silva-pacheco1589114879 Silva Pacheco

Lúcia era uma jovem do interior. Noiva aos 17 anos, aos 18 assassinou o noivo, quando este entrou em seu quarto e a viu fazendo a última prova do vestido para o casamento. Após fugir (com o vestido respingado de sangue), Lúcia revezou-se entre o meretrício e outros assassinatos: suas vítimas eram sempre criminosos, normalmente homens com histórico ou fama de adultérios, estupros e/ou abusos a mulheres. Aos 19 anos, chamou a atenção do comandante da unidade dos Caçadores, uma milícia do interior do Estado, que a utilizava para obter informações e eliminar outros criminosos. Seja o que for que chamou a atenção daquele capitão, era algo tão assombroso que o DOPS de Minas Gerais a recrutou como informante. Ao final dos anos 30, Lúcia havia chegado ao Distrito Federal, e era a única mulher a compor o temido S.S.I. (Serviço Secreto de Informações) de Filinto Müller, sob o codinome de L-22. A trajetória de Lúcia é fictícia (ou não), inspirada (ou extraída?) dos arquivos do S.S.I, orgão da temida Polícia Política dos anos 1930 e 1940.


#1 Dan Criminalité Déconseillé aux moins de 13 ans.

#espionagem #sedução #ficção-histórica
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Capítulo 1: Portaria 4.430

5 de setembro de 1938.


O Chefe de Polícia estava diante do documento, prestes a assiná-lo. Foi a porta de seu Gabinete, aberta bruscamente, que o impediu. Por ela entrou seu assessor, apressado e ofegante, com uma pasta cáqui debaixo do braço.


- A questão do Haníbal foi resolvida - disse ele, lançando aquela pasta sobre a imponente mesa de mogno do Chefe de Polícia.


Era quase meio dia, e o sol entrava pela janela lateral, lançando a silhueta de ambos contra a parede. Os homens eram quase idênticos: cabeça quadrada, óculos redondos, postura austera.


O Chefe de Polícia abriu a pasta e leu o cabeçalho:


- Foram os Caçadores? - perguntou ele, positivamente surpreso.


O assessor puxou a cadeira e se sentou – Não – respondeu, folheando o documento até encontrar uma das fichas anexas, para a qual apontou com o dedo indicador.


- Esta mulher? - perguntou o Chefe de Polícia, depois de verificar o documento - Deu cabo do problema? Sozinha?


- Isso mesmo.


- Explique.


- O DOPS-MG encontrou Haníbal numa cidadezinha chamada São Lázaro, mediante denúncias. Os moradores estranharam o sujeito forte, caladão e de sotaque pelas redondezas. Dois investigadores passaram a segui-lo, mas, considerando o histórico do alvo, temiam tentar prendê-lo.


O histórico do fugitivo era, de fato, impressionante. O Chefe de Polícia ajeitou os óculos no rosto e lembrou do que havia ocorrido meses antes. Após intenso combate no Palácio Guanabara, Haníbal era o único combatente ainda de pé, entre os homens que comandara no ataque, todos tombados. Rendido nos gramados da residência presidencial, ele estava orgulhosamente paramentado com a farda integralista. Foi colocado dentro do camburão por outros três brutamontes de boina vermelha, agentes da Polícia Especial, e, lá no camburão, esperou calmamente por cerca de 20 minutos. Quando a viatura parou num sinal, um dos policiais que o acompanhava, viajando de frente para ele, acendeu seu cigarro. Habinal então destroçou-lhe o maxilar, chutando-o com o pé calçado de coturno. Depois, quebrou o nariz do guarda a sua direita, com uma cotovelada.


O assessor prosseguiu com o relato - Os Caçadores foram acionados e, junto ao DOPS-MG, começaram a traçar uma estratégia para emboscar o capitão Haníbal.


"Emboscadas não são boa ideia" pensou o Chefe de Polícia, lembrando-se de outro episódio envolvendo Haníbal. Ele estava na Estação Central, quando dois investigadores anunciaram-lhe a prisão. Foram nocauteados com um golpe fulminante da pesada bolsa, cheia de armas e munições, que Haníbal trazia consigo. Mesmo com aquela carga, e com uma mochila igualmente carregada às costas, o brutamontes correu em meio aos transeuntes, aproveitando-se da aglomeração que impedia a mira de outros investigadores, espalhados pela estação.


- Sabendo que o sujeito nutria fanatismo à raias da loucura – contava o assessor - e era dotado de assombrosa noção de combate, o comandante dos Caçadores pediu que Belo Horizonte enviasse uma agente que ele conhecia "de outros carnavais".


- Esta tal de Lúcia, presumo.


- Positivo. O comandante já a conhecia antes de ser recrutada pelo DOPS-MG. Atenderam a solicitação, e puseram em prática um plano sugerido por ela mesma.


Conforme a narrativa do assessor, o Chefe de Polícia ajeitava novamente os óculos, e ia reconstituindo mentalmente cenas: era terça-feira, pela manhã, e Haníbal vinha pela movimentada rua principal em direção à mercearia. Dois investigadores observavam-no, um da confeitaria, outro do botequim. Súbito, a tranquilidade da cidadezinha foi interrompida, quando os transeuntes na rua viram uma mulher sendo posta para fora de um prédio, trazida pelos braços por dois guardas locais.


Haníbal observou a cena, da mercearia. Da confeitaria ao outro lado da rua, o investigador, que não tirou os olhos de Haníbal, percebeu o imenso soldado cerrando os punhos, e podia jurar que também escondia os dentes rangendo dentro da boca. Claramente fitava a moça de saia negra, camisa verde oliva e faixa azul no braço. O Chefe de Polícia por si mesmo concluiu que a farda que ela vestia, da ala feminina da Ação Integralista, trouxe à memória de Haníbal os orgulhosos desfiles integralistas do qual tomava parte.


Haníbal saiu da mercearia, entrando num beco e dando a volta no quarteirão. Chegou de frente para os guardas, e um deles sacou o cassetete. Tomando-o pelo pulso, Haníbal afundou-lhe o nariz com um soco. A mulher não titubeou e pisou na canela do outro guarda, que segurava-lhe o braço, chutando-o depois no rosto. Tomada pela mão, correu com Hanibal em direção aos morros em volta da cidade.


- O que aconteceu? – perguntou Hanibal, afastado com a moça em meio à mata.


- Alguém me delatou – respondeu ela, ajustando uma mecha de seus cabelos negros no coque militar que ostentava – me pegaram arrumando os arquivos e materiais da Ação, que mantínhamos no porão daquele prédio no Centro. Mas...quem é você? Por que você me socorreu?


- Anauê! – respondeu Haníbal, recebendo dela um sorriso, seguido de donzelesco suspiro.


O clima não durou muito - Você perdeu o juízo? – perguntou Haníbal, puxando-a pelo braço – vestir-se assim depois que declararam a Ação ilegal?


Ela baixou os olhos, contemplando vagamente o chão - A Ação ainda vive se mantemos ela viva – respondeu, olhando em seguida nos olhos de Haníbal – e não estou disposta a deixá-la morrer. Toda semana eu descia àquele porão, vestia meu uniforme, e punha em ordem os livros, panfletos e revistas de nossa célula em São Lázaro. Continuei fazendo isto. E não vejo razão para parar de fazê-lo!


Haníbal então percebeu mulher para além da farda. Olhos negros, lábios acentuados, candura no semblante.


- Eles vão nos encontrar se permanecermos aqui – disse ele, tomando-a pela mão.


- Hei, moço, para onde está me levando? – perguntou ela.


Haníbal não respondeu. Levou-a pela mão, atravessando o matagal até chegarem num casebre de paredes descascadas e janelas de madeira trancadas. Adentraram, e lá dentro ela pôde ver uma bandeira da Ação Integralista Brasileira na parede, um colchão no chão, e pouco mais que isso entre as paredes.


Haníbal logo chegou de outro cômodo, trazendo uma grande bolsa na mão e uma mochila nas costas.


- Imagino que nunca atirou antes - disse ele, abrindo a bolsa e dela tirando uma metralhadora, a qual municiou.


- Aprendo o que tiver de aprender – respondeu ela.


- Ótimo – ele tomou um revólver, também da bolsa, carregou-o e entregou para a mulher - Vamos voltar à cidade, roubar um carro e invadir o porão. Salvaremos o que pudermos salvar.


- De acordo!


- Vamos!


Ele ia saindo pela porta, quando foi chamado a atenção.


- Hei! – ela apontou para a parede – vai deixar a bandeira aqui?


Haníbal suspirou, constrangido. Deixou a bolsa na porta, ao lado da mulher, e foi na direção da parede onde estava aberta a bandeira.


O barulho do tiro estrondou pela casa e pela mata.


Os miólos de Haníbal se espalharam em sangue sobre a flâmula, tão logo pôs nela as duas mãos para, reverentemente, retirá-la da parede. Diante dos olhos da mulher, parada sob as ombreiras da porta de revólver em punho, o cano da arma fumegava.


Daquele jeito o Chefe de Polícia imaginou a última cena narrada pelo assessor:


- A tal mulher adivinhou que Hanibal iria confiar nela, e ainda por cima lhe dar uma arma? - perguntou ele.


- Não. Ela pediu três dias para ganhar a confiança dele, descobrir onde estavam as armas e, enfim, eliminá-lo. Mas, a oportunidade faz o ladrão...


- Ótimo – o Chefe de Polícia fechou a capa do prontuário e colocou-o sobre a mesa, ao lado do documento que estava prestes a assinar – e por que se deu o trabalho de vir correndo aqui me reportar isto?


O assessor pegou de volta o prontuário.


- O senhor já assinou a Portaria 4.430? – perguntou ele.


- Você me interrompeu quando iria fazê-lo.


- Então... – foi a vez do assessor ajeitar os óculos no rosto. – ...arredonde o número de 199 para 200 agentes – sugeriu ele.

10 Mai 2020 13:46 3 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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Akuma Andrade Akuma Andrade
Wow, wow! Agora sim, primeiro capitão muito bom. Com toda a dinâmica necessária para nos fazer querer ler o próximo. Gostei da voz narrativa ser a do agente, ficou com uma atmosfera Noir mesmo sem ser. Parabéns mesmo. Amanhã lerei o capítulo 2.
November 10, 2020, 00:50

  • Akuma Andrade Akuma Andrade
    Primeiro capítulo muito bom* November 10, 2020, 00:52
  • Silva Pacheco Silva Pacheco
    Obrigado Akuma. Procurei introduzir a personagem das sombras. November 10, 2020, 13:14
~

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