nicansade Franky Ashcar

Acontece que a vida muda de uma hora para a outra, eu encontrei o amor na primavera de 1982, mas a AIDS me tirou tudo em questão de sete meses.


Cuento No para niños menores de 13.

#festejainks #lgbtq+ #AIDS #homofobia #80’s #original #drama #deathfic #angst #anonovo #sãopaulo
Cuento corto
3
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Capítulo Único

Notas:


Olá, feliz ano novo, seus lindos! <3

História escrita para o desafio "Vem pra Festa", aqui do ink. Celebração escolhida "Ano Novo". <3

Assuntos sensíveis, cuidado com os gatilhos, todos nas tags. ;)

Boa leitura!

***


As noites em São Paulo sempre foram quentes, ou quentes suficientes desde que me assumi como homossexual.

Ah, mas claro, papi teve quase um infarto, e o fim do mundo foi instaurado na casa de dois andares localizada numa rua qualquer, de um bairro qualquer de São Paulo. Tudo que me lembro depois foi que a “mulherzinha”, o filho mais velho do Doutor Valter Triviano, ou seja, me, estava com a roupa do meu corpo vagando pela região central de São Paulo, sem família, sem casa e sem nada.

Oi? Não, não fui eu que cheguei e contei dessa desgraça de atração que sinto por homens, afinal, eu tinha dezessete anos naquele tempo, estava apavorado, todo mundo sabia o destino de uma bicha como eu. Mas quando eu cedi a todo os meus desejos reprimidos... bem, meu pai descobriu, pela boca da senhora Ruth, a velha fofoqueira que o diabo a tenha num bom lugar, ou não. É, não, por mim.

Até hoje, não sei como aquela velha enviada de Satanás descobriu, mas foi assim que acabei tendo o mesmo destino de muitos dos meus amigos. Prostituição, drogas e pequenos furtos; não sei se algum dia o destino de pessoas como eu será diferente, mas até este momento em 31 de dezembro de 1983 às 23:30, garanto que não, e olha que já se passou cinco anos desde que eu deixei de ser o herdeiro dos Triviano.Todavia, posso lhe garantir, caro leitor aventureiro que desbrava minha história desgraçada, eu não consigo mais me recordar de minha vida infeliz de outrora. Mesmo que o dinheiro não seja muito, ou a vida não seja tão luxuosa como antes, hoje eu tenho uma família de verdade, eles me amam como sou e não pela mentira presa dezessete anos dentro de uma porra de armário. Isso sim é felicidade verdadeira!

Mas, como eu dizia sobre as noites quentes de São Paulo, outra vez estava eu Kleverson, ou Klevs, para todos, junto ao Marcelo, ou Marce pros íntimos, se é que você entende, Numa noite como tantas outras no Nostro Mondo.

Vamos nos familiarizar com esse pequeno mundo: Nostro Mondo é o melhor lugar para pessoas como eu conhecerem outras pessoas, um lar de tudo que é de bom. Aqui vocês encontram todo tipo de viados, das enrustidas que foram “pescar” para suas famílias, até mesmo as mais ursonas.

Era em meio ao frenezi de corpos suados, um se esfregando nos outros, enquanto a DJ Rebecca tombadeira, tocava I'm coming out, e a musa Diana Ross cantava “I'm coming out. I want the world to know”, eu e a Marce dançávamos como as loucas que éramos, jovens, belas e maravilhosas em calças de couro apertadas e salto agulha.

Nostro Mondo era a minha segunda casa. Lá eu era a diva, rodava meus braços sorrindo misteriosa. Coitado do Doutor Triviano se visse seu filho como uma princesa da noite.

Todos nós estávamos espremidos entre vários homens e, se não fosse por tais circunstâncias, com toda a certeza aquela festa de ano novo de 1984, seria pequena para mim e para Marce. As luzes negras piscavam deixando minha camisa branca numa tonalidade arroxeada brilhosa e, por todas as razões do universo, roxo era a cor daquela estação, já que a da última fora preto.

E enquanto eu estava ali, dançando ao som de relax, fui teleportado para aquele dia fatídico, indo dos jogos de luzes que invadiam toda a pista fumaçada para o lugar do seu sepulcro.

O quarto de hospital não era colorido como as luzes de Nostro Mondo, muito pelo contrário, assim como o clima não era de alegria e quentura. O quarto opaco e de paredes brancas estava frio, quem sabe se era a febre apossando de meu corpo, por causa da gripe quase mortal, ou se realmente estava frio como me recordo.

O corpo de Rodrigo estava amarelado, seus olhos possuíam duas camadas arroxeadas de olheiras. Lembro-me muito bem de quando conheci o amor da minha vida, que foi sempre muito vaidoso e forte. Naquele momento, Rodrigo era apenas a sombra do que ele em algum dia foi.

Os lábios sempre tão bonitos, estavam brancos e sem vida como as paredes do quarto de hospital, suas bochechas sugadas por tanto que ele havia emagrecido. E, o que mais dilacerou meu peito naquele momento, enquanto eu sentia as mãos geladas de Rodrigo entre as minhas, era vê-lo desfalecer, ali do meu lado, sem que eu pudesse fazer nada.

Até o momento fatídico, seu último suspiro, os lábios trêmulos murmurando de dor e os olhos sem vida me encarando pela última vez. Nem consigo lembrar o quanto que eu chorei, com o corpo morto entre meus braços. Eu gritei até ser tirado dali.

A dor de perder parte de você e o vazio que parece nunca ser preenchido. Eu estava quebrado. E, pior! Não havia conserto para mim.

E talvez pensar no luto causado pela merda de destino em meu sangue e que logo seriam outras pessoas de luto por mim, me deixava ansioso novamente. Por isso sorvi meu piña colada com vontade, como se aquele fosse meu último dia de vida. E, em minha condição, talvez não houvesse mais tempo para mim, era só questão de estação, como com o Rodrigo.

Marce tentou de tudo para me animar, mas, quando percebi, aquela que era para ser uma noite normal de ano novo, se transformou em tristeza, a mesma dor do fim de Rodrigo. E quando menos dei por mim, lá estava eu segurando o choro, e a piña colada, já não era mais o suficiente para me manter são e anestesiado da dor da perda. Enquanto todos a minha volta faziam contagem regressiva para o ano de 1984, eu me segurava para não desabar ali mesmo.

Acontece que a vida muda de uma hora para a outra. Eu encontrei o amor na primavera de 1982, mas a AIDS me tirou tudo em questão de sete meses.

Recordar o rosto opaco de Rodrigo, me deparar com palavras de ódio por eu ser homossexual e, por isso, ser considerado hospedeiro de uma doença, me sentir como se fosse morrer a qualquer momento, só piora tudo. Tento, desde quando saí da fase preta, viver, pela promessa feita para meu amor, pouco antes de ele perder a sanidade, mas não tem sido fácil.

Eu já não saia de casa desde quando Rodrigo foi internado. O medo de morrer era real. Mas foi então que Marce me tirou daquela loucura, afinal em casa ou na rua eu estava fadado, próximo a morrer.

Antes mesmo das luzes dançantes da Nostro Mondo sumir diante de meus olhos, eu ainda vi no palco a poderosa Condessa Mônica e ainda pude ouvir algumas das músicas que marcaram minha vida. Mesmo que fosse curta, ainda assim tive algumas oportunidades que muitos como eu não têm, como a de encontrar o amor de minha vida. Agora me despeço com um sorriso triste, mas uma vida pela frente.

Sem tempo determinado, mas com toda uma vida pela frente.



***


Curtiu? Deixa um comentário e dá Like! Boa sorte à todos os participantes! Até o próximo! :*

4 de Enero de 2020 a las 14:28 7 Reporte Insertar Seguir historia
9
Fin

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Franky Ashcar Vivendo entre linhas, garranchos, letras fora de ordem e obras inacabadas. Igreja KakaGai 🐢💚🐕 Me sigam nas redes sociais @frankynhooo

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Olá! Como você está? Esperamos que bem e feliz ano novo! Como foi participar do desafio? Sua história é impactante, um retrato bem feito da marginalização de uma doença que por muitos anos – inclusive hoje, mas de maneira mais velada e com preconceito mais torpe ainda – foi acusada de ser necessariamente de uma classe de pessoas. Vale ressaltar que a ambientação que lembra um quê meio Rogério Durst, meio Manuel Puig, faz um retrato cru e crível de um relato sem filtros ou meia verdades. Uma história altamente verossímil que poderia perfeitamente representar tantas e tantas pessoas, até mesmo, provavelmente emocionar pessoas que passaram pela mesma situação. Você escreve muito bem. Parabéns!
January 31, 2020, 22:13
Lorem K Morais Lorem K Morais
Olha aí, fiquei triste, mas acho que esse era o objetivo mesmo, então parabéns! Boa sorte no concurso também <3
January 15, 2020, 20:07

  • Franky  Ashcar Franky Ashcar
    Desculpa pela tristeza, eu simplesmente tô viciada em pose, e nos anos de luta da comunidade LGBTQ+, ver esse desafio me trouxe esse plot de imediato. Obrigadinha! Beijinhos 😘😘 January 15, 2020, 23:09
Artemísia Jackson Artemísia Jackson
Aí Verônica, você não cansa de destruir meu coração né mana? Enfim, o conto tá ótimo, e como sei que seu objetivo era mesmo impactar com o angst, parabéns porque tu super conseguiu. Boa sorte mana, vai arrasar na classificação do desafio, certeza!
January 14, 2020, 17:58

  • Franky  Ashcar Franky Ashcar
    Hahaha OLHA A FAMA QUE EU TO COMEÇANDO A LEVAR, EU ERA A DEUSA DO FLUFFY, OLHA O QUE TO ME TORNANDO. HAHAHA. Não sei ser a minha intenção, mas sim do plot, vou escrever logo logo algo bem feliz, hahaha juro, juradinho. Olha a confiança que essa mulier te em mim bicho, obrigada serião. Te amo Raquel, beijinhos 😘 January 15, 2020, 22:55
Ruan Gabriel Ruan Gabriel
Ah, que conto! Apesar de eu ser um LGBTQIA+ nascido em 2000, já entrei em contato com viados mais velhos que compartilham de histórias semelhantes. Adorei seu conto, ainda que ele me parta o coração 💔 Boa sorte no concurso! Tenho certeza que todos amarão, assim como eu, o seu conto!
January 09, 2020, 23:19

  • Franky  Ashcar Franky Ashcar
    Olá, tudo bem? Eu nasci em 90, e ainda tinha algumas coisas dessa época, não tanto, mas mesmo assim ainda era tenso. Mas cá estamos cada dia mais deixando esses fantasmas da AIDS para trás. Tive um amigo que morreu com, e uma pessoa da minha família tem e é super saudável. Foi um trabalhão homem escrever e fazer pesquisas adequadas para que eu não viajasse muito. Então fico feliz que tenha gostado, mesmo que tenha destruído seu kokoro. E claro que somos uma geração abençoada comparado a tanta luta antes disso. Muito feliz pelo comentário! 💚 January 10, 2020, 12:52
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