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S05#26 - AUSCHWITZ – PARTE II

"A melhor arma política é a arma do terror. A crueldade gera respeito. Podem odiar-nos, se quiserem. Não queremos que nos amem. Queremos que nos temam."

(Himmler. Discurso para oficiais da SS em Kharkov, 19/4/43)



📷



INTRODUÇÃO AO EPISÓDIO:

[Fade in]

KLAUS (OFF): - ... Eu fazia parte de outro escalão de soldados. Soldados de segurança dos líderes do Reich. Himmler certa vez admitiu pra mim que confiava sua vida em minhas mãos. Que me tinha como um filho. Por isso havia me escolhido. Eu não falava muito, não perguntava nada. Era um ‘bom rapaz alemão’. Eu era o mais alto de todos, com o melhor porte físico. Eu sempre fui calado, sério e reservado. Ser da segurança me fazia escapar da tarefa abominável de executar judeus... Mas não me escapava de ver as pilhas de cadáveres alemães que chegavam das batalhas... Guerras são estúpidas. Quem faz a guerra nunca luta, manda os outros morrerem sem que se perguntem porquê estão lutando... Ideologias... Sangue... Mentiras... Eu ainda era guarda pessoal de Himmler. Isso me fazia ter acesso a certas informações. Mas você e seus colegas sempre acabam ouvindo através de uma porta, mesmo que não queiram. Por isso o silêncio se faz necessário para ser um guarda de segurança. Meu inglês, que Yossef tentara me ensinar, nunca foi bom, mas eu podia entender muitas coisas. ‘O nazismo nada tem a oferecer aos povos conquistados a não ser terror e morte’... ‘Engana-se. Temos algo muito importante a oferecer: a eugenia.’... ‘Sim, nós japoneses e alemães estamos com o domínio das técnicas de manipulação genética.’... ‘Sim, vocês alemães podem nos oferecer centenas de cobaias. Assim não desperdiçaremos gente. Mas que isto fique num acordo entre nós e ele não inclui esta guerra. A causa é mais importante, temos a tecnologia, mas não temos os recursos operacionais’... ‘Isto não diz respeito ao Führer, nem a rainha e a nenhum regime político. É um acordo extra governamental. Desde que resolvamos esse problema dos Foo-Fighters, que agora sabemos que não são aviões nem do eixo nem dos aliados...’ Eu havia ouvido falar dessas bolas de fogo, apelidadas de Foo-Fighters, que apareciam durante os bombardeios observando os aviões, e que desapareciam em velocidades espantosas. Contudo, ouvir da boca de agentes de serviços secretos de governos diferentes, negando que fossem caças seus, me fazia perguntar a mim mesmo: se estas espaçonaves tão rápidas que observam os ataques não são de nenhum governo... De onde serão? O que querem? Seriam tão estúpidos quanto nós? Ou estavam tão chocados que vieram ver com seus próprios olhos a ignorância humana?’

VINHETA DE ABERTURA: * LIEGT TÖTUNG

(*Mentiras matam)



BLOCO 1:

Berlim – 1941

Klaus caminha pela rua. Confusão num manifesto contra o regime nazista. A polícia alemã chega num caminhão e começa a bater nos manifestantes.

KLAUS (OFF): - Eu a procurava, mas era uma busca interminável. Dois anos da minha vida tentando encontrar minha irmã e sua família. Andei pelas ruas, vi coisas terríveis. O discurso de Hitler havia convencido meu povo. Uma parte ínfima dele, auxiliada por imigrantes arianos, ainda protestava. A propaganda política nazista era um fenômeno. Com ela, Hitler, sem recorrer a força militar, conseguiria a anexação da Áustria e Tchecoslováquia ao Reich e a queda da França, o domínio da Polônia e enganar os russos num pacto de não agressão. Com o uso de psicologia e exaltação nacional, buscando um passado glorioso e ajudados pelo pós-guerra os nazistas fizeram verdadeiros shows. Hitler tinha preferência pelas celebrações em massa, os grandes espetáculos. As pessoas estavam cegas... Foi quando parei em frente a um prédio de dois andares. Era um abrigo. Pensei que não custaria entrar. Afinal o passe era livre para qualquer oficial alemão. Éramos vistos como heróis pelo povo. Os favores eram gratuitos. Nem mesmo o dono da quitanda me cobrava pelos vegetais...

Klaus entra no prédio. Aproxima-se da enfermeira que está na recepção.

KLAUS: - Bom dia.

ENFERMEIRA: - (SORRI) Heil, Hitler!

KLAUS: - Heil, Hitler! Estou procurando uma mulher desaparecida.

ENFERMEIRA: - Qual o nome dela, senhor Oficial?

KLAUS: - Eva Mulder.

A enfermeira treme. Olha para ele.

ENFERMEIRA: - (TEMEROSA) Não temos nenhuma Eva Mulder por aqui, senhor. Nós estamos com o Führer. Se for judia, deveria procurar em outros locais. Aqui não damos abrigo para judeus. Tente em algum templo das Testemunhas de Jeová. Aquela gente cretina tem o costume de proteger judeus cretinos.

KLAUS: - Não, ela é alemã.

ENFERMEIRA: - Sinto, senhor, mas não temos nenhuma Eva por aqui.

Klaus abaixa a cabeça, desanimado.

[Som: Beethoven – Moonlight Sonata]

KLAUS (OFF): - Como sempre, busca sem resultados. Me despedi da enfermeira. No entanto, ao me virar, vi aquela mulher, sentada perto de um vaso com um girassol. Ela segurava contra o peito uma caixinha de madeira. Balançava o corpo para frente e para trás. Os cabelos desgrenhados, o olhar vazio. Meus olhos começaram a derrubar lágrimas. Não era minha irmã. Era o que restava dela. Disse à enfermeira que era ela quem eu procurava. A enfermeira me disse que a encontraram espancada numa calçada, sem documentos. A trouxeram para lá, mas ela fugia sempre. Nunca disse seu nome. Saía gritando pelas ruas que era judia, que deviam matá-la. Era louca. Os soldados quando a encontravam na rua, apenas riam e sempre a traziam de volta. Ela era chamada de ‘A Louca da Caixinha’. Porque nunca largava aquela caixa.

Klaus aproxima-se de Eva. Agacha-se em sua frente, chorando.

KLAUS: - Eva... Sou eu, Klaus. Seu irmãozinho. Lembra?

Scully olha pra ele. O reconhece. Solta a caixinha e se abraça nele, chorando.

[Fade in]


KLAUS (OFF): - Eu a levei dali para o meu apartamento. Dei um banho nela, arrumei seus cabelos, a vesti decentemente. Mesmo assim não era mais a minha irmã. Ela não falava nada. Não fazia nada. Ficava sentada dias e noites, dormia ali naquela cadeira. Só não largava a caixinha. Uma caixa de madeira, de charutos... Não se alimentava direito. Eu dava comida em sua boca. Ela não tinha mais movimentos nas mãos. Havia algo dentro dela que não a deixava reagir para a vida. Eu sabia o que era, eu estava tentando encontrá-lo... Algumas vezes ela olhava para meu uniforme e gritava histérica, encolhendo-se contra a parede da sala. Ela temia a suástica. E eu podia imaginar o que havia acontecido para que ela tivesse ficado daquele jeito. Então eu fazia carinho nela e dizia que era Klaus. E ela chorava, se abraçando em mim... Eu imaginava que nunca mais encontraria Yossef com vida. Mas precisava reavivar minha irmã. Então resolvi despertá-la de seu sono de loucura. Comprei um piano. E pus em sua frente... Porém ela não reagiu.

[Fade out]


Scully sentada na cadeira, agarrada à caixinha. Observa o piano. O olhar perde-se para o instrumento de teclas à sua frente. Ela então solta a caixinha e aproxima-se. Desliza os dedos por sobre o piano, com carinho. Ergue a tampa. Olha para as teclas. Então se senta.

[Som: Beethoven – Moonlight Sonata]

KLAUS (OFF): - Numa noite, eu acordei ouvindo Beethoven. O primeiro movimento de Moonlight Sonata. O som daquela melodia triste me era conhecido. Levantei e ao vê-la tocar, meus olhos choraram. Ela falava com o piano. E ele respondia a dor dela em notas. Era uma comunicação indireta, um pedido de ajuda... Yossef... Ela me pedia por ele... Eu precisava descobrir alguma coisa... Não podia tomar conta de Eva. Pedi então a uma vizinha, uma católica, casada com um italiano Testemunha de Jeová, que tomasse conta dela enquanto eu trabalhava e ficava fora.

Corte.


A senhora Beltrand amassa pão na cozinha. Scully sentada, olhos ao longe, agarrada na caixinha. A mulher olha pra ela.

ÍDALA BELTRAND: - Eva, você quer um café?

SCULLY: - ...

ÍDALA BELTRAND: - Seu irmão me disse que você era uma ótima confeiteira. Aposto que faz pães melhores do que os meus. Não gostaria de me ajudar???

Scully olha para as mãos dela na massa de pão.

ÍDALA BELTRAND: - Estes pães têm um significado especial em minha vida. Eles são a parte que eu posso fazer para ajudar meus semelhantes. Devemos dar de nós aos nossos irmãos em Cristo, você não acha?

Scully perde o olhar nas mãos dela amassando o pão.

KLAUS (OFF): - Naquele tempo, as Testemunhas de Jeová eram o prego no sapato do Führer. Elas morriam, davam sua vida pelos judeus, mas não aceitavam o extermínio. Faziam passeatas contra o governo alemão. E essa vizinha, a senhora Beltrand, prontamente me ajudou. Levou Eva para seu apartamento, passava o dia tomando conta dela, enquanto fazia pães para dar aos judeus famintos que estavam cercados pelos alemães, presos em vilas. A senhora Beltrand sabia do meu sofrimento. Seu marido era um dos que paravam em frente aos campos de extermínio e fazia protestos, muitas vezes atirando-se na frente dos portões, impedindo a entrada de caminhões com presos judeus que chegavam de toda a Europa. O senhor Beltrand estava indo agora com um grupo para Treblinka. E se prontificou em descobrir onde estava Yossef. Ele subornava com cigarros, joias e dinheiro os soldados alemães nos campos para obter informações. Eu sempre dava as informações que eu tinha, vendia o que podia e doava maior parte do meu salário para a causa dele. Éramos amigos, ele mantinha-me como sua fonte anônima de informações. Eu era um alemão traidor. Se descobrissem, estaria morto. Enquanto isso, um industrial chamado Schindler, fazia o mesmo, tentando tirar judeus da Alemanha... Eram as pessoas que temiam a Deus e se desfaziam do que tinham para salvar uma vida... Eu precisava ir para a Bavária. Havia reunião do alto comando nazista com o Führer, em sua casa nas montanhas, e Himmler me havia convocado para sua proteção. Eles agora temiam. Os russos estavam na guerra. Os bolcheviques tinham coragem e desdém pela morte, como os kamikazes pilotos japoneses, que futuramente ainda iriam se chocar com seus próprios aviões contra as esquadras americanas... Alguns russos queriam lutar por seu país. Outros queriam ir pra guerra na tentativa de conseguirem fugir do regime sangrento do ditador Stalin, que pegava homens à força, tirando-os de suas casas e os colocando pra lutar. Quem falasse mal do regime, era considerado traidor. E era executado. Hitler havia rompido o pacto com a União Soviética e começou a invadir o território soviético de surpresa, com mais de três mil tanques por 1600 km do Báltico ao Mar Negro. Fascistas e nazistas à volta, ruas repletas de cadáveres... As tropas nazistas avançavam rápido, até 60 km por dia. Os alemães queriam anexar a Rússia. Os russos tentavam fechar Moscou com um cerco, protegendo sua capital. A Ucrânia estava em chamas. Mais de três milhões de soldados soviéticos haviam sido capturados e colocados em campos de concentração como prisioneiros. Toda a crueldade do mundo parecia concentrada na Europa. Então Hitler na sua aliança com o Japão, conseguiu o ataque surpresa e covarde a Pearl Harbor. O sangue não iria parar de jorrar tão cedo. Agora eram os americanos e sua tecnologia que entravam na guerra. Não era mais uma guerra na Europa. Era uma guerra mundial... A segunda e a mais sangrenta...


Auschwitz

O caminhão preto pára dentro do campo, em frente ao escritório. A suástica pintada nas portas e na lona traseira. Soldados alemães saltam da traseira do caminhão, segurando baionetas. Com fúria puxam um jovem para fora, um soldado com uniforme russo, todo espancado e sangrando, que cai ao chão. Um dos soldados toma seu pulso.

SOLDADO NAZI #1: - Wird gestorben.

(- Está morto.)

Dois soldados arrastam o corpo. Três soldados nazistas começam a puxar os soldados russos pra fora do caminhão, num total de 15 jovens. Eles descem, sujos de lama, com medo nos olhos. Os soldados puxam com violência o Major deles, Krycek, pra fora do caminhão. Krycek num uniforme do exército vermelho, sujo de lama já ressequida, cai ao chão. Mãos e pés amarrados. Os soldados o arrastam, ele tenta reagir, mas leva chutes e um golpe no olho com o cabo da baioneta. Strughold aproxima-se, ao lado de um homem de terno negro, com um jaleco médico por cima. É Mengele.

STRUGHOLD: - O que temos por aqui?

SOLDADO NAZI #2: - (SAÚDA) Heil, Hitler! ... São russos, senhor. Um morreu no caminho. Foram pegos numa ação soviética.

STRUGHOLD: - Comunistas... Raça de porcos sujos... Poupem o comandante. O resto executem.

Krycek tenta se levantar aos gritos. Os soldados alemães empurram os jovens russos de joelhos ao chão. Puxam as armas e começam a matar os russos com tiros na cabeça. Krycek vira o rosto, desatinado.

STRUGHOLD: - Levem-no para interrogatório.

Strughold e Mengele se afastam. Passam por alguns judeus, em uniformes de prisão, que cavam valas. Magros, pálidos, nem parecem seres humanos. Mal têm forças para cavar.

STRUGHOLD: - Os russos estão furiosos. Acreditaram no pacto de não agressão... Dr. Mengele, Eichmann tem um projeto interessante. Se for aprovado, vamos usar o sistema de fornos. Ficará mais fácil exterminar essa gente toda. Não vamos ter muito mais lugar para cavar por aqui. Cinzas somem ao vento.

MENGELE: - O Führer não quer provas. Se algo der errado, melhor não terem como descobrir quantos morreram. O médico judeu está fazendo seu trabalho?

STRUGHOLD: - Parou. Sofreu uma crise de nervos quando precisou retalhar um maldito judeu vivo. Disse não ter estômago pra isso. Mas vai criar rapidinho.

Strughold chama um oficial que segura uma planilha. O oficial aproxima-se.

STRUGHOLD: - Há três crianças no cativeiro com o nome Mulder. Quero que as encontre. Quando eu der a ordem, as traga para execução. Me entendeu?

CAVEIRA #1: - Sim, senhor.

O oficial faz a saudação a Hitler e se afasta.

STRUGHOLD: - Vou deixar o Major russo sofrer por uns dois dias, sem luz e sem comida. Depois o interrogo. Sabe como são os russos. Uma pedra no sapato. Fazer com que um vermelho abra a boca é tarefa árdua.

Corte.


Num galpão, Krycek usando apenas a calça do uniforme. Está amarrado contra uma estaca. Um dos olhos fechados, com um hematoma profundo. A cabeça imobilizada, sangrando. Acima, uma lata com um furo embaixo, que goteja aos poucos sobre sua cabeça. Krycek tenta se soltar, mas não consegue. Strughold entra. Acende um charuto.

STRUGHOLD: - Vai ficar aí por uma semana, comunista sujo. Até entregar os planos de batalha. Nenhum homem suporta a dor por tanto tempo.

KRYCEK: - Porque você ainda não tinha visto um soldado russo, seu porco nazista.

STRUGHOLD: - A melhor maneira de torturar um homem é deixá-lo debaixo de uma goteira até sua sanidade mental ir embora. Acredite, depois de dias você fica louco. Já vi homens enlouquecerem com isto.

KRYCEK: - (DEBOCHADO) Eu sou do exército vermelho! Conheço métodos de tortura. Vou dar algumas sugestões para você, que não é criativo: Pancadas e golpes fortes na planta dos pés. Queimaduras com cigarros... Imersão repetida da cabeça em água, com a intenção de sufocar... Privação do sono, privação sensorial da luz, uso forçado de drogas, assistência forçada a torturas infligidas a outros prisioneiros, introduzir a cabeça em uma bolsa de plástico para impedir a respiração, um tapa nas duas orelhas ao mesmo tempo que pode furar os tímpanos e causar surdez permanente... Pode me pendurar pelos pés em uma vara, e me serrarem ao meio de cabeça para baixo... Pela posição invertida do corpo, que garante suficiente oxigenação ao cérebro e impede a perda geral de sangue, eu só vou perder a consciência quando a serra alcançar o umbigo. Se for mais infeliz, quando alcançar o peito... Quer mais?

STRUGHOLD: - Muito engraçado. Eu quero saber dos planos de vocês. Ou vou usar todas as suas sugestões. Mas não pretendo matá-lo. Vai ficar aí como um porco, urrando de dor.

KRYCEK: - Vai ter que fazer mais do que isso, nazista. Eu não vou entregar meu governo. Não sou traidor.

STRUGHOLD: - Você ainda não sabe que está em Auschwitz. Você não sabe o que é tortura. Ela pode ser ótica, Major Yuri Krycek... Primeira Divisão de Infantaria...

KRYCEK: - Pois você perdeu o show... Foi uma pena, realmente... Precisava ver os seus homens caindo no meio da lama, como porcos, enquanto meus homens metiam o aço frio de suas baionetas na garganta, pulmão ou estômago... Tendo o prazer de virar a arma dentro do corpo antes de puxá-la...

Strughold acerta um bofete em Krycek.

STRUGHOLD: - Se você não nos contar, não se preocupe, Major. Não fará diferença. Está em Auschwitz. Daqui você não sai. Vamos dar a você o tratamento comum que damos aos nossos hóspedes.

[Fade in]

KLAUS (OFF): - ‘O tratamento comum’, como mais tarde vim a saber por uma das notas de Yossef: A propaganda faz permissível a morte de prisioneiros. E é preciso soldados de nervos fortes para aplicarem o tratamento comum. Não raras às vezes, sou tirado às pressas de minha cela para socorrer algum soldado alemão que tentou cometer suicídio... A ironia do destino é que eu sendo um verme judeu, tenho que salvar alemães, enquanto eles matam meu povo. Então peço desculpas a Deus pelo meu pensamento, afinal todos nós somos vítimas da mesma guerra...’

[Fade out]

[Som: Beethoven – Moonlight Sonata]

Mulder observa pelas barras da janela de sua pequena cela. Então se afasta, sentando-se no chão coberto de palha seca. A janela permite a entrada de muito pouca luz. Na penumbra, ele olha para o nada, tentando não chorar. Mas seu desespero é visível.

MULDER (OFF): - ... E os judeus continuam chegando. Escuto o barulho do trem da morte. Saem com seus pertences, abandonando suas casas, para uma suposta extradição. Descem aos milhares dos trens. As crianças de olhos arregalados sem entender nada... Velhos e doentes são retirados da fila. Um soldado se encarrega de gritar pra todos da fila, cinicamente, que os doentes podem ir direto para a enfermaria, bem como os velhos, para evitarem ficar nas filas... Mas eles são os primeiros a serem mortos... Outros, assim como eu, já pressentem o pior por terem ouvido os rumores. Mães e pais que imploram pela vida de seus filhos... Garotas judias que são estupradas... Eu digo para mim mesmo: não pode durar pra sempre. Eles são levados para trás do campo e executados pelos Caveiras, soldados que tem o escudo de uma caveira ao braço, indicando que esses homens são as glórias de batalha da 3ª S.S. Panzerdivision Totenkopf, criadas para povoar de sombras os campos de concentração. Essas sombras são os homens, mulheres e crianças de raças "inferiores", expiando crimes não cometidos, condenados à morte... Apenas por acidente de nascimento... Quando dói demais, e o medo da morte me invade, eu penso em você... É a maneira que eu tenho para manter minha sanidade mental. É como se por alguns momentos eu fosse um homem livre novamente. Lembro de nosso casamento, do nascimento de nossos filhos, da vida que nós tínhamos. Do seu cheiro de canela... Mas escuto os passos fortes dos Caveiras. Eles vêm vindo novamente pra me machucar. Porque eu não quero machucar os outros. Pensarei em você. Isso me faz esquecer a dor da tortura e me faz sair do meu corpo.

A porta abre-se. Mulder recua contra a parede. Dois soldados o puxam à força. Ele reluta, mas leva tapas e é chutado pra fora da cela.


Bavária

Klaus parado na varanda da casa nas montanhas. Mais soldados da SS com ele. Divisórias diferentes nos uniformes. Todos em silêncio, montando guarda.

KLAUS (OFF): - Eu estava na Bavária, na casa de campo de Hitler, atento a qualquer movimento. Lá dentro, as grandes cabeças do nazismo mantinham uma reunião: Hitler, Eichmann, Mengele, Himmler, Heydrich... E eu conseguia ouvir as idéias deles... O que aumentava meu asco. A frieza com que falavam de seres humanos como se cada um deles, por serem judeus, fossem nada... Nem animais matam seus semelhantes tão covardemente... Eu estava vivendo uma guerra dentro de mim. Tinha vontade de desertar, mas sabia que além de correr o risco de ser morto, isso não me ajudaria a encontrar Yossef e meus sobrinhos. Eu precisava estar perto deles para conseguir salvar minha família. Então eu me calava e fingia. Tão frio e cruel quanto eles.

HITLER (OFF): - Eu desprezo os cristãos quase tanto quanto odeio os judeus! Por que deveria me preocupar com a reação dos cristãos?

HIMMLER (OFF): - São em grande número, Führer... Podem começar a provocar desordens.

HITLER (OFF): - E daí? Eles engolirão qualquer coisa para manter suas vantagens materiais! Quando iniciamos a perseguição aos judeus, eu já sabia que podia contar com o apoio... retifico, com a omissão dos cristãos alemães. Estou simplesmente dando prosseguimento à mesma política adotada pela igreja católica nos últimos mil e quinhentos anos: não toquem no nosso dinheiro e fingimos não ver nada!

EICHMANN (OFF): - Estou preocupado com os traumas que as execuções em massa estão causando em nossos soldados. Quero implantar em Auschwitz o sistema de chuveiros e fornos. Tenho aqui, Führer, um esboço do projeto e seu funcionamento.

HITLER (OFF): - Me explique isso.

EICHMANN (OFF): - Os fornos decompõem rapidamente os corpos, porque não teremos mais onde cavar, com o tempo não haverá mais espaço físico. E não deixam provas. Quanto ao sistema de chuveiros devo salientar que para acompanhar o fluxo crescente de judeus que entram nos campos, faz-se necessário o aperfeiçoamento dos métodos de executá-los.

MENGELE (OFF): - Estamos com problemas de espaço nos campos menores. Auschwitz será nosso campo modelo.

EICHMANN (OFF): - Pretendemos até a primavera de 1942, instalar câmaras de gás em Auschwitz-Birkenau, aplicando a ‘Solução Final’. Como podem ver pelo esboço, os chuveiros terão a capacidade de execução de 2.000 desgraçados de cada vez. O gás será introduzido nas câmaras lançando-se cristais de Zyklon B, um veneno para ratos, nos tubos dos ventiladores e os corpos dos ratos judeus serão levados para os fornos nos crematórios das proximidades. Os corpos podem ser levados por outros judeus que prestam serviço forçado. E demais prisioneiros de guerra. Precisamos limitar o contato de nossos homens com esses judeus. Pela sanidade mental alemã.

HIMMLER (OFF): - Então será uma espécie de ‘banho’ disfarçado?

EICHMANN (OFF): - Exatamente. Quando entrarem, as portas se trancam e exalamos o gás. O método, comprovando ser eficaz e limpo na eliminação desses porcos, pode ser aplicado aos outros campos...

MENGELE (OFF): - Quanto à questão da eugenia... A meu ver pode ser interessante dividirmos essas experiências. Eles têm algo que não temos. Já que estamos estudando a genética humana, poderíamos dar um salto nessas experiências com aquela coisa. A CIA nos ofereceu apoio e abrigo no caso de perdermos a guerra. Os estudos certamente continuarão.

HITLER (OFF): - Lembrem-se, senhores... Da nossa ideologia da raça pura. Observando a natureza vemos que os animais somente se acasalam com membros de sua espécie. É a lei de ouro da natureza. Esta é quebrada somente por coações externas, como o cativeiro que vai por exemplo, justificar o acasalamento de um tigre com uma leoa. No entanto, os descendentes destes nasceriam com anomalias genéticas, ou até mesmo a infertilidade. Pois a natureza segue o seu curso de aprimoramento da espécie, onde as anomalias são descartadas. Este processo natural ocorre também no nosso dia-a-dia, onde os mais fracos sucumbem diante dos mais fortes. A natureza seleciona segundo força e saúde.

MENGELE (OFF): - Sim, concordo Führer com estas idéias evolucionistas de Darwin, de que seria uma aberração. Mas precisamos tentar, precisamos descobrir o número maior possível de aberrações. Tanto em nossos planos iniciais quanto nos planos de última hora. Não há outra maneira de prevenir as intenções que não sabemos. Imagina se uma das intenções seja a mistura de raças? Tudo aquilo que queremos evitar? Seria preocupante!

EICHMANN (OFF): - Quando os arianos começaram a entrar em contato com outros povos inferiores, decaíram intelectual e fisicamente. A raça ariana é fundadora de civilização! Os povos asiáticos são portadores de civilização, pois somente absorveram a cultura ariana. Por esta concepção, é que aceitamos a ajuda dos japoneses. Os japoneses são um povo trabalhador com forte tradição nacional, muito parecidos com nós, alemães. Já os judeus são a raça destruidora. Somente os alemães são dignos de dominar o mundo. Porque somos arianos.

KLAUS (OFF): - Quando Yossef me contava sobre os antepassados judaicos, sobre Deus ter se revelado a Moisés, naquela época eu ainda acreditava naquele Deus mitológico que incendiou um arbusto e disse: escolhi o povo judeu como meu povo. Leve-os pra longe dos egípcios. Acho que Deus tinha algum plano para os judeus e por isso, eles sempre foram um povo que lutaram por um pedaço de terra e lutam até hoje por Israel... Eles tinham riquezas, prosperavam seus bens como uma benção, mas não tinham a sua Terra Prometida. Nunca me passaria pela cabeça que o Deus fosse outra raça. Nem o que chamamos de evolução fosse algo programado e que Darwin estaria bem longe disso... Os assuntos que vinham daquela sala me faziam pensar que Hitler era um bode expiatório. Que a verdadeira força estava por trás dele. Ele era a cara. Mas não era o cérebro. Se você visse aquele homem de perto, como tantas vezes eu vi, você diria: esse covarde é o cérebro nazista? Ele era um covarde com lábia. Sim, era inteligente. Mas covarde. As ações podiam vir dadas por ele, contudo Hitler era os homens por trás de seu nome: Eichmann, Mengele, Himmler, Goebbels, Heydrich, Goering e outros tantos... Toda guerra precisa de um rosto. Pra ser o alvo do inimigo. E o rosto do nazismo seria Hitler... Eu não sabia quem eram aqueles homens que faziam aliança com o Eixo contra os Aliados, mas que faziam acordo à parte com os próprios Aliados. Por que serviços secretos russos, americanos, japoneses, ingleses e alemães acordavam algo entre si, como se a guerra não existisse enquanto seus países estavam lutando um contra o outro?


Auschwitz

Mulder vestido num uniforme listrado de preso judeu, com um jaleco por cima. Mangas arregaçadas. No braço, a marca de um número queimado a ferro em sua pele.

Mulder observa o laboratório improvisado. O tanque de metal ao fundo.

STRUGHOLD: - Sou o encarregado por aqui na ausência do Dr. Mengele. Devo dizer que nossa ideia inicial de manter você vivo foi exatamente para chegar a isso. As experiências anteriores foram um tempo para realmente vermos se você seria apto a esta função. Você pode começar com o que tem. Venha até aqui, vou mostrar o que queremos estudar. Queremos ver a reação disso em seres humanos.

MULDER: - E-eu... Eu não vou ter que machucar judeus de novo?

STRUGHOLD: - Não. (DEBOCHADO) Resolvemos ser bonzinhos com você. Já que não tem estômago pra judeus, não o culpo por isso, vamos ver se tem estômago pra esse trabalho. Comece fazendo uma dissecação.

Strughold caminha até o tanque. Mulder caminha até ele, completamente perturbado. Olha para dentro do tanque e arregala os olhos. Afasta-se com medo.

MULDER: - O q-que é... isso?

STRUGHOLD: - Será que consegue fabricar homens resistentes a isso? Ou transformar homens nisso? Queremos saber o que é isso realmente.

MULDER: - ... E-eu... É-é... algum animal desconhecido?

STRUGHOLD: - Vou deixar você trabalhar com essa coisa. Mengele não se envolverá, não sabemos se isso não é tóxico. Por isso estamos usando você.

MULDER: - (INCRÉDULO) E-está morto?

STRUGHOLD: - Sim.

MULDER: - É... é perigoso?

STRUGHOLD: - Não sabemos. Por isso você vai se expor. Se morrer, é só mais um maldito judeu morto.

Strughold caminha até a porta. Para. Olha pra Mulder.

STRUGHOLD: - Ah, Dr. Mulder... Algumas regras para você não esquecer. Não vai conseguir se matar, não deixaremos. Podemos torturar você só pra deixa-lo sofrer, mas não vai morrer. Se tentar nos enganar, mataremos alguém da sua família, mas você não. Encare isto como uma tortura. Quanto mais tempo levar pra descobrir o que é isso, mais tempo ficará aqui ouvindo os seus amigos porcos gritarem lá fora quando morrem.

Strughold sai da sala. Mulder fica olhando para dentro do tanque. A porta abre-se, ele leva um susto. Um judeu russo em uniforme igual ao de Mulder entra.

CAVEIRA #2: - Seu ajudante.

O soldado sai, trancando a porta por fora. O homem olha pra Mulder. Mulder olha pra ele.

MULDER: - Meu nome é Yossef Mulder. E o seu?

SPENDER: - ... Me chame de Spender.

MULDER: - (SORRI) Ok, Spender... Se não fizermos isso será pior pra nós dois. Então, pra evitar a dor, precisamos fazer. Me ajude a tirar essa coisa do tanque. Não acho que seja tão pesado.

SPENDER: - O que fizeram com ele?

MULDER: - Não é humano.

SPENDER: - (PERTURBADO) Desculpe. Mas entre a aparência dele e a dos nossos lá fora, não há diferença alguma, com exceção da cor cinza.


Auschwitz - Madrugada

Mulder sentado na sala observa o alienígena cinzento deitado sobre a maca. A aparência de Mulder está com uma coloração roxa de frio. Ele balança o corpo perturbado. Os sons de tiros o fazem colocar as mãos nas orelhas.

KLAUS (OFF): - Yossef não entendia nada. Não conseguia trabalhar. Tinha medo daquele bicho estranho. E ao mesmo tempo duvidava se aquilo era um bicho ou era um judeu realmente, submetido a alguma experiência... Naquela época, ninguém tinha conhecimento dessas coisas... Ver uma delas era ver o demônio. Strughold tentou ‘convencê-lo’, colocando-o no tanque... Você sabe o que era o tanque? Um tanque de água gelada. A temperatura ia esfriando em graus negativos até você morrer. Só para verem até que temperatura o corpo humano poderia aguentar. Diziam que eram apenas experiências... Como injetar corante nos olhos de pessoas vivas para ver se a retina mudava pra azul... Como retirar órgãos de uma pessoa viva e ver quanto tempo ela conseguia sobreviver... Mas eles não deixavam Yossef morrer. Precisavam dele. Foi onde aconteceu o que talvez ‘Deus’ tivesse programado... Dizem que Ele sempre tem uma intenção pra tudo...

Um clarão toma conta da sala. Mulder arregala os olhos olhando pra alguma coisa, imóvel, com espanto. Então cai de joelhos ao chão, cabisbaixo, como quem reverencia algum deus.

[Fade in]

[Fade out]

[Som: Beethoven – Moonlight Sonata]

Mulder entra empurrado pra dentro da cela, caindo no meio das palhas. Arrasta-se até a parede, onde retira uma pequena grade de um tubo de ventilação. Pega um caderno e um lápis. Então se senta, recostando-se na parede. Começa a anotar alguma coisa.

KLAUS (OFF): - Yossef passou aquela noite em claro, ora rezando, ora relatando em seu caderno a visão que ele teve. Como faziam os antigos profetas bíblicos. Segundo ‘o anjo’, ele deveria tomar notas de todas as experiências e entregar apenas a quem tivesse o brilho da vida nos olhos. Parecia estranho um cientista como Yossef acreditar em visões proféticas, mas penso que ‘Deus’ não havia o escolhido à toa. Yossef era um judeu, filho de um rabino, educado dentro de preceitos éticos e morais rígidos, bem como religiosos. Ele enxergaria com os olhos da fé e não com os olhos da ciência. Eu não poderia descrever senão com as próprias palavras de Yossef: ‘Estava eu sentado em frente àquela criatura feia que mais parecia um demônio, quando de repente uma luz tomou conta de tudo. Algo apareceu do nada e se pôs em pé diante de mim. Algo de beleza infinita, em forma humana. Fiquei imóvel e assustado diante de tamanha luz que cegava meus olhos. Então ele olhou para mim e disse que assim como eu, aquela criatura que eu disse ser feia, também teve vida pulsando dentro dela e uma alma. Que era por isso que os homens se matavam, porque não viam além do corpo. Eu caí de joelhos ao chão. Ele me disse que eu não tivesse medo, era apenas um anjo enviado por Deus, e que Deus precisava de mim. Então senti meu corpo paralisado diante de tanta grandeza divina. Não podia mais me mover. E fui levado em corpo aos céus. Envolto numa luz, onde eu não sentia mais dor. Lá havia outros anjos iguais a ele e algumas criaturas com formas indefinidas, sentadas em tronos. O anjo me mostrou muitas coisas como havia mostrado aos profetas no passado. Eu podia ver a Terra... Ela era linda, uma enorme bola azul, infinitamente pequena diante de tanta imensidão... Então o anjo disse que eu haveria de passar muitas provações em nome de Deus. Mas que Deus me daria um sinal entre todos. Porque eu havia encontrado certa graça diante dos olhos de Deus. Por isso Ele abençoaria minha descendência. Como abençoou as descendências das Tribos de Israel...’

Mulder esconde novamente o caderno. Deita-se na palha. Close na nuca de Mulder, onde há uma pequena mancha de sangue.

KLAUS (OFF): - Ele não sabia que o sinal divino que lhe fora dado, hoje seria conhecido como um chip. Era cedo da manhã. Yossef estava desenhando um girassol na parede, com um pedaço de carvão, quando os soldados invadiram a cela e o espancaram. Ele nem sabia porque apanhava. Foi levado à frente de Strughold que estava virado num demônio. Sem nem dizer uma palavra, simplesmente atirou ácido em Yossef, que teve tempo de virar o rosto, mas teve parte da roupa e do lado direito do corpo atingidos. Seria privado do sono por três dias como castigo. A criatura havia sumido. Os americanos e russos iriam enlouquecer. O interrogaram, machucaram, o obrigaram a assistir execuções tentando arrancar dele o que houvera. Tortura intensa. Ele dizia que desmaiou e não sabia de nada. E não sabia mesmo, acho que o anjo levou o corpo. Por três dias ele ficou sentado numa cela com crianças judias. Soldados se revezavam na guarda. A ordem de Strughold era que se Yossef fechasse os olhos pra dormir, que os soldados matassem uma criança a cada vez que isso acontecesse. Mas Yossef aguentou três dias sem fechar os olhos, olhando para aqueles pequenos, esqueléticos, que mal pareciam crianças e pouco se distinguiam daquela criatura cinza tamanha a magreza e rosto fino. Yossef então se lembrava das palavras do anjo, de que se deve ver além do corpo. E foi devolvido à sua cela. Mas a raiva de Strughold não pararia por aí. Ele queria mais sangue.


BLOCO 2:

Krycek, com marcas de espancamento, testa sangrando, vestido numa roupa de preso judeu. É arrastado semi-inconsciente por dois soldados. Em seu braço a marca de um número feita a ferro quente. Os soldados abrem a porta de madeira da cela. O atiram pra dentro. Ele cai no meio das palhas úmidas. Desmaia.

[Fade in]

[Fade out]

[Som instrumental de Dire Straits – Brothers in Arms]

Krycek abre os olhos. Percebe o rosto olhando pra ele, sem identificar. Então recua assustado. Mulder olha pra ele, segurando um pedaço de pano sujo de sangue. Olheiras enormes por causa do sono.

MULDER: - Consegui estancar seu sangramento. Vai ficar bem. Mas não tenho como tratar seu olho...

Krycek olha para a única janela por onde penetra a luz de um poste no pátio. Grades de ferro. As palhas pelo chão da cela úmida.

KRYCEK: - Não faz diferença... Acho que perdi parcialmente a visão desse olho. Impressão minha ou somos prisioneiros importantes, por isso estamos numa suíte nazista, separados dos demais?

Mulder segura o riso. Um riso de quem não acha mais graça em nada.

MULDER: - Quem é você?

KRYCEK: - Major Yuri Krycek. O imbecil que errou o comando e acabou numa emboscada, entregando 16 jovens para morrer nas mãos nazistas.

Mulder senta-se ao lado dele sobre as palhas.

MULDER: - Yossef Mulder. O imbecil que jamais deveria ter se dedicado à ciência.

Os dois se cumprimentam.

KRYCEK: - Ah! Você é judeu... Segundo os porcos aí fora, seu crime foi ter nascido.

MULDER: - É russo?

KRYCEK: - Sim... Os rapazes todos foram mortos. Crianças! Crianças mandadas pra guerra! ... Eu matei meu pelotão...

MULDER: - Não deve se culpar por isso.

KRYCEK: - Sabe... Depois de alguns dias aqui passando por todo o tipo de tortura naquele galpão, começo a pensar que felizes dos rapazes que morreram. Eu fui o único azarado a ficar vivo... Deveria ter aceitado as cápsulas de cianureto... Agora podia me livrar disso aqui. Embora pouco adiantaria porque eles revistam até o seu rabo! (GRITA/ ÓDIO) Seus malditos nazis!!!!!!!!! Vou foder a mãe de vocês!!!!!

MULDER: - ... Está bem? Eu posso cuidar desse ferimento em sua cabeça...

KRYCEK: - Não, deixe assim. Com sorte vira um tumor e morro logo.

MULDER: - ... Seria muita sorte mesmo. Acredite, há dois anos estou aqui e não há um dia em que não inveje os mortos. Estou invejando aquela gente lá fora que toma um tiro e descansa em paz. A tortura é rápida, a morte é rápida. Pior é ficar vivo, vendo os horrores e não poder fazer absolutamente nada... Ter que trabalhar na remoção dos corpos, dos pertences ou na fábrica fazendo balas pra eles matarem mais gente... (FORA DE SI/ RINDO) Sabe de uma coisa? Estamos em terras judias. Isso tudo eram propriedades judias que foram tomadas pelos alemães... Judeus morrendo em sua terra... Não ligue pra mim... Estou enlouquecendo. Deus me perdoe, eu jamais desejaria a morte.

KRYCEK: - Fala, Mulder. Por que estão te mantendo vivo?

MULDER: - Sou médico.

KRYCEK: - (RI/ PERTURBADO) Mas quem precisa de médico aqui? Tá todo mundo morrendo!

Os tiros começam. Mulder põe as mãos nos ouvidos.

MULDER: - Eu não aguento mais isso!

KRYCEK: - ... Não vai se suicidar...

MULDER: - Eu nunca faria isso.

KRYCEK: - Não mesmo. Se percebeu, eles nos dão botas sem cadarços. Não dá nem pra se enforcar! Isso é pior do que prisão russa! Ficam nos mantendo sob tortura... Acostume-se Mulder. Em breve vai estar pedindo ao seu Deus pra morrer. Se tiver sorte, pega um resfriado forte nessa pocilga úmida e fria. Talvez uma peste por causa dos ratos. (GRITA) Ou uma infecção por causa dessa maldita comida!!!!

Mulder reza baixinho. Krycek olha pra ele.

KRYCEK: - Judeu, isso não adianta. Deus não existe!... Você tem família?

MULDER: - Tenho... E você?

KRYCEK: - Eu também. Mas andei brigando muito com minha esposa. Ela tinha razão, eu estava errado... Quando as coisas começaram a se acertar na minha cabeça e eu queria dizer pra ela e pras meninas que eu havia mudado, explodiu essa maldita guerra.

MULDER: - Sua esposa não sabe que está aqui?

KRYCEK: - Ela sabe que vim pra guerra. Mas deve pensar que estou morto. De certa forma preferia estar.

MULDER: - Eles estão com minha família. Meus filhos estão no campo e me disseram que estão com minha mulher. Se eu não fizer o que pediram, vão matá-los.

KRYCEK: - E o que pediram?

MULDER: - Não vai acreditar... Um dia te conto.

Mulder levanta-se. Aproxima-se da janela. Olha pra fora. Vira o rosto rapidamente.

MULDER: - Meu Deus... Mulheres...

KRYCEK: - Mulheres, crianças... E o Ministro da Morte parece que está preocupado com os traumas que as mortes causam.

MULDER: - ???

KRYCEK: - Nos executores... Eichmann é o Ministro da Morte. Ouvi eles falarem que vão matar com gás e queimar nos fornos. Auschwitz será o primeiro campo a usar esse recurso.

Mulder fecha os olhos.

MULDER: - Agora entendi porque estão fazendo os prisioneiros construírem aqueles fornos.

KRYCEK: - Achou que fossem pra fazer pão?

MULDER: - Chegam em trens. Centenas... Todos os dias. Antes, eles chegavam com malas, trazendo tudo o que tinham, na ilusão de que seriam deportados... Hoje, eles chegam sabendo que vão para a morte.

KRYCEK: - Sei que é seu povo, Mulder. E por isso vim pra essa guerra. Porque nós russos não estamos gostando disso. Maldito altruísta! Eu podia estar em minha casa, com minha mulher e minhas filhas... Mas não, resolvi dar meu sangue pra lutar nessa guerra maldita, pra ferrar com essa gente que está matando descaradamente e o mundo parece que não vê.

Mulder olha pela janela. O olhar dele muda. Agarra-se às grades em desespero.

MULDER: - Não!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

[Som de tiros]

Krycek levanta-se. Corre até a janela. Mulder está histérico, tentando sair por entre as grades. Krycek olha pra fora. Fecha os olhos. Mulder chora desesperado, impotente. Krycek o puxa. Mulder se abraça nele chorando. Krycek enche os olhos de lágrimas.

KLAUS (OFF): - Daquela noite em diante, aqueles dois homens fizeram um pacto entre si. O que conseguisse um objeto, mataria o outro e depois cometeria suicídio. Parecia cruel, mas não o era, pra quem estava em Auschwitz... Yossef começou a enlouquecer. Ele não acreditava mais no seu Deus que o havia abandonado. Como Deus poderia ter permitido aquilo? Deus havia dito que abençoaria sua descendência... Mas não cumpriu. E Yossef praguejava contra a vida e contra Deus. Continuava escrevendo silenciosamente, escondido dos alemães, em seu caderno de notas, que mais parecia um diário de horrores e revolta. Ele anotava as coisas que fazia, o que sentia e suas conversas com o russo. Não sei o que mais doeu em mim quando li suas palavras. De tudo o que Yossef sofrera, meu coração doeu e sentiu um ódio que eu jamais havia sentido antes: ‘... Então vi pela pequena janela de grades, o que meus olhos jamais pensaram ver em minha vida... não há descrição da dor. Ela é infinitamente maior do que qualquer palavra. Deus me traiu. Eu fui justo minha vida toda e Deus me traiu. Odeio Deus com todas as minhas forças. Se pudesse viver novamente eu nunca acreditaria Nele. Eu zombaria Dele! Sentimentos egoístas me invadem e eu grito para mim mesmo que se pudesse viver de novo eu também odiaria o amor! Jamais teria uma esposa e uma família!!! Odiaria qualquer coisa que fizesse um homem se envolver na vida! Ser sozinho é menos triste. Pra que servem essas coisas se Deus as toma quando quer?... E sentir o que eu senti enquanto olhava impotente pela janela, tentando sair pelas grades e vendo o terror que chegava pelas mãos de Strughold... Diante da vala comum, entre todas as crianças, eu podia ver meus filhos, de mãos dadas. Sarah entre Simon e Abraham. Minha filha me pressentiu e olhou para mim com um sorriso. Seus olhos eram de paz, como se me garantisse que me amava e que voltaria a me ver, numa despedida breve, enquanto entre seus irmãos, segurava as mãos deles firmemente, me dizendo nesse gesto, que podem os homens matar, mas que éramos eternamente uma família.’


Berlim – 1942

Scully sentada ao piano. Um menino ao lado dela. Ela ensina o garoto a tocar.

KLAUS (OFF): - Eva parecia ter voltado do mundo dos mortos. A Senhora Beltrand conseguiu um milagre. Eva começou a ajudá-la com os pães. Aos poucos foi acordando, começou a lecionar piano para arrumar dinheiro e a sair para procurar por Yossef e as crianças. Minha irmã amada estava de volta. Ia todos os dias no final da tarde rezar na igreja em frente. Tentava ver apenas Deus e não sua religião. Porque discordava das decisões papais. O próprio Papa apoiava Hitler. Nazistas uniformizados frequentavam as igrejas com suas famílias. Minha irmã carregava um ódio enorme dentro de si. E eu começava a ter que me controlar diante de Himmler, depois de ouvir da boca de Eva o que aconteceu quando pegaram sua família... Ao mesmo tempo, ela tinha a esperança de encontrar Yossef e seus filhos. Ela agora falava pouco. Sorria pouco. Se mudou para uma casa e pagava suas despesas com as aulas que dava aos filhos de alemães. Ela não queria ficar comigo, para não me comprometer com o Reich. Passou a dar esconderijo para judeus em sua casa. Não, ela não temia a morte. Nem ameaças. Ela acreditava que faria pela família dos outros o que não fizeram por sua família. Bem, dizem que Deus traça planos. Acho que ele havia traçado um pra mim também...


Auschwitz – 1943

Mulder sentado nas palhas. Lê uma carta. O lado esquerdo do rosto todo machucado. Uma das mãos enfaixada. Krycek observa a cela, andando de um lado pra outro. Manca de uma perna, o tecido do uniforme encardido mostra manchas de sangue. Krycek olha para o teto, frustrado.

KRYCEK: - Sem chances... Não tem onde pendurar uma corda... Se ao menos eu conseguisse um copo de vidro...

Krycek chuta uma lata velha e enferrujada com água.

KRYCEK: - Ei, doutor? É verdade que comer vidro machuca o estômago? Quais as chances que eu tenho de morrer?

Mulder amassa a carta e atira longe.

MULDER: - Na carta desse mês, ela casou-se com um alemão. Pediu que eu não escrevesse mais. Quer refazer sua vida e eu sou um passado que ela quer esquecer.

KRYCEK: - Mulheres...

Mulder sorri. Krycek olha pra ele.

KRYCEK: - Ei, doutor judeu, já está aprendendo a rir da desgraça?

MULDER: - É mentira... Eva nem sabe onde estou. São cartas falsas. Eles nunca entregaram minhas cartas a ela.

KRYCEK: - Como sabe disso?

MULDER: - Porque eu conheço Eva. Ela nunca faria isso... Eu sei o que temos. É maior do que a morte. Ela deve estar me procurando. Ou está nas mãos deles.

Krycek se atira nas palhas. Mulder abaixa a cabeça e chora.

KRYCEK: - Mulder... Eu sei que estamos no inferno invejando os mortos lá fora.

MULDER: - (CHORANDO) Eu não posso me lembrar dos meus filhos... Morreram de mãos dadas...

KRYCEK: - (NERVOS/ SEGURANDO AS LÁGRIMAS) Me faz um favor, Mulder? Tenta conseguir trazer um bisturi, um caco de vidro... Eu juro que mato você e depois me suicido.

MULDER: - (CHORANDO) Eu não aguento mais... Dói... Eu quero morrer!

Mulder levanta-se e começa a esmurrar a porta da cela aos gritos.

MULDER: - Eu quero morrer!!!!!! Me deixem morrer, pelo amor de Deus!

Ele escorrega o corpo pela porta, caindo ao chão, enquanto implora a morte.

MULDER: - (CHORANDO) Eu quero a minha família de volta! Eu quero a minha esposa, a minha vida! Eu era alguém hoje sou nada... Nada!

KRYCEK: - Mulder... Eu posso sentir o que está sentindo porque se fossem as minhas filhas eu teria enlouquecido. Mas cada uma daquelas vidas que se foram, duplamente os inocentes, é um prego a mais na maldita cruz deles. Os aliados vão ganhar a guerra. Eles vão pagar tudo o que fizeram... Eu sei que não vai trazer seus filhos de volta. Mas eles têm que pagar isso tudo.

MULDER: - (CHORANDO) ... Eu tenho saudades dela...

KRYCEK: - ... Me fala dela, Mulder. Ahn? Quando você fala sobre ela você consegue suportar mais um dia em Auschwitz.

Mulder senta-se contra a porta. Krycek pega um cigarro do bolso.

KRYCEK: - Toma. Eu consegui pra você.

MULDER: - Obrigado.

KRYCEK: - Não podemos enlouquecer, Mulder. Loucura não mata.

MULDER: - (FORA DE SI) ... Ela sempre me trazia bolinhos de canela...

KRYCEK: - ... (SORRI)

MULDER: - Eu até brincava com ela dizendo que eu sabia quando ela estava chegando porque ela cheirava a canela na esquina... Se eu me esforçar, eu posso sentir o cheiro dela na minha lembrança.

KRYCEK: - ... Esforce-se Mulder.

MULDER: - Quando me lembro dela... A lembrança mais doce que carrego... Todas as noites ela vestia aquela camisola de linho... com rendas... sentava-se na frente do espelho e soltava os cabelos... Escovava-os com tanto carinho.

KRYCEK: - ...

MULDER: - Ela fazia aquilo com tanta graça, o modo como balançava os cabelos, olhando-se no espelho... O modo como preparava rápido o café da manhã... a mesa com quatro crianças que não paravam de falar...

Krycek sorri pra ele.

MULDER: - (SORRI/ SAUDOSO/ CHORA) Eles falavam muito, sabe?

KRYCEK: - (SORRI/ PERDIDO EM SUAS LEMBRANÇAS) Sei... Acordam cheios de energia... Você acaba saltando da cama pra fazer festa com eles.

MULDER: - Faziam tanto barulho... (RI) Eu acordava com a algazarra deles na cozinha, com a voz dela pedindo: ‘silêncio, seu pai ainda está dormindo’...

KRYCEK: - ...

MULDER: - Por quê, Krycek? Por que tanto ódio? Por que matar? Pra que serve esta guerra? Qual a diferença entre eu, você e o führer?

KRYCEK: - Eu e você somos vítimas. Ele é um filho da puta louco. Essa é a diferença.

MULDER: - Como está sua perna hoje?

KRYCEK: - O seu amigo Mengele tentou ver meus tendões sem anestesia... Me deve uma palha. Aguentei 20 minutos no grito antes de desmaiar. Bati meu recorde.

Mulder entrega uma palha pra ele. Krycek coloca a palha dentro de uma latinha. Olha pra dentro.

KRYCEK: - Estou ganhando de você, doutor. O que não é bom... Sinal de que você morre antes de mim.

MULDER: - Pena que não posso trabalhar com Mengele. Se você caísse nas minhas mãos eu te mataria.

KRYCEK: - Obrigado amigo. Acho que por isso nos colocaram juntos. Porque não fazemos parte da mesma experiência.

Mulder abaixa a cabeça.

MULDER: - Vocês russos não tem religião. É proibido. Vocês é que são felizes.

KRYCEK: - Sabe que sinto orgulho disso? É. Sinto orgulho de que meu governo proíba esse tipo de coisa. Quando o Papa e os cristãos alemães fingem que não veem essas coisas todas... Olha judeu, acho que tão fazendo isso porque seu povo entregou Cristo. É uma vingança...

MULDER: - Mataram uns 100 do Triângulo Roxo hoje...

KRYCEK: - Esses caras têm fé. São os únicos que mantém o caráter, sabia? Admito que invejo essas Testemunhas de Jeová. Eles morrem, mas não concordam com essa matança. Hitler tem ódio deles. E enquanto isso, Pio XII vem pra Alemanha e ainda permite a entrada de soldados nazistas uniformizados na igreja! Você não acredita em Cristo, não é?

MULDER: - Não. Esperamos o messias ainda... Na verdade, eu não acredito em mais nada. Eu acreditei em tanta coisa... Olha onde estou hoje...

KRYCEK: - Sei lá... Mas invejo quem tem fé agora. Acho que ter fé nessa hora resolve muito.

MULDER: - Já ouviu falar na Cabala? Uma ciência oculta judaica.

KRYCEK: - Você conhece isso?

MULDER: - Eu estudava a Cabala.

KRYCEK: - (DEBOCHADO) Você é um mau judeu...

MULDER: - (SORRI) Não é algo acessível, muitos rabinos proíbem... Que diria Hitler se soubesse que a suástica era um antigo símbolo judeu!

KRYCEK: - Sério?

MULDER: - De fato é um símbolo encontrado em muitas culturas, em tempos diferentes. Gregos, Hindus, Budistas... A palavra suástica vem do sânscrito. E sua raiz "Svas", quer dizer bondade.

KRYCEK: - Irônico isso.

MULDER: - A suástica em sentido anti-horário, é claro, significa Entropia, as Forças Naturais que trabalham para o fim do Universo. Num dúbio ponto de vista abraâmico, pode ser entendido como Bem e Mal. Os dois lados da suástica têm seu lado bom e seu lado mau como tudo na Natureza... Sabe que alguns orientais acreditam que você tem várias vidas?

KRYCEK: - Me diz que em todas elas não vai haver Hitler.

MULDER: - Não, você nasce, cresce, morre e sua energia volta, você reencarna...

KRYCEK: - Onde quer chegar com isso, judeu?

MULDER: - No meu ódio.

KRYCEK: - Como assim?

MULDER: - Krycek, eu bem queria que isso fosse verdade, que se um dia nasceremos de novo, eu não quero ter fé. Minha fé nunca ajudou em nada. Nem salvou meus filhos da morte.

KRYCEK: - ...

MULDER: - E minha medicina? A ciência? Ela só me afasta da morte. Eles me usam e não me deixam morrer. Se eu voltar um dia a viver eu vou odiar a medicina e a ciência. Eu só quero acreditar no paranormal. E ei de buscar a verdade suprema dentro disso. Porque na razão ela não está. Porque esses loucos usam a razão pra cometer os assassinatos em massa que cometem.

KRYCEK: - Então me lembre de na próxima ser mais esperto e pensar em mim e os outros que se danem! Quero ser um mercenário egoísta. Não vou cair na tolice de me ferrar pro bem da humanidade. Eles que se explodam!

MULDER: - Estamos ficando loucos...

KRYCEK: - Completamente loucos...

MULDER: - Eu nem sei mais no que acredito. Quatro anos nessa tortura... Não há mais saúde mental...

KLAUS (OFF): - De fato não havia. Quatro anos num campo de concentração, vendo execuções, sofrendo torturas e comendo algo que mais parecia ração... Não restava muito de sanidade mental... Privação do sono era uma constante. E isso era algo perigoso para Yossef que precisava trabalhar... outra daquelas criaturas havia chegado. No início ele olhava esperando que o anjo voltasse. Mas o anjo não voltava. Não sabia se deveria tocar naquilo, mas lembrava-se de que ‘se deve ver além do corpo’. Ele relutou, mas como atrasava o estudo, acabou indo parar no galpão por um dia, deixado com feridas expostas para os ratos. Por fim, ele não aguentava mais a dor e disse que retalharia aquela criatura. E foi o que fez. Sabe, acho que tudo isso era um plano divino. Pois por causa dos traumas e do sono, Yossef acabou se contaminando com aquela criatura. Pediu ao seu assistente Spender, que não revelasse o ocorrido. Spender, era um sujeito calado, mas nada confiável. Um bêbado mentiroso. Venderia sua mãe por uma garrafa de vodca. Ele havia chegado sozinho no campo. Descobriu-se que era um judeu russo e que havia sido pego pelos nazistas enquanto tentava fugir de Moscou, desertando do exército vermelho. Era um militar do alto comando e estava fugindo com medo de ser exilado numa prisão russa na Sibéria. O exército vermelho havia descoberto o seu envolvimento com a CIA e a venda de informações do exército russo para o governo americano. Futuramente se viria a saber que foi Spender também quem entregou aos alemães as ações secretas dadas ao pelotão do major Krycek, em troca de ser poupado da morte em Auschwitz. Nem em sonhos ele podia imaginar que quem ele entregara iria estar vivo ali, coabitando com ele no mesmo espaço. Quando o major Krycek cruzava com Spender pelo campo, os soldados alemães precisavam afastá-los. Krycek espreitava Spender, doido por seu sangue. Por diversas vezes o major disse a Yossef para não confiar naquele traidor russo. Os russos sempre tiveram um código de ética muito rígido: uma vez traidor, traidor pra sempre. Mas Yossef não via nunca a maldade, mesmo que esta estivesse ao seu lado.

Corte.


Krycek deitado nas palhas. Tenta estancar o sangue do braço com a mão. A porta abre-se. Empurram Mulder. Fecham a porta.

KRYCEK: - E então doutor? Como foi seu dia?

Mulder senta-se ao lado dele.

MULDER: - O que houve com você?

KRYCEK: - Nada. Tentaram apenas uma dissecação sem anestesia. O de sempre...

Mulder rasga um pedaço do uniforme. Faz uma atadura.

MULDER: - Precisa estancar o sangue.

KRYCEK: - Não! Deixa correr quem sabe eu morro?

MULDER: - Não vão deixar você morrer. Sabe disso. É só pra doer. É a única intenção.

KRYCEK: - Hoje pegaram quatro judeus e injetaram corante nos olhos pra ver se ficavam azuis. Quando viram que não, foram pra fila do chuveiro maldito.

MULDER: - Eu não aguento mais o cheiro de carne queimada que entra por essa janela.

KRYCEK: - E como está o seu novo bicho do espaço?

Mulder aproxima-se de Krycek, cochichando.

MULDER: - Descobri uma coisa.

KRYCEK: - Que coisa?

MULDER: - Fala baixo!

KRYCEK: - O que descobriu? Alguma coisa com os americanos?

MULDER: - Eles estão nessa também. Vi homens do seu governo aqui. E não vieram te negociar. Eles todos estão por trás disso. Em todas as guerras. O povo se mata e eles fecham acordos e ficam protegidos... Brigam, mas na verdade, governos paralelos estão todos interessados nas experiências genéticas. Somos gado. Apenas gado, gente disponível e um belo argumento pra testes genéticos na humanidade. Uns entram com as cobaias, outros com os cientistas e outros com aqueles bichos do espaço. Tem mais deles.

KRYCEK: - Eu sabia que não dava pra confiar em ninguém...

MULDER: - Mas não é isso o mais importante. Eu descobri uma coisa. Aquela coisa de outro planeta tem uma composição biológica semelhante a nossa.

KRYCEK: - Como assim?

MULDER: - Estão deixando judeus vivos, morrendo de fome. Foi onde bateu minha teoria. Spender me falou algo que me alertou. Então observei meu povo magro e por um momento pensei: Parecem com aquela coisa que tá no tanque mesmo. Então eu decidi abrir a cabeça daquilo. Strughold veio bisbilhotar com outro sujeito, um cara esquisito e alto. Nem parecia humano. Strughold se referia a ele como ‘Caçador’.

KRYCEK: - O quê? Caçador de quê?

MULDER: - Sei lá. Pra mim é mais um nazista caçando judeus... Então eu tive a oportunidade de ficar sozinho na sala. Os guardas estavam ocupados com os novos que chegavam. Eu abri o córtex cerebral da criatura. Você já ouviu falar da Glândula Pineal?

KRYCEK: - Eu sou um major, Mulder. Minha especialidade é saber onde ficam os pulmões, rins e coração pra poder acertar as balas.

MULDER: - Até hoje a ciência não sabe pra que serve. Essa criatura tem glândula pineal, em composição diferente da nossa.

KRYCEK: - Ei, fale a minha língua.

MULDER: - Ok... Eles são praticamente iguais a nós... Só não têm sistema digestivo. Nem dentes...

KRYCEK: - (INCRÉDULO) Eles têm... aquilo?

MULDER: - Tem. Eles se reproduzem... São diferentes, mas estão lá. Aquela criatura que chegou hoje é uma fêmea. E tinha um feto dentro dela. Eu retirei o feto na frente deles. Os americanos levaram escondido junto com Strughold. Acho que ele é desertor. Acho que Strughold está tramando algo com os americanos e vai passar a perna nos alemães.

KRYCEK: - Por que não usa isto pra sair daqui?

MULDER: - Acha que acreditariam em mim? Mas deixa eu te falar!

KRYCEK: - Fala.

MULDER: - Eu retirei um líquido da glândula pineal da criatura. Então os desgraçados chegaram. No desespero, injetei sem querer aquilo no meu dedo.

KRYCEK: - Merda!

MULDER: - Não me aconteceu nada até agora. Só me sinto um pouco quente. Com febre.

KRYCEK: - Reze pra ser uma peste e assim você me contamina e contamina todos eles.

MULDER: - Estou apenas enrolando eles. O que querem eu sei como fazer, já descobri. Mas não vou fazer.

KRYCEK: - E o que eles querem?

MULDER: - Criar híbridos com imunologia àquela coisa. Estão com medo. De onde ela veio tem mais.

KRYCEK: - Judeu, você tá me dizendo que além de ter guerra aqui tem guerra lá no céu? Você conseguiu me deixar deprimido. E o que é híbrido?

MULDER: - Uma coisa meio nós e meio aquilo. É o que estão fazendo com alguns judeus mas não conseguem acertar. Mas eu sei. Eu sei como, mas não vou dizer.

KRYCEK: - Judeu, acho que você ficou louco. Você não sabe mais a diferença de um animal pra um homem.

MULDER: - Acredite, não fiquei. Aquela coisa lá não é daqui. Mas guarde este segredo. Vamos morrer com ele. Imagine isso nas mãos erradas? Imagine o que não estão tentando fazer? Me pergunto se a tal raça pura não é apenas uma raça que sobreviva ao ataque daquelas coisas?!

KRYCEK: - Acha que aquilo está tentando nos atacar?

MULDER: - E acha que vieram parar aqui de que jeito? Olha... Eu vi Strughold com esse tal Caçador. Havia japoneses, russos, americanos, ingleses... Eles falavam de uma operação chamada Controle de Pureza.

KRYCEK: - Que diabos é isso?

MULDER: - Se a guerra der errado para o Eixo, os Aliados garantem imunidade e asilo político aos cientistas alemães para continuarem as experiências de eugenia.

KRYCEK: - Eu não acredito! Eles fazem a guerra, nos colocam aqui pra morrer e saem lucrando?


Auschwitz - 1944

O carro negro da SS passa pelo portão de entrada, que é fechado rapidamente por dois guardas.

KLAUS (OFF): - Agora, já era sabido internacionalmente que aquilo eram matadouros: Auschwitz, Treblinka, Sobibor, Majdanek, Belsec, Chelmno, Dachau, Dora, Mauthausen, Ravensbrück, Sachsenhausen e Buchenwald... Os judeus eram presos e arrastados à força para a morte. Os que relutavam, eram mortos na mesma hora. Velhos, crianças, mulheres... Não importava. Eles nem disfarçavam mais. Himmler estava feliz. Isso me era estranho. As coisas não estavam indo tão bem para os alemães, mas ele estava feliz. O sucesso das câmeras de gás de Eichmann foi motivo de festa. E Himmler resolveu ir até Auschwitz a convite de Mengele e Strughold... Apenas com o motorista e eu como sua guarda pessoal.

O motorista alemão desce e abre a porta. Himmler desce. Klaus desce pela outra porta da frente. Strughold sai do escritório num sorriso. Os dois trocam um ‘Heil Hitler’. Himmler entra no escritório. O motorista começa a fumar, escorado no carro. Klaus distribui olhares.

KLAUS (OFF): - Tinha que ser ali. Eu rezava pra que não fosse, mas não restava mais nenhum campo a ser procurado. Se Yossef não estivesse ali, eu teria de considerá-lo morto.

Um soldado nazista aproxima-se. Oferece um cigarro a Klaus. Klaus pega.

KLAUS: - Obrigado.

CAVEIRA #3: - Guarda pessoal?

KLAUS: - É.

CAVEIRA #3: - Um bom posto.

KLAUS: - Caveiras?

CAVEIRA #3: - Exato. Amigo, você é sortudo por não trabalhar aqui.

Himmler sai do escritório ao lado de Strughold e Mengele. Klaus guarda o cigarro rapidamente no bolso. Himmler olha pra ele.

HIMMLER: - Fume rapaz. Descanse. Quer dar uma volta conosco?

KLAUS: - Sim, senhor.

HIMMLER: - Ótimo. Hoje você vai conhecer Auschwitz. Dr. Mengele, Dr. Strughold... Este é o meu homem mais antigo. Klaus Hermann. Um ótimo rapaz. O tratem como se fosse meu filho.

Eles saem caminhando.

HIMMLER: - Como isso aqui mudou... fazia tempo que não vinha aqui... Quando Mengele disse que vocês estavam fazendo um bom trabalho, eu podia apenas imaginar pelos números no relatório semanal...

KLAUS (OFF): - Eu havia visto os outros campos como Treblinka e Dashar. Mas Auschwitz não era um campo comum. A primeira vista você não dizia os horrores que se passavam ali. Tudo limpo, com gramados verdes, cercas altas bem pintadas que ocultavam as operações dos olhos curiosos... A fábrica de munição, a imensa área... Parecia o paraíso, mas era o próprio inferno disfarçado. Quando nos aproximamos das câmeras de gás, eu tive vontade de vomitar. Prisioneiros judeus tiravam os corpos em carrinhos de mão pela porta dos fundos, enquanto judeus entravam pela porta da frente sem saber que nunca mais sairiam dali. Havia criancinhas no grupo e bebês de colo. Eu tentava manter meu controle. Mas aquilo era o inferno, o pior de todos. As pilhas de sapatos, de roupas, de pertences judeus, elas davam mais ou menos o tamanho de uns cinco ou seis homens em pé. A largura era de uns 15 homens deitados. Eu olhava pra aquilo e imaginava quantas pessoas tinham morrido só naquela semana. Não podia calcular quantas haviam morrido desde o início da guerra. Eu me perderia nos números. Strughold fazia seu serviço de relações públicas mostrando o campo e falando como funcionava a fábrica de mortes. Especialmente a sua não tão nova aquisição à gás. As tampas, em forma de cogumelo, dos tubos ventiladores das câmaras de gás, se revelavam pelo gramado verde. As tampas eram retiradas e as cápsulas de cianureto desciam através dos tubos. Depois de algum tempo, os infelizes nelas confinados, ao efeito do gás mortífero, atiravam-se endoidecidos contra a porta de saída, buscando inutilmente a fuga. A morte levava de cinco a quinze minutos, dependendo das condições atmosféricas. O mais bizarro de tudo é que enquanto eles morriam podiam ouvir músicas de Strauss ou Leher pelos auto-falantes dispostos lá dentro. Enquanto eu olhava pra tudo, tentava ver Yossef entre aquelas pessoas que trabalhavam no campo. E tinha medo de não reconhecê-lo.


BLOCO 3:

Eles continuam caminhando. Klaus os segue. Himmler para em frente a um alojamento.

HIMMLER: - Acho que o passeio todo me deu fome. Que tal um café?

Klaus observa o alojamento diferente, feito de tijolos, com dois soldados parados na porta.

KLAUS: - O que vocês têm aqui?

Todos olham pra ele. Klaus fica constrangido. Himmler sorri.

KLAUS: - (DISFARÇA) Desculpe meu atrevimento, senhor. Eu... Eu fiquei empolgado com o campo.

Himmler coloca o braço por cima de Klaus.

HIMMLER: - Garoto curioso. Esse menino vai longe. Strughold, mande alguém mostrar o que há aí para o Hermann.

Strughold acena para um soldado que está na porta.

STRUGHOLD: - Mostre o que o Oficial Hermann quiser ver.

Klaus acompanha o soldado.

HIMMLER: - Esse menino é muito dedicado. De todo o grupo inicial ele nunca me incomodou. Percebe-se que gosta de sangue. Um autêntico nazista.

KLAUS (OFF): - Sangue... Se ele soubesse que eu me submetia a visões horrendas apenas para encontrar minha família. Entrei naquele alojamento e percebi que era uma prisão. Caminhei com o soldado ao meu lado, observando as grossas portas de madeira com apenas uma janela de grades. Olhava pra dentro de cada uma delas... Meu Deus! Eram pessoas que estavam ali por alguma causa que eu não queria saber. Gente mutilada, gente com ataduras... Mas então o terror me fez ficar imóvel diante de uma delas. Eu vi através das grades da janela Yossef. Meus olhos não acreditavam no que viam. Ele estava deitado sobre palhas, com uma das pernas presas numa espécie de grilhão. Ao lado dele uma lata enferrujada com água e um pedaço de pão já embolorado. Nem o cachorro que eu tinha quando criança, recebia aquele tratamento.

KLAUS: - Quem é ele?

CAVEIRA #4: - Dr. Yossef Mulder. Está aí há muito tempo, bem antes de eu chegar em Auschwitz.

KLAUS: - Por que está assim?

CAVEIRA #4: - Tentou fugir. Conseguiu abrir a cela com o russo que está com ele. O russo foi pra outra cela. Vão ser privados de contato.

KLAUS: - E por que ele não está com os outros nos trabalhos forçados?

CAVEIRA #4: - Ele é médico e cientista. Está ajudando nas experiências do Dr. Mengele. Em troca recebe cartas da esposa.

Klaus olha incrédulo para o soldado. Olha novamente pra cela. Percebe o girassol desenhado com carvão na parede. Sai rapidamente dali.

KLAUS (OFF): - Não sabe o esforço que fiz pra não abrir aquela cela e levar meu cunhado nas costas, mas eu não chegaria vivo ao primeiro portão. Caminhei em direção ao escritório central do campo, a passos rápidos, cerrando meus olhos pra não chorar, mas era inútil... Talvez ele estivesse vivo até hoje por seus conhecimentos científicos e pelas cartas de Eva que não eram dela.

Klaus cabisbaixo, passos rápidos, esbarra em Himmler. Olha pra ele. Himmler percebe as lágrimas de Klaus.

HIMMLER: - O que aconteceu, oficial Hermann?

KLAUS: - Desculpe, senhor... (DISFARÇANDO) Não sabia que havia palha lá dentro e sou alérgico a palha.

Himmler sorri. Klaus olha para o lado e vê Strughold segurando um bebê. Strughold faz uma saudação à Hitler. Himmler e Klaus respondem, entrando no carro.

HIMMLER: - Muito lindo o filho de Strughold. Tem apenas um ano... Conrad Strughold… Nome bonito. Vai ser industrial como o avô.

Klaus está chocado, mal fala. O carro parte. Klaus vira o rosto pra janela. Eles passam pelo primeiro portão.

KLAUS (OFF): - Eu queria chegar em casa rapidamente. Correr e me trancar no banheiro pra chorar. Mas pensava agora: o que vou dizer a Eva? Digo que encontrei Yossef naquele estado?

HIMMLER: - Oficial Hermann...

KLAUS: - ...

HIMMLER: - Motorista, pare o carro. Oficial, sente-se aqui atrás comigo. Precisamos conversar.

KLAUS (OFF): - Eu senti medo. Mas eu tinha uma arma. E agora nada mais importava. Eu estava prestes a dar minha vida em troca da de Yossef. E eu ia contar. Desci do carro e sentei-me ao lado de Himmler. O motorista seguiu, observando pelo retrovisor, numa espécie de ciúmes. Afinal sentar ao lado de Himmler era um honra. Então abri minha boca para falar mas fui interrompido.

HIMMLER: - Há muito tempo você me serve com lealdade. Responsabilidade. Nenhum atraso em sua ficha. Nenhuma conduta mal criada. Você é um oficial de respeito. E tem sido meu comentário com o próprio Führer. Hoje falei de você com Strughold.

Klaus olha pra ele.

HIMMLER: - Semana passada, o oficial dos relatórios foi promovido. Não me diga não, Hermann. Não quero você mais como meu segurança. Quero você como um dos meus secretários. Sua tarefa será vir semanalmente a Auschwitz e pegar o relatório semanal de execuções.

KLAUS (OFF): - Eu não podia acreditar. Eu estava recebendo um passe livre de entrada e saída de Auschwitz. Tudo o que podia fazer era agir cinicamente e cumprimentar aquele homem, saudando Hitler, e sorrindo. Ele não sabia o que acabava de fazer. Mas eu ia ser o ‘filho dos olhos dele’. Completamente dedicado ao meu novo posto.

KLAUS: - Senhor, isso inclui que eu possa... Ficar algum tempo em Auschwitz?

HIMMLER: - Ficar em Auschwitz?

KLAUS: - Senhor fiquei impressionado com aquilo! Senhor, eu nunca pedi nada, não leve como arrogância da minha parte, mas fiquei muito encantado com Auschwitz! Eu moraria ali dentro se possível! É o campo mais incrível que eu conheci e...

HIMMLER: - (SORRI) Você nunca me enganou, Hermann.

KLAUS: - (MEDO) ...

HIMMLER: - (SORRI) Você pode ser calado dessa maneira, mas é um sanguinário, sedento de sangue judeu. Vou falar com Strughold sobre isso e talvez com sorte, eu consiga um alojamento pra você morar. Se todos os oficiais fossem como você, a Alemanha teria orgulho. Você é motivo de orgulho para mim. E para nosso Führer.

KLAUS (OFF): - Quanto cinismo! Antes de a guerra acabar, todos viriam a saber que era ele um dos homens que traiu Hitler, entregando a guerra para os Aliados. Himmler tentou negociar, por intermédio do Conde Bernadotte, a rendição do Reich, em troca da sucessão de Hitler. A traição dos SS começaria em março de 1945, pela sabotagem da contra-ofensiva de Budapeste. Himmler viria a se suicidar poucos dias depois do final da guerra, entregando-se a um posto inglês. No momento em que começaria a revista pessoal, Himmler partiria entre os dentes uma pastilha de cianeto e tombaria morto.

Corte.


Klaus desce do caminhão com a cruz gamada pintada ao lado da porta e na lona traseira. Entra no prédio em que mora. O caminhão parte. Klaus então sai do prédio, observando com os olhos o caminhão que dobra a esquina. Então sai correndo pela rua.

KLAUS (OFF): - Eu precisava contar a ela. Não sabia como, mas precisava. Corri feito desesperado até sua casa. Então a encontrei sentada na calçada, ao lado do piano, segurando sua caixinha. No rosto o ódio, e as marcas secas de sangue pelos cabelos. A SS estivera lá, descobriu os judeus e a prenderam por três dias, dando-lhe uma surra. O senhorio a despejou. A levei então novamente para o meu apartamento.

Klaus abre a porta. Scully entra. Klaus fecha a porta e coloca a mala de Scully no quarto. Vai para a sala.

KLAUS: - Não se preocupe, o piano vai chegar logo.

SCULLY: - (REVOLTADA) Como consegue trabalhar pra essa gente? Como consegue ficar vestindo esse uniforme negro, com essa maldita cruz gamada em seu braço?

KLAUS: - Eva...

Scully cospe na cara dele, tomada de ódio.

SCULLY: - Eu não vou ficar aqui com você. Eu não divido meu espaço com alemães assassinos!

Klaus limpa o rosto.

KLAUS: - Você tem toda a razão de cuspir em mim. Mas quando eu entrei para a polícia, eu não sabia no que ser policial futuramente significaria. Não me culpe por isto. Você podia estar em meu lugar se fosse um homem. Não havia muitas oportunidades para um jovem alemão.

SCULLY: - Esse é o mundo de vocês homens! O mundo do ódio!

KLAUS: - Eva, me escute...

SCULLY: - Eu não tenho mais nada para escutar! Eu escutei a minha vida toda! Eu servi a minha vida toda, nunca questionei nada! Eu vou embora daqui! Vou andar até conseguir encontrar meu marido e meus filhos.

KLAUS: - Eu encontrei Yossef.

Scully olha pra ele. Os olhos enchem-se de lágrimas.

KLAUS: - Ele está vivo. Em Auschwitz.

Scully leva a mão aos lábios, soltando o choro que segurava no peito. Abraça-se em Klaus. Klaus afaga os cabelos dela. A ajuda a sentar-se.

KLAUS (OFF): - Contei a ela o que eu vira. Ela chorava de dor. Mas era melhor contar a verdade do que iludir minha irmã. Me perguntou das crianças, eu não sabia. Contudo, agora sendo o ‘carteiro’ de Himmler, eu poderia revirar os arquivos e descobrir se elas estavam no campo. Ela queria ver Yossef. Eu pedi a ela que me desse um tempo até eu estabelecer confiança lá dentro, aos olhos do responsável pelo campo e de Strughold. Ela entendeu. Eu sugeri que, como agora eu era um carteiro, eu poderia entregar cartas verdadeiras que Yossef nunca recebera dela. Eva chorava e ria, brilhava em seus olhos uma faísca de esperança. E eu prometi a ela: vou tirar Yossef e as crianças de lá. Só preciso de tempo. Mas como todo jovem arrogante, eu não sabia que o tempo corria mais rápido do que eu pensava.


Auschwitz

Klaus desce do carro da SS. No ombro uma bolsa como de carteiro. Klaus entra no escritório. Identifica-se ao oficial que está na recepção e recebe uma pasta com o relatório. Sorri e puxa assunto com o oficial. Oferece-lhe um cigarro.

KLAUS (OFF): - Naquele tempo ser educado era oferecer um cigarro. Ninguém sabia que fumar fazia mal à saúde. Oferecer um cigarro a alguém lhe abria possibilidades infinitas de começar uma amizade. Conversamos enquanto eu folheava o relatório... Mais de novecentos judeus executados naquela semana. Era um número baixo para o que eu haveria de ver nos relatórios de anos anteriores.

Corte.


Klaus sentado em uma cama, num quarto de alojamento.

KLAUS (OFF): - Em uma semana eu consegui um alojamento para dormir quando eu ia a Auschwitz. Um quarto só pra mim, ordens de Himmler. Eu chegava à tarde de segunda-feira e passava a noite lá, voltando para Berlim na terça, pela manhã, pegando carona até a estação com os soldados que trocavam de turno. Em duas semanas eu consegui o acesso aos arquivos de relatórios antigos. Disse que Himmler havia perdido dados e eu precisava encontrá-los. Levava para meu alojamento os arquivos selecionados por ano. Então parei em 1942, não era mais preciso... Nele constava o nome de três crianças entre os executados da semana.

Klaus fecha o livro. Chora.

KLAUS (OFF): - Eu chorei por um bom tempo. Lembrei-me do que o pai de Yossef falara no casamento: ‘Podem destruir tudo, mas sempre haverá um Mulder! Ali, de pé, lutando pela verdade!’ ... Não haveria mais. Os Mulder terminariam em Yossef. Como tantas outras famílias judias. Os nazistas, mesmo que não ganhassem a guerra sairiam vitoriosos. Eles haviam acabado com várias famílias que não mais teriam descendência, sumindo da face da Terra. Os Mulder seriam uma delas... Naquelas duas semanas eu conquistei a confiança de todos, inclusive sendo convidado por Strughold para almoçar com ele e seus oficiais. Mas a pior parte viria quando eu voltasse para casa e precisasse dizer a verdade para a minha irmã sobre os filhos dela.


Berlim

[Som: Beethoven – Moonlight Sonata]

Scully toca piano, enquanto as lágrimas escorrem por cima das teclas. Ela toca com fúria. Com raiva. Então fecha o piano com força. Pega o rosário e passa por Klaus.

SCULLY: - Por quê? Meu Deus Nosso Senhor, por quê?

KLAUS (OFF): - Eu nunca pude imaginar um terço da dor que aquela mulher carregava consigo. Ela então começou a chorar convulsivamente, sentando-se no chão. Gritava que era mentira minha. Que seus filhos estavam vivos. Ela gritou tanto que a senhora Beltrand bateu à porta preocupada. Quando viu a cena, entendeu tudo e abraçou Eva. Eva gritava que queria os filhos dela de volta. O marido dela de volta. Que ninguém podia separar uma família, isso era sagrado. Eu não aguentei ver minha irmã daquele jeito. Então saí, fui falar com o senhor Beltrand. Combinar com ele como eu poderia tirar Yossef de lá e fugir com ele e Eva da Alemanha. Nos restava a Suíça, que era território neutro e mais próximo. Daquele dia em diante, eu não fui mais o mesmo homem. Eu enterrei meus escrúpulos na mesma cova em que enterraram meus sobrinhos. Os quais eu jamais acharia os corpos. Afinal eu era um soldado nazista. Eu mostraria para os alemães o tipo de jovem que eles criaram. Mas alguma coisa estava acontecendo, porque o alto comando estava nervoso...


Auschwitz

Mulder caminha com mais alguns presos, todos soldados americanos e russos. Spender vem atrás dele. Mulder procura com os olhos entre todos, mas não vê Krycek. Eles são levados para a beira de uma cova. Spender cochicha atrás de Mulder.

SPENDER: - É o fim. Os desgraçados vão acabar com o nosso sofrimento.

Um dos soldados grita para eles ficarem um ao lado do outro, de costas pra cova. Eles ficam. Strughold aproxima-se rapidamente. Para em frente a eles.

STRUGHOLD: - (GRITANDO) Só tem duas coisas que me dão asco: judeus e traidores. Não necessariamente há distinção entre eles.

AMERICANO: - Não pode nos executar! Somos prisioneiros de guerra! Nosso governo vai saber disso...

Strughold puxa a pistola e acerta o americano que cai na vala. Olha para os outros.

STRUGHOLD: - Alguém mais vai me interromper?

Todos se calam. Mulder observa com medo nos olhos. Um soldado alemão olha pra dentro da vala.

CAVEIRA #2: - Senhor, ele ainda está viv...

Strughold acerta o soldado alemão com um tiro. O pânico fica evidente no rosto de todos. Os soldados alemães começam a tremer.

STRUGHOLD: - Hoje, um de vocês tentou fugir. Um russo.

Mulder fecha os olhos.

STRUGHOLD: - Eu vou fazer com que ele sirva de exemplo para vocês saberem o que acontece com quem tenta escapar de Auschwitz.

Dois soldados aproximam-se, trazendo Krycek arrastado. Mulder olha pra Krycek apiedado. Strughold faz sinal para um oficial que se aproxima com um banco alto de madeira e um cutelo. Os presos estão apavorados. Um soldado nazista segura Krycek pelos ombros. Strughold pega a mão de Krycek e coloca sobre o banco. Ergue o cutelo. Krycek começa a rir. Os americanos olham pra ele apavorados. Os soviéticos, acostumados com torturas, o admiram.

KRYCEK: - Vai fundo, porco. Esse é o método nazista de aparar unhas?

Os presos russos seguram um sorriso nervoso, orgulhosos da coragem do major. Os americanos estão assustados com a ousadia. Mulder fecha os olhos, derrubando suor pelo rosto. Strughold olha pra Mulder.

MULDER: - Doutor judeu... Aproxime-se.

Todos olham pra Mulder. Mulder aproxima-se, tenso.

STRUGHOLD: - Este, senhores, é o nosso judeu mais antigo aqui. Se ele é sortudo? Não sei. Mas ele deve isso ao pai dele por ter investido em seus estudos. Ele é médico, sabiam? Um safado judeu que tentou fugir também. Tome o cutelo, Dr. Mulder. Quero ver como faz amputações de dedos. Comece pelo major, seu amiguinho.

Krycek olha pra Mulder e percebe o estado de nervos dele.

KRYCEK: - Vai Dr. Judeu! Não se preocupe, lembre-se do nosso acordo. Confio mais na sua pontaria do que na dos alemães! Eu não uso as mãos mesmo. Aqui não tem nem revistas!

Krycek continua a provocar Strughold.

KRYCEK: - Com exceção das alemãs, as esposas deles, que chegam na recepção e você não resiste a bater umazinha pra elas.

Strughold acerta um tabefe em Krycek. Krycek ri. Brinca diante da morte. Mulder olha pra Strughold.

MULDER: - Eu não vou fazer isso.

Todos olham pra ele. Spender fecha os olhos, nervoso.

STRUGHOLD: - Eu ouvi direito?

MULDER: - (GRITA) Eu disse que não vou fazer isso! Ele não me fez nada, eu não vou cortar os dedos dele!

Strughold puxa a mão de Mulder pra cima do banco e desce o cutelo com raiva.

Corte.

Klaus aproxima-se pelo corredor de celas, com a bolsa no ombro, cabeça erguida, fingindo orgulho de ser nazista, impondo medo e respeito com o uniforme da elite oficial. Olha para o soldado. Trocam uma saudação à Hitler.

KLAUS: - Tenho ordens de falar com o prisioneiro.

CAVEIRA #4: - Sim, oficial.

KLAUS (OFF): - Era final de madrugada, todos dormiam e eu não tinha ordem alguma, mas um soldado nunca questiona um oficial de Himmler. Os Caveiras nos temiam, afinal éramos íntimos do chefe da SS. Entrei na cela e fechei a porta. Vi Yossef sentado num canto, batendo a cabeça contra a parede, em movimentos lentos. A mão dele enfaixada, mas o sangue havia manchado toda a atadura. Eu havia sabido do ocorrido. Me agachei ao lado dele. Ele recostou-se contra a parede, chorando feito uma criança.

MULDER: - Me deixem morrer... Me mate de uma vez, eu não quero mais viver.

KLAUS: - Yossef...

Mulder não olha pra Klaus. Continua batendo a cabeça contra a parede, olhar fixo no nada, rumando para a loucura.

KLAUS: - Yossef, olhe pra mim. Sou eu, Klaus.

Mulder vira o rosto. Transforma sua fisionomia em choro.

KLAUS: - Sim, meu irmão. Sou eu. Seu irmãozinho.

Mulder abraça-se em Klaus. Chora no uniforme dele. Klaus o abraça.

MULDER: - Onde está Eva? Ela está viva?

KLAUS: - Sim, ela está viva. Está segura. Eva está comigo.

Mulder chora, abrindo um sorriso.

KLAUS (OFF): - Fiquei por quase uma hora com ele, alternando minha atenção à janela da porta, para ver se ninguém estava nos escutando. Abri minha bolsa. Retirei cigarros e alguns chocolates, biscoitos, coisas que alimentavam, mas que por serem de pequeno tamanho poderiam ser escondidas no meio da palha. Ele não tinha fome. Acostumara-se a ficar sem comida. Me perguntava sobre Eva, como ela estava, se estava linda como era antes... A única coisa que não me perguntou é se ela ainda dizia que o amava. Ele nunca perguntaria isso. Essa certeza ele tinha dentro dele, bem como eu nunca perguntaria se ele ainda amava minha irmã, porque o brilho nos olhos dele se reavivava a cada vez que eu falava o nome dela. Então lhe entreguei uma carta. Disse que aquela era verdadeira. Ele sorriu me dizendo que sabia que as outras eram falsas, mas que pensava que Eva estivesse morta. Me falou chorando que vira a morte dos filhos e eu disse que Eva já sabia. Contei a ele quem eu era agora e que traria cartas toda a semana. Eu o tiraria dali. Só precisava de tempo. Ele me contou que havia perdido três dedos ao recusar mutilar um amigo. E que não sabia aonde estava o amigo. Fiquei de informá-lo. Pedi que ele tivesse fé. Ele me disse que tinha perdido sua fé. Me falou do anjo e outras coisas. Então quando o sol já deixava a luz entrar por aquela pequena janela batendo em meus olhos, Yossef olhou pra mim com um sorriso e começou a pedir perdão à Deus. Eu não entendi. Yossef então retirou o caderno do duto de ventilação e o entregou pra mim dizendo que o anjo pediu que ele fizesse isso.

MULDER: - Devo entregar isso pra quem tem o brilho da vida nos olhos. Acho que ele saberá o que fazer com isto algum dia.

KLAUS (OFF): - Então entendi. A vida para Yossef era o sol, por isso ele amava girassóis. E o sol batia em meus olhos. Tomei o caderno. Guardei-o. Ele me pediu para o manter seguro, porque ali havia anotações de descobertas que só ele sabia. Segredos científicos. Ainda perguntei o que faria com aquilo. Ele só me disse: algum dia, alguém pode precisar da verdade. E usá-la para o bem.


Berlim - Escritório de Himmler

Klaus sentado no banco do lado de fora da porta. Sorrindo.

KLAUS (OFF): - Eu estava sendo um bom ‘carteiro’. Entregava os relatórios para Himmler sem nunca atrasá-los. Mas o que mantinha meu sorriso no rosto eram as correspondências que eu levava e trazia, permitindo que Yossef e Eva se falassem. Não posso dizer que eu não abria as cartas. Eu sempre fui curioso. Eu as abria e lia enquanto viajava no trem. E assim aprendia com eles o que era o amor verdadeiro. Não... Eu nunca me casei. É difícil você encontrar um amor como o de Yossef e Eva. Eu esperava encontrar isso, mas nunca encontrei. Todo o amor que encontrei parecia tão pouco diante do que Eva e Yossef tinham... Eram palavras que só duas almas que se conhecem e se amam poderiam falar. Ela sempre encerrava sua carta com ‘um beijo, da sua eterna esposa’. Ele sempre encerrava com ‘pra sempre com amor, do seu Yossef’... Algumas vezes pra não levantar suspeitas eu apenas espiava pra dentro da cela de Yossef e ele olhava pra mim. Eu atirava a carta, cigarros e comida rapidamente e ia embora. O russo não estava mais com ele, foram separados. As experiências pararam por um tempo e Yossef podia agora ver o russo durante o dia. Os dois trabalhavam juntos na separação de roupas e sapatos judeus que eram enviadas para toda a Alemanha, dados ao povo alemão. Os dois não se falavam, para não comprometer um ao outro, porque os soldados não tiravam os olhos deles. Mas Yossef passava ao lado do russo e discretamente sempre lhe dava cigarros e um chocolate.

Himmler abre a porta.

HIMMLER: - Entre, Hermann.

Klaus entra. Himmler fecha a porta.

HIMMLER: - Strughold me disse que você tem curiosidade pelos prisioneiros de guerra.

KLAUS: - ...

HIMMLER: - Por que não me falou antes que tem nervos o suficiente pra ficar num campo de concentração? Isso não é para qualquer homem.

KLAUS: - ... Eu...

HIMMLER: - Fale oficial.

KLAUS: - Senhor eu... Não sei se isso parecerá uma loucura, mas... Eu adoro Auschwitz.

HIMMLER: - (SORRI) Você é um rapaz exemplar, Hermann. Eu mesmo escreverei uma carta de próprio punho e você a entregará para Strughold. Filho, não me decepcione. Vou colocar você no escritório do campo, você fará a contagem dos mortos e os relatórios também. Continue me dando orgulho e colocarei você no lugar de Strughold. Porque ele está louco. Fiquei sabendo que matou um dos nossos homens. Acredite, garoto, eu estou tramando coisas boas para o futuro da Alemanha. E você faz parte dos meus planos.

KLAUS (OFF): - Entendi. Realmente ele queria era o lugar de Hitler. Mas me deu o que eu precisava. Era em cima de Strughold, o desgraçado que matou meus sobrinhos, que eu conquistaria esse posto. Não por objetivo de carreira. Mas para salvar meu cunhado. Eu estava virado num popular ‘baba-ovo’, como diriam os jovens de hoje. Eu beijaria os pés dele se me pedisse.

HIMMLER: - Sente-se filho. Pegue um cigarro. Não preciso dizer o quanto esta conversa é confidencial.

KLAUS: - Sim, senhor. Eu cumprirei suas ordens, pela nossa Alemanha. Sempre acreditei no senhor.

HIMMLER: - (SORRI) Você vai longe, Hermann. Continue assim.

Himmler pega uma caneta e um papel. Começa a escrever.

HIMMLER: - Filho, quero você em Auschwitz. Você será os meus olhos lá dentro. Não perdoamos traidores, você sabe disso. Tudo que precisar reporte-se a um dos meus secretários. Informações somente a mim. Vamos ter uma reunião na Bavária com o Führer e quero você nela. Se me conseguir provas de que Strughold está dando informações aos americanos e nos escondendo a verdade das experiências, eu colocarei a Gestapo nisso e o executaremos. Quero que você mesmo acuse Strughold em frente a Hitler.

KLAUS: - Sim, senhor.

KLAUS (OFF): - Entendi novamente. Ele era tão traidor quanto Strughold. Mas queria afastar as atenções dele. E pegou Strughold pra seu bode expiatório. E estava me colocando na linha de tiro. Mas pouco me interessava isso, eu só queria estar em Auschwitz pra tirar Yossef de lá.

Himmler entrega o bilhete.

HIMMLER: - Vá, Hermann. Olhos e ouvidos abertos.

KLAUS: - E boca fechada, senhor. Este é meu lema.

Himmler sorri. Klaus sai.

KLAUS (OFF): - Eu consegui o que queria de uma maneira tão fácil, que só podia pensar que era Deus quem estava por trás disso. Minhas pernas tremiam. Himmler estava dando a mim, um oficial da SS, liberdade para investigar um comandante! Aqueles anos de ódio silencioso e cumprimento de ordens haviam me dado esse alto grau de confiança da parte do chefão da SS. Realmente, pra tudo há um motivo na vida. Agora eu entendia os caminhos de Deus...


Auschwitz

Klaus desce do carro. Estende a mão para dentro, ajudando Scully a sair. Scully desce, usando um vestido e cabelos presos no alto da cabeça. Segura uma bolsa contra o peito. Strughold sai do escritório. Retira o quepe, cumprimentando-a.

STRUGHOLD: - Senhorita...

Strughold pega a mão de Scully e a beija. Scully segura o asco.

STRUGHOLD: - Então esta é sua adorável noiva, oficial Hermann?

KLAUS: - Sim.

STRUGHOLD: - Encantado, senhorita. Mas o que quer ver num campo de concentração? Isso não é lugar para mulheres.

SCULLY: - Sempre tive curiosidade, senhor comandante. Afinal vou me casar com um oficial alemão que honra nosso Führer.

STRUGHOLD: - (SORRI) Me chame de Strughold. Vamos entrar no meu escritório e tomar um café.

KLAUS (OFF): - Eu sentia a raiva de Eva, que agora olhava nos olhos do assassino de seus filhos e carrasco do seu marido. Mas ela disfarçava bem. Strughold serviu-nos café, e não tirava os olhos das pernas de Eva. Minha irmã sempre foi muito bonita, vivia sendo assediada pelos homens. (SORRI) O jeito doce e delicado dela, sempre deixou os rapazes da rua invejando Yossef que dizia: ela será minha, desistam. Alguns maldosos sempre disseram que Eva tinha se casado com Yossef só porque ele era rico. Mas eles nunca ligaram para a famosa língua do povo... Do modo como Strughold conversava, parecia que eu não estava ali. Ele interrogava Eva em perguntas, interessado nela para a sua lista de amantes. Eu não sabia o que fazer para afastar Strughold de nós. Não poderia fazer com que Eva e Yossef se encontrassem com aquele nazista no encalço. Mas para minha sorte, que depois soube que era azar, Mengele e Eichmann chegaram ao campo, nervosos. Precisavam ter uma reunião com Strughold. Aproveitei e saí com Eva, sob olhares curiosos. Disse ao oficial da recepção que se perguntassem por mim, eu tinha ido mostrar o campo para minha namorada. O sujeito deu um sorriso malicioso e piscou-me o olho. Eu retribuí. Saí com Eva dali. Podia perceber que ela tremia a cada passo. Então de repente ela parou. Olhou para os fornos. Os prisioneiros de guerra colocavam judeus pra dentro dos incineradores. Ela olhou para as criancinhas que estavam sentadas contra uma parede, sem expressão alguma, viradas em pele e osso. Talvez visse nelas os seus filhos. Começou a entrar em nervos e desabar em lágrimas. Ela tentou tomar uma das crianças no colo, eu tive que a impedir. Se os soldados vissem isso, estaríamos encrencados.

KLAUS: - Eva, vire o rosto. Não olhe, pelo amor de Deus.

SCULLY: - Meus filhos...

KLAUS: - Eva... Você prometeu que faria o que eu dissesse pra poder ver Yossef. Concentre-se nele, me entendeu?

SCULLY: - Eu não posso ficar aqui... Meu Deus, quanta maldade! Você pode sentir o desespero deles... São apenas crianças!

KLAUS: - Eva...

KLAUS (OFF): - Eu tive que puxá-la, ela não conseguia caminhar. Estava em choque. A levei abraçada a mim, tentando fazer com que ela não visse os corpos que haviam sido executados e estavam estirados ao chão, entre eles mulheres, velhos e crianças. Eu sei o que é o impacto. Mas com o tempo, você vê tantas mortes que a própria morte fica banalizada. Entrei com ela pelo corredor. Eu temia por Eva. Temia o sofrimento dela. Em sua cabeça permanecia a imagem daquele Yossef. Mas ele não era mais o mesmo. Mandei o guarda sair, dei a ele um maço de cigarros. Ele me deu um sorriso, olhou malicioso pra Eva e nem questionou, pensava que queríamos transar. Saiu. Então segurei Eva pelos braços.

KLAUS: - Eu quero que saiba que Yossef não é mais o mesmo. Fizeram coisas ruins com ele.

Ela afirma com a cabeça, segurando lágrimas.

KLAUS: - Está preparada?

SCULLY: - Sim.


BLOCO 4:

[Som: Beethoven – Moonlight Sonata]

KLAUS (OFF): - Abri a porta e deixei que somente ela entrasse. Fechei a porta e fiquei a observando. Eva entrou receosa, olhando para aquela cela na penumbra, úmida. Olhou para a latinha de água, as palhas no chão. Manchas de sangue. Os ratos que passeavam por ali. O girassol na parede. Então ela viu Yossef sentado no canto da cela. Calças sujas, a mão enfaixada, acorrentado pelos pés. Estava sem camisa e pela primeira vez pude notar que seu lado direito do corpo estava deformado por ácido. Eva então começou a chorar. O que antes era um homem, agora parecia um monstro, deformado por ácido, por mutilação e por tortura psicológica. Mas dentro dele, ainda havia um homem. Não podem matar o coração humano.

Mulder ergue o rosto. Ao vê-la, contém as lágrimas e se esquiva para o canto escuro da cela, tentando se esconder dela.

MULDER: - ... Não quero que me veja assim.

Scully corre até ele, tomando o rosto dele entre suas mãos. Olha nos olhos dele, chorando. Ajeita seu cabelo e beija-lhe a testa. Mulder a abraça e começa a chorar.

KLAUS (OFF): - Os dois ficaram por um tempo ali abraçados, chorando. Ela o examinava, horrorizada, ele olhava pra ela encantado com sua beleza. Pude ouvir Eva dizer o quanto ela tinha envelhecido. E ele dizendo o quanto ela ainda estava linda. Eu agora apenas ouvia os dois falarem baixinho. Mantinha meus olhos naquela porta. Eu só queria que Strughold, Eichmann e Mengele saíssem daquele campo. Se isso acontecesse, era o dia em que tiraria Yossef de lá. Nem que tivesse que dar minha vida pelos dois. Mantinha na minha bolsa duas pistolas extras, carregadas. E o passaporte falso de Yossef. Sairíamos os três da Alemanha e iríamos pra Suíça. Adeus Reich! Adeus Führer e Himmler. Um dia eu voltaria pra pegar Strughold. Eu tinha contas a acertar com aquele homem. Ele pagaria caro o que fez pra minha família.

Scully tenta soltar os pés de Mulder, mas não consegue. Passa a mão pelo peito dele, as marcas de ácido na pele enrugada.

SCULLY: - O que fizeram com você, meu marido?

Mulder segura as mãos dela. Não desvia os olhos do rosto de Scully.

MULDER: - ... Me deixa olhar pra você, me deixa ver o quanto existe de beleza em você... São apenas olhos cansados de ver o horror.

SCULLY: - E-eu... Eu trouxe algo pra você.

Scully abre a bolsa. Retira um pano de prato, revelando os bolinhos de canela. Sorri. Mulder começa a chorar e abraça-se nela.

MULDER: - Eva... Não sabe como senti sua falta...

SCULLY: - Eu sei, Yossef... Eu sei. Mas estou aqui.

Mulder cheira as mãos dela. Os dois derrubam lágrimas.

MULDER: - (SORRI) Canela...

SCULLY: - (SORRI) Girassol...

MULDER: - (DERRUBA LÁGRIMAS) ... Eva... Você sabe das crianças...

SCULLY: - Sei...

MULDER: - Eu... Eu desonrei meu pai.

SCULLY: - Yossef, não...

MULDER: - Eu disse a ele que continuaria sua descendência... Nossos filhos morreram por minha culpa.

SCULLY: - Yossef, não, como pode dizer isso? Eu sei tudo o que suportou pra salvá-los e salvar a mim e...

MULDER: - Eu os matei, Eva. Eu dei a vida a eles e eu tirei a vida deles. Eu mereço o que estou passando, eu deveria ter tirado vocês antes da Alemanha, eu não acreditei que eles chegariam a tal ponto...

SCULLY: - Yossef, não se culpe pelo que aconteceu. Ninguém acreditou que uma coisa dessas poderia acontecer. Se nossos filhos tivessem que viver como aquelas crianças que eu vi lá fora... É duro para uma mãe dizer isso, mas hoje me senti feliz porque eles estavam mortos e não sofrendo. Você não tem culpa alguma...

MULDER: - Eva, você sempre foi perfeita... Por que não se casou com um alemão? ... Meu Deus, eu devia ter deixado você em paz, logo que saí da prisão eu devia ter ido embora, nunca devia ter pedido sua mão, eu trouxe a desgraça pra sua vida.

Ela o cala num beijo suave.

SCULLY: - Nunca mais diga que você me trouxe a desgraça. Você me deu a alegria. Cada minuto que passei ao seu lado, Yossef, era uma benção. Eu posso dizer que tive um marido justo e honesto. Bom para mim e seus filhos. Você enfeitava minha vida vazia, Yossef. E eu quero você de volta.

MULDER: - E-eu... Eu sou só um maldito judeu que não deveria ter nascido...

SCULLY: - Yossef... Você é um abençoado ser humano que faz falta pra mim. Você sempre estendeu a mão sem olhar pra quem era. Nunca negou nada para ninguém. E aquelas mesmas pessoas que você ajudou, hoje aplaudem a desgraça do seu povo. A vida é assim, Yossef. Você dá seu coração e seu carinho e as pessoas viram as costas, ignorando você. Humilhando, pisando, desrespeitando você como ser humano. Não existem raças neste mundo, meu amor. Apenas uma única raça: a raça humana.

MULDER: - ...

SCULLY: - Eu caí, enlouqueci, vaguei pelas ruas de Berlim, dormindo nas sarjetas. Eu via as pessoas que frequentavam nossa casa e comiam do pão que eu fazia e se diziam nossas amigas, me virarem o rosto. Me chamaram de louca, de coitada, de infeliz. Algumas cochichavam e eu ouvia elas dizerem que eu merecia esse castigo, porque tinha me casado com um judeu, proliferado o sangue dele, que eu era uma traidora... Eu não tinha mais nada a oferecer, apenas precisava de ajuda. Mas ninguém quer dar Yossef. É um mundo egoísta... Quantas vezes você dava tanto do seu trabalho, curava, pagava até mesmo os remédios e não cobrava consulta dos que precisavam... Acordava no meio da noite para ajudar alemãs a trazerem vidas ao mundo. Crianças que hoje atiram pedras em judeus... E agora, Yossef, quem precisa de ajuda somos nós. E só temos a Klaus. Mas ainda assim, nós três somos uma família.

Mulder abraça-se nela.

MULDER: - Eu não quero que você e Klaus corram riscos. Vão embora. Eva, refaça sua vida, eu te permito isso. Ache um bom homem pra você, tenha filhos... Não sofra por mim, me esqueça.

SCULLY: - Yossef...

MULDER: - Eu... Eu sinto que não sairei daqui. Eles venceram, Eva... Acaba-se aqui todo o passado da minha família... Enterre esse passado também, Eva. Esqueça dos Mulder como eles serão esquecidos.

KLAUS (OFF): - Eu ouvia as palavras de Yossef e pensava comigo mesmo. Desde o início do mundo os homens têm famílias... Foi a ordem expressa de Deus. Deus também tem família. Família é algo sagrado. O sangue é tão sagrado que Jesus o derramou numa cruz. Isso tem um significado profundo. Dos Hermann restava apenas eu para prosseguir o sobrenome de meu pai. Nunca até então tinha sentido a importância disto. Famílias são famílias e elas permanecem através de gerações, por sobrenome, similaridades físicas, costumes... As gerações passam, mas todos que passaram deixam no próximo um pouco de si mesmos. Essa é a imortalidade do corpo. Então lembrava da vovó Mulder, dos pais de Yossef... Nunca mais poderia ver os rostos deles em traços do futuro. Então eu sentia a dor que Yossef devia estar sentindo. Ele tinha razão: Hitler vencera os Mulder. A Alemanha os vencera, como vencera tantas outras famílias judias. Eu ficava pensando que deveria ter meus filhos em honra do meu pai. Então senti a mão de Eva pela janela. Olhei pra ela. Me pediu para ficar atento aos soldados. Eu disse que estava atento. Olhei para a porta. Nenhum movimento. Então olhei para a cela.

Scully ergue a saia sentando-se em cima de Mulder. Abre a blusa lentamente. Ele olha pra ela, chorando. Ela encosta o rosto dele contra seu peito.

SCULLY: - Eu ainda sou sua esposa. E você é meu marido, tem esse direito em nome de Deus... Você sempre foi o homem que eu desejei, Yossef. E eu te desejo agora, mais do que tudo. E eu digo que em nome de Deus, os Mulder não terminarão!

KLAUS (OFF): - Eu enchi meus olhos de lágrimas e virei meu rosto para a porta de entrada novamente, me afastando da cela. Acendi um cigarro... Minha mão tremia tanto, eu queria chorar, mas não podia. Entendi a força daquela mulher. Eva mostrava a coragem dos Hermann. E honrava sua promessa aos Mulder. Minha irmã ainda tinha esperança e ela sabia que só ela poderia levar as palavras do velho Rabino Yossef adiante. Agora dependia dela vencer aquela guerra. Ou Hitler ganharia dos Mulder, ou ela ganharia pelos Mulder. Eu fiquei sentado no corredor, chorando diante da atitude de desespero da minha irmã. Então me peguei rezando. Pra aquele Deus que eu já duvidava o que era. Mas eu pedi com toda a minha força que Deus abençoasse os dois naquele momento... O som dos tiros começavam. Mais vidas se iam lá fora. E eu agora rezava apenas para que uma nascesse...

Corte.


Foco subindo pelo corpo do jovem oficial nazista, num uniforme preto impecável, com divisas de comandante, a suástica no braço, revelando Klaus fazendo o gesto de honra à Hitler. Senta-se à mesa de reunião. Himmler sorri. Os outros oficiais o observam, num sorriso.

KLAUS (OFF): - Eu não sei sobre o que falavam. Eu apenas pensava que me afastaram de Auschwitz, dois dias depois que Eva e Yossef se reencontraram. Havia meses que eu não podia mais entrar lá, por causa da minha nova função. Himmler me garantiu que a Gestapo estava de olho em Strughold. E que o Führer achava mais seguro experimentar meu talento em uma posição de poder fora dos campos. Eu agora era oficial comandante. Himmler apenas assinava e tinha reuniões. Os problemas da SS estavam em minhas mãos. Ele praticamente confiou toda a SS a mim, o que me fez pensar, anos depois, que se Himmler tivesse assumido o lugar de Hitler, eu acabaria sendo o Himmler dele. Mas como eu chefiava o gabinete, isso me tomava muito tempo. E comecei a perceber que alguns homens me observavam discretamente. Eu estava sendo estudado para ver se o alto comando poderia confiar a mim uma posição alta dentro do Reich. Isso me deixava desconfiado, porque Himmler jamais faria isso. Começava a sentir o esquema do jogo. Desconfiava de todos, até da minha sombra. A última vez que falei com Yossef disse a ele que eu ficaria longe por algum tempo. Pedi que ele tivesse fé. As cartas nunca mais foram trocadas entre ele e Eva. E eu mal podia esperar a hora de poder ir a Auschwitz dizer a Yossef: Dane-se o Führer, Mulder. Você venceu! Minha irmã estava feliz, e as pessoas na rua comentavam sobre aquela vadia que estava grávida de sabe Deus quem... Ela não se importava. Ficava com a senhora Beltrand, fazendo pães. E a barriga de cinco meses crescia e ela cuidava daquele filho como quem cuida de um tesouro. Eu bendizia o rabino Abraham... ‘Podem destruir tudo, mas sempre haverá um Mulder! Ali, de pé, lutando pela verdade!’... Era sempre o que Eva dizia todos os dias como se fosse um grito de guerra. Ela sentia falta do marido, mas sabia que não devia se expor. E ficava pensando no quanto ele sorriria ao saber daquela vida que brotava dentro dela, insistindo em nascer mesmo que todos quisessem sua extinção... Não... Deus tinha um propósito e ele não traiu Yossef. Ele abençoaria sua descendência. Estava escrito. Deus nunca mente, ele sempre tem um propósito para tudo.

Klaus sai de seus pensamentos. Percebe que todos na sala saíram. Apenas ficou Himmler olhando pra ele.

HIMMLER: - A Gestapo está vasculhando sua vida. E a minha vida. Estou tentando calar a Gestapo, mas se quer ser responsável por Auschwitz, terá de permitir isso.

Klaus disfarça o medo.

KLAUS: - Permito, senhor. Não tenho nada a esconder.

Himmler sorri.

KLAUS (OFF): - Menti. Eu tinha. Tinha uma irmã que se eles descobrissem com quem era casada, eles matariam a todos nós. Mas eu me mantive firme, sentado naquela cadeira. Precisava agir rápido. A Gestapo ia descobrir, era só questão de tempo. Quando soubessem que eu tinha um judeu como cunhado, eu seria executado. Podia sentir o cheiro da minha morte se aproximando naquela sala. Mas eu não sabia que Yossef naquele momento sentia esse cheiro mais próximo ainda. Aquela maldita reunião entre Mengele, Eichmann e Strughold era sobre algo que afetava a genética humana.

Himmler sai da sala. Klaus fica sentado, divagando.

KLAUS (OFF): - Mengele havia descoberto na prática que as anotações teóricas que Yossef lhe dera não faziam sentido. Então ordenara que ele fosse retirado das experiências e fosse punido como cobaia. Foi quando, depois de retalhá-lo vivo, descobriram o ‘sinal de Deus’ que ele tinha em sua nuca. Já pensavam em estudar o que era aquele chip dourado e se seria possível fabricá-lo em série. Mas não tiveram chance. Minutos depois de o retirarem, o chip misteriosamente se desfez em contato com o ar. Deus? É, eu acho que sim. Deus não quer dividir conhecimento de genética com quem não sabe usar. Como Mengele descobriu? Spender. Spender em troca de sua liberdade, e uma chance de recomeçar a vida, entregou Yossef, dizendo que ele havia se contaminado com sangue alienígena. Mas o castigo não demorou muito. Ele não sabia que os alemães haviam dado liberdade vigiada. Spender bebia feito um cachorro e arranjava confusões. A mulher morreu de câncer e louca. Strughold mandou pegá-lo. Ele voltou ao campo, com seu filho Charles Spender nos braços, pedindo dinheiro em troca do filho, para comprar bebida. Claro que não deram nada mais do que um tiro em sua nuca, executado como um traidor. E o bebê Spender, acabou ficando como cobaia de Strughold e Mengele, aguardando seu destino.


Berlim - 1945

Um porão. Som de bombas.

KLAUS (OFF): - O Führer havia descoberto a traição em seu alto comando. Cabeças rolariam e eu acreditava que a minha rolaria junto, afinal eu era o primeiro homem de Himmler, que agora já sabiam, era um traidor. Mas não sabia eu, que por causa da traição de Himmler, a guerra acabaria e eu seria poupado de morrer nas mãos dos Aliados. Recebi ordens de Himmler para me afastar. A guerra acabaria logo e era melhor todos sumirem. Fazia dois dias que a Alemanha ouvira pelo rádio que o Führer havia se suicidado com um tiro nas ruínas da velha chancelaria. Estávamos no porão da casa dos Beltrand. Eles haviam se mudado pra uma casa, nosso prédio havia sido destruído pelas bombas dos Aliados. Naquela noite, Berlim estava sob ataque aéreo dos americanos e ingleses. O senhor Beltrand fumava assustado, e eu fumava tanto quanto ele. Mas pelo menos era seguro ficar no porão. Meu sorriso apareceu quando entre todo aquele barulho de explosões e morte, ouvi o choro de uma nova vida. A senhora Beltrand saiu de um aposento improvisado, erguendo a cortina feita com uma colcha, chorando e rindo.

Ídala Beltrand olha para Klaus e para seu marido. Ela cai de joelhos ao chão, erguendo as mãos para o céu.

ÍDALA BELTRAND: - Meu Deus, meu Jesus abençoado! Como Deus é justo! Isso é um milagre divino das sábias e bondosas mãos Dele!

Klaus olha pra ela sem entender. Ela levanta-se, ajeitando o vestido.

ÍDALA BELTRAND: - (CHORANDO) É um menino!!! Vai continuar o sobrenome de seu pai!

KLAUS (OFF): - Eu não podia acreditar... Os Mulder estavam de volta. Corri e ergui a cortina. Vi minha irmã com seu filho nos braços, deitada naquele colchão, num sorriso de felicidade. Fizemos uma festa naquele porão. E eu lembrava da família Mulder. Ergui minha taça de vinho e gritei para minha irmã: ‘Mazel Tov!’ Ela chorava de felicidade. As bombas caíam na cidade, mas nós não nos importávamos. Era como se fossem fogos de artifício abençoando nosso pequeno Mulder. Mais uma vez, o amor vencia o ódio. Mazel Tov, eu repetiria pra mim mesmo. Só que olhava para minha irmã e via o olhar dela distante. Eu entendia que ela devia estar pensando em Yossef, que nem sabia que tinha um filho. Ela então me flagrou olhando pra ela. Abriu um sorriso de missão cumprida. Eu não sei, mas ela me dizia algo com seus olhos azuis que eu não entendi na hora. Yossef sempre me dizia: rapazinho, respeite as mulheres. Deus as criou com mais perfeição, por isso elas têm um sentido mais apurado que o nosso... Eu nunca entendi aquilo também. Nem entendia porque aquilo veio na minha cabeça enquanto eu olhava para Eva. Mas vim a entender depois. Eu nunca mais esqueci da última vez em que vi minha irmã. Aquele sorriso e aquele olhar nunca mais saíram da minha memória...


Auschwitz

[Som: instrumental de Dire Straits - Brothers in Arms]

Noite. A chuva cai forte. Os soldados alemães retiram o corpo do major Krycek, cravejado de balas, ainda grudado nos arames farpados da cerca por onde tentara fugir pela última vez. O arrastam pela lama até a cova e o atiram lá dentro.

Corta para os pés magros e descalços que se aproximam pela lama. Param em frente à vala.

Mulder, cabelos raspados, rosto e corpo magro, definhando. O uniforme listrado está largo demais pra ele. Na mão, uma palha. Mulder olha para o corpo de Krycek enquanto a chuva cai sobre ele e vários soldados inimigos do Eixo mortos na vala.

MULDER: - Que Deus cuide de você, meu amigo.

Mulder joga a palha sobre o corpo de Krycek.

MULDER: - Você ganhou a aposta. Aí está sua palha.

Mulder fica parado na chuva, olhando para a vala.

KLAUS (OFF): - Ele não tinha mais terror dentro de si. Já havia visto todo o terror que alguém poderia suportar. A morte era algo banal, comum. Ele sentia alívio quando via mortos. Era como se soubesse que não sofreriam mais. Yossef não conseguia mais chorar... O russo havia tentado fugir. No fundo, Krycek sabia que nunca passaria daquela cerca. Strughold comemorava isso. Mas o russo havia vencido. Ele sabia que nunca ultrapassaria a cerca, mas sabia que seria livre se tentasse fazê-lo. Nas notas de Yossef, escritas numa folha e deixada sob a palha, constava: ‘Ele me disse que tentaria fugir. Eu disse que ele desistisse. Mas ele me sorriu e disse: ninguém tira a liberdade de um homem, doutor judeu. Se me matarem, ainda assim estarei livre. E longe de Auschwitz. Se você sobreviver a este caos, e um dia for à Moscou, procure pelos Krycek. Diga a Ester e minhas filhas que eu as amei mais do que tudo em minha vida. Que eu tentei ser um herói para dar orgulho a minha família. Diga que tentei fazer algo pelo povo dela. Mas acho que um deles fez muito mais por mim... ‘

Mulder dá as costas e sai caminhando num passo vagaroso e cansado.

MULDER (OFF): - Foi quando entendi que ele era casado com uma judia... Que a guerra foi a forma que ele teve de mostrar à esposa que a amava e que se importava com ela.

[Fusão]

KLAUS (OFF): - Eu estava chegando em Berlim, na casa dos Beltrand. Tinha notícias de que os alemães estavam recuando. Os rumores de uma bomba atômica americana começavam a trazer susto, mas ao mesmo tempo, um sinal de que nada resistiria aquilo. Que a guerra estava acabando. Então encontrei a senhora Beltrand no portão. Perguntei por Eva. Ela nada me disse.

KLAUS: - Senhora Beltrand, por favor. Onde Eva está?

ÍDALA BELTRAND: - Ela foi a Auschwitz. Dizer para seu marido, que ninguém destrói os Mulder. Que ele é pai novamente. Pediu que eu cuidasse do bebê até ela voltar.

Corte.


A chuva cai fina sobre uma Berlim destruída. Klaus sai correndo porta à fora e toma a rua. Desvia dos escombros sem parar de correr.

KLAUS (OFF): - Eu corri. Corri pela chuva, feito um doido. Berlim estava destruída. Corpos pelas ruas, ruínas... Cheguei na estação, mas o trem havia partido. Não haveria mais trens por causa dos bombardeios. O próximo trem seria pela manhã. Eu fiquei ali sentado esperando o próximo trem. Sentia um medo, uma coisa dentro de mim que dizia que algo não estava bem. Eu temia por ela. E pelo pequeno Mulder. Meu coração ficava descompassado e eu suava sentindo minhas mãos frias.

[Fade in]


[Fade out]

Strughold arruma as malas. Alguns homens bem vestidos o observam.

STRUGHOLD: - ... e Hiroshima? Minha nossa! Ainda bem que nos rendemos antes. Me esperem lá fora, tenho uma última coisa a fazer, senhores. Levem minhas malas para o carro sem chamar atenção dos demais oficiais. Não quero que saibam que a guerra acabou.

Strughold sai de seu quarto.

KLAUS (OFF): - O ‘Demônio do Reich’, como apelidei Strughold... A guerra havia acabado, mas não a sua sede de sangue. Então deu ordens para que dois dos Caveiras pegassem Yossef e o levasse pra vala. Ele ainda tinha alguém naquele campo que sabia da criatura. Sabia das experiências e com certeza, sabia demais. Que o mundo conhecesse a eugenia de Hitler e a mentira dos apenas 6 milhões de mortos no holocausto... Mas que não conhecesse o outro lado das experiências, para que a eugenia prosseguisse seu curso, na mão de governos paralelos, com vítimas aleatórias. Agora não seriam apenas os judeus, mas pessoas do mundo todo, testando todas as raças. Vírus de laboratórios, clonagem oculta, hibridação de genes animais, humanos e vegetais, armas químicas, alimentos alterados... E uma vasta lista que você sabe melhor do que eu...

Corte.


[Som: Beethoven – Moonlight Sonata]

Dois soldados arrastam Mulder até a vala. Tentam fazer ele ficar de pé. Mulder não reage. Cai de joelhos. Olhar parado. Como quem não se importa.

KLAUS (OFF): - Eles arrastaram Yossef até a vala comum. Porque Yossef não mais andava. Estava privado de alimentação e luz do sol fazia duas semanas. Não havia mais Yossef. Havia apenas um corpo. Um corpo que definhava. O que fiquei sabendo foi pela boca de um dos Caveiras, que foi preso comigo e que assistiu a execução de Yossef. Esse Caveira chorava dizendo que não acreditava que o pesadelo havia acabado. Ele me contava, emocionado, o que vira naquela madrugada, e disse que nunca ia esquecer disso por toda sua vida.

O Caveira olha para Mulder. Depois observa Strughold.

STRUGHOLD: - Você sabe demais judeu. Você e aquele Spender de quem eu já me livrei. Pra sua sorte, você não tem mais filhos. Aquela coisa que colocaram em você, ou aquela substância a que foram expostos, deve ser para causar uma alteração genética que, por subsequência, alterará o DNA dos seus rebentos. Eu não sei qual de vocês dois foi contaminado, mas por via das dúvidas, fiquei com o filho de Spender. Ele me servirá para as pesquisas futuras.

KLAUS (OFF): - Quando Strughold ia apertar o gatilho, Eva vinha correndo em direção a eles, aos gritos de ‘não matem meu marido, a guerra acabou’. Strughold então assimilou tudo. Puxou a pistola da cintura e atirou na cabeça de Yossef. Yossef caiu dentro da vala, mas ainda vivo. Eva olhava para o marido dentro da vala aos gritos desesperados. Mas Strughold mirou a arma nas costas dela como um covarde e apertou o gatilho.

Scully cai dento da vala. Strughold guarda a arma.

STRUGHOLD: - Tapem esse buraco. Não quero provas!

O oficial Caveira olha para a vala, apavorado.

CAVEIRA #5: - Ela era alemã!!!

Corta para dentro da vala. Sobre os cadáveres, Mulder deitado com a testa sangrando, olhos abertos, semimorto, movendo os lábios. Scully por sobre ele. Ela ainda leva sua mão até a dele, segurando-a. Posta seu queixo no ombro do marido. A terra vai cobrindo eles aos poucos, ainda vivos. Scully fecha os olhos.

SCULLY: - (MURMURA) Eu tive um filho seu. Os Mulder continuarão... Não me procure... Se houver outra vida... Eu te encontrarei.

[Fade in]


[Fade out]

Klaus correndo aproxima-se do campo. Os soldados americanos miram as armas nele. Klaus ergue os braços.

KLAUS (OFF): - Como eu disse, conheci esse Caveira na prisão. Quando cheguei em frente aos portões de Auschwitz, tive uma surpresa. Fui recebido violentamente por soldados americanos e russos, que me prenderam. Me chamavam de porco nazista. Entendi que a guerra acabara. E dei graças à Deus. Era o fim do holocausto. Eu vi os judeus sobreviventes, saindo daquele campo. Magros, esfarrapados, recebendo assistência da Cruz Vermelha. No olhar deles um brilho. Seus rostos acompanhavam a luz do sol como pequenos girassóis que estavam nascendo. Procurei com os olhos por Yossef e Eva. Mas não os vi. Nem vi Strughold. Ele havia fugido antes. Tentei me fazer entender que estava procurando por minha família que estava naquele campo. Mas os aliados não queriam conversa. Agora eu era um inimigo preso. Então no meio do caminho, esse Caveira me contou sobre Yossef e Eva.


Hospital Naval de Bethesda - Maryland - EUA - Época Atual

Close na mão bem enrugada, envelhecida e trêmula que segura a foto de Scully sorrindo, com o crachá do FBI.

KLAUS: - Quando fui solto, a primeira coisa que fiz foi tomar o menino e registrá-lo. Tive muito orgulho de pronunciar seu nome para o escrivão: Willian Mulder. Filho de Eva Hermann Mulder e Yossef Mulder. Dois anos depois, Bill Mulder, meu único sobrinho, foi tirado de mim. Então me lembrei do que o Caveira disse sobre o que Strughold falou antes de executar meu cunhado e minha irmã, e entendi quem havia roubado o único sobrevivente dos Mulder. O Demônio do Reich. Ele havia descoberto. Como fez com o filho do Spender. Apenas por interesse genético. Revirei o mundo atrás de Bill. Não havia um dia de minha vida em que eu não pensasse que ele estava crescendo, sem saber quem era. Pelo que você me disse, ele sentia-se abandonado pelos pais, sempre teve problemas com a bebida... Ah se Bill soubesse que ele era fruto de um amor tão intenso, mais forte do que tudo... Que ele nasceu da esperança. Que ele foi um milagre da vida.

Corta pra Mulder, sentado ao lado da cama, chorando. Mulder pega a foto de Scully e guarda no bolso. Olha para Klaus.

KLAUS: - (SORRI FELIZ) Me dê sua mão, meu neto.

Mulder levanta-se. Segura a mão de Klaus.

KLAUS: - Você tem mãos de Mulder. Grandes e delicadas. Abençoadas por Deus... Eu voltei a Auschwitz meses depois. Fui procurar por eles, tentar encontrar os corpos. Mas todos os dias as escavadeiras retiravam tantos corpos que não se podia fazer um reconhecimento preciso. Então caminhei pelo campo. Engraçado a vida... Eu não falei que Yossef comia sementes de girassol... Era fácil de esconder dos alemães e o nutria. Acho que quando ele morreu, deve ter levado sementes de girassol em seu bolso. Porque havia um pé de girassol no gramado verde. Como que marcando ali onde a vida tinha se esvaído...

Mulder morde os lábios, em lágrimas e retira do bolso algumas sementes de girassol. Coloca na mão de Klaus e a fecha. Klaus sorri.

MULDER: - Aprendi com Bill, o meu pai, a comer isto. Talvez ele soubesse dentro de si quem era.

KLAUS: - Sabe, Fox... Quando finalmente encontrei Bill, ele era apenas uma lápide no cemitério... Eles me afastaram da verdade, porque Strughold depois que fugiu com sua família da Alemanha, não deixou rastro. Procurei tanto tempo, junto com judeus que caçavam nazistas pelo mundo para puni-los por seus crimes... Quando pegaram Eichmann na Argentina, eu pensei que pegariam Strughold. Até que descobri atividades na África do Sul, feitas por um industrial alemão chamado Strughold. Mas não era o safado. Era o filho dele, Conrad...

MULDER: - Eu sei... Conrad cresceu com Spender e meu pai. Agora entendo porque o pai dele os criou. Não foi por amor com certeza. Eles eram o que restava dos contaminados com DNA extraterrestre.

KLAUS: - Sim, porque ele nunca soube qual dos dois tinha sofrido a mutação, se Yossef ou Spender... Fox... Guarde bem esse caderno. (SORRI CANSADO) Porque seu avô me pediu para dar isso a quem usasse pela verdade. Acho que um Mulder sabe bem o que fazer com isto.

MULDER: - (SORRI/ EMOCIONADO) Eu saberei sim.

KLAUS: - Meu filho... Acho que se eu vivi até agora foi por um bom motivo. Conhecer você, neto da minha irmã amada. Você se parece com Yossef... O mesmo narigão.

Mulder sorri em lágrimas.

KLAUS: - Filho, quero que saiba suas origens. O rabino Abraham Mulder veio para a Alemanha com Sarah, expulsos da Palestina. Não havia lugar para os judeus na época. Nenhum estado judaico. Seus bisavós se fixaram em terras perto do Rio Mulde antes de se mudarem para Berlim. Ali começaram a ganhar a vida como oleiros, usando o barro do rio. Como os judeus não tinham sobrenomes, precisaram criar um para terem documentos e cidadania. Seu bisavô Abraham contou-me que num final de tarde, sentado na beira do rio com sua amada Sarah, divagando sobre a vida nova que começavam, os dois tiveram a ideia: Mulder. "Aquele que veio do Mulde". Portanto saiba que você é um Mulder. Agora você sabe quem são os Mulder. Não tenha vergonha deles. Eram bons, trabalhadores, justos e distintos. Uma boa família, amorosa, que se reunia sempre, faziam festas e tinham muita fé em Deus... Das coisas que você falou para este velho, pelo menos eu posso contar uma verdade que nunca aqueles safados vão saber: Quem sofreu a mutação foi seu avô, Yossef Mulder. Pelo presente que Deus deu a ele. Se Spender sofreu mutação por contaminação, Yossef foi poupado, talvez o chip o protegeu. Quem sabe por que Deus fez isto? Mexer na genética dos Mulder? Deve ter seus motivos que não cabe a nós questionar apenas agradecer porque tudo o que Ele faz é para o bem maior. Portanto, se você não sabe quem é seu pai... Olhe pra você. Você perceberá seus traços distintos, com quem se parece. Mas principalmente olhe pra dentro de você. E veja em quem se reconhece. Nunca despreze seu Deus, ou seu criador... Lembre-se: ele cumpriu sua promessa. E hoje você está aqui por causa dessa promessa, podendo contar para este velho que a vida continuou para os Mulder e que você é também um sobrevivente. Abençoado seja você meu menino. Sua esposa e sua descendência. Você carrega um pedaço de mim, dos Hermann... Eu agora sou feliz porque vi o maior de todos os milagres. Deus me permitiu conhecer você e ver que é um homem de caráter e justo...

[Fade in]

MULDER: - Klaus??? (GRITA) Klaus!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

[Fade out]

A enfermeira coloca a mão na testa de Klaus. Fecha-lhe os olhos. Sai do quarto. Mulder olha para a mão velha e inerte que segura entre a sua. As lágrimas correm de seus olhos. Mulder afaga os cabelos brancos e ralinhos daquele homem que morreu com uma expressão de contentamento no rosto. Abaixa a cabeça sobre Klaus e chora.

Corte.


[Som: Dire Straits – Brothers in Arms]

Mulder sai do quarto, abatido, segurando o velho caderno de anotações de Yossef. Mulder observa o caderno e a letra. Sorri, é a sua letra.

MULDER (OFF): - Faz-se necessário a toda alma esquecer suas vidas passadas. Se me lembrasse dessas coisas, guardaria apenas ódio em mim. Hoje entendo porque ela veio parar na minha vida. Porque sua vida de repente a levou para aquele porão sem que ela entendesse. Porque foi ela quem me encontrou. Ela cumpriu sua promessa. Hoje entendo porque abomino a ciência e tenho horror a sangue. Traumas profundos na alma. Hoje entendo porque ela tenta se manter acima de mim, querendo provar que mulheres podem vencer, o mundo dos homens só trouxe horror a uma mulher... E entendo mais os girassóis e canelas... Entendo por que desde que a conheci eu tinha a certeza de que ela mudaria a minha vida, me tornaria alguém melhor... Posso respeitar e entender a imensidão desse amor. Ele ultrapassou vidas...

Mulder senta-se no banco, no corredor. Respira fundo. A enfermeira passa por ele.

ENFERMEIRA: - Senhor Mulder... Seu tio-avô deixou alguns pertences dele. Gostaria de levar?

MULDER: - Sim...

A enfermeira se afasta. Mulder volta a olhar para o caderno em suas mãos.

MULDER (OFF): - Vou enterrar Klaus ao lado de meu pai. Ele é da família, sei que gostaria disso. Klaus ficou vivo para me dizer essa verdade. Verdade essa que irá morrer com os meus. Nunca entendi tão bem o meu pai. Porque toda aquela raiva, porque descontava em nós, porque bebia... Era apenas falta de amor. E nunca tive tanta certeza de que ele é meu pai. Penso nas trocas de fichas com Samantha, na proteção do Fumacento, nas coisas que li sobre meu pai e que Garganta profunda me dizia... Nenhum deles sabe dessa verdade. E acredito que dentro de si, Bill Mulder, como um bom Mulder, foi mais esperto. Ele antecipou tudo isso, toda a confusão e sabia que não teria forças para me proteger. Mas sabia quem poderia fazer isso. Resta saber agora como ele conseguiu fazer com que o Fumacento pensasse que era meu pai. Mas não mais me importam essas mentiras. Agora eu sei a verdade. Nunca mais vou ter medo de dizer ‘eu sou um Mulder’. Eu agora sei quem eles eram. Agora sei que tive uma família. Meu avô veio do amor, meu pai veio do amor e... Mesmo eu tendo vindo de outra forma, meu pai me amava. Talvez o que ele queria falar comigo antes de morrer fosse sobre como fez todos pensarem que eu era filho do Fumacento. Mas não teve tempo. Krycek o matou antes... E eu vou seguir, vou amar meu filho, como amarei meus netos e como eles se amarão também. Se a guerra causou o infortúnio, eu sou o último Mulder do rio Mulde que resta para honrar o nome da família. E eu vou reconstituí-la ao que era. Aos tempos de risos, festas e felicidade. Afinal, Deus prometeu a Yossef que sua descendência continuaria. E eu acredito. Um anjo veio confirmar.

Mulder levanta-se.

MULDER: - Alex Krycek... Será que você sabe de onde veio? Acho que não.

A enfermeira se aproxima e entrega um casaco de lã para Mulder. E a caixinha de madeira envelhecida.

ENFERMEIRA: - Perguntei a ele o que havia nessa caixa, mas ele não me disse. Acho que por direito é sua.

Mulder toma o casaco e a caixa nas mãos. Senta-se no banco. A enfermeira se afasta. Mulder olha admirado para a caixa.

MULDER (OFF): - A caixinha misteriosa... O que será que Eva guardava aqui dentro que nunca se afastou disso?

Mulder abre a caixa. Põe as mãos nos lábios, derrubando lágrimas.


Residência dos Mulder – Virgínia

Margaret abre a porta. Mulder olha pra ela num sorriso, enquanto segura o casaco de lã de Klaus e a caixinha.

MARGARET: - Então, Fox?

MULDER: - Ele faleceu, Meg...

MARGARET: - Meus sentimentos, Fox...

MULDER: - Meg...

Mulder segura Meg pelo rosto. Meg olha pra ele sem jeito.

MULDER: - Sabe de uma coisa, Meg? Desde a primeira vez que nos vimos, por que ficamos tão ligados um ao outro?

MARGARET: - Como vou saber Fox? Encarnações passadas?

MULDER: - (SORRI) Deixa pra lá, Meg... Mas deixe de ser rebelde e evite falar coisas indecentes pra Scully no café da manhã, vovó.

Meg sorri sem entender nada. Fecha a porta. Vai pra cozinha. Scully desce as escadas. Mulder olha pra ela. Começa a encher os olhos de lágrimas.

SCULLY: - O encontrou?

MULDER: - Sim.

SCULLY: - O que é essa caixinha?

MULDER: - Sua.

SCULLY: - Minha? Como sabe que sempre quis ter uma caixinha de charutos envelhecida, desde criança?

MULDER: - Senta aqui, que tenho uma história de amor pra te contar.

SCULLY: - (SORRI/ EMPOLGADA) Você? Fox Mulder? Está com febre?

Scully e Mulder sentam-se no sofá. Mulder abre a caixinha. Retira um rosário de contas envelhecido. Scully olha pra ele incrédula. Mulder vai colocando tudo no colo dela. Retira uma partitura de Beethoven – Moonlight Sonata.

MULDER: - Isso é seu...

SCULLY: - Uma partitura de piano? Mulder, eu nem toco piano!

MULDER: - Quem sabe?

SCULLY: - Eu? Mulder, o que andou bebendo? Tá bom, eu adoro Beethoven, e sempre choro, não sei porque, quando escuto justamente essa canção. Como adivinhou?

Mulder retira o colar de pérolas.

MULDER: - Isso também é seu... Eu dei a você em nosso casamento. Era da minha mãe.

SCULLY: - ???

Mulder retira alguma coisa escondido e põe no bolso do paletó. Retira algumas fotos.

MULDER: - Conhece esse casal?

Scully pega a foto de Yossef e Eva. Observa incrédula.

MULDER: - (SORRI) Quem são? Sabe quem são?

SCULLY: - (EMPOLGADA) Como fez isso? Uma foto envelhecida...

MULDER: - Eu? Eu não fiz nada.

SCULLY: - Mulder eu... Mulder, quer me contar o que está havendo? Essa aí sou eu! E esse é você!

Mulder sorri. Pega as mãos dela.

MULDER: - Primeiro eu vou contar pra você porque você tem cheiro de canela. É uma teoria. Pode ter outras explicações, mas no momento é a única que conheço.

SCULLY: - (SORRI) Mulder...

Mulder começa a falar sério com ela. Scully começa a derrubar lágrimas.

Corte.


[Som: Beethoven – Moonlight Sonata]

Os dois parados em frente à lareira acesa. Mulder com os braços envolvendo Scully, ela envolvendo os braços na cintura dele. Os dois derrubam lágrimas, se embalando ao som da música, enquanto observam alguma coisa sobre a lareira. Mulder coloca a mão no bolso.

MULDER: - Tinha uma coisa naquela caixinha que eu não dei a você.

SCULLY: - E o que é?

Mulder retira o pedaço de pano bordado com a Estrela de Davi. A agulha ainda presa, já enferrujada pelo tempo. Scully põe a mão nos lábios, derrubando lágrimas.

MULDER: - Agora você pode terminar isso pra mim?

Scully se abraça com mais força nele. Pega o bordado. Mulder a beija na testa. Aspira o perfume dela. Os dois olham pra cima da lareira novamente, enquanto ficam se embalando abraçados.

SCULLY: - Se a sua teoria está certa... Quem eles seriam hoje?

MULDER: - Acho que um está voltando. Outros dois já estão conosco. Aquele ali não me engana. Ele está sentado numa sala do FBI...

SCULLY: - (SORRI) ...

MULDER: - Mas um deles ainda pode ser que venha.

Corta para a foto de Yossef e Eva, sentados, com os quatro filhos ao lado.

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18/10/2001

24 de Agosto de 2019 a las 17:41 0 Reporte Insertar Seguir historia
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Fin

Conoce al autor

Lara One As fanfics da L. One são escritas em forma de roteiro adaptado, em episódios e dispostas por temporadas, como uma série de verdade. Uma alternativa shipper à mitologia da série de televisão Arquivo X.

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