lara-one Lara One

Um andarilho. Dois agentes do FBI. Um destino traçado. Ou talvez mais nenhum, em menos de 24 horas.


Fanfiction Series/Doramas/Novelas Sólo para mayores de 18.

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S04#24 - DESTINY’S THIEF

(LADRÃO DE DESTINOS)



INTRODUÇÃO AO EPISÓDIO:

Estrada Secundária de Fort Green - Km 19 – 11:51 A.M.

[Som: Fake Plastic Trees – Radiohead]

Fade out.

Uma estrada sem fim.

Saul Watkins, um andarilho, que caminha com uma mochila nas costas, pelo acostamento da estrada. Loiro, cabelos espetados, rosto maltratado, dentes amarelados pelo cigarro, aparência de pouco mais de 40 anos. Usa calças jeans, camiseta branca, uma camisa xadrez aberta, botas de couro cano curto com detalhes em prata.

O sol é escaldante. O suor corre por seu rosto maltratado. Watkins vê a placa de um restaurante a alguns metros: 'Uncle Barney's.' Ele continua caminhando.

A mulher loira sai do restaurante, apressada, olhando para o relógio. Entra na velha picape Ford azul. Dá a partida e entra na estrada. Passa por Watkins.


Close em Watkins: Ele para. Vira-se. Olha pra ela.


Close da mulher: Imagem em preto e branco.


Watkins acompanha o carro com os olhos.

WATKINS (OFF): - Quilômetro 21. Um caminhão da Valentine's... Se pelo menos resolvesse não passar batom e desistir de se encontrar com seu amante casado. Ele não deixará a esposa. Ela dirige seus negócios em Washington, tem uma boa reputação e três filhos notáveis na universidade. Mas você ainda acredita e insiste no atalho da vida. Ele vai desistir de tudo que tem com você em poucos meses, quando souber que a filha está grávida e vai lhe dar um neto. Em menos de 20 anos este garoto será um brilhante advogado. E vai se encontrar um dia num evento sobre música erudita com a sua filha. Terão lindos bebês. Que agora, por não ouvir aquela voz que lhe disse para deixá-lo, você vai alterar os planos repentinamente e não vai vir a conhecer...

Corta para o carro. A mulher inclina-se para o lado, abrindo o porta luvas, enquanto dirige. Tira um batom. Não vê a placa na beira da estrada indicando o Km 21.

Um caminhão aproxima-se. Close na lateral: Valentine's

Ela, distraída, passa batom olhando-se no espelho retrovisor. O batom cai no chão, ela resmunga e inclina-se, o procurando debaixo do banco. Perde a direção.

Corta para Watkins, aproximando-se do restaurante.

[Som de explosão]

Watkins fecha os olhos. Vira-se para trás. A fumaça negra surge no céu.

Ele ajeita a mochila no ombro. Abaixa a cabeça e continua caminhando.

VINHETA DE ABERTURA: NEVER SAY NEVER


BLOCO 1:

Estrada Secundária de Fort Green - Km 21 – 12:16 P.M.

A camionete do necrotério parte. Um caminhão guincho arrasta o pouco que sobrou do carro da mulher. A polícia conversa com o caminhoneiro, que está nervoso. Mulder encostado em seu carro, de braços cruzados, pensativo. Aparência abatida, magro e pálido. Scully aproxima-se dele.

MULDER: - Então?

SCULLY: - Nada que eu pudesse fazer. Infelizmente, se tivéssemos passado por aqui há alguns minutos atrás, teríamos sido mais úteis. Ela teve morte instantânea. A polícia conseguiu retirar o corpo das ferragens. Parece que foi imprudência ao volante.

MULDER: - E o motorista?

SCULLY: - Está arrasado. Disse que quando viu, ela estava na frente do caminhão, não teve tempo para desviar.

Mulder olha pro chão. Vê um batom quebrado. Pega-o. Observa-o.

SCULLY: - (ERGUE AS SOBRANCELHAS) ... Mulder?

Mulder perde o olhar no vazio. Joga o batom no chão. Entra no carro. Scully também entra. Mulder dirige.

MULDER: - Que tal pararmos pra comer alguma coisa?

SCULLY: - Hum, está com fome? Isso é bom.

MULDER: - Pra dizer a verdade não. Foi um insight repentino. Nunca teve vontade de mudar os planos na última hora, Scully?

SCULLY: - Pra dizer a verdade não. E você não queria chegar cedo em Washington?

MULDER: - Que diferença faz se dermos uma paradinha?

SCULLY: - Tá certo. Adoraria um franguinho grelhado, arroz integral, batatinhas no vapor...

MULDER: - Argh! Chega de batatinhas no vapor.

Mulder passa pelo restaurante. Para. Dá marcha ré.

MULDER: - Que tal saborear a comida do Tio Barney?

SCULLY: - Hum... Será que Tio Barney sabe cozinhar?

MULDER: - Arriscamos?

SCULLY: - Meu instinto diz que não. Mas pra você não me acusar de nunca mudar meus planos repentinamente, eu aceito provar a comida do Tio Barney.


Restaurante Uncle Barney's – 12:34 P.M.

O lugar está vazio. Apenas a garçonete atrás do balcão, Mulder e Scully sentados à mesa, e Watkins, numa mesa ao fundo.

MULDER: - Acho que Tio Barney foi aprovado.

SCULLY: - Mulder, o que temos pra fazer hoje à tarde?

MULDER: - Nada. Só temos que estar às seis, tem reunião de orçamento com o 'Tio Skinner'.

SCULLY: - Odeio essas reuniões sobre orçamento. Vai mandar poupar lápis, folhas, viagens dispensáveis, telefone e se duvidar até papel higiênico.

MULDER: - Scully, a gente podia ter um imprevisto no caminho? Hum, que tal?

SCULLY: - Mulder, chega de mudar planos repentinamente.

MULDER: - Tá certo, Scully. Então a gente chega cedo, fica jogando dados e olhando um pra cara do outro enquanto aguarda o 'estupro auditivo inevitável'.

Um policial entra. Fala alguma coisa com a garçonete. Ela vai pra dentro. Logo em seguida, um senhor sai da cozinha, cabisbaixo. Mulder volta sua atenção pra eles.

POLICIAL: - Barney, eu sei que conselhos se fossem bons seriam cobrados. Mas vai pra casa. Não está em condições de trabalhar.

BARNEY: - (ENTRISTECIDO) Eu... Eu prefiro ficar aqui... Parece que não era pra ela sair, Jim. Ainda falei com ela, tentei dizer: Susie desista disso, o cara é casado... Mas ela nunca me dava ouvidos. Eu sabia que o pior estava pra acontecer... Ela era minha melhor funcionária, eu a tratava como filha...

POLICIAL: - Barney...

BARNEY: - Acordei hoje angustiado. Sabe quando parece que um anjo sopra algo no seu ouvido? Cheguei aqui e ela estava preparando um café. Acredita que a cafeteira estourou? Ela ficou enlouquecida! Olhava pro relógio e pra bagunça toda. Então limpou. Depois a mãe dela que nunca ligava, ligou. Ficou mais de 20 minutos no telefone, atrasando o serviço dela. Fora o fato de que o restaurante encheu, coisa incomum, e eu só tinha duas garçonetes, porque Mary Ann ficou doente repentinamente ontem. Susie brigou comigo dizendo que parecia que tudo estava contra ela. Então tirou o avental e deixou os clientes aqui. Estava atrasada... Sabe, Jim? Acho que o destino manda avisos pra gente. Mas a gente não os escuta.

Scully percebe que Mulder está prestando atenção no assunto. Olha pra ele.

SCULLY: - Mulder?

MULDER: - Ela era garçonete daqui. A mulher que morreu no acidente.

Mulder dá um sorriso.

MULDER: - Destino... Como as pessoas são supersticiosas, não acha? Quer dizer que se eu acordar, atrasado pro trabalho, sujar a roupa de café, tropeçar nos móveis, isto tudo é um aviso que eu não deveria sair de casa?

SCULLY: - ...

Mulder olha pra ela.

MULDER: - (SORRI) Você??? Scully, você acreditando em superstições?

SCULLY: - E-eu... Eu não deixaria de sair de casa, Mulder. Mas tem certas coisas que você... Eu... Não chamaria de superstição. É um feeling diferente, um aviso divino... Ah, deixa pra lá.

MULDER: - O que está acontecendo com você, Scully? Onde está sua racionalidade?

O policial sai do restaurante. Barney volta pra cozinha.

SCULLY: - ... Mulder, não se brinca com o destino, ok?

MULDER: - (DEBOCHADO) Algum prova científica disso?

SCULLY: - Tive vários homens em minha vida e terminei com você. Fui optar justamente pelo FBI. Se não tivesse optado? Estaríamos hoje aqui?

MULDER: - Ora, Scully...

SCULLY: - Não sei, Mulder. Não posso dizer nada, mas eu... Eu chamaria isso de plano divino. E acho realmente que ele está traçado. Pode rir. Mas eu penso assim. Acho que temos um destino. Não um destino fechado porque temos livre-arbítrio para mudar os caminhos. Existem caminhos, atalhos... E um plano maior que desconhecemos.

MULDER: - Você quer dizer que temos um destino aberto? Algo que no fim vai dar no mesmo ponto final, contudo você pode escolher o meio da jornada?

SCULLY: - É. Mais ou menos isso.

Watkins levanta-se. Passa por eles. Olha pra Scully. Scully olha pra ele. Watkins aproxima-se do balcão e conversa com a garçonete. Scully olha pra Mulder, erguendo as sobrancelhas. Mulder olha debochado pra ela.

MULDER: - Isso é o que dá sair com uma ruiva como você por aí. Os tarados ficam olhando descaradamente. Pode olhar, palhaço. Você olha, mas eu levo pra casa.

Scully não disfarça um sorriso egocêntrico. Mulder escora os cotovelos na mesa e olha pra ela.

MULDER: - Gostosa.

SCULLY: - (CORANDO) Para, Mulder!

Mulder sorri. Watkins passa por eles e olha pra Scully novamente. Scully fica ruborizada. Mulder coloca a mão na frente dos lábios, escondendo o riso. Watkins chega até a porta. Para. Vira-se pra Scully. Vem em sua direção. Scully ergue as sobrancelhas, constrangida.

SCULLY: - (COCHICHA) Mulder, eu não acredito! Ele tá vindo pra cá.

Watkins aproxima-se da mesa. Olha pra Mulder. Mulder olha pra ele. Watkins olha pra Scully. Scully olha pra ele, e desvia o olhar.

WATKINS: - Por que não altera o destino das coisas?

SCULLY: - ???

Watkins espera a resposta. Scully olha pra ele.

SCULLY: - Desculpe, senhor, mas não sei do que está falando.

WATKINS: - Sabe sim.

Mulder olha pra ele, intrigado. Olha pra Scully. Scully abaixa a cabeça.

WATKINS: - Tudo bem, não precisa me dizer. No fundo você sabe, mas não acredita. Prefere aceitar tudo em nome da sua resignação.

Watkins afasta-se deles. Mulder olha pra Scully.

MULDER: - Sabe aquela coisa de jogar dados? Acho que encontramos algo mais interessante pra fazer.

SCULLY: - Não. Mulder, você...

MULDER: - Só vamos falar com o cara, Scully.

SCULLY: - Mulder, ele não é um Arquivo X.

MULDER: - Então me conte, Scully, quantas vezes alguém completamente desconhecido te abordou num restaurante e perguntou sobre alterar seu destino? Justamente quando falávamos de destino!

SCULLY: - Uma cantada barata? Talvez ache que eu deva deixar você e ficar com ele, isto seria alterar meu destino.

Mulder levanta-se. Olha pra ela. Coloca o dinheiro sobre a mesa.

MULDER: - (DEBOCHADO) Medrosa!

Scully suspira.


Corta para o lado de fora. Watkins está parado, acendendo um cigarro. Mulder aproxima-se, com as mãos nos bolsos.

MULDER: - Um bonito dia, não é?

Watkins dá uma tragada e o encara. Mulder tenta disfarçar, mas doido pra perguntar alguma coisa.

WATKINS: - É... (DESCONFIADO) Um bonito dia.

Mulder o analisa, discretamente. Vê a mochila em seu ombro.

MULDER: - Tá indo pra onde?

WATKINS: - Pra algum lugar.

MULDER: - Estou indo pra Washington. Quer uma carona?

WATKINS: - Costuma oferecer carona a desconhecidos ou você é gay?

MULDER: - (SORRI) Digamos que eu confie em você.

WATKINS: - (RI) Confia em mim?

Scully sai do restaurante. Fica à distância. Tensa.

MULDER: - Você me parece ser um bom sujeito.

WATKINS: - E você um mentiroso, FBI.

MULDER: - Como sabe que sou do FBI?

WATKINS: - Você tem cheiro de federal, meu amigo. Terno de federal, pose de federal e uma automática escondida debaixo do paletó. Não seria idiota de dar carona pra um desconhecido se não fosse policial e estivesse armado.

MULDER: - Tá fugindo de alguém?

WATKINS: - Estou fugindo, mas é problema meu. Ou vai me prender por isso?

MULDER: - Não tenho intenção de prendê-lo. Está fugindo de quem?

WATKINS: - Do meu destino. E isso não é crime.

Watkins sai caminhando. Mulder vai atrás dele.

MULDER: - Espera aí, eu só quero conversar.

WATKINS: - Não tenho nada pra conversar com você.

MULDER: - E com a minha parceira?

Watkins para. Olha pra Scully ao longe, ao lado do carro. Olha pra Mulder.

WATKINS: - O que querem de mim?

MULDER: - Uma boa divagação sobre o destino.

WATKINS: - Pergunte à sua esposa que finge ser apenas sua parceira. Pergunte quantas vezes, por causa da sua irracionalidade e pressa, antecipou coisas erradas e tomou o rumo errado, jogando você nesse Karma que parece não ter fim. Esqueça seu filho. Ele foi uma alteração de planos. Um recurso de emergência do destino. Atalho da vida.

MULDER: - (PASMO) ...

WATKINS: - Deixe de ser um cego prepotente e aprenda que há um destino. Ou você nunca teria passado por aqui. Ou nunca a teria conhecido. Muito menos continuaria como um insano procurando respostas, se nem mesmo sabe as perguntas, e nem o porquê da sua necessidade de fazer isso. Está morrendo. Esta é a sua única verdade.

Watkins continua caminhando. Mulder, mais curioso, o segue.

WATKINS: - (IRRITADO) Não vai me deixar em paz?

MULDER: - Não.

Watkins para.

WATKINS: - Fico em Virgínia.

MULDER: - Tudo bem. Temos muita estrada pela frente.


2:13 P.M.

[Som: Fake Plastic Trees - Radiohead]

Mulder abastece o carro, enquanto balança o corpo de um lado pra outro, acompanhando a melodia triste da canção. Scully abaixa o som e desce do carro.

SCULLY: - Mulder, você está maluco? Como pôde dar carona pra um sujeito que nem conhecemos? Ele é um andarilho, não sabemos quem é, de onde vem, talvez seja procurado pela polícia! Pode ser um serial killer, um ladrão de bancos, um maníaco...

MULDER: - Scully, relaxa, tá legal? O cara é gente fina.

Watkins sai do banheiro. Caminha até o carro. Passa por Scully. Larga um olhar atravessado pra ela.

WATKINS: - Não sou um ladrão nem um assassino. Tenho menos erros na minha vida do que você. Mas acho que não gostaria de admiti-los na frente dele, já que ele não sabe um terço das besteiras que você já fez na vida. Você o acusa de ser irresponsável e egoísta, mas no fundo o inveja, porque ele faz besteiras em nome do seu altruísmo e compaixão pelas pessoas. Enquanto você, fazia besteiras em nome de si mesma.

Mulder olha pra Scully. Ela desvia o olhar, entrando no carro, séria. Watkins entra no carro. Mulder fica intrigado.


BLOCO 2:

2:34 P.M.

Mulder dirige o carro em silêncio. Sério. Scully olha a paisagem pela janela. Watkins, sério, com a mochila sobre o colo. Mulder para num cruzamento.

WATKINS: - Você sabe que deveria ir pra direita, mas seu senso de mudança e inconformismo o fará guiar pra esquerda. Está escrito que o fará. Volte pra direita e altere tudo.

Mulder dobra pra direita. Scully olha pra ele.

SCULLY: - Mulder, é o caminho mais longo!

Mulder olha pelo retrovisor. Watkins o observa.

WATKINS: - Sempre prudente, a raposa sabe que o caminho mais longo leva ao destino. Demora, mas sabe que é o caminho mais correto e certeiro. Você não tem pressa. Aprendeu que passos seguros são decisivos. Atalhos levam a erros desastrosos e algumas vezes fatais. Mas ela pensa que tomar atalhos trarão a felicidade mais rápido.

Scully vira-se pra ele.

SCULLY: - Eu não sei quem é você, e eu não gosto de você. O que está tentando fazer? Confundi-lo?

WATKINS: - Tem medo de mim?

SCULLY: - (NERVOSA) Mulder, eu vou sair desse carro!

Mulder continua sério.

SCULLY: - (NERVOSA/ GRITA) Mulder, para esse carro!

Mulder continua dirigindo. Watkins olha pra Scully.

WATKINS: - Ele sempre impôs o seu caminho a você. Sabe que isso tem um motivo.

SCULLY: - Que motivo teria?

WATKINS: - Porque o seu caminho é atalho, e é errado. Ele pensa que você é um presente dos céus na vida dele. Mas está enganado. Ele é o presente. O presente que caiu em sua vida. Ou hoje, você estaria em outra situação, sofrendo muito mais, pela sua falta de paciência... Caída na desgraça da falta de esperança e fé. Sozinha, na miséria, com um filho bastardo e encrenqueiro, filho de um caso seu com um cara mais velho e casado. Que por sinal, não te mandaria um tostão furado e só apareceria quando tivesse vontade de se divertir. Ele faria você deixar seu emprego e te encheria de promessas. Mas nunca te assumiria. Você acabaria sem exercer sua carreira e lecionando biologia numa escola de um povoado, bem longe da sua família, com vergonha do que escolheu para si.

SCULLY: - Eu não acredito em você!

WATKINS: - Acredita. Por isso tem medo de mim. Não quer ouvir o que tenho pra dizer. Mas saiba que estava escrito que hoje eu estaria com vocês aqui. Isto foi uma alteração de destino.

Mulder parece hipnotizado. Scully olha pra Watkins.

SCULLY: - O que fez com ele?

WATKINS: - Nada. Ele queria conversar. Mas na verdade, você é quem precisa de uma boa conversa primeiro.

SCULLY: - Quem ou o quê é você?

WATKINS: - Saul Watkins. Nascido em Melbourne, na Austrália, de família pobre e tentando fugir do meu destino.

SCULLY: - ...

WATKINS: - Já tomei atalhos, Scully. E na maioria das vezes, os atalhos são errados. Corro como desesperado. Mas percebo que a morte veio me buscar e ela veio sob a forma de dois agentes do FBI.

SCULLY: - O que está dizendo? Mulder, pelo amor de Deus, acorda!

WATKINS: - Deixe-o. Não há com o que se preocupar.

SCULLY: - (NERVOSA) Mulder!!!

WATKINS: - Sou um ladrão, Scully.

Scully olha pra ele, assustada.

WATKINS: - Um ladrão de destinos. Altero o meu destino roubando o destino dos outros. E acabo de roubar o de vocês.

Mulder liga o rádio. Scully olha pra ele.

SCULLY: - Ouviu o que esse sujeito falou?

MULDER: - Ouvi. Concordo com ele.

SCULLY: - ???

MULDER: - Foi melhor ter virado para a direita mesmo.

Scully olha pra Watkins, incrédula. Ele lhe sorri.


3:27 P.M.

Mulder sai da estrada e entra numa estrada secundária de terra. Scully olha pra ele.

SCULLY: - Mulder, o que está fazendo?

MULDER: - ...

SCULLY: - Mulder?

Mulder entra num campo. Para o carro. Scully olha pra ele.

SCULLY: - Mulder, está me ouvindo?

MULDER: - ...

Scully desce do carro. Puxa a arma. Abre a porta traseira do veículo. Mira a arma em Watkins.

SCULLY: - (GRITA/ NERVOSA) Sai daí! Coloque suas mãos pra cima e desça do carro!!!

Watkins desce do carro calmamente. Ergue as mãos. Scully olha pra mochila.

SCULLY: - O que carrega ali dentro?

WATKINS: - Uma navalha? Uma machadinha? Talvez cordas e mordaças, Scully.

Scully pega a mochila, enquanto mira a arma nele. Mulder continua em transe. Ela despeja o conteúdo da mochila no chão. Roupas, alguns dólares e um livro velho, de capa de tecido, já rasgado. Scully agacha-se e pega o livro.

WATKINS: - (ASSUSTADO) Não toque nisso!

SCULLY: - O que tem aqui?

WATKINS: - Se abrir isso vai alterar seu destino.

SCULLY: - E isso será ruim? Você não disse que o roubou?

WATKINS: - Não abra esse livro. Ele não é pra você.

SCULLY: - O que há aqui?

WATKINS: - Se abrir esse livro, agente Scully, você verá seu nome. Qualquer um que abra esse livro verá seu destino traçado. E quando sabe seu destino, tenta fugir dele. E quando tenta, carregará a cruz de saber todos os destinos a sua volta. Não pode saber seu futuro. Ou o alterará mesmo que não queria. E pedirá por nunca ter aberto esse livro.

SCULLY: - Foi o que aconteceu com você?

WATKINS: - ...

Scully olha pro livro. Watkins fecha os olhos. Scully solta o livro no chão. Abaixa a arma. Watkins olha pra ela.

SCULLY: - Como sabe que meu destino não era abrir esse livro? Eu poderia tê-lo aberto.

WATKINS: - E o abriria. Eu não disse que roubei seu destino? Por que a palavra roubar significa algo ruim, agente Scully?

Scully amolece as pernas, sem acreditar no que está acontecendo.


4:21 P.M.

Scully toma o pulso de Mulder. Ele está sentado no banco do motorista, num estado de transe. Scully solta o pulso dele. Caminha até Watkins. Ele está sentado na relva, olhando pro lago em frente.

SCULLY: - O que fez com ele?

WATKINS: - Está dormindo.

SCULLY: - O que quer comigo?

WATKINS: - Já começou a vê-lo em preto e branco também?

SCULLY: - ... Droga! (SEGURA AS LÁGRIMAS) Quem é você?

WATKINS: - Por isso anda nervosa nos últimos tempos. Olhar pra ele lhe dá medo. Tem medo de que a qualquer instante veja o que não quer. Começa com o pressentimento, depois você começa a ter a visão em preto e branco da pessoa e então sabe que a morte virá pra ela.

Scully puxa a arma e mira nele.

SCULLY: - Cale sua boca! Foi um maldito caso do FBI que me presenteou com a imortalidade! Eu não pedi por isso. Eu tinha medo de morrer! Aquele fotógrafo desgraçado passou isso pra mim e...

WATKINS: - Egoísmo, Scully. Você se livrou da sua morte, contudo a morte ainda rodeia você levando os que lhe são caros, como um deboche da sua cara. Você atiraria em mim?

SCULLY: - Se preciso for! Para! (CHORANDO) Para que eu não quero ouvir mais nada!

WATKINS: - Pode atirar. Sabe que eu não morreria. Eu não posso morrer assim como você. Somos amaldiçoados. Vemos a morte dos outros e não podemos morrer.

SCULLY: - ...

WATKINS: - Somos o que as pessoas chamam de 'imortais'. O único lado bom disso é que vamos ter 500 anos e a mesma aparência física do momento em que enganamos a morte. Eu, por exemplo, completarei 227 anos no próximo mês.

Scully guarda a arma. Senta-se na relva. Abaixa a cabeça. Está completamente perturbada. Watkins coloca um capim na boca e olha pra ela.

WATKINS: - Como se sente sabendo a verdade?

Scully olha pra ele, derrubando lágrimas.

WATKINS: - É... No início eu até gostei da ideia. Vi que alguém tinha um dom interessante e roubei seu destino. Era mais fácil ter um destino imortal do que ficar roubando o destino das pessoas por aí, quando eu percebia que estava morrendo.

SCULLY: - ...

WATKINS: - Então achei que, mesmo sabendo o destino das pessoas, eu não precisaria mais deles para continuar vivo. Afinal, todo destino acaba em morte. E quem quer morrer? Eu não poderia mais morrer.

SCULLY: - ...

WATKINS: - Mas... Há duas semanas atrás eu abri o livro e acabei percebendo que deveria voltar a roubar destinos... Afinal, eu caí em desgraça por ter aberto aquele livro.

Ela olha pra ele.

SCULLY: - Rouba-os por vingança?

WATKINS: - Não. Pra alterar meu destino. Tento alterar meu destino roubando o dos outros.

SCULLY: - E acha que consegue?

WATKINS: - Dessa vez serei vitorioso. Está escrito.

SCULLY: - ... Se eu olhar pra morte de outro quem morrerá sou eu?

WATKINS: -Sim. Já teve a chance e desistiu por medo?

Ela olha pro carro, derrubando lágrimas. Olha pra Watkins.

SCULLY: - Não, mas eu terei a chance e não desistirei.

Watkins ri.

WATKINS: - (RINDO) Sério? Iria no lugar dele?

SCULLY: - Sem pensar duas vezes.

WATKINS: - É o que vai fazer? É o que planeja fazer? (RI) Ele desconfia disso e não seguirá seu conselho. Frustrará seus planos. Você não vai nunca olhar pra morte, mesmo que se desespere. Ele não tem medo de morrer, ele vai encarar. Apenas sofre por saber que você irá sofrer.

SCULLY: - Como sabe disso?

WATKINS: - Eu sei. Eu sinto. Não posso explicar. O que sei foi por experiência própria. Nada que a vida não ensine a nós, não concorda?

SCULLY: - ...

WATKINS: - Vocês teriam um destino bonito...

SCULLY: - Por que nós?

WATKINS: - Porque vocês têm uma coisa que eu quero. Por causa dos atalhos que tomou na vida, você me chamou. Agora, está escrito.

SCULLY: - Quer dizer que o destino se altera conforme os caminhos?

WATKINS: - ... Você quer saber demais.

SCULLY: - Se eu abrir aquele livro, o que leria?

WATKINS: - Com certeza leria algo diferente do que está escrito agora. Porque teria aberto o livro.

Ele sorri. Levanta-se e caminha pra perto da lagoa. Scully abaixa a cabeça e continua a chorar. Ele retira um maço de cigarros do bolso da camisa. Acende outro, com a indiferença estampada nos olhos.


4:57 P.M.

Scully, sentada no banco do carro, observa Mulder dormindo. Afasta a franja da testa dele. Olha pra Watkins que está escorado no carro, olhando pra longe. Scully desce.

SCULLY: - Ok, não pegou o que queria? Nos deixe em paz agora!

WATKINS: - ...

SCULLY: - Traga-o de volta!

WATKINS: - Ele precisa dormir.

SCULLY: - Ele precisa dormir na casa dele, não no banco de um carro!

Watkins vira-se e olha pra ela.

WATKINS: - Acha que roubar destinos é assim tão fácil?

SCULLY: - Eu não acredito que possa fazer isso.

WATKINS: - Vai acreditar, em breve. Quando vir que todas as coisas que aconteceriam não se tornarão realidades. Coisas que você viu. Coisas que você sabe. Ou não crê em sonhos?

SCULLY: - ... Odeio você.

WATKINS: - Pode vir a me amar um dia. Nunca diga nunca.

Scully sente-se acuada.

SCULLY: - Se pudesse, mataria você.

WATKINS: - Se pudesse...

SCULLY: - ...

WATKINS: - Encare as coisas, você sabe que eu não morro e seu parceiro está desacordado. Portanto entende que não há outra saída, senão esperar que o destino de vocês caia nas minhas mãos.

SCULLY: - ...

WATKINS: - Tenha paciência. Até o raiar do sol estarão livres de mim, cumprindo seu caminho.

Scully senta-se no chão, encostada no pneu do carro. Chora. Ergue a cabeça ao ver as pernas dele. Olha-o com raiva, sentindo-se impotente.

WATKINS: - Percebe que não somos nada diante da força inevitável da natureza?

SCULLY: - ...

WATKINS: - E você se acha tão forte e tão destemida. A dona da razão. Da verdade.

SCULLY: - ...

WATKINS: - Vamos embora. Está anoitecendo e precisamos dormir. Vamos pra um motel.

SCULLY: - Não. Você vai pra um motel. Eu e Mulder vamos pra Washington.

WATKINS: - Não irão. Vão pra um motel.

SCULLY: - (RINDO) Não previu isso, senhor ladrão de destinos? Uma coisa tão óbvia quanto essa: Odeio você e assim que Mulder acordar, voltaremos pra Washington. Chegaremos atrasados a uma reunião. Mas precisamos estar lá. E ele não vai faltar. Mulder tem compromissos e não costuma fugir deles. Não vai ficar aqui nunca!

WATKINS: - Nunca diga nunca, Scully.

Watkins entra no carro. Mulder ergue a cabeça.

MULDER: - Onde estamos?

WATKINS: - Você parou pra descansar e cochilou.

MULDER: - Sério?

WATKINS: - Não se lembra?

Mulder olha pro lado. Vê Scully parada, olhando pro lago.

MULDER: - O que houve com ela?

WATKINS: - Não sei.

Mulder desce do carro. Caminha até Scully.

MULDER: - Scully...

SCULLY: - Mulder? Oh, meu Deus, achei que não acordaria!

MULDER: - Por quê?

SCULLY: - Mulder, precisamos nos livrar daquele homem! Ele hipnotiza você e você não percebe?

MULDER: - (SORRI) Scully... Eu sei que está preocupada comigo. Mas não precisa inventar isso pra esconder a verdade de que meu cérebro não mais me obedece. Melhor você dirigir.

SCULLY: - Não vou dirigir! Mulder, não é isso... Precisa me escutar, ele me disse que é um ladrão de destinos e que quer roubar o nosso. Ele sabe coisas a nosso respeito que ninguém poderia saber a não ser nós mesmos e...

MULDER: - Ora, Scully, de onde tirou isso? Tá, vem, vamos pra Washington.

Os dois entram no carro. Tomam a estrada.

SCULLY: - Pra onde vamos, Mulder?

MULDER: - Pra Washington.

Scully olha pra Watkins, num ar de deboche. Watkins olha pra ela sem esboçar reação alguma.

SCULLY: - Liguei pro Skinner. Disse que talvez nos atrasaríamos por alguns minutos.

Mulder observa Watkins pelo espelho. Desconfiado.

MULDER: - Gostando da viagem?

WATKINS: - ... É o que eu esperava.

MULDER: - Não vai explanar nada sobre destino?

WATKINS: - Teremos tempo pra falar sobre isso depois do jantar.

MULDER: - Acho que não. Tenho uma reunião no FBI. Como estou atrasado, deixo você em Washington.

Scully sorri. Watkins olha pela janela.

WATKINS: - Estão com os cintos?

MULDER: - Por quê?

WATKINS: - ...

Mulder olha pra ele. Olha pra Scully. Olha pra estrada deserta.

MULDER: - O que quis dizer com 'estão com os cintos'?

WATKINS: - Nada.

MULDER: - (RI) Olha, Watkins, acho que você está delirando. O que bateria na gente? Um carro fantasma? Não há nada nessa estrada a não ser nós! Isso é uma rodovia muito pouco usada!

Watkins olha pela janela. Afivela o cinto.

MULDER: - Scully me disse que você está interessado em nosso destino. Como rouba o destino das pessoas?

WATKINS: - Entro no destino delas.

MULDER: - Então roubou o nosso?

WATKINS: - Ainda não.

Mulder continua sorrindo debochado. Sua fisionomia vai mudando aos poucos, enquanto olha pra frente.

MULDER: - Ah, meu Deus que mer...

Mulder freia bruscamente o carro, que gira duas vezes. Mulder consegue tirar o carro da estrada, batendo contra uma árvore, evitando que o aeroplano que vinha em sua direção, batesse neles. Mulder desce do carro nervoso. Olha pro aeroplano que consegue pousar na pista. Mulder corre até o piloto, que desce assustado.

PILOTO: - Meu Deus, amigo! Estão bem?

MULDER: - Mas que diabos...

PILOTO: - Vazamento de combustível. Optei por descer aqui por ser uma rodovia deserta. Vocês estão bem?

Mulder olha assustado pro carro, procurando Watkins com os olhos.

PILOTO: - Não entendo... O avião é novo!

Corta pro carro. Scully está em estado de choque. Olha pro cinto de segurança, catatônica. Olha pra árvore que amassou todo o carro. Watkins olha pra ela.

WATKINS: - Nunca diga nunca, Scully.


BLOCO 3:

Motel Blue Place – 6:21 P.M.

Mulder, Scully e Watkins entram na recepção. Mulder pede três quartos. A recepcionista sai pra pegar as chaves. Watkins olha pra Mulder.

WATKINS: - Só pra constar ao FBI que dormem separados?

MULDER: - (INCRÉDULO E INDIGNADO) Se pode tanto adivinhar o futuro das pessoas, pode me dizer qual é o número das chaves que ela foi buscar?

Scully olha pra Mulder.

WATKINS: - Não apostaria nisso se fosse você.

MULDER: - Pois eu aposto que não pode. Você deve ter visto o avião. Por isso nos avisou!

WATKINS: - Quer apostar?

MULDER: - 10 dólares como você não sabe quais são os números das chaves.

WATKINS: - Já ganhei mais dinheiro do que isso. Mas tudo bem. As chaves são 11, 12 e 14.

MULDER: - Há há há! 14? Por que ela não daria as chaves em sequência? Ou um motelzinho como esse estaria justamente com um quarto ocupado entre tantos vazios?

WATKINS: - Porque o 13 está com problemas no encanamento do banheiro.

Scully os observa, meio assustada. A recepcionista entra, largando as chaves sobre o balcão. Mulder olha pros números. Arregala os olhos. Scully abaixa a cabeça, num suspiro.

Close das chaves: 11, 12 e 14.

Scully abre a carteira e sai com Watkins pra rua. Mulder olha pra recepcionista.

MULDER: - Prefiro o quarto 13.

RECEPCIONISTA: - Sinto, senhor, mas está com problemas no encanamento do banheiro.

Mulder vira-se pra trás, incrédulo, olhando pra Watkins.


6:37 P.M.

No quarto, Mulder fala ao celular, enquanto Scully olha pela janela, completamente perturbada.

MULDER: - ... Eu sei, Skinner. Mas acha que eu inventaria uma desculpa de que quase fui atropelado por um avião? ... Não, o piloto chamou um guincho e o carro está na oficina. Aproveita a reunião e informa pra esses idiotas que o velho método de alugar carros funcionava melhor do que usar carros do Bureau. E eu poderia estar aí...

Scully senta-se. Fecha os olhos. Mulder desliga. Atira o celular sobre a cama. Deita-se, olhando pro teto, pensativo.

SCULLY: - ... Mulder...

MULDER: - ...

SCULLY: - Admita. Quantas chances de um aeroplano cair sobre você existem?

MULDER: - ... Vou dar uma de racional agora, ok?

Ela ergue as sobrancelhas. Ele senta-se na cama.

MULDER: - Já que os papéis se inverteram hoje. Preparada?

SCULLY: - Manda.

MULDER: - Há uma explicação bem racional para o que aconteceu.

SCULLY: - (DEBOCHADA) Estou esperando.

MULDER: - Eu aplicaria isto ao Estudo de Controle. Digamos que um amigo seu afirma que qualquer um pode criar a sua sorte e fazer coisas acontecerem usando apenas o poder da vontade. Ele diz que não existem coincidências e que cada um cria a sua realidade. No inicio, você repele a ideia e é atraída por ela. A ideia de ser capaz de fazer o mundo conformar-se aos seus desejos é muito atraente. Por outro lado, já vive neste mundo há tempo suficiente para saber que não é bem assim. A sua experiência parece contradizer as afirmações. Boa sorte e má sorte parecem cair indiscriminadamente sobre as pessoas. Coisas boas e coisas más acontecem de igual modo a pessoas boas e pessoas más. Mas sabe que as pessoas dizem que fulano tem "sorte", enquanto outros têm "azar". Talvez não seja o destino ou o acaso que fazem as pessoas sortudas ou azaradas.

SCULLY: - ...

MULDER: - A experiência também lhe diz que coincidências acontecem a toda a hora. Vá ao dicionário e veja que coincidência é "uma seqüência de acontecimentos que embora acidentais parecem terem sido planejados ou combinados." Você se pergunta: e se as coincidências são realmente sequências que embora pareçam acidentais são realmente planejadas?

SCULLY: - ...

MULDER: - Finalmente, considera a afirmação de que uma pessoa pode controlar acontecimentos exteriores por um ato interno de vontade. Você sabe por experiência que é falso. Tentou mover lápis com a mente, ganhar a lotaria desejando com força escolher os números que iam saindo. Nada funcionou. Ouve falar de pessoas que se juntam para terminar guerras e fomes desejando-o, mas as guerras continuam e a fome no mundo continua. Portanto, parte de si acha que o seu amigo está iludido. Contudo, outra parte diz-lhe que pode haver algo de verdade na história. Uma coisa a favor do seu amigo, você pensa, é que ele não referiu forças divinas ou paranormais.

SCULLY: - ...

MULDER: - Digamos que você queira se livrar das suas sardas. Há inúmeros remédios nas prateleiras da sua farmácia. Um, o Creme X, promete livrá-la das sardas em sete dias ou devolvem-lhe o dinheiro. Você compra-o, usa-o e as sardas desaparecem em sete dias. Foi o Creme X a causa delas desaparecerem? Podiam ter desaparecido mesmo se não fizesse qualquer tratamento à sua pele. Para ter a certeza de que o Creme X é efetivo, precisa fazer um Estudo de Controle.

SCULLY: - Sim.

MULDER: - Digamos que tem seis sardas em cada lado da face. São similares. Você usa o Creme X num lado e nada no outro lado, que será seu grupo de controle. Se o Creme X é um fator causal significativo para a erradicação das sardas, então deve notar diferenças significativas no fim da sua experiência. Se, após uma semana, ambos os lados parecem iguais, então é de afirmar que o Creme X não é um fator causal significativo. Se, contudo, o lado do Creme X está limpo enquanto o outro continua com sardas, podemos afirmar que o Creme X funciona?

SCULLY: - Bem...

MULDER: - É possível que tenha favorecido o lado do Creme X e a sua percepção tenha sido afetada pelo seu desejo de que o produto funcione.

SCULLY: - Então, em suma, quer dizer que estamos acreditando nos dons dele e por isso os fatos estão acontecendo?

MULDER: - Exatamente.

SCULLY: - E onde entra a visão remota, filosofia kabalariana, karma, deja-vu... E o 'somos apenas peões kármicos dançando com o destino'?

MULDER: - Scully, dos outros eu até espero isso. Mas de você? Pensei que me conhecesse, sabia? Ao contrário do que os outros pensam, eu não sou um crédulo. Eu quero acreditar. E querer acreditar significar tentar todas as possibilidades pra realmente saber se aquilo é verdade ou não. É ir atrás e verificar os fatos.

SCULLY: - ...

MULDER: - O que estou tentando sugerir à você: façamos um estudo de controle. Portanto, você será o lado do Creme X dessa vez e eu o lado com Creme Nenhum. O que significa que se o destino é nosso e um de nós não acreditar nele, ele não vai conseguir roubar o nosso destino. Porque eu não acredito nisso. Não sofro a influência dele. Portanto, se há um destino pra nós, ele não o tomará.

SCULLY: - Então estaríamos invertendo nossos papéis, sem que ele saiba.

MULDER: - Exatamente. E se souber, realmente teremos a prova de que ele faz o que afirma fazer.

SCULLY: - Tá bom, Mulder.

Mulder levanta-se. Abre a porta.

SCULLY: - Aonde vai?

MULDER: - Desafiar o Mr. M dos destinos.

Mulder sai. Scully fica olhando pra porta.

SCULLY: - Não me surpreenderia se Mulder chegasse agora e Watkins lhe dissesse: Estudo de Controle... Isso estava...


Corta para a lanchonete.

WATKINS: - ... Escrito.

MULDER: - (INDIGNADO) Mas como sabia disso?

WATKINS: - ... Eu apenas sei, Mulder. Não há chances. O destino de vocês é meu.

MULDER: - Quando se diz que alguma coisa é obra do destino, pode-se estar querendo dizer que é produto de um jogo de forças imprevisíveis da natureza, de cruzamentos não necessários, acidentais. Uma afirmação do acaso. Mas pode ainda referir-se a algo que já estava escrito, previsto num roteiro minuciosamente traçado, do qual não se pode escapar. Negação do acaso. É isso?

WATKINS: - ...

MULDER: - ... Ok. Eu fiquei assustado com a coisa do aeroplano e das chaves. Admito. Mas se quer mesmo roubar nosso destino, por que justamente o nosso?

WATKINS: - ...

MULDER: - Por quê?

WATKINS: - Porque simpatizei com vocês. Poderia tomar isso de qualquer outro. Mas quero tomar de vocês.

MULDER: - Seu desgraçado! E se eu der o fora daqui com a Scully?

WATKINS: - Não serviram os avisos?

MULDER: - Eu não sou supersticioso.

WATKINS: - Você é. Está apenas teimando porque não quer acreditar no seu destino. Perdeu as esperanças. Está movido apenas por ódio.

MULDER: - Tá legal, mas pelo menos me fala: Se eu pegar minha mulher e voltar pra Washington agora. O que vai acontecer?

WATKINS: - ...

MULDER: - Vamos morrer?

WATKINS: - ...

MULDER: - É isso? Está dizendo que algo de ruim vai nos acontecer e que pagaremos com nossas vidas?

WATKINS: - Já disse tudo.

MULDER: - E se eu voltar amanhã?

WATKINS: - Deixará a morte aqui.

Watkins levanta-se e sai. Mulder continua curioso, mordendo o polegar.


10:22 P.M.

Mulder, sentado na varanda do motel. Cabisbaixo. Pensativo. Percebe o som de passos se aproximado. Ergue a cabeça. Watkins olha pra ele, debochadamente.

WATKINS: - Vai ficar? Pensei que voltaria pra Washington.

MULDER: - Vou.

WATKINS: - Mas você não acredita no destino.

MULDER: - Talvez por isso mesmo eu não tenha um destino.

WATKINS: -... Se não tivesse, eu não me interessaria por ele... Eu já sabia. Estava escrito que ficaria.

MULDER: - O que faz com os destinos que rouba?

WATKINS: - Coleciono.

Mulder sorri desatinado.

WATKINS: - Mas preciso do seu. Mais do que o de qualquer pessoa.

MULDER: - ... (DESANIMADO) Faça bom proveito dele.

WATKINS: - De tudo isso se pode concluir: o método que verdadeiramente leva à vitória, ao contrário do que se pode crer, não é o da força ou astúcia, mas o da justiça. Os que ousam violá-lo, porque são fortes ou astutos, na realidade trabalham pela sua própria ruína, não a seu próprio favor, mas em seu próprio prejuízo. Obtêm algumas vantagens, mas estas são apenas imediatas e aparentes, a serem pagas depois, às próprias custas. É loucura pretender que com uma conduta feita de negatividade se possam lançar trajetórias de tipo positivo para concluir em posição do mesmo sinal. Como se pode pretender que o efeito seja diverso da causa que o determinou?

MULDER: - O que está me dizendo?

WATKINS: - Você sabe o que estou dizendo.

MULDER: - ... Como pode saber da minha vida? O que eu planejo?

WATKINS: - Está escrito.

MULDER: - Então devo mudar minha ideia e desistir do meu filho?

WATKINS: - Não disse isso.

MULDER: - Então por que não diz o meu destino?

WATKINS: - Por que você não pode saber dele ou vai tomar outro rumo. E me interessa o seu destino de agora.

Mulder abaixa a cabeça angustiado.

MULDER: - Uma vez, uma vidente me disse algo. Eu... Eu não quis acreditar, porque eu não merecia aquilo.

WATKINS: - ...

MULDER: - E talvez pela minha descrença, eu tenha alterado meu destino.

WATKINS: - ...

MULDER: - Precipitei tudo. Tive um filho que talvez não fosse parte do meu destino.

WATKINS: - Tudo que nos vem é parte do destino.

MULDER: - ... Tomei o caminho errado.

WATKINS: - Não. Ela tomou.

Mulder olha pra ele.

MULDER: - ...

WATKINS: - Atalhos, lembra-se?

MULDER: - ...

WATKINS: - Videntes... Então acredita em videntes?

MULDER: - ... Eu queria acreditar nisso. Queria acreditar no meu destino. No meu futuro.

WATKINS: - ...

MULDER: - Por que vai tirá-lo de mim?

WATKINS: - Porque não é mais seu. O destino que está em seu livro não é seu.

MULDER: - ... Eu... Eu daria a minha vida pra ter esse destino.

WATKINS: - Acredito que morreria mesmo.

MULDER: - ... O que vai acontecer comigo depois que você roubar meu destino?

WATKINS: - ... Melhor não saber.

MULDER: - ... Só me diz alguma coisa...

WATKINS: - Quando eu concluir tudo isto, ficarei com seu atual destino. E você, terá outro.

[Som: Fake Plastic Trees - Radiohead]

Watkins levanta-se. Sai.

Mulder abaixa a cabeça, angustiado. Os olhos se enchem de lágrimas.


12:27 A.M.

Mulder e Scully estão deitados. Não conseguem dormir.

SCULLY: - ... Mulder?

MULDER: - Fala.

SCULLY: - E se ele tirar o nosso destino? Isso significa que não vamos mais ficar juntos?

MULDER: - ... Scully, esqueça disso e não pense mais, ok? E-eu... Eu não tenho as respostas, esse é o fato mais estranho que já vivi e ... Estou perdido, Scully! Nada se encaixa na minha cabeça, as palavras dele não fazem sentido...

SCULLY: - ... Mulder, eu... Eu tive alguns sonhos estranhos, que não me recordo bem... Eu...

Ela senta-se na cama. Olha pra ele. Derruba lágrimas.

SCULLY: - ... Alguma coisa me dizia para ter fé neles, que eles seriam a minha recompensa. Então... Então eu pensei que eles eram um presságio do meu destino e que Deus estava me mostrando que eu deveria ter paciência... (CHORANDO) Se realmente esse homem pode roubar nosso destino, isso significa que... que posso me esquecer daquilo então?

Mulder olha pros olhos azuis que derrubam lágrimas. Scully abre os braços pedindo um abraço. Ele levanta-se da cama, enfurecido. Pega a arma e sai do quarto, batendo a porta com força.


Corta pro quarto de Watkins.

Mulder arromba a porta com um chute e entra. Watkins levanta-se da cama.

WATKINS: - O que foi?

Mulder o agarra pelo colarinho, o encostando contra a parede.

MULDER: - (AOS GRITOS) Nos deixe em paz, seu canalha! Eu não ligo pra essa merda toda que você tá falando, mas ela tá ficando impressionada com isso!

Mulder o solta. Watkins começa a rir.

WATKINS: - Por que as pessoas sempre reagem assim?

MULDER: - (GRITA/ ÓDIO NOS OLHOS) Ainda não me viu reagir!!

WATKINS: - Uau! Quer dizer que agora, o Mulder reage de maneira diferente? Você nunca gostou de usar sua arma. Vai usa-la?

Mulder aponta a arma pra ele. Está nervoso, desatinado, tomado de ódio. Percebe que sua mão treme e a arma vai cair. Pega-a com a mão esquerda. Consegue firma-la.

WATKINS: - Poderia ter evitado esse trauma na mão direita. Não ouviu os avisos?

MULDER: - (GRITA) Para com isso! Eu atiro em você se não parar com isso!

WATKINS: - (RINDO)

MULDER: - (AOS GRITOS) Devolva o nosso destino!

WATKINS: - ... Eu não quero.

Close em Mulder, que aperta o gatilho. O brilho do ódio cintila nos olhos esverdeados.

Fade out. (tela escura fechando-se)


[Som de Fake Plastic Trees – Radiohead]

Fade in. (tela escura abrindo-se)

Watkins resvala o corpo pela parede, com um tiro no meio da testa. O rastro de sangue se revela na parede, juntamente com o buraco da bala. Scully entra no quarto. Olha pra Watkins. Olha horrorizada pra Mulder. Coloca a mão sobre os lábios, balançando a cabeça negativamente, enquanto derruba lágrimas de medo. Mulder olha pra ela. Abaixa a cabeça.

SCULLY: - ... Mulder... (CHORANDO) Onde... Onde está você?

MULDER: - ...

SCULLY: - E-eu desconheço esse ódio todo... Eu... Eu desconheço o sujeito que apertou esse gatilho...

Mulder ergue a cabeça e olha pra ela, num olhar jamais visto de tanto ódio e numa atitude que ela jamais viu.

MULDER: - (IRÔNICO/ CÍNICO) Mudança de destino?

Ela morde os lábios, afastando-se dele, de costas, olhando-o com incredulidade.

SCULLY: - Não... Mulder... (FECHA OS OLHOS, DERRUBANDO LÁGRIMAS) ... Eu...

Ela sai correndo porta à fora. Mulder deixa a arma cair no chão. Põe as mãos no rosto. Olha-se, por entre os dedos, no espelho pendurado na parede. Incrédulo, como se nem ele próprio se reconhecesse. Percebe a aliança em seu dedo. Enche os olhos de lágrimas.

WATKINS: - Estou bem, Mulder.

Mulder vira-se e não consegue acreditar. Watkins em pé, limpando a roupa. O furo da bala na cabeça desapareceu.

WATKINS: - É, você é bom de pontaria. Tão bom nisso quanto em sentir ódio. E em magoar quem gosta de você.

MULDER: - ...

WATKINS: - Sabe de uma coisa? A vingança é necessária. Mas apenas em alguns aspectos. Não devemos leva-la além disso. Outras coisas devem ser feitas em nome do amor... Entende ao que me refiro... Afinal, é loucura pretender que com uma conduta feita de negatividade se possam lançar trajetórias de tipo positivo para concluir em posição do mesmo sinal. Como se pode pretender que o efeito seja diverso da causa que o determinou? Ou não ouviu o aviso?

Mulder sai do quarto, desatinado. Watkins aproxima-se do espelho. Analisa seu rosto.

WATKINS: - (DEBOCHADO) Quanto pânico por nada... Só por um destino perdido...


BLOCO 4:

1:34 A.M.

Scully está sentada na varanda. Olha pro nada, olhos inchados de chorar. Watkins aproxima-se e senta-se ao lado dela.

WATKINS: - Sabe que ele faz loucuras por você, Scully.

Ela olha pra ele.

WATKINS: - Sabe que se jogar uma varinha e mandar ele pegar com a boca, o resultado será efetivo.

SCULLY: - ...

WATKINS: - Acha que só ele apertou o gatilho? (RI) Não. Você estava ali nos dedos dele.

Scully abaixa a cabeça. Watkins acende um cigarro. Oferece a ela. Ela recusa com a mão.

WATKINS: - Sabe que os destinos não mudam tanto assim? As pessoas não são diferentes umas das outras.

Scully olha pra ele.

SCULLY: - Como pode dizer isso?

WATKINS: - Você. Você por exemplo. Você se esconde atrás de uma séria agente federal, de uma pilha de livros intelectuais e científicos, tentando mostrar que por usar saias você não é menos inteligente do que um homem. Mas não é a sua vontade fazer isso. Claro que gosta, mas não quer isso 24 horas por dia, 7 dias por semana, 30 dias por mês... Você queria não ter de se esconder atrás disso. Você queria apenas acordar cedo, preparar café e torradas pro seu marido e seus filhos. Então as crianças a beijariam... Ele as deixaria na escola, a caminho do emprego...

SCULLY: - ...

WATKINS: - Então você passaria o dia todo dentro de casa, lavando lençóis, a camiseta suja que o 'Júnior' usou no jogo, costurando coisinhas, preparando alguma coisa pro jantar, anotando receitas da TV e aprendendo a fazer pequenos objetos e frufrus pra enfeitar sua casa.

SCULLY: - ... (ENCHENDO OS OLHOS DE LÁGRIMAS)

WATKINS: - Quando as crianças chegassem da escola, você estaria com o lanche servido à mesa. Elas encheriam tudo de farelos e você limparia novamente o que já havia limpado antes. Mas com um sorriso estampado nesse rosto bonito e sofrido, porque afinal de contas, são seus filhos. E filhos dele. Ele chegaria cansado do trabalho e você já pressentindo a rotina, o esperaria com um banho. Depois que colocasse as crianças na cama, você contaria uma história pra elas dormirem. Daria um beijo de boa noite. Voltaria pro quarto, o veria na cama assistindo alguma coisa na TV. Vocês fariam amor. Falariam do que aconteceu com cada um de vocês durante o dia. Então, no outro dia, tudo começaria novamente, até o final de semana, onde a família estaria reunida pro almoço, juntos o dia todo. Seja num churrasco na casa dos parentes, ou mesmo num parque. A grama espera pra ser cortada, o cachorro precisa de um banho e você planta mais uma rosa no seu jardim.

Ela abaixa a cabeça e começa a chorar. Ele continua a feri-la.

WATKINS: - E se você tivesse isso o mais não importaria. Você teria tudo. Você teria um amor, filhos e isso te bastaria.

SCULLY: - ...

WATKINS: - Mas ele não é o que você queria. E isso te aborrece algumas vezes. Você pensa: se ele pudesse ser o que eu queria. Dar o que eu queria.

SCULLY: - ...

WATKINS: - Mas você deu a ele o que ele queria. E nunca pediu nada em troca. Você sabe que a cada minuto no relógio, sua vida passa. E não quer calcular quantos minutos já perdeu de vida em tantos anos, ao lado dele. Afinal você já previa que seu destino seria outro, ao lado de um homem como Mulder.

SCULLY: - ... (DERRUBA MAIS LÁGRIMAS)

WATKINS: - Ele faz promessas. E você mantém esperanças de que um dia ele resolva dar o que você quer. De fato ele vai te dar. Mas não era assim que você queria. Você queria que ele lhe desse isso por amar você, não como um simples boleto bancário de pagamento de dívida... Você diz que ele é a sua alma gêmea. Mas sabe que são diferentes. Você diz que ele é maravilhoso, o melhor homem que você já conheceu. Mas cada segundo do relógio lhe mostra que ele não é diferente dos outros. E isso te aborrece. Porque ele apenas assumiu você. Mas não te dá nada, como os outros não te deram.

SCULLY: - ... (CHORA CONVULSIVAMENTE/ COM AS MÃOS NO ROSTO)

WATKINS: - Mas você justifica isso no amor que tem por ele, embora algumas vezes pense que seu tempo está indo embora e que vai viver longe da sua casa com flores no jardim. Você reluta porque não quer ser igual às mulheres comuns, mas no fundo você sabe que é uma mulher comum. E que deixaria tudo isso pra ter aquela vida, sentir-se protegida e segura. Você olha pra ele e pede apenas que ele lhe dê isso. Mas sabe que ele não é homem dessas coisas... Ele até já demonstrou interesse, mas você não quer alimentar isso com medo de que ele a culpe se um dia se arrepender. A vida dele é complicada e algumas vezes você se assusta quando se pega questionando se ele tem sentimentos. Ele nunca teve amor, nem uma família como a sua. Você sabe que colocar um animal selvagem num ambiente doméstico não funciona. Então você acorda toda a manhã e acredita que você pode ser um animal selvagem...

SCULLY: - (CHORANDO)

WATKINS: - Mas não é da sua natureza. Você é dócil. Você é suave. Você quer viver. Seus olhos exalam o brilho de quem tem vida. E os dele, o brilho de quem vive pra se vingar do mundo. E isso te deixa aborrecida.

Scully levanta-se. Watkins levanta-se e a segura pelo braço.

WATKINS: - Nada é como queremos na vida. Esse é o destino, Scully. Por isso mesmo as pessoas precisam ceder. Darem de si umas as outras. Mas muitas vezes elas não percebem que tomam demais e não dão nada em troca. Elas parasitam umas às outras. Apenas exigem e não percebem que a exigência em demasia faz o outro sofrer, porque ele tem uma vida também. Amizades se vão por exigência. Amores se vão por exigência.

SCULLY: - ...

WATKINS: - Não exija demais de você mesma. Dê o seu coração. Não é você a exigente. Não é você a parasita. Não há nada de errado com você. Nada de errado com o destino que queria ter. Você já pagou seus pecados por todas as coisas ruins que fez. Você agora só precisa ser feliz. E se ele não enxerga isso, ele é o cego. Mas não tenha raiva dele. Não é de propósito. Foi seu destino que o atirou num mar de lama. Ele tenta. Mas como todo o principiante em assuntos que desconhece, ele não vê que faz do jeito errado.

SCULLY: - ...

WATKINS: - Dois destinos diferentes que se uniram num só, Scully.

Scully sai derrubando lágrimas, convulsivamente. Watkins olha pra ela com piedade.


Corta pra Mulder saindo do quarto. Scully passa por ele, abaixa a cabeça pra não olha-lo, e entra no outro quarto. Mulder olha pra ela, com lágrimas nos olhos. Ela fecha a porta. Mulder escuta o barulho da porta fechando-se, e fecha seus olhos. Escorrem lágrimas. Ele olha pra Watkins com a dor estampada no rosto. A fisionomia do perdedor, de quem sabe que não há porque lutar. A guerra está perdida mesmo.

MULDER: - (MAGOADO) Pensando em qual destino vai roubar depois que se livrar de nós?

Watkins olha pra ele.

WATKINS: - Se pudesse ver o que eu vejo. Se pudesse saber o que eu sei.

MULDER: - Por que não me diz?

WATKINS: - Por que diria? O que adianta dar uma enciclopédia ao jumento? Ele só vai come-la.

MULDER: - O que andou dizendo pra Scully?

WATKINS: - A verdade... Nada do que ela já não soubesse.

MULDER: - ...

WATKINS: -... (CANTAROLANDO) Seu regador de plástico verde, para sua falsa-seringueira chinesa, na terra falsa de plástico...

Mulder olha pra ele.

WATKINS: - ... (CANTAROLANDO) Que ela comprou de um seringueiro, numa cidade cheia de falsas-seringueiras, para livrar-se dela mesma... E isso a aborrece ...

Mulder olha pra ele com um ar de quem está tentando decifrar um enigma.

WATKINS: - ... (CANTAROLANDO) Ela vive com um homem falido, um homem de polietileno rachado, que apenas se esfarela e carboniza. Ele costumava fazer cirurgias para garotas nos anos 80, mas a gravidade sempre vence e... Isso o aborrece...

MULDER: - ...

WATKINS: - ... (CANTAROLANDO) Se eu pudesse ser quem você queria... o tempo todo. (OLHA PRA MULDER E FALA) ... Mas eu tenho medo. Muito medo. Porque afinal, eu tenho medo das coisas que me fogem a compreensão. Medo do desconhecido. Medo de ser feliz, porque sou um culpado. Eu quero aprender a viver, mas eu tenho uma sina. Então vou misturar as duas coisas num belo coquetel explosivo. Dou o filho que ela quer e isso já me serve de vingança. Juntamente com as coisas más que terei de fazer.

Mulder abaixa a cabeça.

WATKINS: - Mas eu esqueço que meu filho não tem nada a ver com essa vingança. Ele tem a ver com o amor que tenho por ela. Ele deveria vir desse amor. Não do ódio... Mas, como o ciclo vicioso da vida ensina, eu critico quem me gerou e faço igual ou pior aos meus descendentes.

Mulder levanta-se. Bate na porta de Scully. Watkins acende um cigarro e traga-o profundamente, olhando pras estrelas.

[Som: Fake Plastic Trees – Radiohead]

Scully abre a porta, vestida numa camisola. Ele olha pra ela. A retina azul contrasta com as pupilas inchadas e vermelhas. Ela abaixa a cabeça. Ele entra e fecha a porta. Olha pra ela.

MULDER: - Scully...

SCULLY: - ...

MULDER: - ... Eu posso ser quem você quer.

SCULLY: - Não. Você não pode.

MULDER: - Posso. Porque eu sou.

Ela vira-se de costas pra ele. Liga a TV. Senta-se na cama. Lágrimas correndo. Ele senta-se ao lado dela. Ela levanta-se. Ele a acompanha com os olhos, sentindo-se culpado. Ela olha pra ele, derrubando lágrimas.

SCULLY: - (GRITA) Eu me anulo! Eu faço tudo por você, todas as loucuras pra você, eu...

Ela desliga a TV. Empurra a TV com raiva, deixando-a cair no chão. Mulder fica calado, abaixa a cabeça.

SCULLY: - E eu só te peço ... (CHORANDO) Uma vida! Só isso... (CHORA) Eu... eu só quero ter uma vida...

Ela se joga no chão, chorando. Ele ergue a cabeça, derrubando lágrimas.

MULDER: - ... (ANGUSTIADO) Isso prova que ele roubou nosso destino.

SCULLY: - ... Não. Isso prova que nós dois alteramos o destino!

MULDER: - ...

SCULLY: - (CHORANDO INCONFORMADA) Como a água e o vinho podem se misturar? A não ser por um milagre?

Ela chora convulsivamente. Ele ajoelha-se ao lado dela. Toca-a, mas ela se livra da mão dele com o braço. Ele olha pra ela e senta-se no chão. Começa a chorar.

MULDER: - (CHORANDO) Eu... eu não entendo, Scully. Eu faço tudo por você. Olha a loucura que estou fazendo por você...

SCULLY: - Não a faça. Eu não quero mais. Não, eu não quero.

MULDER: - ...

SCULLY: - (GRITA) Não quero!

MULDER: - ... (CABISBAIXO)

SCULLY: - Não quero isso por vingança! ... Eu quero o meu filho por amor! ... Só por amor... A conquista dele por amor...

Ela continua chorando, aquele choro do fundo da alma, de dor. Ele também.

MULDER: - Eu te amo! ... Eu morreria por você... Mas... eu... eu faço tudo errado... Sempre fiz tudo errado.

SCULLY: - ...

MULDER: - ... Me dá uma chance? ... Me ensina a fazer certo?

Ela continua chorando, sem olhar pra ele.

MULDER: - Eu... eu não aprendi a amar. Eu nunca tive uma família. Se me ensinar o que essas coisas significam, eu posso aprender.

SCULLY: - (GRITA) Não quero que aprenda o que não é da sua natureza!

MULDER: - ...

Ele levanta-se, desatinado, chorando, saindo porta a fora. Passa por Watkins que o observa.


6:19 A.M.

Scully, segurando sua mala, caminha pelo estacionamento do motel. Para no ponto de ônibus. No olhar a dor, as lágrimas, mas ao mesmo tempo, o brilho de quem tirou o peso da alma, de quem falou a verdade, tirando algo da consciência que lhe estava ferindo. Ela olha pra estrada deserta. Olha pro relógio. Ela simula que vai olhar pra trás, mas se censura. Abaixa a cabeça e derruba lágrimas.


Corta para Watkins, que observa Scully através da janela da lanchonete. Toma um gole de café. Olha para o relógio na parede. Abre um sorriso de felicidade.

WATKINS: - Em 10 minutos, coordenada zero. E completo meu objetivo. Destino roubado.


Corta pra Mulder que sai de seu quarto, sem camisa. Ao ver Scully no ponto de ônibus com a mala, ele começa a ir a seu encontro. Mas se detém. Olha pra ela, mas abaixa a cabeça, como quem sabe que errou. Dá as costas e volta pro quarto. Bate a porta. Deixa o corpo escorregar pela porta, até cair sentado no chão, chorando convulsivamente.


Corta para Watkins saindo da lanchonete. Olha pro relógio no pulso. Olha pra Scully. Olha pro quarto de Mulder. Então caminha até Scully. A toca no ombro.

WATKINS: - Vai tomar seu destino?

SCULLY: - ... Não tenho mais destino.

WATKINS: - Todos têm destino. Pode fazer um novo pra vocês. Lembre-se dos atalhos. Eles levam ao destino errado.

SCULLY: - ???

WATKINS: - Vai seguir sem ele?

SCULLY: - Você roubou nosso destino?

WATKINS: - Em 5 minutos completo isso. Nada restará do destino de vocês. Nada.

SCULLY: - ...

WATKINS: - Nunca diga nunca, Scully... Por que tudo significa uma coisa ruim pra você? Se quer fugir do seu destino, pelo menos pode adiar um pouco a sua partida?

Scully olha pra ele, com a fisionomia de quem não está entendendo.

SCULLY: - Por quê?

WATKINS: - Ele está tendo uma convulsão e vai morrer em cinco minutos se você não o ajudar. Aqueles chips implantados nele, aquela lesão cerebral...

Ela arregala os olhos em pânico, solta a mala no chão e corre até o quarto. Tenta empurrar a porta, mas não tem força. Ela grita pra Watkins.

SCULLY: - Me ajuda!

Watkins não se move. Apenas a observa. Coloca a mochila nas costas. Acende um cigarro calmamente. Dá as costas e toma a estrada, olhando pro relógio.

WATKINS: - (NERVOSO) Quase coordenada zero. (SORRI) Vou conseguir.

Fade out.


Fade in.

[Som: Fake Plastic Trees – Radiohead]

[Sem áudio das personagens]

Scully consegue empurrar a porta e o corpo de Mulder, que está caído no chão, em meio ao sangue que se espalha. Ela ajoelha-se, em pânico, enquanto ele derrama sangue pelo nariz e ouvidos, com pequenos objetos estranhos que saem pelo corpo dele o rasgando. Num estado de tremor completo. Ela desespera-se. Tenta segura-lo, abrir sua boca. Ele continua tremendo.

SCULLY: - Mulder!!! Mulder, me escuta!!!!

MULDER: - ...

SCULLY: - (CHORANDO) Mulder!!!!!!

Ele para de tremer. Fecha os olhos. Ela abraça-se nele, chorando, afagando seus cabelos, sujando-se toda de sangue. Ele abre os olhos, confuso, desatinado.

Fade out.


Fade in.

[Som: Fake Plastic Trees – Radiohead]

Watkins olha pro relógio.

WATKINS (OFF): -(SORRI) Transferência completa. Agora tenho o destino deles.

Ele continua caminhando sob o sol escaldante. No rosto, o brilho de quem se sente feliz, por ter conseguido realizar seu objetivo. Ele acena, pedindo carona pro único carro que se aproxima. O carro passa por ele, sem parar. Watkins ajeita a mochila no ombro e segue a estrada. O sol lhe irrita os olhos. Ele caminha cabisbaixo, sozinho. Ergue a cabeça e olha pro horizonte. A estrada parece não ter fim. Mas mesmo assim ele sorri. Ele roubou mais um destino. Agora sabia que era só esperar. Sorri feliz. Aliviado. Envolto em esperança. Percebe o volume de um chip metálico surgindo na pele da sua mão. Então limpa com as mãos, as gotas de sangue que escorrem do seu nariz.


X


04/09/2000


13 de Agosto de 2019 a las 03:26 0 Reporte Insertar Seguir historia
1
Fin

Conoce al autor

Lara One As fanfics da L. One são escritas em forma de roteiro adaptado, em episódios e dispostas por temporadas, como uma série de verdade. Uma alternativa shipper à mitologia da série de televisão Arquivo X.

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