Conta-se que um homem, que não temia a Deus nem aos homens, muito menos tinha medo do diabo, em uma sexta-feira santa, pegou sua espingarda e disse para a mulher:
"Vou caçar algum bicho para comermos."
A mulher muito temente as leis sagradas, aconselhou-o, a não ir.
“É dia santo, homem! Vai que Deus te castiga! Vai que o diabo te engana!”
O marido pouco se importou com os sábios conselhos. Desdenhando, ele colocou a arma nas costas, e rumou para a mata.
O homem andou, andou, andou... E eis que de repente, ouviu um grasnado tenebroso. Olhou para o alto, e sobre o galho de uma árvore, um pássaro majestoso repousava.
“Que sorte a minha! Encontrei o maior pássaro da minha vida!” Jubilou o insano.
Então, ele mirou o pássaro, e já ia puxar o gatilho, quando esse, com voz melodiosa, cantou:
“Não me mata eu seu João de Madeira,
Que eu sou bicho do mato e não mato ninguém.”
“Oh! Queres que eu não te mate? Pois vou matá-lo agora mesmo!" Zombou o homem. E atirou.
A ave caiu no chão, deu alguns grasnados funestos e morreu. E depois de morta, cantou:
“Não me leve pra casa seu João de madeira
Que eu sou bicho do mato e não mato ninguém.”
O homem não deu a mínima para a voz agourenta do pássaro, pegou-o, e retornou para casa. Lá chegando, pediu a mulher que depenasse a ave, a limpasse e a fritasse. A mulher se recusou a fazer tal loucura, pegou o terço e foi rezar. O homem ainda segurava o pássaro quando esse mais uma vez, entoou.
“Não me depena eu seu João de Madeira
Que eu sou bicho do mato e não mato ninguém.”
E o homem depenou.
E seguiu-se o canto da ave...
“Não me limpa eu seu João de Madeira
Que eu sou bicho do mato e não mato ninguém.”
E o homem limpou.
"Não me tempera eu seu João de Madeira
Que eu sou bicho do mato e não mato ninguém.”
Ele temperou.
E assim prosseguiu, até a ave estivesse pronta para comer, que mais uma vez, entoou:
“Não me come eu seu João de Madeira
Que eu sou bicho do mato e não mato ninguém."
“Mulher, você quer um pedaço?”
Ofereceu o marido ignorando o mistério trevoso que acontecia.
“És louco homem! Depois de frito o pássaro ainda está falando e você vai comê-lo? Não vê que isso é coisa do demônio?”
O homem riu, e comeu tudo sozinho.
A mulher continuou rezando o terço.
Depois que se fartou de comer, o homem deitou na rede para descansar.
De repente, sentiu alguma coisa mexendo dentro do seu estômago, como se quisesse furar-lhe as carnes. Ele levantou e sentou em uma cadeira, e o negócio continuou a mexer, e depois lá de dentro, falou:
“Por onde eu saio seu João de Madeira?”
Ignorante como era, o homem retrucou.
“Sai pela boca.”
“Pela boca eu não saio porque tem saliva. Por onde eu saio se João de Madeira?” Indagou a voz sinistra.
“Sai pelo ouvido.”
“Pelo ouvido eu não saio porque tem cera. Por onde eu saio seu João de Madeira?” Continuou a voz em seu estômago.
“Sai pelo nariz.”
Pelo nariz eu não saio porque tem catarro. Por onde eu saio seu João de Madeira?”
Já com muita raiva, o homem gritou:
“Sai por onde você quiser, diabo!”
E a ave rasgou a barriga do homem , alçou um voo e sumiu, e João de madeira sangrou até morrer, e a mulher continuou rezando o terço.
Fim
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