Seus olhos miraram do chão para o relógio redondo pendurado na parede da sala. Os ponteiros lentamente marcavam 17:45 enquanto ela ainda penteava o longo cabelo rosado. Um resmungo escapou de seus lábios, seus pés se colocaram para correr pelos corredores. Estava atrasada.
Na verdade, o atraso nem era tão crucial quanto parecia, porém para a garota e para a ocasião, cinco minutos podia ser considerado um pecado.
Entrando no quarto apressada, ela se olhou no largo espelho embutido na porta do meio do armário. Alisando o cabelo mais um pouco, a jovem deu meia voltas na ponta dos pés, analisando o vestido azul de florezinhas se balançando no ar.
Contente consigo mesma — e ainda mais por saber que não precisaria perder mais tempo ali —, ela se virou, pegando sua bolsa na cama e saindo do quarto em direção a entrada principal da casa.
Seus sapatos faziam sons gentis pelo corredor deserto acompanhando as batidas nervosas de seu coração. Os olhos ternos de Clannera olhavam para a porta de madeira se aproximando enquanto se lembrava do rosto contente de Flicka pela manhã quando conversavam sobre o início do campeonato esta noite. Se a jovem conseguisse vencer a luta, poderia participar das próximas quatro noites e tentar se tornar a campeã. Poderia até entrar para as regionais e, quem sabe, mundiais.
O pensamento fazia as pequenas mãos de Clannera suar. Ela só estava acompanhando o esforço da outra e levando sua torcida para a plateia, entretanto poder fazer parte dessa jornada a deixava ansiosa.
Flicka falava sobre os campeonatos e às vezes até ia assistir as lutas fechadas que aconteciam na academia, porém sempre que Clannera mencionava a possibilidade da maior em participar, ela hesitava como se tivesse medo de provar sua força para alguém.
No final aconteceu de, em uma noite qualquer, a mulher se aproximar acanhada, perguntando o que a menor achava do campeonato se aproximando e, na manhã seguinte, apareceu com os papéis para inscrição preenchido.
Parada atrás da porta, se lembrou das semanas de treino pesado que a namorada andava fazendo e um sorriso gentil cruzou seus lábios. Clannera nunca a viu tão confiante e orgulhosa de si mesma como via agora.
Esticando o braço, abriu a porta sendo recebida pelo vento caloroso do fim de tarde e os sons altos de carros parados no semáforo, querendo desesperadamente voltar logo para casa.
Era sempre assim. Todos os dias, nesses horários específicos, os barulhos ficavam insuportáveis. Era ótimo morar no centro e ter tudo ao seu alcance, porém o preço a se pagar era um pouco alto.
Não era algo que reclamavam. Estavam ambas felizes com sua casa pequena de paredes azuis celeste. Enquanto estivessem juntas, qualquer lugar seria seu lar.
A jovem continuou, fechando a porta atrás de si, indo em direção a calçada movimentada. Sabia que era mais fácil chamar um Uber para chegar mais rápido, mas preferiu caminhar. A competição não era muito distante dali e estava querendo tomar algum sol na tentativa de acalmar seu coração nervoso.
—
A entrada do pequeno armazém alugado para o campeonato tinha uma pequena fila, caminhando rapidamente, quando Clannera chegou. Seus grandes olhos brilharam ao ver que havia mais de dez pessoas paradas ali e seu coração disparou pensando que Flicka se apresentaria para um público muito maior do que esperava.
Alegremente, caminhou até a fila observando amigos conversando aguardando sua vez e o senhor que atendia as pessoas na porta. O homem tinha um sorriso carinhoso e sua voz carregava um calor contente que contagiava quem passava por ele.
Clannera sorriu para si mesma assumindo que ele deveria ser o dono do local. Nesse momento, se lembrou de quando tentou convidar as colegas do trabalho para assistir o evento e todas se esquivaram, rejeitando do jeito mais simpático possível. Não queriam ser grossas, Clannera sabia disso, sabia também que só tinham dito não por pensarem que as pessoas envolvidas nesse meio são brutamontes monstruosos.
Seu rosto se entristeceu ligeiramente com a lembrança. A jovem não estava ligada diretamente com a academia, mas tinha a namorada que estava e conhecia alguns de seus amigos que frequentavam a casa às vezes e sim, eles se encaixavam na imagem de pessoas grandes com braços enormes e coxas capazes de quebrar uma árvore, porém seus coração eram tão puros quanto o de pessoas delicadas cuidando de coelhos.
Balançando a cabeça para afastar os pensamentos, Clannera seguiu em frente e quando chegou sua vez cumprimentou o homem com o sorriso mais contente que conseguia carregar antes de adentrar o local.
Não deu nem dois passos e seus olhos já estavam arregalados mais uma vez.
A parte de dentro do armazém era muito maior do que parecia e cada canto da sala principal estava lotado de pessoas andando de um lado para o outro, curtindo o momento com os amigos.
Era muito mais do que poderiam imaginar em qualquer sonho ambicioso. Seu coração disparou e precisou colocar as mãos na boca para não soltar o riso alegre, querendo exaltar sua felicidade. Sabia que Flicka também ficaria contente com isso. Nervosa, mas contente.
A jovem andou meio encolhida pelo aglomerado de pessoas, de 1,80 com músculos maiores que sua cabeça, tão contente que parecia estar em casa.
— Clannera? – A voz conhecida chamou por seu nome, se sobressaindo dos barulhos.
Seus olhos grandes olharam ao redor, procurando desesperadamente pelo rosto e, quando encontrou, um sorriso se desenhou em seus lábios.
No canto, próxima a uma escada, Flicka estava parada apertando os cotovelos, tentando chamar a atenção da garota sem atrair outros olhos.
Clannera correu até ela, vendo que já vestia o short da competição e uma blusa de moletom para se manter aquecida.
— Oi! – Falou sorridente, parando a sua frente. Flicka apenas acenou com a cabeça tentando sorrir de volta. — Como você tá?
— Nervosa... – respondeu, olhando ao redor, sentindo o estômago revirar.
Clannera riu baixinho, dando um passo à frente.
— Tem mais gente do que eu esperava... Até o Alex tá espantado – a maior comentou, soando mais incomodada do que animada.
— Mas não foi ele quem criou o evento?
— É, mas... Não pra tudo isso – movendo as mãos no ar apontou para as pessoas. Clannera apenas assentiu antes de se virar para ela novamente.
— Mas isso é bom, né? – Perguntou, atraindo os olhos assustados da outra. — Mais gente pra se interessar pelo seu trabalho.
— É...
A voz soou fraca e, então, Clannera notou suas mãos se apertando. Tinha certeza que a maior estava com medo de falhar.
— Fli, vai ficar tudo bem – assegurou, dando um passo à frente e tomando suas mãos nas dela. — Você treinou muito. Eu vi. Hoje você vai mostrar pra todo mundo o que eu já sei.
— O que? – Perguntou, um pouco mais calma.
— Que você é minha campeã – falou sentindo as próprias bochechas arderem envergonhada.
Flicka arregalou os olhos, engolindo seco, sentindo seu rosto pegar fogo. Nenhuma das duas eram boas em elogios ou cantadas em momentos oportunos, entretanto ver a pequena sendo tão honesta atingiu o coração dela como uma flecha.
Dando um passo à frente, atraiu o rosto da jovem antes de dar-lhe um beijo suave nos lábios.
— Boa sorte – se afastando, falou ainda envergonhada.
Flicka assentiu, sorrindo tranquila.
— Eu vou voltar pra dentro. Você pode seguir aquele corredor ali, – apontou, vendo a jovem acompanhar seu sinal — vai levar direto pra sala da competição.
— Tá bom – se afastando, concordou, assistindo a maior dar um passo para trás, um aceno e então correr para o lado contrário.
A sala da competição era larga para comportar todos os interessados. Havia uma cerca de segurança simples no centro e até mesmo cadeiras ao redor para a maioria poder se sentar. Não era nada luxuoso como nas apresentações de TV, mas era ideal para o momento.
Clannera caminhou até uma das cadeiras na terceira fileira, se sentando com a bolsa no colo, perto o suficiente para conseguir ver tudo o que acontecia. Respirando fundo, aguardou sentindo o nervoso tomar conta dela.
Não demorou muito depois disso para o juiz aparecer se apresentando para todos e pedindo para se sentarem. Houve uma pequena conversa de agradecimento e explicações para o que aconteceria a seguir. Depois, o homem pediu que todas as participantes entrassem no palco e se apresentassem.
Os olhos da jovem brilharam ao ver a namorada ali e um sorriso mostrando seus dentes surgiu quando viu seu rosto sério, que colocava medo em todos, fazendo sua apresentação.
A competição começou em seguida com as participantes entrando em duplas. Cada luta era excitante a sua maneira fazendo Clannera se segurar na cadeira impressionada com os socos e os desvios de cada uma delas. Sabia da força de Flicka, mas analisar cada uma das concorrentes era importante também.
Quando Flicka apareceu, Clannera nem tentou ficar na cadeira. Sua animação a fez se levantar, batendo palmas de todas as formas possíveis, querendo anima-la.
A outra participante tinha quase a mesma altura e os músculos era tão salientes quanto da jovem. Clannera mordeu as unhas quando o juiz deu início a competição.
A outra jovem tinha força, mas não era tão habilidosa quanto Flicka. Quando os socos começaram a ser lançados no ar, Clannera se acabava em gritos na plateia chamando pelo nome da mulher. Todos ao redor sabiam para quem ela torcia.
A última rodada começou em uma luta entre Flicka e a outra competidora mais forte da noite. O coração de Clannera estava angustiado, tomado pelo medo, mas ela não conseguia desviar os olhos. Não se permitia perder um único segundo.
A luta foi demorada onde as duas estavam determinadas a sair dali vitoriosas. Entretanto, foi Flicka quem teve o soco mais forte, fazendo a outra ir ao chão.
—
Flicka mal tinha saído da sala de trocas quando Clannera apareceu pulando em sua direção para um abraço apertado. A maior poderia ter reclamado e pedido para sair de cima, já que estava com dores por todos os cantos do corpo, porém não fez. Ao invés disso, a abraçou tão forte quanto.
Seu coração estava a mil, misturando todos os sentimentos possíveis. Precisava daquele abraço, precisava dela.
— Eu sabia! Eu te disse! – Gritando alegremente, Clannera falou alto se afastando da maior. — Falei que você ia conseguir.
Flicka não tinha o que dizer. Estava feliz por ter ganhado, claro, nunca tinha pensado que passaria por isso, mas estava mais feliz de saber o quanto a namorada a amava e como sempre acreditava nela.
— Ainda tem mais quatro, né?
— É. O Alex me pediu pra começar um treino mais pesado semana que vem – suspirando pesadamente comentou enquanto a outra balançava a cabeça concordando. — Vou pegar o set com ele na academia.
— Certo!
— Aí... você me ajuda?
— Claro!
Flicka sorriu vendo os olhos brilhantes da outra.
— Mas, agora, será que a gente pode ir pra algum lugar mais calmo?
Clannera riu, vendo o incomodo do público ainda atormentando a jovem.
— Sim. E eu conheço o lugar certo.
Sorrindo a menor agarrou sua mão vendo o sorriso no canto de seus lábios. Devagar, caminharam para fora dali, de volta para casa onde poderiam comemorar a vitória com ataduras, chocolate quente e muito amor.
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