Janeiro e Maio, assim ninguém nasce em meses de datas comemorativas e durante as férias.”

Após a aula Lesma corre pra casa.

As palavras do decreto que vai ser dado aos seus pais quase saem pela boca. Ele, que mora um tanto longe, mesmo que morasse muito mais longe, provavelmente não iria sentir o cansaço. Corre tanto que chega 25 minutos antes do horário habitual. Entra pela porta da sala e não vê ninguém, olha pro espelho do canto que reflete toda a cozinha e percebe que ela também está vazia. Coxas e panturrilhas já estão doendo mas ele não se rende e sobe as escadas pulando os degraus de dois em dois. Corredor vazio, carpete macio e ele segue. Cabeça pra esquerda e no seu quarto não tem ninguém, em seguida olha pra direita e o banheiro está com a porta aberta e desocupado. Só resta o quarto dos seus pais no fim do corredor.

Agora 23 minutos antes do horário habitual, Mauricio entra sem cerimonia e os flagra sem roupa sobre a cama completamente embaraçados tentando se esconder com o lençol.

Lesma engole o discurso e volta em silencio andando para trás com o braço esquerdo aberto e a ponta dos dedos vai deixando uma suave marca verde quando ele toca a parede branca. Só gira o corpo quando chega ao meio do corredor e entra no seu quarto sentindo o calor de quem tem as bochechas vermelhas. Senta na cama, tira os tênis e as meias apenas pisando nos calcanhares e tem um alivio quando vê os pés vermelhos e inchados tocando o chão de frio de cerâmica branca.

Segundos depois lágrimas verdes pingam no chão.

Ele chora por ter chegado tarde demais.

1 Septembre 2020 18:01 2 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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La fin

A propos de l’auteur

Arnaldo Zampieri Assimétrico como a vida é o meu trabalho. Dividindo essa existência em: Composições, crônicas, contos, poesias e HQs. Você me ouve no Spotify, através do podcast Sofá das Artes

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