gloriatessaro Glória Tessaro

Katherine está numa situação delicada: Perdeu os pais, está se mudando para sua cidade natal depois de 10 anos, indo para um colégio novo e superando o peso de uma traição. A única coisa que mantém sua sanidade é o ballet, que pratica religiosamente todos os dias, mesmo que se sinta sobrecarregada conciliando a atividade com a escola e o ano de vestibular. Dandara decide enfrentar a sociedade e seguir com a carreira de violinista. Tocando mais de dez instrumentos, desde os oito anos de idade a conexão entre ela e um violino é maior do que qualquer outra. A não ser, provavelmente, sua conexão com Katherine, sua melhor amiga de infância. Quando descobre que a amiga vai voltar após a morte de seus pais, o coração de Dandara se enche de alegria, tristeza e dúvidas. Mesmo depois de tantos anos, a amizade de Dandara e Katherine ressurge mais forte do que nunca. Talvez, forte até demais... As duas vão se tornando cada vez mais próximas e com os sentimentos sobre a outra cada vez mais confusos. Entre angustias, incertezas, transtornos, brigas, triângulos amorosos e traições, nossa história de amor e amizade cria raízes profundas. Então que se abram as cortinas, pois o show vai começar.


LGBT+ No para niños menores de 13.

#258 #adolescente #música #dança #ballet #brasil #young-adult
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Capítulo 1

Lembro-me claramente do momento antes de descobrir que meus pais morreram. Estava no ballet e tocava Inverno de Vivaldi. Flutuava pelo salão, dançando como se o mundo não fosse desmoronar para mim em questão de tempo. A cada pirueta que eu dava, sentia a vida que eu não iria mais sentir em alguns minutos. A cada grand jeté, não imaginava que minha alma, no momento tão viva, iria morrer aos poucos.
Então eu recebi a notícia: Meus pais haviam batido em um caminhão desgovernado enquanto voltavam de sua viagem de bodas. O carro estava destruído. Morreram na hora.
Eu entrei em choque, chorando lágrimas que eu nem sabia que tinha. Não lembro de muito. Lembro de parar de dançar na hora que minha professora me contou o que havia acontecido. Meu coração apertou no peito e um nó se formou na minha garganta. A música se tornou distante e um grito mudo saiu da minha garganta.
Era como se todo o ar saísse dos meus pulmões de uma só vez, como quando você cai de costas no chão. Uma sensação horrível de asfixia tomou conta de mim. A sala escureceu e eu acordei novamente em casa. Órfã. Chorei alto o dia inteiro. A dor, o vazio, pareciam que nunca iriam acabar. Meu namorado, Matheus, tentou, sem sucesso algum, falar comigo o dia inteiro. E naquele dia, eu não comi, só haviam forças para chorar, ou o que restava dela, e cai no sono por exaustão.

No dia seguinte, minha tia apareceu na minha casa. Teria que morar com ela, já que todos os meus avós já haviam falecido. Ela morava em uma pequena cidade litorânea chamada Cabo das Flores. Era uma cidade composta por várias casas coloniais e de clima ameno e fresco. Eu havia crescido lá, mas com 8 anos eu me mudei para a capital.
Pra minha "sorte", ainda era Janeiro e a melhor escola particular da cidade iria me aceitar sem prova para concluir o terceiro ano, porque minha tia e minha mãe já haviam dado aula lá. Além disso, havia uma ótima academia de ballet, fundada pela ex prima do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Pelo menos, a dança não iria me faltar.
Minha tia ficaria comigo aqui na cidade por mais duas semanas, depois nos mudaríamos. Dessa forma, ela poderia anunciar a casa que eu morava com meus pais, já que eu não a queria, e o dinheiro ficaria guardado para mim. Além disso, eu poderia me despedir dos meus amigos.
Como se eu quisesse sair de casa.
Me olhei no espelho do meu quarto escuro. O desgrenhado castanho que eu chamava de cabelo parecia um ninho de pássaros, meu rosto estava vermelho e inchado, de forma que meus olhos agora se resumiam a dois pontos castanhos, quase imperceptíveis, ao lado do nariz. Meu rosto já estava sujo graças a maquiagem do dia anterior, que eu não havia tirado. Estava de tal forma que era difícil ver os pequenos pontos que cobriam as maçãs do rosto e nariz. Aliás, esse não era o único problema em eu não ter feito nada no dia anterior: Eu estava fedendo a suor, já que eu não havia tomado banho.
De repente, meu estômago, que até então havia se limitado à roncar e doer o dia inteiro, começou a borbulhar. Sabia bem o que estava por vir. Corri para o banheiro, desesperada para não ficar mais suja.
Não deu muito certo, meu cabelo e minhas roupas ficaram com bile. Se você nunca vomitou bile, dê graças à Deus. É o pior gosto, cheiro e sensação que você poderia experimentar.
Resmunguei tirando a roupa para tomar um banho. Estava deprimida, claro, mas ficar suja de vômito era demais pra mim. Aproveitei isso para tirar toda sujeira e suor do corpo, assim como para desembaraçar o cabelo.
Enquanto a água quente batia nas minhas costas, tentava focar meus pensamentos em coisas boas, porque eu sentia que eu entraria em pânico.
"Meu nome é Katherine Alcântara. Tenho 17 anos. Sou a prima da academia de ballet. Moro na Rua Castro Alves..." Comecei a sussurrar ofegante, utilizando a técnica que a psicóloga da companhia ensinava à todas as bailarinas para acalmar os ânimos. Repeti as informações sobre mim até sentir que eu estava bem. Então fui mudando a temperatura do chuveiro aos poucos, até a água estar gelada. Depois de mais ou menos um minuto, desliguei e peguei a toalha.
Me olhei novamente no espelho, o cabelo grudando no rosto branco e os enormes olhos castanhos encarando o reflexo de forma triste.
"Vai dar tudo certo. Eu acho." Disse para mim mesma forçando um sorriso. Imediatamente senti vontade de cair em lágrimas novamente, mas segurei. "Você é bonita. Você é forte. Você é gentil. Você consegue." Falei fazendo o ritual de antes de entrar no palco: convencer a mim mesma de que sou capaz. Claro, a situação era um pouco mais complicada que um recital de fim de ano, mas achei que poderia ajudar.

Me vesti, saí do quarto e imediatamente senti a luminosidade incomodar meus olhos. Havia um cheiro delicioso de algo parecido com torta de maçã no ar. Não, eu tenho CERTEZA, era mesmo a guloseima. Fui caminhando até a cozinha, onde eu encontrei Tia Petúnia fazendo a torta. Meu olfato nunca falha.
Tia Petúnia era uma mulher de meia idade com aparência jovial, cabelos pretos sempre muito bem arrumados e olhos azuis bondosos. Andava sempre com vestidos floridos e um colar de pérolas. Às vezes, parecia que alguém havia trazido ela dos anos 60, porque sempre que eu a olhava me lembrava de pin ups.
"Como você está se sentindo, docinho? Eu sei que você adora torta de maçã, então achei que talvez pudesse te fazer uma. Eu sei que não é muito..."
Sorri. Petúnia era uma mulher doce e encantadora, sempre preocupada em ajudar.
"Ajuda sim, tia. Eu sei que não tem muito o que fazer... Eu entendo. Não se culpe por isso." Disse dando um sorriso triste. Ela me abraçou e deu um beijo em minha testa.
"Ah, o Matheus tá ligando pra cá desde ontem. É melhor você falar com ele, ele parece preocupado.

A última coisa que eu queria, definitivamente, era falar com o Matheus.

No dia da morte dos meus pais, nós havíamos brigado feio porque ele achava que eu ligava mais pro ballet que pra ele. Não que fosse mentira. Além de... Bem, outras coisas que ele fez.


Como se ele estivesse ouvindo, meu telefone tocou. Bufei furiosa, mas resolvi atender enquanto ia para a varanda.

"O que você quer?"

"Kat, por favor, vamos conversar..."

"Eu não tenho nada pra falar contigo, Matheus."
"Ei, eu entendo que você tá com raiva de todo mundo agora... Mas você tem que entender que as pessoas não têm nada a ver com o que aconteceu e..."
"Eu não tô com raiva de todo mundo - Cortei ele irritada. - Eu tô com raiva de VOCÊ."
"Mas amor..."
"Você me trai e ainda tem coragem de me chamar de amor?! Como se não bastasse me trair, você tinha que fazer isso logo com a menina que mais me odeia na companhia inteira?!"
"Eu disse que eu posso explicar!"
Suspirei. Não queria mais conversar aquilo, não queria mais ver a cara dele... Eu queria ficar em paz.
"Olha só... Eu tô passando por um momento delicado. Por favor, respeita ao menos isso."

Pude ouvir um suspiro decepcionado do outro lado da linha.
"Tá bem. Desculpa, eu só..."
Não ouvi o que ele iria dizer depois e desliguei. Mexi no cabelo nervosamente, para depois fazer um coque rápido, tentando parar de relembrar o que eu havia visto.

Uma semana atrás, eu fui fazer uma audição para uma escola e companhia de ballet russa para o ano seguinte. Enquanto eu ia para o teatro onde seria minha audição, eu decidi passar na escola de ballet para repassar alguns passos. Enquanto subi as escadas, ouvi o barulho de algo caindo. Achei estranho, pois a secretária disse que não havia ninguém mais na escola.
"Shhhh vão acabar nos descobrindo..." Uma voz sussurrou entre risos. Era feminina, e me parecia familiar. Por algum motivo, resolvi ir até a sala de onde vinha o barulho. Chegando lá, encontrei a última cena que eu gostaria: Matheus, meu namorado, sem blusa, com uma garota em seu colo. Ela tinha uma cabeleira loira brilhante que ia até os ombros e pele como mármore. Sua blusa e seu sutiã estavam no chão, a mão do meu namorado estava por baixo da saia. Quando eles viraram, assustados, para ver quem havia descoberto eles, reconheci Cecília, uma das minhas maiores rivais de dança.

Depois de ver isso, eu corri para onde minha audição seria. Fiz tudo com extrema perfeição, pra ser chamada logo. Eu só queria sumir dali, queria que ele sumisse da minha vida. Nada de Cecília e suas atitudes mesquinhas ou de relembrar a traição de Matheus. Só eu e o ballet, à 14.450 quilômetros de distância daqui. Entretanto, até agora eu ainda não havia recebido a carta. Tentava pensar que não era por eu não ser boa o suficiente, afinal eu era a prima da companhia, mas a ideia de que ter visto aquela traição atrapalhou minha performance voltava constantemente.

Quando cheguei em casa naquele dia, ele estava no portão.
"Kat, vamos conversar..."
"Não tenho nada pra falar com você."

"Foi um momento de fraquez..."
Antes que eu pudesse pensar no que estava fazendo, minha mão estalou em sua bochecha.
"FRAQUEZA? É ESSA SUA DEFESA?!" Gritei, as lágrimas escorrendo pelo meu rosto e borrando minha maquiagem.
"Katherine..." Ele disse pegando a minha mão. A soltei e olhei séria no fundo dos seus olhos.
"Se me traiu por ser fraco, fique forte. Eu não tenho mais nada para resolver com você. Saia daqui." Disse com a voz baixa entregando a aliança que ele havia me dado em sua mão.


Lembrar de tudo isso me deu um nó no estômago. Não podia mais ficar aqui. Estava decidido. Durante o jantar disse pra minha tia que queria me mudar o quanto antes, de preferência amanhã.
"Você tem certeza, querida? As vezes, ficar aqui pode ser mais reconfortante..." Ela disse servindo uma fatia de lasanha para mim.
"Tenho. Quero me livrar das lembranças daqui o quanto antes. Recomeçar, sabe?"
Ela ponderou em silêncio por alguns minutos e assentiu com a cabeça.
"Está certo. Partiremos amanhã mesmo."

Na manhã seguinte, fiz uma espécie de ritual de despedida. Acordei e me sentei na cama. Os móveis seriam buscados depois. O sol beijou carinhosamente minha face enquanto eu ia lentamente para o banheiro. Tomei a ducha mais demorada que eu já havia tomado. Me enxuguei vagarosamente, olhando meu reflexo no espelho. Cada pinta, cada curva, cada sarda, cada fio de cabelo. Suspirei me apoiando na pia. Uma vida nova. Uma vida nova... Isso pede um cabelo novo. Estava decidido, amanhã eu iria cortar.
Depois de me secar, peguei a roupa na cadeira da escrivaninha do quarto. Fui vestindo uma peça por vez, aproveitando aquela despedida silenciosa. Ia observando cada detalhe do quarto, cada foto na parede, cada prêmio na prateleira. Enquanto sentia os tecidos escorregarem pela minha pele, e quase podia sentir o cheiro de café vindo da cozinha, sempre feito nos dias de semana para minha mãe me levar para a aula, enquanto meu pai lia o jornal. Andei pelo corredor vendo cada retrato, cada mancha, relembrando cada momento. Parei na porta do quarto deles. Senti o perfume da minha mãe, o cheiro do creme de barbear do meu pai.

Saí, segurando o choro, e fui até o terraço. Onde antes haviam plantas e vasos, agora não havia mais nada. Lembrei das tardes de verão que passei pegando sol com minhas amigas ou então na piscina de plástico quando era criança, ou ainda os churrascos de festas e feriados.

Desci as escadas em caracol, deixando minha mão deslizar sobre o ferro frio. Caminhei para a cozinha e, de olhos fechados, pude ver a cena mais comum dos meus dias de semana. Minha mãe fazendo o café, já vestida para ir para seu consultório. Meu pai lendo o jornal, também vestido para ir para a redação onde trabalhava. Ele deixava as panquecas prontas antes do café, porque a única coisa que ela fazia na cozinha era café. Depois andei até a sala, onde nos reuníamos no fim do dia para jantar, assistir TV e conversar. Eram tantas lembranças que uma lágrima inevitavelmente escorreu pelo meu rosto.

Ouvi a buzina de um carro e imaginei que fosse minha tia avisando que era hora de ir. Peguei minha mochila e a mala, mas parei na porta. Olhei para trás, sentindo as lágrimas descerem pelo meu rosto. Fechei os olhos e respirei uma última vez aquele ar nostálgico e triste da casa.

Depois fechei a porta e não olhei mais para trás.



NOTAS:

Grand jeté = Passo de ballet. Um longo salto horizontal, geralmente para frente, a partir de uma perna com desembarque por outra.

20 de Agosto de 2019 a las 02:14 0 Reporte Insertar Seguir historia
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