Violáceos reluziam seus fios de cabelo, seda branca ressaltava seus lábios e a pele levemente queimada de sol. Observava tácito o bruxulear do fogo de tons purpúreos, fonte de luz solitária em meio à escuridão da noite. Cerrou os olhos, atentando-se aos sons crepitantes das brasas; Amenizava aos poucos a veemência com que os pulmões o forçavam a respirar; Afastou as pálpebras, contemplando uma vez mais as chamas, então virando-se de costas para estas.
Encaminhou-se para o outro extremo do cômodo onde esperava-lhe uma banheira de porcelana preenchida por água e pétalas brancas. Parqueou ao lado da louça, vagarosamente levando um dos braços, e então a mão, até a flor que se encontrava sobre a toalha de algodão. Ergueu com cuidado a rosa branca e observou suas minúcias e a textura; a corola continuava completamente preenchida. Deleitava-se com o semblante da rosa alumiada pelas labaredas lilases.
— Tua beleza e esplendor amplificam-se demasiadamente nesta luz púrpura, porém sabemos que não és assim, minha rosa fantasiada — com a mão que tinha livre roçou cuidadosamente as pétalas — Sabemos nós que tu não és. Tu és pálida, frágil, fragmentada. Mortal — desviou o olhar para a água que jazia tranquila e quieta dentro da banheira, avistando o próprio reflexo — Assim com eu, ainda que príncipe, ainda que belo, ainda que aparentemente perfeito aos olhos e bocas alheios, sou igualmente vulnerável, falho e refém da vida e da morte.
Movendo no ar braço, mão e rosa, soltou a flor em direção ao líquido, assistindo-a cair e boiar sobre a tensão da superfície.
Ao lado da toalha havia uma tigela de material branco cujo o interior era ocupado por amoras. Mergulhou os dedos entre os frutos, apanhando-os com as mãos e levando-os à boca. Enquanto mastigava, observou os dedos agora tingidos num tom róseo. Percorreu com a lateral e a palma da mesma mão os lábios, que também marcharam-se com o pigmento das frutas. Observou a mão novamente, logo erguendo o olhar até outro ponto do recinto.
Seus olhos cruzaram o salão até a melancólica escultura em gesso. Deu o primeiro passo em sua direção e até ela caminhou silenciosamente, mantendo a mão erguida na altura do tórax. Prostrou-se em frente à imagem humana inanimada, analisando seus minudências. Toda a anatomia humana gravada de forma impressionante por mãos vivas, carnais, errantes. Assim como a rosa e assim como ele, a escultura aparentava perfeição.
Virou a palma ainda coberta pela tintura dos frutos, ao mesmo tempo que estendia o braço em direção à maçã do rosto da figura, repousando as pontas tingidas dos dedos logo abaixo dos olhos desta. Deslizou a mão pela face sem vida, descendo com cuidado. Deu um passo para trás para apreciar com cautela sua obra de imperfeição.
Agora havia algo de anómalo, de incômodo, exposto. As rachaduras poderiam esconder-se na escuridão, mas as lágrimas violetas que rasgavam o lado destro do rosto branco, estas não poderiam sumir com tamanha facilidade.
— Fantasiam-me como impecável, exímio — levantou os olhos até o topo da figura, distinguindo sobre o gesso o metal reluzir — Sinto-me como um homem sob uma coroa, não um homem digno de colocá-la sobre si. Uma coroa com um príncipe, nunca um príncipe coroado — retornou o foco de seus olhos ao rosto da escultura — Idealizam-me como algo que nunca serei, mesmo ao tornar-me rei. Tenho tantos acúleos quando a roseira de onde arrancou-se esta flor visivelmente incólume. Nunca olham a roseira desde a raiz, o caule. A imaginam florida, esquecendo-se que em algum momento tudo poderá ruir — rodou sobre os tornozelos, avistando a rosa ainda flutuando — E não há nada de errado na imperfeição.
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